Acessibilidade / Reportar erro

Avaliação de escrita na dislexia do desenvolvimento: tipos de erros ortográficos em prova de nomeação de figuras por escrita

Assessment of writing in developmental dyslexia: types of orthographic errors in the written version of a picture naming test

Resumos

OBJETIVO: avaliar o padrão de resposta de disléxicos em uma tarefa de nomeação de figuras por escrita, por meio da análise dos tipos de erros ortográficos cometidos. MÉTODOS: o desempenho de um grupo de 15 disléxicos foi comparado ao de dois grupos controles, pareados por idade e por nível de leitura. RESULTADOS: os grupos dislexia e controle por leitura não diferiram quanto ao número de acertos, mas ambos acertaram menos que o grupo controle por idade. Com relação aos tipos de erros, foram observadas diferenças significantes com maior número de erros entre disléxicos para erros de correspondência unívoca grafema-fonema, omissão de segmentos e correspondência fonema-grafema independente de regras. CONCLUSÃO: conclui-se que a análise dos erros ortográficos é útil para a compreensão das estratégias utilizadas e dos processos lingüísticos subjacentes às dificuldades de escrita em indivíduos com dislexia.

Dislexia; Escrita Manual; Avaliação Educacional


PURPOSE: to evaluate the response pattern of dyslexic subjects in the written version of a picture naming task, by analyzing the types of orthographic errors committed. METHODS: the performance of a group of 15 dyslexics was compared to two control groups matched by age and by reading level. RESULTS: the dyslexic and the reading control groups did not differ on the number of submitted errors, but both committed more errors than the age control group. Regarding the types of orthographic errors submitted, the most frequent errors within the dyslexic individuals were: errors of univocal grapheme-phoneme correspondence, omission of segments and phoneme-grapheme correspondence regardless of any rule. CONCLUSION: it is concluded that analyzing orthographic errors is useful for understanding the used strategies and the linguistic processes underlying the writing difficulties in dyslexic subjects.

Dyslexia; Handwriting; Educational Measurement


Avaliação de escrita na dislexia do desenvolvimento: tipos de erros ortográficos em prova de nomeação de figuras por escrita

Assessment of writing in developmental dyslexia: types of orthographic errors in the written version of a picture naming test

Maria José Cicero Oger AffonsoI; Carolina Mattar Julien de Toledo PizaII; Anna Carolina Cassiano BarbosaIII; Elizeu Coutinho de MacedoIV

IPsicóloga; Docente da Faculdade de Psicologia da Universidade do Norte Paulista- UNORP; Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie – UPM, São Jose do Rio Preto, SP – Brasil

IINeuropsicóloga do Núcleo de Atendimento Neuropsicológico Infantil; Mestre em Ciência pelo Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil

IIIPsicóloga; Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie – UPM, São Paulo, SP – Brasil; Doutoranda em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie – UPM, São Paulo, SP – Brasil

IVPsicólogo; Pesquisador Produtividade CNPq; Coordenador do Núcleo de Neurociências do Comportamento e do Programa de Pós-Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana Mackenzie – UPM, São Paulo, SP – Brasil; Doutor em Psicologia Experimental IP/USP

Endereço para correspondência Endereco para correspondência: Maria José Cicero Oger Affonso Rua: XV de Novembro, 4321 São José do Rio Preto, SP CEP:15015110 E-mail: m.j.oger@terra.com.br

RESUMO

OBJETIVO: avaliar o padrão de resposta de disléxicos em uma tarefa de nomeação de figuras por escrita, por meio da análise dos tipos de erros ortográficos cometidos.

MÉTODOS: o desempenho de um grupo de 15 disléxicos foi comparado ao de dois grupos controles, pareados por idade e por nível de leitura.

RESULTADOS: os grupos dislexia e controle por leitura não diferiram quanto ao número de acertos, mas ambos acertaram menos que o grupo controle por idade. Com relação aos tipos de erros, foram observadas diferenças significantes com maior número de erros entre disléxicos para erros de correspondência unívoca grafema-fonema, omissão de segmentos e correspondência fonema-grafema independente de regras.

CONCLUSÃO: conclui-se que a análise dos erros ortográficos é útil para a compreensão das estratégias utilizadas e dos processos lingüísticos subjacentes às dificuldades de escrita em indivíduos com dislexia.

Descritores: Dislexia; Escrita Manual; Avaliação Educacional

ABSTRACT

PURPOSE: to evaluate the response pattern of dyslexic subjects in the written version of a picture naming task, by analyzing the types of orthographic errors committed.

METHODS: the performance of a group of 15 dyslexics was compared to two control groups matched by age and by reading level.

RESULTS: the dyslexic and the reading control groups did not differ on the number of submitted errors, but both committed more errors than the age control group. Regarding the types of orthographic errors submitted, the most frequent errors within the dyslexic individuals were: errors of univocal grapheme-phoneme correspondence, omission of segments and phoneme-grapheme correspondence regardless of any rule.

CONCLUSION: it is concluded that analyzing orthographic errors is useful for understanding the used strategies and the linguistic processes underlying the writing difficulties in dyslexic subjects.

Keywords: Dyslexia; Handwriting; Educational Measurement

INTRODUÇÃO

No Brasil, 30% a 40% das crianças das primeiras séries escolares apresentam alguma dificuldade escolar, das quais 3% a 5% apresentam transtornos de aprendizagem1. Dentre os transtornos de aprendizagem, o distúrbio mais freqüente é a dislexia, também chamada de transtorno específico de leitura2.

A característica essencial da dislexia é o comprometimento específico e significativo do desenvolvimento das habilidades de leitura, não atribuível a outras causas, tais como: deficiência mental, transtornos sensoriais ou escolarização inadequada3. As dificuldades dos disléxicos têm sido mais freqüentemente atribuídas a um déficit no componente fonológico da linguagem4.

Há uma relação causal e bidirecional entre o processamento fonológico e a linguagem escrita5. Isto é, as habilidades de processamento fonológico são um pré-requisito para a aquisição da linguagem escrita e, ao mesmo tempo, a competência em leitura e escrita promove o desenvolvimento dos níveis mais refinados de processamento fonológico, em uma relação de causalidade recíproca6-9.

Desta forma, tanto o déficit nas habilidades fonológicas quanto a menor exposição à leitura decorrentes da dislexia são fortes indicadores de que, apesar de ser um distúrbio específico de leitura, a dislexia esteja também associada a problemas com a escrita. Estudos que avaliam essa habilidade em indivíduos disléxicos são escassos, já que a maioria dos estudos concentra-se na habilidade de leitura. Não obstante, há evidências de prejuízo na escrita e nomeação automática em indivíduos disléxicos10, os quais apresentam alta freqüência de erros ortográficos em provas de ditado e redação11-14.

O ditado permite ao examinador controlar certas características das palavras, tais como, quantidade, complexidade e familiaridade. E, desta forma, é possível avaliar que tipo de palavra gera mais erros. Em provas de ditados de palavras de alta e baixa freqüência e pseudo-palavras, indivíduos com transtorno específico de leitura apresentam maior prejuízo que escolares sem o transtorno, com acentuada dificuldade na escrita das palavras menos familiares e das pseudopalavras11,13.

O desempenho na escrita também pode ser avaliado por meio da análise dos tipos de erros apresentados. A análise e classificação dos erros ortográficos fornecem pistas quanto aos processos lingüísticos subjacentes a eles e pode auxiliar no planejamento de estratégias de intervenção mais eficazes para indivíduos com dislexia.

A classificação de erros ortográficos pode ser feita de diversas maneiras. Dentre as quais, destacam-se os critérios propostos por Cervera-Mérida e Ygual-Fernández15. Esses critérios foram criados para a língua espanhola, mas são facilmente adaptáveis ao português do Brasil e permitem operacionalizar de maneira direta a correção e classificação dos erros. Segundo esses autores, os erros podem ser classificados em erros de ortografia natural e de ortografia arbitrária.

Os erros de ortografia natural são os que mostram alteração do princípio alfabético e denotam uma falha no processamento da linguagem. Esses erros podem ser considerados de natureza predominantemente fonológica14 e dividem-se em: erros na correspondência biunívoca grafema-fonema, erros por omissão e adição de segmentos, erros por alterações da ordem dos segmentos, e erros por segmentações e junções indevidas de palavras. Os erros de ortografia arbitrária, por sua vez, são as transgressões das convenções ortográficas e se subdividem em erros de correspondência fonema-grafema dependentes do contexto e erros de correspondência fonema-grafema independente de regras.

Zorzi e Ciasca14 avaliaram indivíduos com diversos tipos de transtornos de aprendizagem, dentre eles a dislexia, em provas de ditado e redação a fim de identificar um perfil ortográfico. Verificaram que os tipos de erros encontrados não diferem daqueles encontrados em crianças sem queixa de aprendizagem da escrita. Segundo esses autores, não se observa uma categoria distinta ou específica de erros, mas sim possíveis variações em termos de freqüência de ocorrência. Vale notar que a quantidade de indivíduos disléxicos avaliados nesse estudo foi reduzida (N=3), tornando os resultados pouco conclusivos para esse grupo específico.

Os erros ortográficos podem ser avaliados em provas de ditado, redação ou nomeação por escrita. No ditado, é possível controlar as palavras escolhidas, mas o indivíduo tem acesso à forma falada da palavra logo antes de escrevê-la. Na redação, a escrita é espontânea, mas a análise dos erros fica dificultada por não ser possível controlar diversos aspectos da produção dos participantes, como por exemplo, a quantidade de palavras. Uma prova de nomeação de figuras por escrita assemelha-se ao ditado por permitir ao examinador o controle mais próximo das palavras escolhidas e aproxima-se à redação por proporcionar um tipo de escrita espontânea, na qual o indivíduo não ouve as palavras antes de escrevê-las.

No presente estudo foi utilizada uma prova computadorizada de nomeação de figuras por escrita para avaliar quantitativa e qualitativamente a escrita de indivíduos com dislexia pareados por idade e por nível de leitura a dois grupos controle. A prova computadorizada, padronizada para as crianças brasileiras16, permite que as palavras sejam digitadas, facilitando a correção e evitando que erros por disgrafia possam interferir nos resultados.

Assim, o objetivo deste estudo foi avaliar o padrão de resposta de disléxicos em uma tarefa de nomeação de figuras por escrita, por meio da análise dos tipos de erros ortográficos cometidos.

MÉTODOS

Participantes

Quinze crianças com dislexia (grupo dislexia), com idades entre 8 e 12 anos, participaram desse estudo. As crianças eram provenientes de escolas públicas e particulares do estado de São Paulo e foram diagnosticadas segundo os critérios do DSM IV-TR2 e da CID-103.

Os critérios de exclusão adotados para esse estudo foram: 1) presença de co-morbidade com o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade; 2) QI total (calculado pelo WISC III) abaixo da média, isto é, com escore total menor que 80; 3) discrepância de menos de um ano, em relação à série, no Teste de Competência de Leitura de Sentença17; 4) suspeita de deficiências visuais e/ou auditivas sem correção; 5) presença de lesões cerebrais, histórico de doenças clínicas neurológicas ou psiquiátricas e; 6) atraso no desenvolvimento de linguagem oral, atraso neuropsicomotor e deficiência intelectual.

O desempenho das crianças do grupo dislexia foi comparado ao de dois grupos controles, pareados por idade e por nível de leitura. Os participantes dos grupos controle foram selecionados da base de dados utilizada para a normatização da Bateria de Leitura e Escrita (BALE)16-17. O grupo controle por idade foi composto de 15 crianças com desempenho de leitura dentro da média esperada, com base na média total da série cursada, e foi pareado por sexo, idade e tipo de escola às crianças do grupo dislexia. O grupo controle por nível de leitura, por sua vez, foi composto por leitores mais novos, pareados com os disléxicos pelo sexo, tipo de escola e desempenho de leitura.

A Tabela 1 sumaria a caracterização dos participantes de cada grupo quanto ao sexo, média (DP) de idade, tipo de escola – pública ou privada – e série do ensino fundamental cursada.

Os pais e responsáveis pelos participantes do grupo dislexia foram esclarecidos quanto ao procedimento da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Como exposto, os participantes do grupo controle fizeram parte dos estudos de padronização da BALE, nos quais a autorização obtida pelos pais e responsáveis e os procedimentos éticos realizados foram devidamente documentados16-17.

Instrumentos

As crianças do grupo dislexia foram avaliadas por uma extensa bateria de testes neuropsicológicos para fins diagnósticos. Ao término das avaliações, foram realizadas entrevistas devolutivas com a entrega de relatórios individuais aos responsáveis de cada participante. Para efeitos de concisão, somente os testes de leitura e escrita, que tiveram relação direta com os objetivos deste estudo e que foram aplicados também nos participantes dos grupos controle, serão descritos.

Para avaliação de leitura e escrita foram utilizados dois testes que fazem parte da BALE-Computadozizada16: o Teste de Competência de Leitura de Sentença (TCSE) e o Teste de Nomeação de Figura por Escrita (TNF1.1-Escrita).

O TCSE avalia a capacidade de compreensão de leitura de sentenças e foi utilizado no pareamento por nível de leitura entre os grupos dislexia e controle por leitura. O TCSE é composto por 40 telas – além das 6 telas iniciais de prática – que variam em nível de complexidade. As telas contêm uma sentença escrita, seguida de cinco figuras alternativas para escolha; a tarefa do examinando consiste em ler a sentença e escolher a figura que melhor representa o conteúdo da mesma. Por exemplo, ao ler a sentença "Destes instrumentos, só um é o violão", o participante deve escolher a figura-alvo de um violão dentre as figuras apresentadas (de instrumentos musicais como: piano, sanfona, pandeiro e corneta). O nível de complexidade aumenta ao longo do teste em termos da extensão da sentença, complexidade sintática e lexical, e a complexidade das relações de correspondência com as figuras alternativas de escolha. O procedimento de correção é feito pelo próprio programa do teste; a pontuação é dada pelo número de itens corretos, sendo o máximo de 40 pontos e é possível também calcular o tempo médio para a conclusão da prova.

O TNF1.1-Escrita avalia a competência de escrita por meio da nomeação de figuras isoladas, que representam objetos e animais conhecidos. O teste contém 36 itens, sendo que cada item é composto de uma figura situada acima de uma caixa de texto. O examinando produz a resposta digitando na caixa de texto o nome da figura apresentada. Em um teste de nomeação, diferentes palavras podem corresponder às figuras apresentadas, por exemplo, para a figura de um rato seriam consideradas corretas as respostas: rato, rata, camundongo e ratazana. As possibilidades de nomeação corretas foram estabelecidas durante o processo de padronização do teste. Assim sendo, a correção é feita de maneira automatizada pelo programa e são consideradas incorretas quaisquer respostas que não correspondam às pré-estabelecidas pelo programa e quaisquer tipos de erros ortográficos, incluindo ausência de resposta, respostas do tipo "não sei" e respostas semanticamente incorretas.

Além da correção computadorizada considerando o número de acertos no TNF1.1-Escrita, a produção dos participantes foi analisada qualitativamente a fim de identificar os tipos de erros cometidos nas respostas. A classificação dos erros usou como referência os critérios descritos por Cervera-Mèrida e Ygual-Fernández15 e foi realizada da seguinte forma: a primeira autora desse trabalho classificou os erros e propôs pequenas alterações aos critérios para que fossem adequados à escrita do português do Brasil e aos resultados específicos desse trabalho; em seguida, uma tabela contendo os erros cometidos e a classificação adotada, foi enviada para duas especialistas em avaliação de escrita, para verificar o grau de concordância das classificações. Por sugestão das fonoaudiólogas Simone Aparecida Capellini e Andrea Oliveira Batista, a quem agradecemos, foi admitida a possibilidade de ocorrência de mais de um erro em cada item lingüístico.

A partir deste procedimento, as adequações propostas aos critérios foram: (1) alteração do nome da categoria Correspondência Biunívoca Grafema-Fonema para Correspondência Unívoca Grafema-Fonema uma vez que, no português do Brasil, poucas são as letras que apresentam relação biunívoca grafema-fonema; (2) divisão da categoria Omissão e Adição de Segmentos em duas categorias Adição de segmentos e Omissão de segmentos para possibilitar maior clareza na descrição dos dados, já que um tipo de erro foi maior que o outro neste trabalho; e (3) criação de uma categoria para classificar as trocas semânticas denominada de Erros Semânticos, tendo em vista a ocorrência destes em quantidade razoável.

De tal maneira, os tipos de erros foram divididos em oito categorias: 1) Correspondência unívoca grafema-fonema, na qual foram inclusos todos os erros de grafema que resultaram em alteração do fonema original; 2) Omissão de segmentos, que incluiu desde a omissão de um único segmento até aquelas em que foram omitidos quase todos os segmentos; 3) Adição de segmentos, que incluiu a adição de apenas um ou vários segmentos; 4) Alterações da ordem dos segmentos, isto é, as situações em que ocorreram inversões de letra ou de sílaba; 5) Segmentações e junções indevidas de palavras, quando houve junções ou separações não convencionais das palavras; 6) Correspondência fonema-grafema dependente do contexto, que incluiu os erros resultantes do desrespeito às regras fonográficas de tipo regular contextual, e.g. tanbor e igrega; 7) Correspondência fonema-grafema independente de regras, isto é, erros envolvendo correspondências fonográficas de tipo irregular, e.g. jirafa, elicóptero (omissão de h); e, por fim, 8) Erros semânticos.

Esta pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética da Universidade Presbiteriana Mackenzie (CAAE-0051.0.272.000-06).

Para análise dos resultados foi utilizada a versão 17.0 do pacote estatístico SPSS e o nível de significância adotado foi de 5%. Analises de variância unifatoriais (ANOVAs) foram conduzidas para comparação dos grupos.

RESULTADOS

A Tabela 2 sumaria o desempenho dos participantes no TCSE e TNF1.1-Escrita, em termos de número de acertos e tempo para realização do teste. ANOVAs conduzidas para o número de acertos em cada prova, revelaram efeito de grupo para o TCSE (F2,42=8,564; p<0,001) e para o TNF1.1-Escrita (F2,42=7,257; p<0,01). Em ambos os testes, o grupo controle por idade teve desempenho superior, com maior número de acertos, quando comparado aos grupos dislexia e controle por leitura, os quais não diferiram entre si. Na análise do tempo de realização do TNF1.1-Escrita, também foi encontrado efeito de grupo (F2,42=4,122; p<0,05). O grupo controle por leitura demorou mais para completar o teste quando comparado aos grupos dislexia (p<0,05) e controle por idade (p<0,05), os quais não diferiram entre si. Já no TCSE, não foram observadas diferenças significantess no tempo de execução dos três grupos.

A freqüência média dos tipos de erros encontrados no TNF1.1-Escrita para cada grupo está sumariada na tabela 3. Anova multivariada para cada tipo de erro revelou efeito de grupo para: correspondência unívoca grafema-fonema (F2,42=7,56; p<0,01), omissão de segmentos (F2,42=8,0; p<0,01) e correspondência fonema-grafema independente de regras (F2,42=10,73; p<0,001), que foram os erros mais freqüentes para todos os grupos. Análise dos contrastes indicou que o grupo dislexia apresentou mais erros do tipo correspondência unívoca grafema-fonema e omissão de segmentos que os dois grupos controle (p<0,05 para todas as comparações), os quais não diferiram entre si. A freqüência dos erros de correspondência fonema-grafema independente de regras foi diferente para os três grupos, sendo encontrados em maior número no grupo dislexia, seguido do grupo controle por leitura e, por fim, no grupo controle por idade (p<0,05 para todas as comparações).

DISCUSSÃO

Esse estudo objetivou analisar o padrão de erros de disléxicos em uma prova computadorizada de nomeação de figuras por escrita. Crianças com dislexia foram comparadas a leitores normais pareados por idade e por nível de leitura. A partir da prova aplicada foi possível realizar uma análise quantitativa, contemplando o número de acertos e o tempo de realização da prova, e uma análise qualitativa, onde foram classificados os tipos de erros ortográficos.

Com relação ao número de acertos, as crianças disléxicas tiverem desempenho similar às crianças pareadas por nível de leitura e ambos os grupos tiveram um pior desempenho quando comparados às crianças pareadas por idade. Quanto ao tempo para realizar o teste, as crianças do grupo controle por nível de leitura levaram mais tempo para cumprir o teste do que os outros dois grupos. Este resultado é esperado, já que crianças do grupo controle por nível de leitura são mais novas e, portanto, tiveram menos exposição à leitura e menos experiência de escrita. Tal fato faz com que o acesso ao léxico ortográfico seja mais lento, bem como o tempo para a produção de suas respostas. Possivelmente também apresentaram maior lentidão, pois são mais lentas para escrever no teclado do computador. Vale ressaltar que apesar de não haver diferença significativa entre os grupos, as crianças disléxicas levaram em média 19 segundos para escrever o nome do item, enquanto os pareados por idade levaram, em média, 28 segundos. Este dado pode ser interpretado pelo fato dos disléxicos cometerem mais erros que os demais participantes.

De um modo geral, os tipos de erros mais comuns entre todos os participantes foram os mesmos: correspondência unívoca grafema-fonema, omissão de segmentos e correspondência fonema-grafema independente de regras. Os indivíduos com dislexia diferiram dos grupos controle com relação à freqüência dos erros, mas não em relação aos tipos de erros predominantes. Este achado está de acordo com Zorzi e Ciasca14 que, ao observarem diversos transtornos de aprendizagem não observaram uma categoria distinta ou específica de erros, mas sim possíveis variações em termos de freqüência de ocorrência com relação aos indivíduos sem transtornos de escrita.

Dentre os erros mais comuns, dois foram de ortografia natural, isto é, erros de natureza predominantemente fonológica: correspondência unívoca grafema-fonema e omissão de segmentos. A quantidade de erros desse tipo não diferiu entre os grupos controle, mas foi maior nos indivíduos com dislexia. Esse tipo de erro indica falha do processamento fonológico, já que, na tradução fonema-grafema, o indivíduo omitiu grafemas que produziriam o som correto (omissão de segmentos) ou utilizou o grafema inadequado para a produção do fonema esperado (exemplo escrever "medecina" no lugar de "medicina', correspondência unívoca grafema-fonema).

A dislexia, por definição, compreende um déficit no componente fonológico da linguagem4. De tal forma, erros de escrita que resultam de erros do processamento fonológico seriam esperados em indivíduos disléxicos. Outros dados corroboram essa afirmação 11,13, mostrando maior prejuízo entre os escolares com dislexia em ditados de pseudopalavras ou palavras menos freqüentes na língua. Ao lidar com palavras inventadas ou pouco conhecidas, baseamo-nos principalmente no som das mesmas para realizar a correspondência fonema-grafema, necessitando, portanto, de habilidades fonológicas bem desenvolvidas.

No entanto, o déficit fonológico não é o único responsável pelos erros ortográficos apresentados pelos indivíduos com dislexia, já que erros de ortografia arbitrária também foram encontrados entre os disléxicos. Os erros de correspondência fonema-grafema independente de regras, dependem do conhecimento das regras ortográficas da língua e de um acesso ao léxico ortográfico. Esse tipo de erro foi mais comum entre os disléxicos, mas diferiu entre os grupos controles, sendo que as crianças pareadas por nível de leitura apresentaram também uma quantidade razoável desse tipo de erro.

Erros de ortografia arbitrária tendem a desaparecer conforme aumenta a exposição da criança à leitura, tendendo a diminuir conforme a progressão da série escolar13. Desta forma, o fato de que as crianças mais novas, isto é o grupo controle pareado por nível de leitura, apresentaram este tipo de erro com maior freqüência que as crianças mais velhas do grupo controle pareado por idade, corrobora essa idéia. É possível que, por conseqüência da dificuldade de leitura, indivíduos com dislexia leiam menos, o que prejudica ainda mais o armazenamento de regras ortográficas e o acesso ao léxico semântico.

O uso de dois grupos controles, pareados por idade e por nível de leitura, possibilita a comparação dos indivíduos com dislexia de uma maneira mais compreensiva. Esse tipo de metodologia tem sido adotado também por outros pesquisadores e, em geral, demonstra que disléxicos apresentam déficits específicos quando comparados a crianças mais novas com o mesmo nível de leitura18-20. Nesse estudo, foi possível demonstrar que, apesar dos grupos dislexia e controle por nível de leitura não diferirem quanto ao número total de acertos, diferiram na quantidade de erros ortográficos apresentados. Esses achados ressaltam a importância de uma análise qualitativa e pormenorizada dos tipos de erros para melhor compreensão e comparação entre diferentes grupos.

O uso de um teste computadorizado possibilitou a esse estudo excluir situações de disgrafia que poderiam influenciar os resultados. Além dessa vantagem, o uso de versões computadorizadas de testes para avaliação de funções cognitivas permite que as respostas sejam gravadas conforme o examinando responde ao item da avaliação e que se obtenha o resultado do desempenho imediatamente após o teste ser finalizado e com maior acurácia nas medidas de tempo21-23. Em contraponto, é possível que pessoas com menos familiaridade com o computador possam ter seu desempenho prejudicado24 e, portanto, é difícil saber se as dificuldades encontradas pelas crianças mais novas nesse estudo devem-se à menor familiaridade no uso do computador.

Os resultados apresentados no presente estudo somam-se aos raros estudos que analisam o padrão de escrita de disléxicos brasileiros25. Este trabalho teve por originalidade o uso de um instrumento computadorizado para avaliar a escrita a partir da nomeação de figuras, que tem sido geralmente avaliada por provas de ditado e redação11-14,26. Os resultados apontam para a importância da análise dos tipos de erros, mais que do número de acertos, para a compreensão dos processos lingüísticos subjacentes às dificuldades em indivíduos disléxicos. Estas informações podem e devem ser usadas por profissionais que trabalham diretamente com estas crianças, auxiliando no estabelecimento de propostas de intervenção.

CONCLUSÃO

Os tipos de erros mais comuns entre as crianças disléxicas foram também os mais comuns entre os grupos controle, apesar da menor ocorrência entre as crianças normais. Os tipos de erros apresentados, correspondência unívoca grafema-fonema e omissão de segmentos, são classificados como de ortografia natural e revelam déficit fonológico na produção da escrita. Já o tipo de erro Correspondência fonema-grafema independente de regras é classificado como de ortografia arbitrária – indicando prejuízo da memória para as regras ortográficas em disléxicos.

Conclui-se que a análise dos erros ortográficos é útil para a compreensão das estratégias utilizadas e dos processos lingüísticos subjacentes às dificuldades de escrita em indivíduos com dislexia.

Recebido em: 23/04/2010

Aceito em: 07/06/2010

Conflito de interesses: inexistente

  • 1. Ciasca SM. Distúrbios e dificuldades de aprendizagem: questão de Nomenclatura. In: Ciasca SM (eds) Distúrbios de aprendizagem: proposta de avaliação interdisciplinar. São Paulo: Casa do Psicólogo; 2003. p.19-31.
  • 2
    American Psychiatric Association (APA). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais – DSM. 4ª ed revisada. Porto Alegre: Artmed, 2003.
  • 3. Organização Mundial de Saúde (OMS). Classificação de transtornos mentais e de comportamento da CID-10. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993.
  • 4. Deuschle V, Cechella C. O déficit em consciência fonológica e sua relação com a dislexia: diagnóstico e intervenção. Rev CEFAC. 2009; 11(Supl2): 194-200.
  • 5. Navas ALGP, Pinto JCBR, Dellisa PRR. Avanços no conhecimento do processamento da fluência em leitura: da palavra ao texto. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2009; 14(3): 553-9
  • 6. Capovilla FC, Capovilla AGS. Research on the role of phonology, orthography and cognitive skills upon reading, spelling and dyslexia in BrazilianPortuguese. In: Smythe I, Everatt J, Salter R (Orgs). International Book of Dyslexia: A cross language comparison and practice guide. London:Wiley & Sons; 2002. p 159-72.
  • 7. Capovilla AGS, Capovilla FC. Problemas de leitura e escrita: como identificar, prevenir e remediar numa abordagem fônica. 3Ş ed. São Paulo: Memnon, Fapesp; 2003.
  • 8. Morais J. A arte de ler. São Paulo: Editora Unesp;1995.
  • 9. Share D. Phonological recoding and self-teaching: Sine qua non of reading acquisition. Cognition. 1995; 55: 151-218.
  • 10. Berninger VW, Nielsen KH, Abbott RD, Wijsman E, Rasking W. Writing problems in developmental dyslexia: Under-recognized and under-treated. J Sch Psyc, 2008; 46:1-21.
  • 11. Angelelli P, Judica A, Spinelli D, Zoccolotti P, Luzzatti C. Characteristics of writing disorders in Italian dyslexic children. Cogn Behav Neurol, 2004; 17(1): 18-31.
  • 12. Caravolas M, Volín J. Phonological speeling errors among dyslexic children learning a transparent ortography: The case of Czech. Dyslexia, 2001; 7: 229-45.
  • 13. Dias RS, Ávila CRB. Uso e conhecimento ortográfico no transtorno específico da leitura. Revista da Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, 2008; 13(4):381-90.
  • 14. Zorzi JL, Ciasca SM. Análise de erros ortográficos em diferentes problemas de aprendizagem. Revista CEFAC, 2009; 11(3):406-16.
  • 15. Cervera-Mérida JF, Ygual-Fernandéz A. Una proposta de intervención en transtornos disortográficos atendiendo a la semiologia de los errores. Revista Neurología, 2006; 42 (Supl 2):117-26.
  • 16. Macedo EC, Capovilla FC, Nikaedo CC, Orsati FT, Lukasova K, Capovilla AGS, Diana C. Teleavaliação da habilidade de leitura no Ensino Infantil e Fundamental. Psicologia Escolar e Educacional, 2006; 9(1): 127-134.
  • 17. Lukasova K, Oliveira DG, Barbosa ACC, Macedo EC. . Habilidades de Leitura e Escrita de Crianças Disléxicas e Boas Leitoras. Arquivos Brasileiros de Psicologia, 2008; 6: 45-54.
  • 18. Germano GD, Pinheiro FH, Capellini, AS. Desempenho de escolares com dislexia do desenvolvimento em tarefas fonológicas e silábicas. Rev. CEFAC. 2009; 11(2): 213-220.
  • 19. Salles JF, Parente MAM. Heterogeneidade nas estratégias de leitura/escrita em crianças com dificuldades de leitura e escrita. PSICO, 2006; 37(1): 83-90.
  • 20. Salles JF, Parente MAM. Funções neuropsicológicas em crianças com dificuldades de leitura e escrita. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 2008; 22(2): 153-62.
  • 21. Naglieri JA, Drasgow F, Schmit M, Handler L, Prifitera A, Margolies A et al. Psychological testing on the Internet: new problems, old issues. Am Psychol, 2004; 59(3): 15062.
  • 22. Birnbaum MH. Human research and data collection via the Internet. Annu Rev Psychol, 2005; 55: 803-832.
  • 23. Buchanan T, Ali T, Heffernan TH, Ling J, Parrott AC, Rodgers J, Scholey AB. Nonequivalence of on-line and paper-and-pencil psychological tests: The case of the prospective memory questionnaire. Behavior Research Methods 2005, 37 (1), 148-154
  • 24. Spriggs M. Consent in cyberspace: Internet-based research involving young people. Monash Bioeth Rev. 2009; 28(4): 32.1-15.
  • 25. Moojen SM. A escrita ortográfica na escola e na clínica: Teoria, avaliação e tratamento. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2009.
  • 26. Zuanetti PA, Corrêa-Schnek, Mandredi AKS. Comparação dos erros ortográficos de alunos com desempenho inferior em escrita e alunos com desempenho médio nesta habilidade. Revista Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia, 2008; 13(3): 240-5.
  • Endereco para correspondência:
    Maria José Cicero Oger Affonso
    Rua: XV de Novembro, 4321
    São José do Rio Preto, SP
    CEP:15015110
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Out 2010
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Aceito
      07 Jun 2010
    • Recebido
      23 Abr 2010
    ABRAMO Associação Brasileira de Motricidade Orofacial Rua Uruguaiana, 516, Cep 13026-001 Campinas SP Brasil, Tel.: +55 19 3254-0342 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revistacefac@cefac.br