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Envelhecimento vocal em idosos instucionalizados

Vocal aging of institutionalized elderly people

Resumos

OBJETIVOS: avaliar de forma perceptivo-auditiva as características vocais de idosos institucionalizados, identificar se essas características interferem no processo de comunicação e correlacioná-las com a avaliação das estruturas do sistema estomatognático e do padrão de fala. MÉTODOS: estudo clínico do tipo transversal, no qual foram realizadas anamneses e avaliações fonoaudiológicas em uma amostra aleatória de 48 indivíduos idosos, residentes na Casa do Ancião Francisco Azevedo - Belo Horizonte/MG, que não apresentavam nenhum tipo de alteração neurológica, uma vez que, buscou-se traçar as manifestações fonoaudiológicas de idosos em processo de envelhecimento sadio. Utilizou-se protocolos específicos, desenvolvidos pelas autoras, de acordo com os aspectos pertinentes aos objetivos do presente estudo. RESULTADOS: na avaliação perceptivo-auditiva da qualidade vocal, constatou-se predominantemente qualidade vocal rouca (70,8%), em grau moderado (33,3%), loudness reduzida (56,2%), pitch grave (62,5%) e tempos máximos de fonação reduzidos (81,2%). Dos 48 participantes, 85,4% relataram que a voz não interfere no processo de comunicação. Em relação aos padrões de fala, predominaram inteligibilidade preservada (83,3%), articulação preservada (72,9%) e precisão articulatória preservada (83,3%). CONCLUSÕES: existem alterações nos parâmetros referentes à voz decorrentes da idade, sendo que elas não interferem na comunicação e mantêm relação diversa com outras mudanças nas estruturas do sistema estomatognático. Este estudo veio complementar as pesquisas na área de voz envolvendo indivíduos da terceira idade, sob processo de envelhecimento sadio e residentes em instituições de longa permanência.

Voz; Envelhecimento; Saúde do Idoso Institucionalizado


PURPOSES: to investigate vocal aspects related to healthy aging in the institutionalized elderly people, and to identify if these aspects interfer with communication and correlate vocal changes with motor oral system evaluation and speech patterns. METHODS: transversal clinic research in which the methods used were interview and phonoaudiological examination of a randomized sample of 48 aged patients, resident in Casa do Ancião Francisco Azevedo - Belo Horizonte/MG, who did not show neurological disabilities. Specific protocols were used, developed by the authors, according to aspects related to the purposes of this study RESULTS: vocal parameters were analyzed and the following conditions were observed: hoarse voice (70,8%), in moderate degree (33,3%), reduced loudness (56,2%), bass pitch (62,5%) and short maximum phonation periods (81,2%). About 41 (85,4%) patients reported that vocal problems do not interfer with their communication process. Normal aging did not result directly in alterations in speech patterns, but changes in motor oral system due to health aging showed different associations with those patterns. CONCLUSIONS: this study showed the presence of alterations in the aspects related to voice but they do not interfer with the communication process. There were not alterations in speech patterns due to health aging but changes in motor oral system showed different association with those patterns. This study has contributed to improve knowledge about voice and elderly that suffer changes due to health aging and live in old people's homes.

Voice; Aging; Health of Institutionalized Elderly


VOZ

ARTIGO ORIGINAL

Envelhecimento vocal em idosos instucionalizados

Vocal aging of institutionalized elderly people

Letícia Neiva de MenezesI; Laélia Cristina Caseiro VicenteII

IFonoaudióloga; Fonocau - Clínica de Fonoaudiologia; Especializanda em Voz

IIFonoaudióloga; Professora Assistente do Curso de Fonoaudiologia da Universidade Federal de Minas Gerais; Mestre em Distúrbios da Comunicação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Avenida Montese, 965/302 Belo Horizonte - MG CEP: 31565-150 Tel: (31) 34437884 / 92167871 Fax: (31) 34516079 E-mail: leticianeiva@click21.com.br

RESUMO

OBJETIVOS: avaliar de forma perceptivo-auditiva as características vocais de idosos institucionalizados, identificar se essas características interferem no processo de comunicação e correlacioná-las com a avaliação das estruturas do sistema estomatognático e do padrão de fala.

MÉTODOS: estudo clínico do tipo transversal, no qual foram realizadas anamneses e avaliações fonoaudiológicas em uma amostra aleatória de 48 indivíduos idosos, residentes na Casa do Ancião Francisco Azevedo - Belo Horizonte/MG, que não apresentavam nenhum tipo de alteração neurológica, uma vez que, buscou-se traçar as manifestações fonoaudiológicas de idosos em processo de envelhecimento sadio. Utilizou-se protocolos específicos, desenvolvidos pelas autoras, de acordo com os aspectos pertinentes aos objetivos do presente estudo.

RESULTADOS: na avaliação perceptivo-auditiva da qualidade vocal, constatou-se predominantemente qualidade vocal rouca (70,8%), em grau moderado (33,3%), loudness reduzida (56,2%), pitch grave (62,5%) e tempos máximos de fonação reduzidos (81,2%). Dos 48 participantes, 85,4% relataram que a voz não interfere no processo de comunicação. Em relação aos padrões de fala, predominaram inteligibilidade preservada (83,3%), articulação preservada (72,9%) e precisão articulatória preservada (83,3%).

CONCLUSÕES: existem alterações nos parâmetros referentes à voz decorrentes da idade, sendo que elas não interferem na comunicação e mantêm relação diversa com outras mudanças nas estruturas do sistema estomatognático. Este estudo veio complementar as pesquisas na área de voz envolvendo indivíduos da terceira idade, sob processo de envelhecimento sadio e residentes em instituições de longa permanência.

DESCRITORES: Voz; Envelhecimento; Saúde do Idoso Institucionalizado

ABSTRACT

PURPOSES: to investigate vocal aspects related to healthy aging in the institutionalized elderly people, and to identify if these aspects interfer with communication and correlate vocal changes with motor oral system evaluation and speech patterns.

METHODS: transversal clinic research in which the methods used were interview and phonoaudiological examination of a randomized sample of 48 aged patients, resident in Casa do Ancião Francisco Azevedo — Belo Horizonte/MG, who did not show neurological disabilities. Specific protocols were used, developed by the authors, according to aspects related to the purposes of this study

RESULTS: vocal parameters were analyzed and the following conditions were observed: hoarse voice (70,8%), in moderate degree (33,3%), reduced loudness (56,2%), bass pitch (62,5%) and short maximum phonation periods (81,2%). About 41 (85,4%) patients reported that vocal problems do not interfer with their communication process. Normal aging did not result directly in alterations in speech patterns, but changes in motor oral system due to health aging showed different associations with those patterns.

CONCLUSIONS: this study showed the presence of alterations in the aspects related to voice but they do not interfer with the communication process. There were not alterations in speech patterns due to health aging but changes in motor oral system showed different association with those patterns. This study has contributed to improve knowledge about voice and elderly that suffer changes due to health aging and live in old people's homes.

KEYWORDS: Voice; Aging; Health of Institutionalized Elderly

INTRODUÇÃO

Um dos fenômenos que tem chamado a atenção na sociedade brasileira é o extraordinário crescimento da população acima dos 60 anos, fato este atribuído à mudança do padrão reprodutivo no Brasil, por sua vez causado pelo processo de urbanização vertiginoso e aumento da população feminina mais receptiva ao planejamento familiar. As estimativas para o momento atual previam nas grandes cidades e nos países desenvolvidos que cerca de 20% da população estaria enfrentando as modificações que ocorrem na terceira idade 1.

Com o aumento da longevidade e uma certa fragilidade inerente ao envelhecimento, observa-se um aumento da demanda de cuidados intensivos e contínuos. A exigência de assistência constante na vida diária torna o idoso um indivíduo dependente, incapaz de manter sua autonomia nas mínimas atividades do cotidiano: alimentação, locomoção, higiene, dentre outras. Assim, tem-se observado um aumento significativo do número de idosos asilados, pois é muito difícil que um membro da família possa absorver o cuidado do idoso.

Etimologicamente, o termo envelhecer se remete à condição de se tornar velho, com muito tempo de existência. Entretanto, o envelhecer não é apenas um processo biológico individual pelo qual os seres vivos passam naturalmente, ele também traz consigo mudanças de caráter social e demográfico.

O envelhecimento é uma etapa natural do desenvolvimento em que cada indivíduo passa por mudanças fisiológicas. As características principais do avanço da idade são: a redução da capacidade de adaptação ambiental, a diminuição da velocidade de desempenho e o aumento da susceptibilidade a doenças 2, ou seja, trata-se de uma degenerescência biológica, psicossocial e funcional do ser humano. Com o passar dos anos, a voz humana também se reveste de novas características. A deterioração vocal de um idoso é bem típica e tem um grande impacto, por, muitas vezes, ela reforça o estereótipo do idoso.

Recebe o nome de presbilaringe o envelhecimento laríngeo inerente à idade, gerando o envelhecimento vocal que, por sua vez, é chamado de presbifonia. Arqueamento de pregas vocais, saliência dos processos vocais das aritenóides e fenda fusiforme são características glóticas relacionadas à presbilaringe. O início da presbifonia, seu desenvolvimento e o grau de deterioração vocal dependem de cada indivíduo, de sua saúde física e psicológica e de sua história de vida, além de fatores constitucionais, raciais, hereditários, alimentares, sociais e ambientais, incluindo aspectos de estilo de vida e atividades físicas. O interesse pela abordagem da situação de presbilaringe e presbifonia deve-se ao fato de a população de idosos ter aumentado nos últimos anos, gerando a necessidade de ampliação de estudos referentes a este grupo etário 3-6.

As principais queixas e sintomas vocais relatados por uma pessoa idosa podem ser de alteração na qualidade vocal, como a rouquidão e a afonia, cansaço associado à produção da voz, esforço para melhorar a projeção vocal, soprosidade, falta de modulação vocal, voz trêmula, dificuldade no controle da intensidade vocal, dor na região da cintura escapular e sensação de ardor, queimação ou corpo estranho na laringe 7,8.

As articulações, as cartilagens, a musculatura intrínseca, o epitélio e a inervação das pregas vocais e estruturas circunvizinhas sofrem mudanças anatômicas com a passar da idade. As cartilagens laríngeas sofrem um gradual processo de ossificação e calcificação, que, como conseqüência, estão quase sem mobilidade ao redor dos 65 anos. Há considerável variação na velocidade e no grau dessa ossificação, mas esse processo parece ser parte do envelhecimento normal, e não um componente patológico. Essas alterações estruturais são acompanhadas por artrose nas articulações, prejuízo na mobilidade e no controle dos músculos responsáveis pelas cartilagens, diminuição da elasticidade dos ligamentos, perda de tecidos e atrofia 1,2,4,9-12.

A perda da capacidade plena de movimentação da laringe acarreta uma menor eficiência do aparelho fonador e se reflete na qualidade vocal como menor estabilidade e aumento no jitter, dando a impressão de tremor 9,12,13.

Com a idade, a laringe também apresenta mudanças nos aspectos morfológicos. A estrutura de camadas das pregas vocais sofre alterações em relação às fibras. Na camada superficial, a densidade das fibras de colágeno, das fibras elásticas e a quantidade de ácido hialurônico diminuem e contribuem para as alterações vibratórias; a camada intermediária da lâmina própria torna-se mais fina com seu contorno deteriorado; as fibras colagenosas tornam-se menos espessas e menos densas, podendo ocasionalmente aumentar e exibir fibrose, resultando numa redução da mobilidade da estrutura da prega vocal e um prejuízo na qualidade vocal 2,10,14,15.

Alguns estudos defendem a presença de redução da capacidade pulmonar como característica intrínseca ao envelhecimento vocal, tal diminuição pode ser da ordem de 40% entre os 20 e 80 anos de idade. Há decréscimo no volume expiratório forçado e aumento no volume residual, causando perda do suporte respiratório para a produção vocal. Tal fato acarreta uma diminuição dos tempos máximos de fonação, restrição da intensidade sonora, aumento nas pausas articulatórias e diminuição da velocidade de fala. A redução da loudness na população idosa pode ser justificada pela diminuição da pressão infraglótica, devido à perda do controle fino das pregas vocais 1,8,9,12,13,15-17.

A perda de dentes e próteses dentárias mal-adaptadas criam dificuldades na articulação, agravadas pela diminuição da produção de saliva e pela redução da tonicidade da musculatura orofacial. Modificações no trato vocal supraglótico incluem o crescimento do esqueleto facial, hipertrofia da musculatura da língua, perda dos dentes, enfraquecimento da musculatura da faringe e restrição dos movimentos da articulação temporomandibular. Com isso, os falantes idosos poderão alterar sistematicamente o posicionamento articulatório 3,9,13,18.

A redução do funcionamento endócrino com a idade, principalmente após a menopausa, e a atrofia progressiva dos tecidos glandulares tem sido relatada como a causa da diminuição gradativa da freqüência fundamental em mulheres e aumento nos homens, havendo uma tendência à diminuição da extensão vocal. Tal fato faz com que a voz do idoso de ambos os gêneros sejam parecidas. Em geral, as características vocais de pessoas idosas dependem da massa vibrante das pregas vocais, que pode estar diminuída pela atrofia ou aumentada pelo edema. Assim, existem duas situações laríngeas e vocais diversas, relacionadas ao envelhecimento, que se diferenciam de acordo com o gênero; uma com predomínio de edema e voz grave, mais freqüente nas mulheres, e outra com predomínio de rigidez e voz aguda, mais comum nos homens 3,6,10,12,19.

Além de todas essas características do envelhecimento vocal, a maioria dos idosos é usuária de diferentes tipos de medicamentos, os quais têm reflexos na qualidade vocal. Eles podem atuar em vários pontos do processo de fonação e muitas vezes o mesmo medicamento pode interferir simultaneamente em diferentes aspectos, como nos padrões de intenção comunicativa, na velocidade e coordenação da fala, na força muscular e na vibração das pregas vocais 20.

Acredita-se que a idade exerça influência sobre as estruturas e as funções estomatognáticas, gerando com isso um prejuízo nessas funções e em todas as atividades as quais elas participam. Neste contexto, evidencia-se a importância e a necessidade de se instrumentalizar programas de assistência fonoaudiológica aos idosos, especialmente os institucionalizados, que de certa forma estão isolados sob o aspecto social. Tal tipo de atuação visa detectar, prevenir, minimizar e reabilitar distúrbios fonoaudiológicos assim que tais manifestações comecem a se instalar, pois assim poder-se-á oferecer maior qualidade de vida a estes indivíduos.

Desta forma, o presente estudo teve os objetivos de: avaliar de forma perceptivo-auditiva as características vocais de idosos institucionalizados, identificar se essas características interferem no processo de comunicação e correlacioná-las com a avaliação das estruturas do sistema estomatognático e do padrão de fala.

MÉTODOS

Esta pesquisa, caracterizada por estudo clínico do tipo transversal, foi desenvolvida na Casa do Ancião Francisco Azevedo em Belo Horizonte/MG, durante o período de julho de 2003 a janeiro de 2004.

A população estudada constituiu-se de 48 indivíduos idosos, sendo 46 mulheres (96%) e dois homens (4%), com idade entre 57 e 93 anos (média de 75,7 anos), que vivem sob regime de internato na instituição. O tempo de asilamento é bastante variável, sendo o tempo médio de 6,7 anos, e o estado civil predominante é o solteiro.

Os idosos internados são avaliados e atendidos pelas especialidades da equipe profissional de saúde interdisciplinar de acordo com as necessidades individuais, sendo que cada um deles possui seu prontuário individual, no qual são anexadas intervenções e diagnósticos. As avaliações são feitas com o uso de um protocolo padronizado, específico da instituição, denominado "Avaliação Multidimensional do Idoso", idealizado e proposto pelo Núcleo de Geriatria e Gerontologia da Universidade Federal de Minas Gerais (NUGG/UFMG).

Os participantes da amostra foram selecionados a partir da análise dessas avaliações, presentes nos prontuários. Para tal, foram excluídos os idosos que apresentavam diagnóstico de alguma alteração neurológica, como quadro demencial, declínio cognitivo associado ao envelhecimento, seqüela de acidente vascular cerebral e/ou traumatismo crânio-encefálico ou qualquer outra anormalidade, uma vez que, buscou-se traçar as manifestações fonoaudiológicas de idosos em processo de envelhecimento sadio.

Assim, os 48 internos participantes do estudo foram então submetidos a anamnese e avaliação fonoaudiológica (Figura 1), ambas desenvolvidas pelas autoras, de acordo com os aspectos pertinentes aos objetivos. Para tal, os idosos foram avaliados sempre pela mesma pesquisadora e nos quartos onde residiam.


Na anamnese foram levantadas informações nos prontuários referentes ao tempo de asilamento, antecedentes patológicos, medicamentos em uso, tratamentos realizados. Já junto ao idoso, foi questionada a interferência da voz no padrão de comunicação.

Na avaliação investigou-se o padrão vocal — qualidade vocal, grau de alteração, loudness, pitch e tempos máximos de fonação — por meio de análise perceptivo-auditiva da avaliadora, com as tarefas de conversa espontânea e fonemas sustentados (/a/, /i/, /u/, /s/, /z/), sendo classificado em sem alteração ou alterado. Os julgamentos da qualidade vocal, do grau de alteração, da loudness e do pitch foram realizados com base na experiência auditiva da avaliadora, de acordo com o que é aceito pela comunidade científica, já os resultados obtidos na tarefa de tempo máximo de fonação foram comparados aos valores-referência preconizados pela literatura específica e consultada.

O padrão de fala, que abrange inteligibilidade, articulação e precisão articulatória, foi avaliado por meio de conversa espontânea, que se apresentou como sem alteração ou alterado. Foi determinado alterado quando o padrão da fala do idoso comprometia a compreensão da avaliadora sobre o conteúdo falado.

Observou-se as estruturas do sistema estomatognático — face, lábios, dentes, língua, palatos duro e mole e laringe — quanto a aspecto, postura e mobilidade, devido à importância dessas estruturas no padrão de articulação. As estruturas orofaciais foram avaliadas, quanto a aspecto e postura, por meio de observação, sendo categorizadas como sem alteração ou alteradas. Considerou-se alterada quando se observou alteração morfológica e/ou postural não-habitual aceita pela comunidade científica. Na avaliação da mobilidade do palato mole, foi solicitado ao idoso que pronunciasse os fonemas /a/-/ã/, por meio de ordem verbal. Nesse quesito, a performance do idoso foi classificada em adequada ou comprometida e, se comprometida, de qual lado o comprometimento era evidente. Já para avaliação da mobilidade da laringe, foi observada a presença de alteração ou não na elevação da laringe por meio da deglutição de saliva.

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com o Parecer ETIC 318/03, e com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e o Consentimento Pós-Esclarecido, em obediência à Resolução nº 196/96.

Os dados obtidos com os idosos institucionalizados na Casa do Ancião Francisco Azevedo em todas as etapas do estudo foram analisados separadamente e correlacionados entre si, buscando evidenciar características vocais específicas dessa população. A fim de que a análise estatística ficasse mais clara e de mais fácil realização e compreensão, alguns dados foram agrupados. Utilizou-se o Programa Epi-Info 6, baseado no teste t-Student, para análise estatística. A hipótese a ser testada é a de que o envelhecimento não acarreta modificações significativas nos padrões vocais dos indivíduos. Desta forma, se o valor p resultante for pequeno (inferior a 0,05), a hipótese avaliada é falsa, ou seja, o envelhecimento pode provocar alterações na população.

RESULTADOS

Na avaliação perceptivo-auditiva da qualidade vocal da população estudada, constatou-se que os padrões predominantes foram qualidade vocal rouca, em grau moderado, loudness reduzida, pitch grave e tempos máximos de fonação reduzidos (Tabela 1).

Dos 48 participantes, 85,4% (n=41) da amostra respondeu, na anamnese, que a voz não interfere na comunicação.

Os aspectos avaliados relativos ao padrão de fala — inteligibilidade de fala, articulação e precisão articulatória — não sofreram alteração evidente devido ao envelhecimento sadio (Figura 2).


Em relação às estruturas orofaciais, observa-se preponderantemente aspecto, postura e mobilidade sem alteração (Tabela 2).

Quanto à dentição, constatou-se que a maior parte dos idosos não apresenta dentes naturais, mas a quantidade de idosos que fazia uso de próteses dentárias não foi equivalente ao número de desdentados (Figura 3).


Correlacionando os resultados obtidos do padrão articulatório com os dados da avaliação das estruturas do sistema estomatognático, observou-se que a ausência de dentes naturais exerce efeito sobre a articulação apenas em uma pequena quantidade dos idosos analisados (p=0,21), uma vez que, idosos desdentados mantêm um padrão de fala inteligível (Tabela 3). Apesar de não estatisticamente significante (p=0,57), o uso da prótese dentária parece ter efeito positivo sobre os padrões articulatórios, pois a porcentagem de indivíduos com os aspectos preservados é maior quando a prótese dentária está presente (Tabela 4).

DISCUSSÃO

Este estudo veio complementar as pesquisas na área de voz envolvendo indivíduos da terceira idade, sob processo de envelhecimento sadio, residentes em instituições de longa permanência.

A análise estatística determinou valores de prevalência em relação às características vocais de idosos institucionalizados, sendo que a discussão dos achados pauta-se na comparação desses valores com o que está referido na literatura sobre o assunto.

Existem mudanças nos parâmetros referentes à voz, decorrentes da idade. Em termos de qualidade vocal, observou-se predomínio de uma voz rouca, a qual está relacionada a uma freqüência fundamental e a um pitch grave. Tais constatações podem ter predominado por diferentes motivos: (1) a rouquidão nos idosos é devida ao processo de senescência e não a uma patologia instalada, sendo uma característica intrínseca da qualidade vocal presbifônica; e (2) maior quantidade de indivíduos do gênero feminino, nos quais nota-se uma redução da freqüência fundamental. Esse achado está de acordo com alguns estudos que referem que a freqüência da emissão tende para o grave em mulheres e é normal ou agudo nos homens. No caso específico das mulheres, essas alterações foram relacionadas à diminuição da vibração da onda mucosa, ao espessamento das pregas vocais, à redução dos movimentos das articulações e às alterações hormonais 1,6,8,12,15.

Dos 48 idosos participantes, 81,2% apresentaram tempos máximos de fonação (TMF) reduzidos, em relação aos valores esperados para a população adulta, dado este também apresentado em outros estudos. Tal fato pode ser decorrente das mudanças oriundas do envelhecimento que afetam a capacidade respiratória, com reduções do fluxo médio de ar 1,3,9,12,13,16.

Quanto à intensidade vocal, constatou-se maior ocorrência de uma loudness reduzida (56,2%), o que também está de acordo com a literatura. Vários trabalhos citam que uma diminuição da intensidade vocal pode ser notada com o envelhecimento, sugerindo que esta modificação se relaciona com a redução na capacidade respiratória. Entretanto, há autores que referem uma média de intensidade vocal forte para ambos os sexos devido à presbiacusia 1,7,12,15,16,21.

Os aspectos do padrão de fala apresentaram-se preservados, o que revela que a maior parte dos idosos apresenta aspectos aceitáveis relativos à fala, permitindo uma boa compreensão do discurso. Entretanto, vale ressaltar que no presente estudo, considerando-se os parâmetros de fala conjuntamente com os aspectos dentários, observa-se que a falta de dentes afeta a inteligibilidade, a articulação e a precisão articulatória, mesmo que de modo discreto na amostra, uma vez que todos os indivíduos que apresentaram alterações nesses parâmetros são desdentados e sem uso de prótese. Nesse contexto, reforça-se a importância de um trabalho preventivo em termos odontológicos para garantir, por meio da preservação de um maior números de dentes, uma manutenção satisfatória das funções orofaciais, uma condição nutricional adequada e o prazer pela alimentação. Já em relação ao uso de próteses dentárias, a presença delas parece não surtir efeitos positivos significantemente para o padrão de fala da população idosa, pois as alterações foram equivalentes com e sem o uso das dentaduras. Entretanto, os idosos que utilizavam próteses dentárias não foram avaliados quanto à adaptação e adequação dessas próteses, o que pode ter prejudicado um melhor julgamento da influência desse aspecto nos padrões de fala. As alterações de fala na senescência podem ser causadas pela perda de dentes e pela dificuldade de protetização nos idosos, levando à imprecisão da articulação e/ou modificação dos pontos articulatórios 22.

Quanto à presença de dentes e o uso de próteses dentárias, 85% dos idosos não possuem dentes naturais e apenas 60% usam dentaduras. Tal fato já havia sido referido na literatura. Para alguns autores, a perda de dentes na população senil é uma característica bastante comum. A proporção de sujeitos velhos que não possuem dentes é da ordem de 60 a 90%, sendo que muitos idosos não passam a fazer uso de próteses dentárias por uma série de fatores 23,24.

Em relação às estruturas do sistema estomatognático — face, lábios, língua, palatos duro e mole e laringe — não se constatou alterações na maior parte delas quanto a aspecto, postura e mobilidade. Tal fato pode amenizar distúrbios na articulação dos sons e na inteligibilidade da fala. Esses achados estão de acordo com um estudo, no qual, na avaliação fonoaudiológica, verificou-se ausência de desvios anatômicos e funcionais em lábios, língua, palato, mandíbula e laringe. Entretanto, outros autores relatam que o efeito da idade parece implicar mudanças no sistema estomatognático e diminuição das habilidades motoras da língua e de força e massa muscular. No presente estudo, verificaram-se alguns dados isolados: (1) maior prevalência de alteração na postura da língua, caracterizada principalmente por anteriorização e repouso em soalho bucal; e (2) mobilidade de língua alterada, como elevação e abaixamento de ponta de língua, lateralização, varredura de palato e rotação. Tais alterações podem ser decorrentes da perda de dentes a qual pode alterar a função muscular, diminuindo o tônus da musculatura facial 25-27.

O envelhecimento populacional é uma realidade que vem ocorrendo no Brasil e no mundo. Desta forma, medidas nas áreas social e da saúde precisam ser desenvolvidas para melhorar a qualidade de vida da população idosa e solucionar os problemas que a acomete. Sendo assim, novas pesquisas devem ser incentivadas, buscando abranger mais aspectos do envelhecimento, a fim de aumentar a gama de conhecimentos para proporcionar uma comunicação mais adequada e eficiente ao idoso.

CONCLUSÕES

Existem mudanças nos parâmetros vocais como conseqüência do envelhecimento sadio. A qualidade vocal predominante dos idosos analisados foi rouca, com grau de alteração variando entre discreto e moderado; loudness, pitch e tempos máximos de fonação apresentaram-se reduzidos. Entretanto, essas alterações não interferem sobremaneira no desempenho comunicativo da população estudada.

A articulação e a precisão articulatória estiveram preservadas na maioria dos participantes, garantido uma boa inteligibilidade da fala e permitindo a compreensão do discurso. Tais condições foram verificadas mesmo com a alta incidência de indivíduos desdentados e restrição no uso de prótese dentárias. Porém, as estruturas do sistema estomatognático apresentaram predominantemente parâmetros preservados, o que favoreceu a manutenção adequada das funções da fala.

Os resultados encontrados sugerem a necessidade do trabalho fonoaudiológico com essa população, o qual deve acontecer junto ao de outros profissionais, como dentistas, médicos, nutricionistas e psicólogos. O trabalho interdisciplinar deve ser considerado porque as modificações observadas na população idosa são causadas por aspectos relativos aos indivíduos com um todo e afetam a vida dos idosos num sentido bem amplo.

Recebimento em: 30/08/06

Aceito em: 21/02/07

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Set 2007
    • Data do Fascículo
      Mar 2007

    Histórico

    • Aceito
      21 Fev 2007
    • Recebido
      30 Ago 2006
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