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Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) versus Transtorno Específico de Aprendizagem - Subtipo Leitura (Dislexia): desempenho em tarefas de escrita

RESUMO

Objetivo:

analisar e comparar o desempenho em escrita entre escolares com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) ou escolares com Dislexia.

Métodos:

participaram 27 crianças, divididas nos grupos: G-TDAH; G-Dislexia. Para avaliação da escrita, utilizou-se um teste que se baseia no ditado de palavras/pseudopalavras e foram analisados o nível de escrita, o desempenho em escrever palavras/pseudopalavras e os tipos de erros ortográficos presentes. Para comparação entre os grupos foram utilizados os testes Igualdade de Proporções entre duas amostras e Mann-Whitney (α=0,05).

Resultados:

das 27 crianças participantes, apenas uma do G-Dislexia foi classificada no nível silábico-alfabético. Todas as outras foram classificadas no nível alfabético, não havendo diferença estatística deste item entre os grupos. Em relação à análise do desempenho em escrever palavras/pseudopalavras, observou-se diferença entre os valores médios totais, com melhor desempenho do G-TDAH. Neste mesmo grupo, há maior porcentagem de crianças classificadas com desempenho adequado para a idade. Em relação aos erros ortográficos, houve diferença entre os grupos em omissão de sílabas, omissão/adição de letras em sílabas complexas e no desempenho total, sendo o G-dislexia com maior número destes tipos de erros.

Conclusão:

crianças com TDAH apresentaram melhor desempenho em escrita do que crianças com dislexia, porém, a escrita não pode ser utilizada como um marcador diagnóstico entre essas condições.

Descritores:
Desenvolvimento da Linguagem; Escrita Manual; Transtornos do Neurodesenvolvimento; Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade; Dislexia

ABSTRACT

Purpose:

to analyze and compare the writing performance between students with attention-deficit/hyperactivity disorder (ADHD) and students with dyslexia.

Methods:

altogether, 27 children participated in the study, divided into the groups G-ADHD and G-Dyslexia. Their writing was assessed with a test that uses word and pseudoword dictation. The analysis addressed their writing level, word/pseudoword writing performance, and misspelling types. The groups were compared with the two-proportion z-test between two samples and the Mann-Whitney test (α = 0.05).

Results:

only one child in G-Dyslexia out of the 27 participating children was classified at the syllabic-alphabetical level. The others were classified at the alphabetical level, with no statistical difference between the groups in this item. The analysis of word/pseudoword writing performance revealed a difference between mean total scores, in which G-ADHD performed better. This group also had a higher percentage of children whose performance was classified as adequate for their age. There was a difference in misspellings between the groups in the omission of syllables, omission/addition of letters in complex syllables, and total performance - G-dyslexia made such errors more often.

Conclusion:

children with ADHD performed better in writing than the ones with dyslexia. However, writing cannot be used as a diagnostic marker between these conditions.

Keywords:
Language Development; Handwriting; Neurodevelopmental Disorders; Attention Deficit Disorder with Hyperactivity; Dyslexia

INTRODUÇÃO

A escrita, assim como a leitura, é uma competência construída de forma gradual, em consonância com a maturação neurológica e a exigência social11. Martins MA, Capellini SA. Relation between oral reading fluency and reading comprehension. CoDAS. 2019;31(1):e20170244. https://doi.org/10.1590/2317-1782/20182018244 PMID: 30810631.
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. Seu desenvolvimento tem início na primeira infância, com o desenvolvimento de habilidades cognitivas básicas (habilidades linguísticas, habilidades metalinguísticas22. Bradley L, Bryant PE. Categorizing sounds and learning to read-a causal connection. Nature. 1983;301(5899):419-21. https://doi.org/10.1038/301419a0
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e das funções executivas33. Bailey SK, Aboud KS, Nguyen TQ, Cutting LE. Applying a network framework to the neurobiology of reading and dyslexia. J Neurodev Disord. 2018;10(1):1-9. https://doi.org/10.1186/s11689-018-9251-z
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), mas alcança seu auge durante os primeiros anos escolares, quando a criança começa a estabelecer a correspondência fonema-grafema e, posteriormente, se apropria do sistema ortográfico11. Martins MA, Capellini SA. Relation between oral reading fluency and reading comprehension. CoDAS. 2019;31(1):e20170244. https://doi.org/10.1590/2317-1782/20182018244 PMID: 30810631.
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,44. Alves DC, Casella EB, Ferraro AA. Spelling performance of students with developmental dyslexia and with developmental dyslexia associated to attention deficit disorder and hyperactivity. CoDAS. 2016;28(2):123-31. https://doi.org/10.1590/2317-1782/20162015068 PMID: 27191875.
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.

Para ler, os indivíduos devem apresentar adequada atenção visual, mapear símbolos para representações fonológicas, extrair significado das palavras, atualizar representações mentais do texto, inibir associações sem importância e fazer inferências apropriadas33. Bailey SK, Aboud KS, Nguyen TQ, Cutting LE. Applying a network framework to the neurobiology of reading and dyslexia. J Neurodev Disord. 2018;10(1):1-9. https://doi.org/10.1186/s11689-018-9251-z
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. Essas mesmas habilidades são necessárias para a escrita sendo que, na escrita, especificamente a tarefa de ditado, a entrada é auditiva, sendo necessário, além de habilidades linguísticas/metalinguísticas, atenção e funções executivas, a habilidade visuoconstrutiva e a coordenação visomotora.

O objetivo mais explícito da instrução para a aprendizagem da linguagem escrita é construir um mapeamento ortográfico-fonológico rápido e eficiente e, a dificuldade nesse aprendizado pode surgir de muitas fontes55. Van der Lely HKJ, Marshall CR. Assessing component language deficits in the early detection of reading difficulty risk. J Learn Disabil. 2010;43(4):357-68. https://doi.org/10.1177/0022219410369078 PMID: 20479460.
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. Logo, falhas na aprendizagem da leitura/escrita podem estar associadas a diversos transtornos do neurodesenvolvimento, tais como o transtorno do déficit de atenção/hiperatividade66. Pennington BF. From single to multiple deficit models of developmental disorders. Cognition. 2006;101(2):385-413. https://doi.org/10.1016/j.cognition.2006.04.008 PMID: 16844106.
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,77. Margari L, Buttiglione M, Craig F, Cristella A, de Giambattista C, Matera E et al. Neuropsychopathological comorbidities in learning disorders. BMC Neurol. 2013;13(1):1-6. https://doi.org/10.1186/1471-2377-13-198 PMID: 24330722.
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, ou serem critérios diagnósticos de transtornos primários que envolvem a linguagem escrita, tais como o transtorno específico de aprendizagem.

Segundo o Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais 5ª edição revisada (DSM-5 - revisado)88. American Psychiatric Association - APA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais - DSM-5 revisado. Porto Alegre: Artmed; 2023., o Transtorno do Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) é um transtorno do neurodesenvolvimento definido por níveis prejudiciais de desatenção, desorganização e/ou hiperatividade-impulsividade. Estima-se que a prevalência mundial de TDAH em crianças e adolescentes é de aproximadamente 5%88. American Psychiatric Association - APA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais - DSM-5 revisado. Porto Alegre: Artmed; 2023.,99. Polanczyk G, De Lima MS, Horta BL, Biederman J, Rohde LA. The worldwide prevalence of ADHD: a systematic review and metaregression analysis. Am J Psychiatry. 2007;164(6):942-8. https://doi.org/10.1176/ajp.2007.164.6.942 PMID: 17541055.
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. Em crianças com queixas de dificuldades escolares, a condição do TDAH é um dos diagnósticos mais prevalentes (40%)1010. Paterlini LSM, Zuanetti PA, Pontes-Fernandes AC, Fukuda MTH, Hamad APA. Screening and diagnosis of learning disabilities/disorders - outcomes of interdisciplinary assessments. Rev. CEFAC. 2019;21(5):e13319. https://doi.org/10.1590/1982-0216/201921513319
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.

O transtorno subdivide-se em três fenótipos comportamentais: o TDAH com predomínio em desatenção, o TDAH com predomínio de sintomas de hiperatividade/impulsividade e o TDAH combinado. A combinação dos grupos de sintomas é definida em: desatenção e desorganização, as quais envolvem incapacidade de permanecer em uma tarefa, aparente impressão de não ouvir e perda de objetos em níveis inconsistentes com a idade ou o nível de desenvolvimento e; em hiperatividade-impulsividade, que implica em atividade excessiva, inquietação, incapacidade de permanecer sentado, intromissão em atividades de outros e incapacidade de aguardar. Com relação aos aspectos neuropsicológicos, estudos apontam que indivíduos com TDAH apresentam déficits em funções executivas1111. Gooch D, Snowling M, Hulme C. Time perception, phonological skills and executive function in children with dyslexia and/or ADHD symptoms. J child psychol psychiatry. 2011;52(2):195-203. https://doi.org/10.1111/j.1469-7610.2010.02312.x PMID: 20860755.
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,1212. Gallego-Martínez A, García-Sevilla J, Fenollar-Cortés J. Implication of visuospatial and phonological working memory in the clinical heterogeneity of attention-deficit/hyperactivity disorder (ADHD). An Psicol. 2018;34(1):16-22. https://dx.doi.org/10.6018/analesps.34.1.289671
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, como por exemplo, na memória de trabalho1313. Sarver DE, Rapport MD, Kofler MJ, Raiker JS, Friedman LM. Hyperactivity in attention-deficit/hyperactivity disorder (ADHD): Impairing deficit or compensatory behavior? J Abnorm Child Psychol. 2015;43(7):1219-32. https://dx.doi.org/10.1007/s10802-015-0011-1
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,1414. Willcutt EG, Pennington BF, Olson RK, Chhabildas N, Hulslander J. Neuropsychological analyses of comorbidity between reading disability and attention deficit hyperactivity disorder: In search of the common deficit. Dev Neuropsychol. 2005;27(1):35-78. https://dx.doi.org/10.1207/s15326942dn2701_3 PMID: 15737942.
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e em velocidade de processamento1515. Chhabildas N, Pennington BF, Willcutt EG. A comparison of the neuropsychological profiles of the DSM-IV subtypes of ADHD. J Abnorm Child Psychol. 2001;29(6):529-40. https://dx.doi.org/10.1023/a:1012281226028 PMID: 11761286.
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,1616. Castrillo MJJ, Hamad APA, Pontes-Fernandes AC, Fukuda MTH, Zuanetti PA. Nomeação automática rápida de estímulos não alpha-numéricos como indicador de alterações atencionais. Neuropsicol. Lat. Am. 2023;15(2):10-7. https://dx.doi.org/10.5579/rnl.2023.0787
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.

Já o Transtorno Específico de Aprendizagem - Subtipo Leitura - TEA-leitura (segundo o DSM 5 revisado88. American Psychiatric Association - APA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais - DSM-5 revisado. Porto Alegre: Artmed; 2023., o termo dislexia pode ser usado como termo alternativo), refere-se a um padrão de dificuldades de aprendizagem caracterizado por problemas no reconhecimento preciso ou fluente de palavras e/ou por problemas de decodificação e dificuldades de ortografia. Outro critério diagnóstico é que estas alterações devem persistir mesmo na presença de adequada estimulação/intervenção (estratégia de resposta à intervenção)88. American Psychiatric Association - APA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais - DSM-5 revisado. Porto Alegre: Artmed; 2023.. Essa condição, quando presente, necessita que a estimativa intelectual seja classificada como adequada, isto é, faz-se necessário excluir o diagnóstico de transtorno do desenvolvimento intelectual (deficiência intelectual) e, também, analisar se as dificuldades na aprendizagem escolar não são consequência de outra condição do neurodesenvolvimento, como do TDAH1717. Friedman NP, Miyake A. Unity and diversity of executive functions: Individual differences as a window on cognitive structure. Cortex. 2017;86:186-204. https://dx.doi.org/10.1016/j.cortex.2016.04.023 PMID: 27251123.
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. Neste artigo, utilizaremos o termo alternativo dislexia para nos referirmos às crianças com TEA-leitura.

Considerando os domínios da leitura/escrita, a prevalência da dislexia é de aproximadamente 3%88. American Psychiatric Association - APA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais - DSM-5 revisado. Porto Alegre: Artmed; 2023.,1010. Paterlini LSM, Zuanetti PA, Pontes-Fernandes AC, Fukuda MTH, Hamad APA. Screening and diagnosis of learning disabilities/disorders - outcomes of interdisciplinary assessments. Rev. CEFAC. 2019;21(5):e13319. https://doi.org/10.1590/1982-0216/201921513319
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em crianças em idade escolar. Um estudo1818. Ozernov-Palchik O, Gaab N. Tackling the 'dyslexia paradox': reading brain and behavior for early markers of developmental dyslexia. Wiley Interdiscip Rev Cogn Sci. 2016;7(2):156-76. https://dx.doi.org/10.1002/wcs.1383 PMID: 26836227.
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verificou que 1,3% das crianças com queixas de dificuldades de aprendizagem foram realmente diagnosticadas com dislexia. Na dislexia há alterações relacionadas às habilidades do processamento fonológico (dificuldade nas habilidades de consciência fonológica, memória de trabalho - alça fonológica e lentidão no acesso lexical fonológico), isto é, alteração em alguns aspectos da representação ou do processamento de sons da fala1919. Capellini SA, Padula NA de MR, Santos LCA dos, Lourenceti MD, Carrenho EH, Ribeiro LA. Desempenho em consciência fonológica, memória operacional, leitura e escrita na dislexia familial. Pró-Fono R. Atual. Científ. 2007;19(4):374-80. https://dx.doi.org/10.1590/s0104-56872007000400009 PMID: 18200387.
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e também pode haver falhar no processamento visual.

Tanto o TDAH quanto a Dislexia são condições que possuem sinais/sintomas relacionados a atrasos e/ou dificuldades no processo de aprendizagem da escrita. Diante disso, o objetivo deste estudo foi analisar e comparar o desempenho em tarefas de escrita entre escolares com TDAH e escolares com Dislexia.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo observacional transversal analítico-descritivo, registrado na Plataforma Brasil pelo Certificado de Apresentação para Apreciação Ética de número (CAAE) 13728119.9.0000.5440 e aprovado pelo parecer de número 5608/2019 pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP - USP), Brasil. Após anuência do Comitê de Ética e Pesquisa e consentimento dos responsáveis pelas crianças, foram iniciados os trabalhos de coleta de dados.

Seleção e caracterização da amostra

Inicialmente foram analisados 102 prontuários eletrônicos de crianças que possuíam avaliação fonoaudiológica na área de linguagem infantil e que foram atendidas em dois ambulatórios interdisciplinares desta instituição no período de junho de 2016 até junho de 2019. A opção por este período é decorrente do uso sistemático de instrumentos padronizados e atualizados na avaliação fonoaudiológica e neuropsicológica. Ressalta-se que todas as crianças foram atendidas na mesma instituição pública e todas elas foram avaliadas por médico neurologista infantil, fonoaudiólogo especialista em linguagem e psicólogo especialista em neuropsicologia. O diagnóstico final da criança (TDAH, dislexia, transtorno do desenvolvimento intelectual ou outros) somente foi concluído após avaliação da criança por cada profissional e discussão do caso entre os profissionais da equipe.

Para esta análise de prontuários foram definidos como critérios de inclusão: crianças que apresentavam diagnóstico de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), independentemente do tipo (desatento, hiperativo ou misto); crianças com diagnóstico de Transtorno Específico de Aprendizagem - Subtipo Leitura (Dislexia), independente se a discalculia era ou não uma comorbidade; ausência de outros transtornos do neurodesenvolvimento (transtorno do desenvolvimento intelectual, transtorno do espectro autista, apraxia de fala na infância e transtorno do desenvolvimento da linguagem); a criança não poderia ter TDAH e dislexia como comorbidades; ausência de transtornos psiquiátricos moderados/graves (exemplo: ideação suicida); ausência de síndromes genéticas; ausência de diagnóstico de perda auditiva independentemente do tipo ou grau e a criança deveria ter entre sete e onze anos de idade.

Os critérios de exclusão considerados para ambos os grupos foram: crianças com histórico de terapia fonoaudiológica para dificuldades de aprendizagem/fala e/ou reabilitação cognitiva; crianças com uso de medicação específica para atenção no momento em que ocorreu a avaliação da escrita; pacientes que não realizaram todos os testes utilizados para este trabalho; apresentar amostra de escrita incompleta ou não obtida pelo instrumento Prova de escrita sob ditado - versão reduzida (PED-vr)2020. Seabra AG, Capovilla FC. Prova de escrita sob ditado: versão reduzida. In: Seabra AG, Martins ND, Capovilla FC, editors. Avaliação Neuropsicológica Cognitiva: leitura, escrita e aritmética. Campinas: Memnon; 2013. p. 70-3..

A amostra total foi composta (após critérios de inclusão e exclusão) de 27 crianças, distribuídos em dois grupos:

  • G - TDAH: formado por 19 crianças com o diagnóstico de TDAH (idade média de 8,9 anos; desvio padrão de 1,1; 79% das crianças eram do sexo masculino).

  • G - Dislexia: formado por 8 crianças com diagnóstico de Dislexia (idade média de 9,1 anos; desvio padrão de 0,6; 75% das crianças eram do sexo masculino).

Instrumentos e Procedimento de coleta de dados:

Para seleção e caracterização da amostra, analisaram-se os relatórios de avaliação fonoaudiológica, avaliação neuropsicológica e evoluções clínicas da área médica (todos estavam anexados no prontuário eletrônico destes pacientes). Para a avaliação da escrita, recorreu-se às folhas de registro da avaliação fonoaudiológica que se estavam arquivadas em local apropriado da instituição.

Essas produções escritas foram obtidas por meio da Prova de Escrita sob Ditado - versão reduzida (PED-vr)2020. Seabra AG, Capovilla FC. Prova de escrita sob ditado: versão reduzida. In: Seabra AG, Martins ND, Capovilla FC, editors. Avaliação Neuropsicológica Cognitiva: leitura, escrita e aritmética. Campinas: Memnon; 2013. p. 70-3.. O instrumento é composto por 36 estímulos, sendo 24 palavras e 12 pseudopalavras, variando em relação à extensão (estímulos com duas ou três sílabas); a frequência (baixa e alta frequência) e; regularidade (estímulos regulares, dependentes de regra ou irregulares). O procedimento padrão de aplicação é entregar uma folha em branco com uma tabela de três colunas e doze linhas para a criança e solicitar a esta que escreva o estímulo ditado dentro de cada espaço. É ditado um estímulo por vez, não sendo permitido repetir.

Para este estudo, a análise do material escrito produzido pela criança foi efetuada seguindo as etapas:

1ª - Análise do nível de escrita: esta primeira análise consistiu em classificar o nível de escrita das 27 crianças. Para tal, utilizou-se a classificação proposta por Ferreiro e Teberosky que, no artigo de Pestun et al.2121. Pestun MSV, Omote LCF, Barreto DCM, Matsuo T. Estímulo de la conciencia fonológica em la educación infantil: prevención de dificultades en la escritura. Psicol Esc e Educ. 2010;14(1):95-104. https://doi.org/10.1590/S1413-85572010000100011
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, cada classificação é correspondente a uma pontuação, a saber: 4 pontos - nível alfabético; 3 pontos - nível silábico-alfabético; 2 pontos - nível silábico; 1 ponto - nível pré-silábico e; 0 ponto - rabiscos. Para a análise estatística, foi comparado o percentual de crianças que se encontrava no nível pré-silábico, silábico e alfabético, assim como a pontuação média de cada grupo (soma das pontuações equivalentes ao nível de escrita).

2ª - Análise do desempenho em escrita: a análise do desempenho em escrita foi efetuada apenas nas amostras classificadas em nível alfabético (pontuação 4) e em nível silábico-alfabético (pontuação 3). Foi avaliado o desempenho das crianças em escrever palavras e pseudopalavras através da PED-vr2020. Seabra AG, Capovilla FC. Prova de escrita sob ditado: versão reduzida. In: Seabra AG, Martins ND, Capovilla FC, editors. Avaliação Neuropsicológica Cognitiva: leitura, escrita e aritmética. Campinas: Memnon; 2013. p. 70-3..

Segundo análise do teste, é computado o número de erros ortográficos que cada criança cometeu durante o ditado de palavras, pseudopalavras e no total. A partir destes dados, foram calculadas as frequências de erros e, com as frequências de erros, foram obtidas as pontuações-padrão, por meio de tabelas de referência oferecidas pelo próprio teste.

Em sequência, foi realizada a classificação de cada amostra em desempenho deficitário ou adequado em escrita, sendo déficit - classificação muito baixa ou baixa, e adequado - classificação média ou alta. A inferência estatística consistiu em comparar entre os grupos a porcentagem de crianças com desempenho adequado (média/alta) no geral e em cada subtarefa, além de comparar a pontuação padrão em cada tarefa entre os grupos.

3ª - Avaliação do tipo dos erros ortográficos2222. Zorzi JL. Alterações ortográficas nos transtornos de aprendizagem. In: Maluf MI, editor. Aprendizagem: tramas do conhecimento, do saber e da subjetividade. Rio de Janeiro: Vozes; São Paulo: ABPp, 2006. p.144-16.: A terceira e última análise englobou a classificação dos tipos de erros ortográficos que as crianças cometeram. Foram estes: erros de relação fonografêmica irregular (quando um fonema pode ser representado por diferentes grafemas); erros de apoio na oralidade (quando palavras são escritas do modo como são pronunciadas); erros por dificuldade no uso de marcadores de nasalização (uso do som m no final de palavras e antes dos grafemas p e b, e o uso do n no fim de sílabas no meio de palavras); erros por dificuldade na marcação de acentos gráficos (quando omite o acento ou acentua a palavra de forma indevida); erros de omissões de sílabas (quando ocorre ausência de sílabas que deveriam fazer parte das palavras); erros por segmentação indevida (quando ocorre a junção ou separação de palavras de forma indevida); erros de troca de letras por traço de sonoridade (surdos/sonoros); erros por inversão em relação ao próprio eixo (quando ocorre o espelhamento ou rotação de letras); erros por inversão em relação ao local que deveria ser ocupado dentro da palavra (quando ocorre mudança de posição dentro da sílaba ou da palavra)2222. Zorzi JL. Alterações ortográficas nos transtornos de aprendizagem. In: Maluf MI, editor. Aprendizagem: tramas do conhecimento, do saber e da subjetividade. Rio de Janeiro: Vozes; São Paulo: ABPp, 2006. p.144-16.,2323. Zuanetti PA, Novaes CB de, Silva K, Mishima-Nascimento F, Fukuda MTH. Main changes found in written narratives productions of children with reading/writing difficulties. Rev. CEFAC. 2016;18(4):843-53. https://doi.org/10.1590/1982-021620161843116
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. Para a análise estatística comparou-se o número de erros cometidos por cada grupo.

Análise dos dados

Utilizou-se a estatística descritiva para a caracterização dos grupos e, para a inferência, o Teste Igualdade de Proporções entre duas amostras para a comparação dos dados categóricos; e o Teste de Mann-Whitney (teste não paramétrico aplicado para duas amostras independentes) para os dados quantitativos. O nível de significância adotado para ambos foi de (α = 0,05).

RESULTADOS

Os dados coletados relativos à caracterização da amostra (média de idade das crianças, estimativa intelectual, sexo e outros dados) estão demonstrados na Tabela 1. Ressalta-se que todas as crianças pertencentes a este estudo são provenientes de escola pública.

Tabela 1
Caracterização da amostra, em relação a idade, sexo e estimativa intelectual

Das 27 amostras de escrita analisadas, apenas uma criança do G-Dislexia foi classificada no nível de escrita 3 (nível silábico-alfabético), todas as outras amostras de escritas foram classificadas no nível 4 (nível alfabético). Diante deste dado não houve diferença entre G-TDAH e G-Dislexia no que se refere à pontuação média neste quesito (G-TDAH: média de 4; DP de 0; G-Dislexia: média de 3,9; DP de 0,3; p-valor de 0,1).

Em relação ao desempenho no teste de ditado de palavras e pseudopalavras, realizaram-se duas análises, uma quantitativa (comparação da pontuação padrão - Tabela 2) e uma com as variáveis categóricas (classificação do desempenho - Tabela 3).

Tabela 2
Análise da pontuação padrão no teste Ditado de Palavras e Pseudopalavras
Tabela 3
Análise da proporção de crianças classificadas como alteradas e adequadas no teste Ditado de Palavras e Pseudopalavras

A partir da Tabela 2, é possível verificar que as médias são superiores no grupo G-TDAH nas categorias de palavras, pseudopalavras e total. Já a Tabela 3 demonstra que a porcentagem de crianças com déficit é superior em G-Dislexia nas categorias de palavras, pseudopalavras e total, porém somente houve diferença estatística entre os grupos no item pseudopalavras. No G-Dislexia foram encontrados 75% de crianças com desempenho alterado em escrita, contra 42% no grupo G-TDAH.

Os tipos de erros ortográficos e os resultados referentes à média de erros, por grupo, estão apresentados na Tabela 4. Na Tabela 4 observa-se a ocorrência de praticamente todos os tipos de erros ortográficos em ambos os grupos, porém, a quantidade de erros (diferença significativa) foi maior no G-Dislexia. Os erros em Omissão ou Adição de Sílabas Complexas e Relação Fonografêmica Irregular foram os mais prevalentes no G-Dislexia. Já para o G-TDAH, Relação Fonografêmica Irregular e Dificuldades em Acentos Gráficos foram os mais frequentes.

Tabela 4
Comparação da quantidade de erros ortográficos entre os dois grupos

DISCUSSÃO

Mesmo que este estudo seja composto por uma amostra de conveniência (crianças avaliadas por uma equipe interdisciplinar em determinado período de tempo), observou-se maior prevalência de crianças diagnosticadas com TDAH com relação às crianças diagnosticadas com Dislexia, sendo o G-TDAH constituído de 19 crianças e o G-Dislexia por oito crianças. Esta característica está de acordo com o encontrado na literatura no que se refere à prevalência destes transtornos do neurodesenvolvimento, uma vez que no TDAH a prevalência mundial estimada em crianças é de 5%88. American Psychiatric Association - APA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais - DSM-5 revisado. Porto Alegre: Artmed; 2023.,99. Polanczyk G, De Lima MS, Horta BL, Biederman J, Rohde LA. The worldwide prevalence of ADHD: a systematic review and metaregression analysis. Am J Psychiatry. 2007;164(6):942-8. https://doi.org/10.1176/ajp.2007.164.6.942 PMID: 17541055.
https://doi.org/10.1176/ajp.2007.164.6.9...
e, em relação à dislexia, cerca de 1,3% das crianças são realmente diagnosticadas com este transtorno1818. Ozernov-Palchik O, Gaab N. Tackling the 'dyslexia paradox': reading brain and behavior for early markers of developmental dyslexia. Wiley Interdiscip Rev Cogn Sci. 2016;7(2):156-76. https://dx.doi.org/10.1002/wcs.1383 PMID: 26836227.
https://dx.doi.org/10.1002/wcs.1383...
.

Em relação à estimativa intelectual, nenhuma criança foi classificada como extremamente baixa no instrumento WISC IV, assim como no instrumento Raven colorido, concordando com os critérios diagnósticos propostos pelo DSM 5 - revisado88. American Psychiatric Association - APA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais - DSM-5 revisado. Porto Alegre: Artmed; 2023.,1717. Friedman NP, Miyake A. Unity and diversity of executive functions: Individual differences as a window on cognitive structure. Cortex. 2017;86:186-204. https://dx.doi.org/10.1016/j.cortex.2016.04.023 PMID: 27251123.
https://dx.doi.org/10.1016/j.cortex.2016...
. Em relação à variável sexo, em ambos os grupos, houve a prevalência de crianças do sexo masculino, característica também descrita na literatura88. American Psychiatric Association - APA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais - DSM-5 revisado. Porto Alegre: Artmed; 2023..

A hipótese inicial deste trabalho, ao analisar o desempenho em escrita, era encontrar a maior parte do grupo de crianças com dislexia classificada em nível de escrita silábico-alfabético ou nível inferior, enquanto as crianças com TDAH poderiam ser classificadas no nível alfabético. Essa hipótese é devido ao fato de o prejuízo em leitura/escrita ser o critério diagnóstico base da dislexia88. American Psychiatric Association - APA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais - DSM-5 revisado. Porto Alegre: Artmed; 2023.,1919. Capellini SA, Padula NA de MR, Santos LCA dos, Lourenceti MD, Carrenho EH, Ribeiro LA. Desempenho em consciência fonológica, memória operacional, leitura e escrita na dislexia familial. Pró-Fono R. Atual. Científ. 2007;19(4):374-80. https://dx.doi.org/10.1590/s0104-56872007000400009 PMID: 18200387.
https://dx.doi.org/10.1590/s0104-5687200...
, enquanto as crianças com TDAH apresentam prejuízos nas funções executivas1111. Gooch D, Snowling M, Hulme C. Time perception, phonological skills and executive function in children with dyslexia and/or ADHD symptoms. J child psychol psychiatry. 2011;52(2):195-203. https://doi.org/10.1111/j.1469-7610.2010.02312.x PMID: 20860755.
https://doi.org/10.1111/j.1469-7610.2010...
,1212. Gallego-Martínez A, García-Sevilla J, Fenollar-Cortés J. Implication of visuospatial and phonological working memory in the clinical heterogeneity of attention-deficit/hyperactivity disorder (ADHD). An Psicol. 2018;34(1):16-22. https://dx.doi.org/10.6018/analesps.34.1.289671
https://dx.doi.org/10.6018/analesps.34.1...
,1313. Sarver DE, Rapport MD, Kofler MJ, Raiker JS, Friedman LM. Hyperactivity in attention-deficit/hyperactivity disorder (ADHD): Impairing deficit or compensatory behavior? J Abnorm Child Psychol. 2015;43(7):1219-32. https://dx.doi.org/10.1007/s10802-015-0011-1
https://dx.doi.org/10.1007/s10802-015-00...

14. Willcutt EG, Pennington BF, Olson RK, Chhabildas N, Hulslander J. Neuropsychological analyses of comorbidity between reading disability and attention deficit hyperactivity disorder: In search of the common deficit. Dev Neuropsychol. 2005;27(1):35-78. https://dx.doi.org/10.1207/s15326942dn2701_3 PMID: 15737942.
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-1515. Chhabildas N, Pennington BF, Willcutt EG. A comparison of the neuropsychological profiles of the DSM-IV subtypes of ADHD. J Abnorm Child Psychol. 2001;29(6):529-40. https://dx.doi.org/10.1023/a:1012281226028 PMID: 11761286.
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que poderiam ou não prejudicar o desenvolvimento da escrita. Porém, de acordo com os resultados aqui obtidos, apenas uma criança do grupo com diagnóstico de dislexia foi classificada em nível silábico-alfabético.

Contudo, os próximos dados (análise da quantidade e tipo de erros ortográficos cometidos pelos grupos e classificação do desempenho em escrita segundo a idade da criança) demonstraram que as crianças diagnosticadas com dislexia realmente apresentam maiores déficits em escrita quando comparadas às crianças com TDAH.

A análise da pontuação padrão pelo PED-vr demonstrou que a pontuação das crianças com dislexia foi inferior à pontuação das crianças com TDAH em todas as tarefas (palavras, pseudopalavras e total), ou seja, a quantidade de erros cometidos pelas crianças com dislexia foi maior do que a quantidade de erros das crianças com TDAH. Este resultado é coerente com o estudo que avalia o desempenho de crianças italianas em um teste de ditado, revelando que as crianças com dislexia cometeram mais erros ortográficos em comparação com as crianças com TDAH2424. Re AM, Cornoldi C. Spelling errors in text copying by children with dyslexia and ADHD Symptoms. J Learn Disabil. 2015;48(1):73-82. https://doi.org/10.1177/0022219413491287 PMID: 23744809.
https://doi.org/10.1177/0022219413491287...
.

Ao observar a proporção de amostras de escritas classificadas em déficit ou adequadas no PED-vr, verificou-se que aproximadamente 42% das crianças com TDAH são classificadas como “déficit” e, nas crianças com Dislexia, essa porcentagem é 75%, isso mostra que há mais chances de crianças com dislexia apresentarem falhas no domínio da escrita em comparação a crianças com TDAH.

Como já dito, os critérios diagnósticos do TDAH baseiam-se, principalmente, nas dificuldades atencionais e/ou no comportamento agitado/impulsivo88. American Psychiatric Association - APA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais - DSM-5 revisado. Porto Alegre: Artmed; 2023., sendo que o perfil neuropsicológico padrão dessas crianças são déficits em funções executivas (memória de trabalho, flexibilidade cognitiva, controle de impulsos e outros)1111. Gooch D, Snowling M, Hulme C. Time perception, phonological skills and executive function in children with dyslexia and/or ADHD symptoms. J child psychol psychiatry. 2011;52(2):195-203. https://doi.org/10.1111/j.1469-7610.2010.02312.x PMID: 20860755.
https://doi.org/10.1111/j.1469-7610.2010...
,1212. Gallego-Martínez A, García-Sevilla J, Fenollar-Cortés J. Implication of visuospatial and phonological working memory in the clinical heterogeneity of attention-deficit/hyperactivity disorder (ADHD). An Psicol. 2018;34(1):16-22. https://dx.doi.org/10.6018/analesps.34.1.289671
https://dx.doi.org/10.6018/analesps.34.1...
,1313. Sarver DE, Rapport MD, Kofler MJ, Raiker JS, Friedman LM. Hyperactivity in attention-deficit/hyperactivity disorder (ADHD): Impairing deficit or compensatory behavior? J Abnorm Child Psychol. 2015;43(7):1219-32. https://dx.doi.org/10.1007/s10802-015-0011-1
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14. Willcutt EG, Pennington BF, Olson RK, Chhabildas N, Hulslander J. Neuropsychological analyses of comorbidity between reading disability and attention deficit hyperactivity disorder: In search of the common deficit. Dev Neuropsychol. 2005;27(1):35-78. https://dx.doi.org/10.1207/s15326942dn2701_3 PMID: 15737942.
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15. Chhabildas N, Pennington BF, Willcutt EG. A comparison of the neuropsychological profiles of the DSM-IV subtypes of ADHD. J Abnorm Child Psychol. 2001;29(6):529-40. https://dx.doi.org/10.1023/a:1012281226028 PMID: 11761286.
https://dx.doi.org/10.1023/a:10122812260...
-1616. Castrillo MJJ, Hamad APA, Pontes-Fernandes AC, Fukuda MTH, Zuanetti PA. Nomeação automática rápida de estímulos não alpha-numéricos como indicador de alterações atencionais. Neuropsicol. Lat. Am. 2023;15(2):10-7. https://dx.doi.org/10.5579/rnl.2023.0787
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,2525. Zuanetti PA, Lugli MB, Pontes-Fernandes AC, Trabuco MS, Silva K, Fukuda MTH. Memory performance, oral comprehension and learning process between children with attention deficit hyperactivity disorder and children with anxiety disorder. Rev. CEFAC. 2018;20(6):692-702. https://doi.org/10.1590/1982-0216201820614218
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. Logo, o déficit em leitura e escrita, quando presente, geralmente é uma consequência dessa condição. Apesar de o diagnóstico de TDAH ser um dos diagnósticos mais prevalentes em crianças com queixas escolares/comportamentais (aproximadamente 40%)1010. Paterlini LSM, Zuanetti PA, Pontes-Fernandes AC, Fukuda MTH, Hamad APA. Screening and diagnosis of learning disabilities/disorders - outcomes of interdisciplinary assessments. Rev. CEFAC. 2019;21(5):e13319. https://doi.org/10.1590/1982-0216/201921513319
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, muitas crianças com TDAH não apresentam prejuízos em tarefas de leitura/escrita, como o observado neste estudo (58% das crianças com TDAH apresentavam adequado domínio da escrita), pois elas conseguem utilizar outros recursos cognitivos e recursos de seu ambiente, fazendo com que o desenvolvimento da linguagem escrita em níveis básicos (exemplo: leitura e escrita de palavras) ocorra de forma satisfatória. Em um estudo que abordou fatores de risco e de proteção para o desenvolvimento da linguagem oral/escrita, conclui-se que variáveis sociais/maternas, tais como, gravidez na adolescência e baixa escolaridade materna são fatores de risco mais significativos para o déficit em linguagem oral/escrita que a presença de sinais/sintomas de atenção e/ou hiperatividade2626. Zuanetti PA, Avezum MDMM, Ferretti MI, Pontes-Fernandes AC, Nunes MEN, Liporaci NM et al. Development of language and arithmetic skills: risk and protective factors. Comparative cross-sectional study. Sao Paulo Medical Journal. 2021;139(3):210-7. https://doi.org/10.1590/1516-3180.2020.0280.R1.10122020 PMID: 33729418.
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.

Já na condição de Dislexia, o critério diagnóstico é um déficit persistente em leitura/escrita, mesmo que a criança apresente estimativa intelectual satisfatória, tenha sido exposta à adequada instrução escolar e realize intervenções especializadas. O perfil neuropsicológico de base nesta condição é, principalmente, a falha no processamento fonológico88. American Psychiatric Association - APA. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais - DSM-5 revisado. Porto Alegre: Artmed; 2023.,1818. Ozernov-Palchik O, Gaab N. Tackling the 'dyslexia paradox': reading brain and behavior for early markers of developmental dyslexia. Wiley Interdiscip Rev Cogn Sci. 2016;7(2):156-76. https://dx.doi.org/10.1002/wcs.1383 PMID: 26836227.
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,2727. Michelino MS, Cardoso AD, Silva PB, Macedo EC. Desempenho em testes psicopedagógicos e neuropsicológicos de crianças e adolescentes com dislexia do desenvolvimento e dificuldade de aprendizagem. Rev Psicopedagogia. 2017;34(104):111-25., isto é, alteração em alguns aspectos da representação ou do processamento de sons da fala, cujos sintomas comportamentais principais são: dificuldade nas habilidades de consciência fonológica, memória de trabalho - alça fonológica e lentidão no acesso lexical fonológico.

Já em relação aos tipos de erros ortográficos, os erros ortográficos mais prevalentes encontrados na amostra de escrita do G-Dislexia foram: omissão ou adição de grafemas em sílabas complexas, outros erros ortográficos e erros por irregularidade fonografêmica. Já na comparação dos erros entre G-Dislexia e G-TDAH, houve maior número de erros ortográficos no G-Dislexia nos itens “total”, omissão de sílabas, omissão ou adição de grafemas em sílabas complexas e outros erros ortográficos.

A diferença na classificação dos erros ortográficos entre os grupos aponta que as crianças com dislexia estão no nível alfabético inicial da escrita e ainda precisam percorrer um “longo caminho”, o caminho do domínio ortográfico da nossa linguagem. As crianças com TDAH apresentam com maior prevalência o erro de irregularidade fonografêmica e demonstram que já estão dominando o sistema ortográfico.

Em uma revisão que abordou o tema “Dislexia e ortografia”2828. Cidrim L, Madeiro F. Studies on spelling in the context of dyslexia: a literature review. Rev. CEFAC. 2017;19(6):842-54. https://doi.org/10.1590/1982-0216201719610317
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, os autores pontuaram que as dificuldades no desempenho da escrita por disléxicos não são decorrentes, exclusivamente, de falhas no processamento fonológico - são também secundárias a alterações no processamento ortográfico e que um desafio enfrentado por disléxicos é reter as informações fonológicas para utilizar na escrita de novas formas ortográficas.

Quando a análise é voltada para os erros ortográficos que crianças com TDAH cometeram, verifica-se que são erros considerados de um nível mais avançado no desenvolvimento da escrita, como os erros de irregularidades da língua2222. Zorzi JL. Alterações ortográficas nos transtornos de aprendizagem. In: Maluf MI, editor. Aprendizagem: tramas do conhecimento, do saber e da subjetividade. Rio de Janeiro: Vozes; São Paulo: ABPp, 2006. p.144-16.,2929. Pereira CS, Pisacco NMT, Corso LV, Dorneles BV. Spelling performance of students with and without Attention Deficit Hyperactivity Disorder. Rev. CEFAC. 2018;20(4):409-21. https://doi.org/10.1590/1982-0216201820415817
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,3030. Zuanetti PA, Corrêa-Schnek AP, Manfredi AKS. Comparação dos erros ortográficos de alunos com desempenho inferior em escrita e alunos com desempenho médio nesta habilidade. Rev. Soc. Bras. Fonoaudiol. 2008;13(3):240-5. https://doi.org/10.1590/S1516-80342008000300007
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. O erro de irregularidade fonografêmica é o último erro “a desaparecer”, inclusive, bons leitores/escritores, mesmo quando adultos, continuam a apresentar este tipo de erro, mas eles recorrem a vias alternativas, tais como o uso do dicionário, para solucionar seu problema. Logo, lembrando que 58% das crianças com TDAH foram classificadas com desempenho adequado em escrita, fica justificado que o erro mais prevalente neste grupo seja os erros de irregularidade da língua.

CONCLUSÃO

Crianças com TDAH apresentaram melhor desempenho em escrita ao serem comparadas com as crianças com dislexia. Porém, a escrita não pode ser utilizada como um marcador diagnóstico entre essas condições.

No grupo de crianças com TDAH, verificou-se que cerca de 42% das crianças foram classificadas com desempenho deficitário; em contrapartida, 75% das crianças com dislexia foram classificadas com desempenho deficitário e este mesmo grupo obteve maior quantidade de erros ortográficos.

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  • Estudo realizado na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - FMRP-USP, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil.
  • Fonte de financiamento: Nada a declarar.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    10 Ago 2023
  • Aceito
    29 Set 2023
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