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Representações sociais dos profissionais de saúde sobre a terminalidade infantojuvenil

RESUMO

Objetivo:

compreender as representações sociais dos profissionais de saúde sobre a terminalidade infantojuvenil.

Métodos:

trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, do tipo exploratório descritivo, realizado com 10 profissionais de saúde, selecionados mediante a técnica de coleta de dados de amostragem em rede. Os instrumentos para coleta de dados foram entrevistas semiestruturadas e associação livre de palavras. A análise dos dados seguiu os passos da análise de conteúdo, sendo subsidiada pela teoria das representações sociais, com auxílio do software Atlas.ti.

Resultados:

a análise das entrevistas apresentou 115 trechos de narrativas, condensados em 11 códigos os quais foram agrupados em 3 categorias: experiências, estratégias e consequências do convívio com a terminalidade; missão e amorosidade em situação terminal; terminalidade como término da vida. A associação livre de palavras resultou em 52 evocações com destaque para sofrimento, dor, amor missão e família.

Conclusão:

as representações sociais dos profissionais de saúde sobre a terminalidade infantojuvenil estão associadas às experiências das situações vivenciadas; as estratégias desenvolvidas para enfrentamento desses momentos no exercício da profissão; e, as consequências que esta vivência oportuniza aos profissionais de saúde.

Descritores:
Cuidados Paliativos; Cuidados Paliativos na Terminalidade da Vida; Doente Terminal; Cuidado da Criança; Integralidade em Saúde

ABSTRACT

Purpose:

to understand the social representations of health professionals about terminally ill children and adolescents in different work settings.

Methods:

a qualitative, descriptive, exploratory study was conducted with ten health professionals, selected through the technique of network sampling. The instruments for data collection were semi-structured interviews, and free association of words. The analysis of the data followed the steps of content analysis, subsidized by the theory of social representations, with the support of Atlas.ti software.

Results:

the analysis of the interviews presented 115 excerpts of statements, condensed into 11 codes, which were grouped into three categories: experiences, strategies, and consequences of conviviality with terminality; mission and amorousness in a terminal condition; terminality as the end of life. The free association of words resulted in 52 evocations, with an emphasis on suffering, pain, love, mission, and family.

Conclusion:

the social representations of health professionals about terminally ill children and adolescents are associated with the situations being experienced, the strategies developed to deal with these moments in the exercise of the profession, and the consequences that this experience causes in the health professionals.

Keywords:
Palliative Care; Hospice Care; Terminally Ill; Child Care; Integrality in Health

INTRODUÇÃO

A estimativa no próximo ano para o Brasil indica a ocorrência de cerca de 600 mil casos novos de câncer em todas as faixas etárias. Essa situação exigirá uma resposta governamental com políticas de enfrentamento e exercício profissional mais qualificado para assistência a pessoas em situação de doença crônica e terminalidade11. Brasil. Ministério da Saúde. O que é câncer. Rio de Janeiro: INCA; 2016..

Diante deste cenário de aumento do aparecimento de neoplasias, destaca-se, em especial, o público infantojuvenil [crianças e adolescentes], cujo percentual mediano dos tumores pediátricos observados nos registros de câncer de base populacional dos brasileiros encontra-se próximo de 3%, portanto, ocorrerão nos próximos anos aproximadamente 12.600 casos novos de câncer em crianças e adolescentes até os 19 anos11. Brasil. Ministério da Saúde. O que é câncer. Rio de Janeiro: INCA; 2016..

As chances de cura do câncer infantil encontram-se em 70%, quando a doença é descoberta precocemente, entretanto, em média, 30% dos casos a necessidade de atenção em cuidados paliativos se fazem necessários em razão da iminente terminalidade, nestes casos os agravos podem estar associados ao tipo da doença ou do estágio da mesma11. Brasil. Ministério da Saúde. O que é câncer. Rio de Janeiro: INCA; 2016..

O processo de terminalidade deve ser valorizado, com ofertas de cuidados que oportunizem o máximo de qualidade de vida à criança em fase terminal e também aos envolvidos no cuidado22. Felix ZC, Costa SFG, Alves AMPM, Andrade CG, Duarte MCS, Brito FM. Eutanásia, distanásia e ortotanásia: revisão integrativa da literatura. Ciênc. saúde coletiva. 2013;18(9):2733-46.,33. World Health Organization. Cancer pain relief and palliative care in children. Geneva: WHO, 1998..

A Organização Mundial da Saúde (OMS) refere que o cuidado paliativo deve ser iniciado quando a doença crônica é diagnosticada, devendo peregrinar concomitantemente com o tratamento curativo. A avaliação e o alívio do sofrimento são prioridades nessa abordagem e devem ultrapassar o campo biológico, alcançando as esferas psíquica e social44. Pessini L, Bertachini L. (orgs). Humanização e cuidados paliativos. 6. ed. São Paulo: EDUNISC/Edições Loyola; 2014.

5. Kovác MJ. A caminho da morte com dignidade no século XXI. Rev. Bioét. 2014;22(1):94-104.
-66. Morse JM. Critical analysis of strategies for determining rigor in qualitative inquiry. Qual Health Res. 2015;25(9):1212-22..

No cotidiano de trabalho com a terminalidade existem desafios que ultrapassam a prática técnica, dentre eles os sentimentos de impotência, não envolvimento emocional, conformismo, compaixão, identificação com o ser que morre e seus familiares, fracasso e despreparo acadêmico para enfrentar a morte55. Kovác MJ. A caminho da morte com dignidade no século XXI. Rev. Bioét. 2014;22(1):94-104.,66. Morse JM. Critical analysis of strategies for determining rigor in qualitative inquiry. Qual Health Res. 2015;25(9):1212-22..

O exposto, aliado a vivência experimentada no cenário acadêmico e profissional despertou a seguinte questão de pesquisa: Quais as representações sociais dos profissionais de saúde sobre a terminalidade infantojuvenil? As representações são uma teoria da psicologia social que ocupa-se em estudar a construção de ideias, imagens, concepções e visões de mundo que os grupos sociais possuem sobre a realidade, que podem se manifestar em condutas. Sendo assim o objetivo dessa proposta investigativa é compreender as representações sociais dos profissionais de saúde sobre a terminalidade infanto-juvenil.

MÉTODOS

A coleta de dados para a realização da presente pesquisa respeitou todos os preceitos éticos recomendados para a pesquisa com seres humanos, e foi realizada após autorização dos órgãos responsáveis e pelo Comitê de Ética da Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC, tendo como número de parecer: 2.157.987 CAAE: 70028217.7.0000.0119. A livre participação e o anonimato dos participantes foram garantidos por meio de um código alfanumérico composto pela letra P, que tipifica o participante e um número que atribuía à sequência do entrevistado, por exemplo: P1.

Trata-se de um estudo do tipo exploratório descritivo, com abordagem qualitativa66. Morse JM. Critical analysis of strategies for determining rigor in qualitative inquiry. Qual Health Res. 2015;25(9):1212-22. balizado pela Política Nacional de Humanização77. Martins CP, Luzio CA. Política humaniza SUS: ancorar um navio no espaço. Interface. 2016;21(60):13-22. e pelas reflexões teóricas sobre o as representações sociais88. Moscovici S. Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2011.,99. Martinez EA, Tocantins FR, Souza SR. The specificities of communication in child nursing care. Rev gaucha enferm. 2013;34(1):37-44..

O presente estudo foi realizado no município de Criciúma, sul do estado de Santa Catarina com profissionais de saúde que atuam ou atuaram com situações de terminalidade infantojuvenil. Foram 10 profissionais de saúde, a saber: enfermeiro [3], psicólogo [3], médico [1], nutricionista [1], assistente social [1] e técnico de enfermagem [1]. O número de participantes foi considerado suficiente segundo os critérios de saturação dos dados1010. Minayo MCS. Amostragem e saturação em pesquisa qualitativa: consensos e controvérsias. Rev Pesquisa Qualit. 2017;5(7):1-12..

Para a seleção dos participantes adotou-se a técnica de coleta de dados de amostragem em rede ou o snow ball [bola de neve]1010. Minayo MCS. Amostragem e saturação em pesquisa qualitativa: consensos e controvérsias. Rev Pesquisa Qualit. 2017;5(7):1-12.. O processo de amostragem em rede se materializou da seguinte forma: o recrutamento do informante-chave aconteceu mediante o anúncio em redes sociais e contato de e-mails dos pesquisadores envolvidos, desta forma obteve-se 15 interessados, cujas possibilidades de inclusão no estudo foram verificadas, sendo selecionados três informantes que passaram a ser participantes do estudo. Um dos participantes indicou um novo contato que por sua vez referenciou outros, e assim sucessivamente; por fim, foi estabelecido contato com os informantes indicados, com vistas a confirmar o atendimento dos critérios de seleção.

A Figura 1 ilustra o processo de seleção dos participantes da pesquisa.

Figura 1:
Seleção dos participantes da pesquisa

A coleta de dados foi realizada por meio de duas técnicas utilizadas em estudos qualitativos: entrevista semiestruturada como instrumento principal e rede associativa ou Associação Livre de Palavras (ALP) como instrumento complementar. As entrevistas foram realizadas entre os dias 01 de julho a 01 de outubro de 2017 em local e hora definidos pelos participantes e contou com um roteiro composto por 14 perguntas, sendo 7 fechadas para identificação do perfil dos participantes e 7 perguntas abertas com ênfase no objeto de investigação deste estudo. A ALP foi materializada por meio de uma nuvem de palavras [word cloud] para fortalecer achados provenientes das entrevistas semiestruturadas.

No local para realização da coleta de dados foi apresentado o objetivo da pesquisa e posterior assinatura do participante no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) o qual continha as informações sobre a pesquisa e os direitos dos participantes. Todas as entrevistas foram gravadas totalizando 318 minutos e 20 segundos, após a gravação as mesmas foram transcritas e validadas pelos participantes por e-mail.

Os dados foram organizados segundo os preceitos da análise de conteúdo que se divide em três fases: pré-análise, exploração do material, e interpretação1111. Friese S, Soratto J, Pires D. Carrying out a computer-aided thematic content analysis with ATLAS.ti. IWMI Working Papers. v.18, n.2. Abril 2018. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/324720405. Acesso em:19 Jun. 2018.
https://www.researchgate.net/publication...
e contou com o auxílio do software para análise de dados qualitativos Atlas.ti. A relação da análise de conteúdo com o software aconteceu pela inserção das entrevistas [documents], seleção dos trechos de narrativas [quotations], criação de códigos [codes], agrupamento dos códigos [codes groups], extração de resultados [outputs] e geração de nuvem de palavras [word cloud].

RESULTADOS

Os resultados indicaram a existência de 115 trechos de narrativas, condensados em 11 códigos os quais foram agrupados em 3 categorias. Foram contemplados trechos de falas que tiveram relação com um ou mais códigos, os quais, para gerar um melhor entendimento dos leitores, articulando a teoria e percepção dos pesquisadores, serão destacados na discussão.

A primeira categoria: Experiências, estratégias e consequências do convívio com a terminalidade, foi subdividida em três subcategorias: Experiências com situações que envolvem terminalidade, que dispõem dos seguintes códigos: sentimento de fracasso [20]; limitações da equipe [9]; e sentimento de dever cumprido [12], totalizando 41 trechos de narrativas; estratégias de superação no convívio com a terminalidade, que dispõem dos seguintes códigos: autosuperação [12], religiosidade [19] totalizando 31 trechos de narrativas; consequências da vivência com situações de terminalidade, que dispõem dos seguintes códigos, ampliação do sentido da vida [5] e aprendizado pessoal [12], totalizando 19 trechos de narrativas.

A seguir, a categoria Missão e amorosidade em situação terminal contou com os seguintes códigos: manifestação de missão [7], manifestação de amor [6] totalizando 13 trechos narrados.

A terceira e ultima categoria, Término da vida, com os seguintes códigos: terminalidade interrupção prematura da vida [8] e morte [5], totalizando 12 trechos de narrativas.

A tabela a seguir sintetiza os achados do estudo:

Tabela 1:
Descrição das categorias e códigos de acordo com o número de trechos de narrativas relacionadas as representações sociais da terminalidade infantojuvenil

Para fortalecer os achados das entrevistas, foi realizado a ALP que totalizou 32 palavras, com 52 evocações, e seguiu um formato espiral, sendo que as mais evidenciadas [dor, sofrimento e amor] ficaram ao centro e as demais tiveram a menor frequência de repetição ficando nas extremidades. A figura a seguir ilustra esta relação:

Figura 2:
Palavras evocadas pelos profissionais de saúde relacionadas à terminalidade infantojuvenil

DISCUSSÃO

Experiências, estratégias e consequências do convívio com a terminalidade

As experiências parecem transitar pelo desenvolvimento de potencialidades ou facilidades que o profissional amplia ao lidar com a terminalidade e também pelas fragilidades ou dificuldades sustentadas muitas vezes por afastamento ou evitação, e/ou sentimentos de impotência associados à ideia de fracasso diante da assistência que no caso da terminalidade infantojuvenil, se manifesta na tentativa de evitar a morte do paciente55. Kovác MJ. A caminho da morte com dignidade no século XXI. Rev. Bioét. 2014;22(1):94-104.,1212. Scannavino CS, Sorato DB, Lima MP, Franco AHJ, Martins MP, Morais Júnior JC et al. Psico-oncologia: atuação do psicólogo no Hospital de Câncer de Barretos. Psicol. 2013;24(1):35-54..

As narrativas dos participantes a seguir mostram essas experiências associadas a sentimentos de evitação, afastamento e impotência.

[...] às vezes tu querer fazer alguma coisa e tu não poder, eu falo como assistente social de uma instituição, que a gente queria poder buscar qualquer recurso para poder salvar. Então, assim, tem muitas coisas que é muito bom na teoria, mas na prática, mesmo que se tiver dinheiro tu vai fazer o que? (P10).

O sentimento de impotência, fracasso, com a sensação que poderiam fazer algo mais foi materializado também no momento da evocação de palavras quando os mesmos mencionaram: dor [6], sofrimento [5], tristeza [2], descrença [1], incredulidade [1], insensatez [1], término [1], manifestando o quão arraigada se encontra a ideia sobre a terminalidade e a morte como algo transmissor de negatividade. As representações sociais emergem também como um modo de dar um valor simbólico, compreender um objeto em particular, de defini-lo, dar-lhe identidade88. Moscovici S. Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2011.,99. Martinez EA, Tocantins FR, Souza SR. The specificities of communication in child nursing care. Rev gaucha enferm. 2013;34(1):37-44..

Em se tratando das narrativas de acordo com a teoria das representações sociais, ancorar é classificar, dar nome a alguma coisa88. Moscovici S. Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2011.,99. Martinez EA, Tocantins FR, Souza SR. The specificities of communication in child nursing care. Rev gaucha enferm. 2013;34(1):37-44.. Identifica-se nas narrativas dos participantes, a materialização do processo de terminalidade e morte, ancorado na sensação de impotência e de fracasso que emerge quando da dor e do sofrimento. Vislumbram a obrigatoriedade de assistir pela presença, do estar junto no momento em que a vida reserva o grande desafio da despedida. A presença e a escuta que o profissional realiza, são fundamentais para alívio dos sofrimentos no momento da terminalidade e da morte e alcançam espaços da dimensão humana que nenhum outro tipo de remédio consegue acessar1212. Scannavino CS, Sorato DB, Lima MP, Franco AHJ, Martins MP, Morais Júnior JC et al. Psico-oncologia: atuação do psicólogo no Hospital de Câncer de Barretos. Psicol. 2013;24(1):35-54.

13. Silva AF, Issi HB, Motta MGC, Botene DZA. Cuidados paliativos em oncologia pediátrica: percepções, saberes e práticas na perspectiva da equipe multiprofissional. Rev: Gaúcha Enferm. 2015;36(2):56-62.
-1414. Clauduro ML, Custódio SAM. O processo de fase terminal (morte/luto) com familiares de pacientes oncologicos pós-óbito e a atuação do serviço social. RIPE. 2016;14(25):1-74..

O profissional de saúde que não se coloca diante da própria morte, terá dificuldades em compreender a morte do outro [daquele que assiste] e, portanto, assistir na terminalidade se tornará desafiador1313. Silva AF, Issi HB, Motta MGC, Botene DZA. Cuidados paliativos em oncologia pediátrica: percepções, saberes e práticas na perspectiva da equipe multiprofissional. Rev: Gaúcha Enferm. 2015;36(2):56-62.. Além disso, essas fragilidades poderão se disfarçar na necessidade de afastamento e evitação, transformando-se em sentimento de fracasso e impotência.

No ambiente de trabalho se faz necessário um espaço de segurança cultivado na relação entre os membros da equipe. Os participantes da pesquisa também mencionaram fragilidades que se materializavam em limitações de alguns profissionais colegas da equipe, em lidar com a terminalidade infantil conforme as descrições a seguir:

A dificuldade que eu tenho às vezes é com outras pessoas que interferem nesse momento, e de conter as outras pessoas essa é um pouco da dificuldade que eu tenho eu não consigo ser muito incisiva nesse momento, porque as vezes eu quero aparar a situação, mas eu não consigo (P5).

Outra grande dificuldade é de como a equipe não tem estrutura para lidar com isso, ninguém sabe fazer isso. Ao mesmo tempo aquele ser humano ali, em desespero, choque, e levar um afago que fosse um acalento que não tem palavra, que não tem gesto, então eu agi com meu coração. Sem técnica, mas de coração, de coração bem aberto (P4).

O despreparo da equipe de saúde ao lidar com situações de terminalidade pode gerar consequências. Embora tenham recebido preparo técnico para realização da assistência, diante dos seus próprios sentimentos, emergentes ao presenciar o sofrimento das crianças e familiares assistidos no processo de terminalidade, os profissionais podem apresentar dificuldades que refletirão no sistema de cuidado que precisa estar em sintonia com as necessidades totais [física, social, familiar, psicológica e espiritual] do paciente e sua família.

Há o sentimento de estar sendo útil, benéfico e de estar presente, somado à sensação de paz emitida pela interpretação de que o paciente descansou, que apesar da despedida do paciente houve libertação dos laços da dor e agonia. As narrações a seguir materializam os achados sobre as representações da terminalidade como o cumprimento de um dever:

Fácil ver que elas pararam de sofrer, eu penso que elas foram para um lugar melhor, que a gente tenta se confortar dessa maneira em pensar que o sofrimento acabou (P7).

[...] E ao mesmo tempo foi como é que eu vou te dizer, muito bonito, assim apesar da dor daquela situação, ver a força da mãe, a garra da mãe de independente de tudo, até o último suspiro: [exemplo] eu estou junto e faço o que tiver que fazer, aquilo me marcou muito. Foi forte pra mim foi o que mais me marcou (P6).

As experiências com a terminalidade e a aproximação da morte também podem ensinar grandes lições1313. Silva AF, Issi HB, Motta MGC, Botene DZA. Cuidados paliativos em oncologia pediátrica: percepções, saberes e práticas na perspectiva da equipe multiprofissional. Rev: Gaúcha Enferm. 2015;36(2):56-62.. Depois que o paciente morre, se o profissional o tiver escutado, assistido integralmente e intervindo de modo a aliviar o seu momento de dor, este terá os dias seguintes leves e bons, sentindo a paz do dever cumprido.

Os desafios exigidos diariamente para a realização das práticas em cuidados paliativos, diante do processo de relacionamento com os familiares, tornam intenso o desejo do profissional em oferecer, materializado em sua técnica de trabalho, o sentido da amorosidade por este fazer.

A partir disso emerge a sensação de dever cumprido que sustenta a realização profissional e pessoal na prática de cuidado. Com isso faz-se referência à filosofia dos cuidados paliativos que norteiam o fazer digno nas práticas em saúde, especialmente no que tange a terminalidade, sendo esta a abordagem

[...] que aprimora a qualidade de vida dos pacientes e famílias que enfrentam problemas associados com doenças ameaçadoras da vida, através da prevenção e do alívio do sofrimento, por meio de identificação precoce, da avaliação correta e do tratamento da dor e de outros problemas de ordem física, psicossocial e espiritual44. Pessini L, Bertachini L. (orgs). Humanização e cuidados paliativos. 6. ed. São Paulo: EDUNISC/Edições Loyola; 2014. (p. 84)

Para lidar com esse cotidiano são necessárias estratégias que o profissional de saúde acessa para superação da demanda de sentimentos que emerge junto a cada etapa da terminalidade infantil, estando vinculadas a autossuperação que aparece em uma tríade, ou seja, ligada ao sentido do cuidado, ao afastamento ou evitação e a religiosidade. As palavras evocadas que se vinculam a esta categoria foram: esperança [2], perseverança [1], fé [1], confiança [1] e força [1].

A autossuperação diz respeito a uma força que conduz o ser humano a criar alternativas que gerem a satisfação. Pode-se observar que a autossuperação diante do sentido de cuidar se encontra nítida para os entrevistados P5 e P2 que no momento de despedida dos pacientes, buscam a superação de sua dor [mantendo-se no sentido do cuidado] mostrando-se fortes, abstendo-se do seu sofrimento, abrindo possibilidades para dar espaço à família viver a sua dor.

Essa eu acho que é uma facilidade minha de entender que aquele é o momento da família não é o meu momento, não é o momento de mais ninguém é deles então eu tenho que me manter e me abster daquele momento (P5).

Porque muitas vezes tu precisa se vestir de forte. Quantas vezes tu vai ao quarto e depois tu sai chorando. Então acho que é isso, acho que às vezes tu acaba criando uma certa barreira para ti não esmorecer totalmente na frente daquele familiar (P2).

O ambiente de sofrimento e dor é algo que emerge nos profissionais de saúde que atuam na assistência a pacientes em terminalidade, assim como na maioria desses momentos é vedado ao profissional expressar a sua dor, visto que alguns não conseguem reconhecê-la e em outros está presente o receio de serem incompreendidos55. Kovác MJ. A caminho da morte com dignidade no século XXI. Rev. Bioét. 2014;22(1):94-104.,1212. Scannavino CS, Sorato DB, Lima MP, Franco AHJ, Martins MP, Morais Júnior JC et al. Psico-oncologia: atuação do psicólogo no Hospital de Câncer de Barretos. Psicol. 2013;24(1):35-54..

Como pode ser observado nas narrativas dos participantes existe a tendência de autossuperação que lhes direciona ao cuidado, porém, ao mesmo tempo, há o sofrimento deles, suprimido na evitação de sentir o enlutamento. Isso possivelmente gera o afastamento, não do paciente e da família, mas de si mesmo, uma vez que “[...] a representação iguala toda imagem a uma ideia e toda ideia a uma imagem” 88. Moscovici S. Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2011. (p. 46).

Por outro lado, caso o profissional acesse o mecanismo de fuga do sentir pelo receio da conexão com o que a morte negativamente possa lhe representar, poderão emergir suas fragilidades, incertezas, vulnerabilidades, etc. Não são todos os momentos da atuação profissional que o mesmo se autoriza sentir, ou não tem autorização para expressar ou compartilhar o que sente55. Kovác MJ. A caminho da morte com dignidade no século XXI. Rev. Bioét. 2014;22(1):94-104.. Nestes casos muitos desconfortos ou até mesmo o adoecimento, físico e emocional, podem ser inevitáveis como descrito pelo participante P8:

E eu ficava pilhadaço [ansioso], ficava com taquicardia, ficava pensando na criança, direto, direto. Até me acostumar, bom acabei saindo de lá e não acostumei. [...] Porque querendo ou não eles precisam da gente, que de força, se tu chorar um dia com um pai ou com uma criança eles vão chorar contigo, mas se tu te mostrares forte perto deles, eles vão se estimular, vão se sentir mais fortes (P8).

A desconsideração dos sentimentos relacionados ao luto refere-se aqui como a estratégia de fuga, que pode estar reforçada pelo aprendizado na formação, que muitas vezes ensina que o não envolvimento com o paciente e com a família do doente será protetivo ao profissional. Porém, podem surgir mecanismos de defesa inconscientes, com potencial para se transformarem em psicossomatizações, que com o tempo podem culminar em agravos significativos na saúde do profissional1313. Silva AF, Issi HB, Motta MGC, Botene DZA. Cuidados paliativos em oncologia pediátrica: percepções, saberes e práticas na perspectiva da equipe multiprofissional. Rev: Gaúcha Enferm. 2015;36(2):56-62..

Outro aspecto presente nas representações dos participantes em relação às estratégias de convívio com a terminalidade foi a religiosidade, surgida como empenho dos profissionais em realizar a travessia pela convivência com a terminalidade e morte com as condições necessárias para auxiliar as crianças e a família a passarem pelo momento de despedida da forma mais digna. As tentativas ligadas à busca de sentido para a terminalidade vinculadas a religiosidade se apresentam nas falas a seguir:

Eu trabalho a minha fé, trabalho a minha fé porque a gente tendo fé em Deus, para gente buscar uma melhor resposta, então a gente sempre busca uma resposta para nos confortar, se não ficou é porque tem algo melhor, porque era uma pessoa muita boa para ficar na terra tendo sofrimento. Então assim eu tento trabalhar a fé, e fortificar minha fé e minha relação com Deus (P10).

[...] por não ter filho e por ter essa doutrina [Doutrina espírita] do meu lado eu acho que não encaro como um nunca mais vou te ver. Para mim é daqui a pouco assim é uma coisa, é muito louco, é como se eles tivessem ido viajar. Eu acho que eu busco na própria, na espiritualidade (P6).

Sobre os aspectos da ideia do divino, da religiosidade como estratégia de autossuperação os participantes vinculam a terminalidade e morte da criança a imagens celestiais. Aos serem convidados a pensar sobre uma imagem, que desenhariam sobre o tema, os profissionais tipificaram e associaram o momento da terminalidade e da morte da criança como um momento de transição, quando as crianças se transformam em seres celestiais como descritos nas narrações dos participantes P1, P2, P6 e P10.

Acho que não tem figura melhor que a figura de um anjo, um anjinho mesmo (P1).

Anjinhos confortáveis (P2).

Um anjo, um anjo bem bonito com as asas bem grandes assim. [abre os braços] (P6).

Porque eu acho que são anjos. Porque eu acho que eles estarão num lugar melhor do que nessa vida que sofrem bastante, passam por tantas coisas ruins né (P7).

A morte da criança, um anjo, um anjo de luz (P10).

O pensamento representado na imagem de anjo parece também estar vinculado a ideia dos profissionais de que a criança nasce com a missão [como um anjo missionário] de transformar vidas ou de passar por uma prova divina. Além de contribuir com a humanidade, tornando-a mais bondosa e empática afim de também merecer a vida eterna. Diante do exposto reflete-se que para os participantes da pesquisa as crianças, ao finalizarem sua trajetória pela vida que tiveram, não morreram de fato, mas continuaram em forma de anjo.

A esperança que transita por todas as fases da dor da partida e do enlutamento, nas fases iniciais, permite a expectativa de uma cura, mesmo que esta seja impossível1414. Clauduro ML, Custódio SAM. O processo de fase terminal (morte/luto) com familiares de pacientes oncologicos pós-óbito e a atuação do serviço social. RIPE. 2016;14(25):1-74.. E nos últimos momentos da vida a esperança direciona a possibilidade do reencontro num provável céu, relembrando o sentido religioso de cada um.

As consequências da vivência com a terminalidade para os profissionais deste estudo são repletas de sentido, de vida e de viver que se reproduzem na revisão da sua própria vida e do seu viver e colaboram para as suas representações sociais.

Sobre esta questão, os participantes da pesquisa referiram que conviver com a terminalidade lhes apresentou a ampliação do sentido da vida e aprendizado pessoal. No envolvimento, na relação próxima com as crianças e os familiares houve ensinamentos produzidos pelo encontro e convivência, conforme as narrativas de P10, P9 e P7 que expressam as representações da terminalidade como mudanças no sentido da vida e aprendizado:

Com certeza a gente começa dar valor ás pequenas coisas da vida, porque a gente está vendo uma criança um adolescente que não tem pecado passando por tudo aquilo ali, e como eles ficam felizes com as coisas simples, quando eles estão dentro do hospital sendo furados, quando estão fora e mesmo dentro do hospital, muitas vezes eu cheguei lá para fazer uma visita eles estavam sorrindo. E assim eles podem estar com muita dor, para eles não te expressar um sorriso é bem difícil, eles tem sempre algo de bom. Então eu valorizo as coisas mais simples da vida (P10).

[...] Muita, eu comecei a dar mais valor para minha vida, aos pequenos momentos, pequenas situações, a ouvir mais as pessoas (P9).

Os profissionais que vivenciam a partida dos seus pacientes, oportunizando-se sentir a vida presente nesta passagem, ou seja, atribuir um sentido a vida que transpassa as janelas dessa existência, aprendem com a experiência de morte do outro e desenvolvem a tendência de repensar os seus valores no que diz respeito a forma de sentir e viver a vida. Aliada a construção e reconstrução do sentido de viver, os profissionais apresentaram que a convivência com a terminalidade lhes oportunizou o aprendizado de profundidade, transformando o significado a respeito das suas vivências cotidianas, atribuindo maior valor nas situações simplórias da vida como observa-se nas narrativas de P2 e P8.

Eu acho que é uma forma de aprendizado, eu acho que quem trabalha na área da saúde sempre acaba criando um escudo no sentido, às vezes até um pouco mecanizado, porque tu sabes que nossa vida é ciclo a gente nasce, cresce, vive e tem a morte. Então tu sempre tenta se remeter pelo lado bom da morte, mas eu acho que é sempre um aprendizado, acho que tu acaba se tornando um pouco mais forte por ter passado por essa vivencia toda [...] (P2).

Assim depois que comecei a trabalhar no UNACON eu comecei a ver a vida, não só de criança, mas de adulto também. Porque a gente às vezes reclama: isso aqui de novo? Mas o que eu via, poxa o paciente vinha de onde o vento faz a curva, muitas vezes com a traqueia e garganta toda aberta porque estava com a sonda etc. Aquilo ali me serviu para ver a vida diferente (P8).

Os profissionais de saúde que atuam com a terminalidade necessitam de um espaço onde possam se sentir ouvidos e se conectem de forma segura com as suas histórias pessoais de perdas, para então legitimar a experiência do luto que certamente viverão ao acompanhar pacientes em processo de partida.

A consciência das perdas pessoais além de possibilitar-lhes a produção de novos sentidos e aprendizados sobre a vida, o viver e a morte, podem promover e ampliar as habilidades da ação profissional e sua vida pessoal.

Sobre as consequências da experiência com a terminalidade infantojuvenil para os participantes deste estudo, no que se refere as expressões nas palavras evocadas durante a rede associativa, as mesmas reforçam o conjunto de significados apresentados em toda a entrevista, a saber: aprendizado [2], esperança [2], apoio [1], crescimento [1], força [1], futuro [1], perseverança [1], vida [1] e vontade [1].

Na TRS encontra-se o ser humano capaz de se mover em busca de compreender o mundo e a realidade a sua volta. Ele se apropria da realidade social e internaliza aquilo que pode ser compartilhado em seu entorno, com todos os que fazem parte de seu mundo88. Moscovici S. Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2011.,99. Martinez EA, Tocantins FR, Souza SR. The specificities of communication in child nursing care. Rev gaucha enferm. 2013;34(1):37-44..

Missão e amorosidade em situação terminal

A expressão que inclui a missão nesta pesquisa se refere a forma como os profissionais de saúde significam o sofrimento das crianças e das famílias diante da terminalidade e morte. Sobre este aspecto apresenta-se as narrações dos profissionais de saúde P1 e P2.

Eu acho que o que ele [a criança] tem para fazer aqui, a tarefa que ele tem que cumprir é tão pequena, é tão pouco o que ele deixou a desejar, a desejar não, mas que ele deixou para terminar nessa vida, que ele vem passa esse período bem curtinho com a gente e vai, ele conclui e vai (P1).

Tudo que a gente passa na terra a gente vem por uma missão, seja para nossa família ou para nosso espirito. E a pureza e inocência das crianças por que muitas vezes elas não entendem aquele processo todo, o que está acontecendo, então ela é inocente em todo processo (P2).

Dar um sentido de missão ao processo vivido pelas crianças parece ser, portanto inevitável, embora poder-se-ia esperar que houvesse outros sentimentos associados a essa ideia. Mas ao profissional resta acomodar tudo isso, buscando em seu entendimento, baseado muitas vezes nos conhecimentos adquiridos e relacionados ao seu caminho espiritual ou sua religiosidade1313. Silva AF, Issi HB, Motta MGC, Botene DZA. Cuidados paliativos em oncologia pediátrica: percepções, saberes e práticas na perspectiva da equipe multiprofissional. Rev: Gaúcha Enferm. 2015;36(2):56-62.,1414. Clauduro ML, Custódio SAM. O processo de fase terminal (morte/luto) com familiares de pacientes oncologicos pós-óbito e a atuação do serviço social. RIPE. 2016;14(25):1-74..

Sobre as palavras evocadas que associam-se ao amor e missão apresenta-se: amor [4], afeto [2], conforto [2], família [2], missão [2], atenção [1], carinho [1], compaixão [1], confiança [1]. Esses achados relacionam-se com a TRS sabendo-se que para a construção das representações sociais a teoria transita pelo individual e se constroem coletivamente. Sobre a missão na terminalidade, a teoria direciona a discussão de que as ideias materializadas em palavras, compartilhadas entre este grupo social, possibilita a ancoragem e objetificação.

A ideia de que a terminalidade é um processo de prova e missão se ancora no campo das ideias e significados que ao serem caracterizados, materializados e transformados em palavras compreendem a objetificação. Isto descreverá uma parte do conjunto das demais representações sobre a terminalidade infantojuvenil que compõem este trabalho88. Moscovici S. Representações sociais: investigações em psicologia social. Petrópolis: Vozes, 2011.,99. Martinez EA, Tocantins FR, Souza SR. The specificities of communication in child nursing care. Rev gaucha enferm. 2013;34(1):37-44.. Sobre o amor neste processo, parece que é justamente pela relação de carinho e amorosidade que se estabelece entre o profissional, o paciente e a família a explicação sobre os sentimentos emergentes da vivência.

No que se refere ao entendimento que o processo de terminalidade evidência, a partir das expressões dos participantes pode-se observar a necessidade de dar um sentido para o cenário da terminalidade do qual esses profissionais, também fazem parte. No cenário com a terminalidade encontra-se a necessidade de ir acomodando esses sentimentos que emergem da vivência até chegar a aceitação.

Na aceitação, embora se possa confundi-la com um momento de alivio e felicidade, este estado é na verdade um momento em que há “[...] quase uma fuga dos sentimentos. É como se a dor tivesse se esvanecido, a luta tivesse cessado e fosse chegando o momento do repouso derradeiro antes da grande viagem”1414. Clauduro ML, Custódio SAM. O processo de fase terminal (morte/luto) com familiares de pacientes oncologicos pós-óbito e a atuação do serviço social. RIPE. 2016;14(25):1-74. (p. 118).

A aceitação dos profissionais de saúde parece ser construída a partir da relação de amorosidade estabelecida entre os envolvidos no processo de morrer. Como indicado pelos participantes P4 e P9.

[...] e ai tu percebe que aquilo [morte] é um livramento é para aquele serzinho ali, para aquela família, é uma libertação de um sofrimento de uma dor. E isso não é ruim, então quando eu olho para isso, eu consigo tentar pelo menos compreender, e isso me faz sentir melhor, sabendo que de alguma forma, de uma pequena forma, um pequeno gesto eu pude contribuir para um processo de crescimento. Isso é o que me faz sentir melhor (P4).

A terminalidade é um período da vida em que a pessoa tem que ter o conforto da família, tem que ter a confiança do profissional tem que estar inserida num ambiente de amor para poder passar por aquilo ali, que é uma coisa, uma fase que não tem como pular ou deixar de passar, no caso das crianças e adolescentes que vão passar por aqui ali de maneira mais suave (P9).

Conectar-se a essa relação é conseguir perceber o amor que pulsa na vida, mesmo quando a vida está finalizando seu curso na terminalidade ou na morte.

[...] é trabalhar muito com a questão do amor, porque esse é um momento de apego da mãe com a criança, que é muito amorosa essa relação. E que é reforçado muito em função do momento da doença. É o que eu posso dizer, é um momento sui generis, não existe igual, não tem nada no mundo que se compare aquele momento ali. Então eu vejo como um momento muito rico, que ninguém está preparado e que cada situação é diferente, porque vai depender da mãe e daquela criança, é claro dos outros atores que tiverem envolvidos né, o pai, se tiver irmão junto, mas geralmente é mais dessa dinâmica da criança com a mãe. Mas apesar de toda carga emocional que tem ali, eu entendo como um momento muito rico. E que a gente pode trazer e fazer aflorar muito, muita emoção ali, emoção que pode ser produtiva para aquela família que vai sobreviver àquela perda [...] (P5).

Terminalidade como término da vida

Na compreensão do entrevistado P2, a terminalidade e a morte se associam a interrupção de um ciclo da vida, essa interrupção vem carregada de angústia e de negação de que este é um processo que é parte da natureza, e, portanto, também humano.

Eu acho que é uma coisa triste. Não deixa de ser. Eu acho que em qualquer fase da vida a morte é triste, quando tu vê uma criança, que teria toda vida pela frente, adolescência, fase adulta que ela poderia se tornar pai, contribuir para construir uma sociedade, então acho que tu acaba visualizando como uma tristeza, porque interrompeu muito jovem, aquele caminho que ela teria todo a percorrer (P2).

Neste sentido, entende-se que a morte é uma das etapas presente no processo que costumeiramente chama-se de terminalidade. Observou-se que há por parte dos profissionais a ideia de que a terminalidade refere-se a antecipação da morte. Os participantes P10 e P8, mesmo estando no dia a dia em contato com a terminalidade, e, portanto, perceberem e atenderem nos momentos em que aprofunda-se o sofrimento do paciente e da família, e a morte da criança de fato anuncia-se próxima, os profissionais parecem antecipar o sofrimento e a angustia, ou seja, enlutam-se antecipadamente.

A terminalidade é a morte né? [...] eu acho que é período desgastante de angustia, por saber que não tem mais recurso pra ser feito pelos médicos aqui na terra né, a gente sempre acredita que Deus pode fazer um milagre. Mas pelos médicos não tem mais o que fazer e tu vê o sofrimento, a qualquer hora. Por exemplo, na ONG, tu ficas naquela angustia, será que está melhor, será que não tá. Ai as vezes a criança deu uma reagida, tu fica alegre daqui a pouquinho já está ruinzinha de novo. Eu falo que quando isso acontece é um velório antecipado porque tu não quer, mas tais vendo que é o que vai acontecer (P10).

A perda é considerada uma situação que gera potencial sofrimento no ser que a vivência, em geral a intensidade da dor dessa separação [entre outros fatores da relação] estará relacionada com a importância do vínculo relacionado com o que foi perdido55. Kovác MJ. A caminho da morte com dignidade no século XXI. Rev. Bioét. 2014;22(1):94-104.,1212. Scannavino CS, Sorato DB, Lima MP, Franco AHJ, Martins MP, Morais Júnior JC et al. Psico-oncologia: atuação do psicólogo no Hospital de Câncer de Barretos. Psicol. 2013;24(1):35-54.. A compaixão é ferramenta preciosa para o atendimento sobre a dor e o sofrimento humano. Diante do olhar fenomenológico os sofrimentos são vistos como sintomas dolorosos e, portanto exigem intervenção urgente por parte dos profissionais de saúde55. Kovác MJ. A caminho da morte com dignidade no século XXI. Rev. Bioét. 2014;22(1):94-104.,1313. Silva AF, Issi HB, Motta MGC, Botene DZA. Cuidados paliativos em oncologia pediátrica: percepções, saberes e práticas na perspectiva da equipe multiprofissional. Rev: Gaúcha Enferm. 2015;36(2):56-62..

As políticas de humanização surgiram com interesse de possibilitar aos profissionais de saúde intervenções [permeadas por compaixão] que transcendam as tecnologias que burocratizam e endurecem, ou seja, humanizem a tarefa do cuidado77. Martins CP, Luzio CA. Política humaniza SUS: ancorar um navio no espaço. Interface. 2016;21(60):13-22.. Neste campo de trabalho onde o amor e a dor se entrelaçam constantemente, amplia-se a cada dia a necessidade de que os profissionais sejam compreendidos e acolhidos no que tange esse complexo de representações simbólicas e sociais que a terminalidade e a morte apresentam44. Pessini L, Bertachini L. (orgs). Humanização e cuidados paliativos. 6. ed. São Paulo: EDUNISC/Edições Loyola; 2014.,55. Kovác MJ. A caminho da morte com dignidade no século XXI. Rev. Bioét. 2014;22(1):94-104.,77. Martins CP, Luzio CA. Política humaniza SUS: ancorar um navio no espaço. Interface. 2016;21(60):13-22..

De certa forma se materializam no dia a dia, no formato de fragilidades pessoais ou profissionais. E emergem em razão do sentimento de impotência e de fracasso pela impossibilidade de evitar a morte. Somados a isso está o conjunto de potenciais desenvolvidos na oportunidade de conviver com as experiências de afeto, amor, vinculo, esperança e fé dos pacientes e seus entes durante sua travessia pela terminalidade e morte. Nesta categoria associa-se as seguintes palavras evocadas: amor [4], missão cumprida [2], afeto [2], compaixão [1], fé [1], vida [1], término [1] e futuro [1]. Essas palavras reforçam os significados que os profissionais direcionam ao cenário da terminalidade para atravessá-la ocupando o lugar de cuidadores, participando de cenas que jamais serão esquecidas.

Portanto, defende-se que os profissionais de saúde sejam oportunizados ao preparo por meio de informação sobre a importância da busca pelo autocuidado e formação para a compreensão e entendimento sobre o morrer e a morte infantojuvenil como uma etapa da vida. Com vistas a alcançar melhor preparo para cuidar da vida no transito da terminalidade e morte com humanização e competência.

CONCLUSÃO

As representações sociais dos profissionais de saúde sobre a terminalidade infantojuvenil estão relacionadas a sentimentos de fracasso e enlutamento que lhes direcionam a construção de estratégias associadas à autossuperação e religiosidade.

Na prática de cuidado os profissionais vinculam-se aos pacientes e seus familiares e conectam-se com a amorosidade. E percebem a terminalidade como um momento inevitável que acontece por meio do cumprimento de uma missão.

O trabalho com a terminalidade infantojuvenil gera nos profissionais de saúde mistos de dor, sofrimento e amor, possibilita a reconexão com a sua essência de humanidade por meio de situações que evidenciam diariamente a finitude.

AGRADECIMENTOS

Aos profissionais de saúde participantes desta pesquisa.

REFERENCES

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    Scannavino CS, Sorato DB, Lima MP, Franco AHJ, Martins MP, Morais Júnior JC et al. Psico-oncologia: atuação do psicólogo no Hospital de Câncer de Barretos. Psicol. 2013;24(1):35-54.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    05 Abr 2018
  • Aceito
    01 Nov 2018
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