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PROGRAMA HABITACIONAL CASA VERDE E AMARELA - UMA ANÁLISE SOBRE A IMPORTÂNCIA DO DEBATE NAS ESFERAS PÚBLICAS PARA A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO.

CASA VERDE E AMARELA HOUSING PROGRAM - AN ANALYSIS ON THE IMPORTANCE OF DEBATE IN PUBLIC SPHERES FOR THE CONSTRUCTION OF PUBLIC SPACE

RESUMO

Por intermédio de um estudo sobre a importância do debate nas esferas públicas para a construção do espaço público, o presente artigo tem como objetivos determinar em que nível o cerceamento da interação entre os sujeitos e desses com o Estado pode interferir na realidade local e também apontar as consequências da atuação insuficiente das esferas públicas enquanto intermediadoras entre a sociedade civil e o Estado. A justificativa dessa análise tem como pano de fundo a constatação da dispensa da oitiva do Conselho das Cidades (ConCidades), instituição parte das esferas públicas, no processo de formulação do Programa Casa Verde Amarela (PCVA). Na presente revisão bibliográfica é analisada a distinção entre o público e o privado, o conceito de espaço público e a existência das esferas públicas e suas funções, abordadas principalmente a partir de uma categoria essencial do pensamento de Hannah Arendt e Jürgen Habermas e traz como resultado a constatação de que se a política, como na visão de Habermas, deve oscilar entre as esferas pública e privada - e segundo Arendt uma não existe sem a outra - a falta de debate prévio sobre o PCVA afastaram os cidadãos de uma democracia participativa e deliberativa.

Palavras Chave:
cidadania; participação social; esfera pública; espaço público; democracia

ABSTRACT

Through the study on importance of debate in public spheres for the construction of public space, this article’s goals are to identify at what level the restriction of interaction between citizens themselves and with the State can interfere in the local reality and also point out the consequences of the insufficient performance of the public spheres as intermediaries between civil society and the State. The justification of this analysis is based on the fact that the institution Council of Cities - ConCidades, which is part of the public sphere, was exempted from being heard during the formulating process of Casa Verde e Amarela Program (PCVA). In this bibliographic review, the distinction between public and private, the concept of public space, the existence of public spheres as well their functions are all under study, mainly approached from an essential category of thinking by Hannah Arendt and Jürgen Habermas, which brings as a result the evidence that if politics, as in Haberma’s view, must oscillate between the public and the private - and according to Arendt one does not exist without the other - the lack of previous debate about the PCVA has pushed the citizens away from a deliberative and participatory democracy.

Keywords:
citizenship; social participation; public sphere; public space; democracy

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo traz uma revisão bibliográfica sobre a importância da existência do debate enquanto elemento fundamental das esferas públicas no processo de elaboração de políticas públicas, mais especificamente no que tange à construção do espaço público.

A distinção entre o público e o privado, o conceito de espaço público e a existência das esferas públicas e suas funções serão abordadas principalmente sob as matrizes teóricas de Hannah Arendt e Jürgen Habermas.

A justificativa dessa análise tem como pano de fundo a constatação do afastamento da atuação do Conselho das Cidades - ConCidades, enquanto instituição parte das esferas públicas, no processo de formulação do Programa Casa Verde Amarela (PCVA). O objetivo é o de determinar em que nível o cerceamento da interação entre os sujeitos podem interferir na realidade local e as consequências da inexistência de esferas públicas que desempenham seus papeis de forma eficaz como intermediadoras entre a sociedade civil e o Estado.

Sem conhecimento da realização de debates que tenham incorporado o acúmulo de discussões e pesquisas realizadas previamente ao lançamento do novo programa, conforme afirmado pela rede de pesquisa que compõe o Observatório das Metrópoles3 3 Boletim nº 649 de 03 de setembro de 2020 emitido pelo GT Habitação e Cidades do Observatório das Metrópoles , constatou-se que o risco da permanência de erros dos programas anteriores e a possibilidade de evitar novos erros foram ignorados.

Ainda, considerando que as últimas Conferências Municipais, Estaduais e do Distrito Federal foram realizadas no Brasil em 2016 e que a última Conferência Nacional foi realizada em 2017, mobilizando cerca de 320 mil representantes da sociedade civil em 3.457 (três mil, quatrocentos e cinquenta e sete) municípios, constatou-se também que sob o Ministério das Cidades havia se consolidado um círculo virtuoso com o poder central, com estímulo da participação de governos, assembleias, câmaras legislativas e de movimentos de representação popular, que agora se rompeu4 4 Em 1º de janeiro de 2019, o Ministério das Cidades e o Ministério da Integração Nacional foram fundidos e transformados em Ministério do Desenvolvimento Regional. .

A relevância do estudo proposto também se presenta quando se toma consciência que a consequência da inoperância das esferas públicas é o comprometimento da própria cidadania, motivo pelo qual decorre dessa análise também a necessária contraposição de conceitos de democracia representativa e deliberativa que define a importância da participação social efetiva nos processos de regulamentação e de regulação social.

Para perseguir o objetivo desse estudo, o artigo foi dividido em três partes. A primeira se refere à gênese do PCVA, onde brevemente são relatados os assuntos abordados pelo programa, os quais apresentam relevância social indiscutível, o que por si só fundamentaria a necessidade do amplo debate. Ainda nesse capítulo, salienta-se em tópico específico a tentativa do governo de extinção do ConCidades por meio de Decreto, observados os votos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal em relação ao tema devido à sua importância enquanto instituição parte das esferas públicas. Por fim, é apresentada uma análise sobre o ato de dispensa da participação do ConCidades no processo de elaboração do novo programa habitacional e o reconhecimento da sua importância nesse processo.

Na segunda parte é apresentado o exame de críticas já realizadas ao programa, muitas delas inclusive anteriores ao seu lançamento, fato que corrobora com o argumento de que não houve suficiente debate nas esferas públicas.

A terceira e última parte traz o referencial teórico sobre a importância do reconhecimento das esferas públicas como um locus de debate, negociação e interlocução a fim de promover a proteção do espaço privado, reconhecendo se essas esferas públicas podem ou não existir com ideal regulador.

2 A GÊNESE DO PROGRAMA CASA VERDE E AMARELA (PCVA)

Esse Programa é considerado como um sucessor do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), criado em 2009, focado em famílias de baixa renda, com o principal objetivo de construir unidades habitacionais. Concebido como parte de uma política anticíclica5 5 Sobre política anticíclica: Segundo a escola keynesiana o déficit público é o principal instrumento de política econômica para amenizar os efeitos do ciclo. Assim, durante a recessão, o governo deve intervir, reduzindo tributos, promovendo a expansão do crédito e o aumento dos gastos, realizando investimentos capazes de estimular a economia. Desta forma, durante a recessão, o déficit público deve se expandir de modo a restabelecer o equilíbrio econômico (GADELHA, 2011, p. 795-796). , nasceu muito mais de uma política econômica do que de uma política urbana ou planejada.

Destaca-se que o PMCMV abarcava faixas de rendas diferentes, com percentuais também diferentes de subsídios do valor do imóvel advindo do Orçamento da União. Neste programa havia um foco específico em famílias que não possuíam capacidade de endividamento (1,5 milhões de unidades construídas nessa faixa 1). Nesse sentido, houve um maior envolvimento dos municípios, que deveriam selecionar as famílias beneficiárias e fornecer a infraestrutura urbana.

Com o passar dos anos, estudos geográficos demonstram que os municípios foram cedendo às especulações imobiliárias locais e cada vez mais as escolhas foram priorizando regiões muito distantes dos centros, criando outros problemas sociais e de infraestrutura de acesso (BIDERMAN, 2019BIDERMAN, Ciro (Coord.). MORAR LONGE: o Programa Minha Casa Minha Vida e a expansão das Regiões Metropolitanas. [S.I.]: CEPESP/FGV e Instituto Escolhas, 2019. Disponível em: https://www.escolhas.org/wp-content/uploads/2019/01/Morar_-Longe_O_Programa_Minha_Casa_Minha_Vida_e_a_expans%C3%A3o-das_Regi%C3%B5es_Metropolitanas-RELAT%C3%93RIO.pdf. Acesso em: 10 dez. 2020.
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, p.17-18).

O PCVA, por sua vez, do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR)6 6 MP nº 996/2020 aprovada pelo Senado em 08/12/2020 com alterações, na forma de um projeto de lei em conversão (PLV 41/2020). , surgiu com a proposta de facilitar o acesso da população a uma moradia digna, garantindo também mais qualidade de vida. A partir de medidas que darão mais eficiência à aplicação dos recursos, a meta é atender 1,6 milhão de famílias de baixa renda com o financiamento habitacional até 2024, um incremento de 350 mil7 7 Em levantamento recente, feito pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), constatou-se que a demanda reprimida chegou a 7,8 milhões de moradias em 2017. O estudo se baseia em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (GONÇALVES, 2018, p.51-52). . De acordo com as diretrizes estabelecidas no PCVA, isso será possível com a redução na taxa de juros para a menor da história do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e mudanças na remuneração do agente financeiro.

O PCVA separa o público-alvo em três faixas de renda familiar: até R$ 2 mil mensais, de R$ 2 mil a R$ 4 mil, e de R$ 4 mil a R$ 7 mil. Somente aqueles com renda até R$ 4 mil em área urbana ou com renda anual de até R$ 48 mil em área rural poderão contar também com subvenção da União para adequar as parcelas ao orçamento familiar. Os valores recebidos temporariamente - como o auxílio emergencial - não entrarão no cálculo da renda da família.

As regiões Norte e Nordeste serão contempladas com a redução nas taxas em até 0,5 ponto percentual para famílias com renda de até R$ 2 mil mensais e 0,25 para quem ganha entre R$ 2 mil e R$ 2,6 mil. Nessas localidades, os juros poderão chegar a 4,25% ao ano para cotistas do FGTS e, nas demais regiões, a 4,5%. Além do financiamento habitacional, o programa atuará com regularização fundiária e melhoria de residências, enfrentando problemas de inadequações, como falta de banheiro, por exemplo. A meta é regularizar 2 milhões de moradias e promover melhorias em 400 mil até 2024.

Segundo nota divulgada pelo Ministério do Desenvolvimento Regional em 28/08/2020, atualizado em 02/09/2020 (sítio: gov.brBRASIL. MDR - Ministério do Desenvolvimento Regional (gov.br). Programa Casa Verde e Amarela. Disponível em: https://www.gov.br/mdr/pt-br/assuntos/habitacao/casa-verde-e-amarela. Acesso em: 05 dez. 2020.
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do governo federal), a Regularização Fundiária vai enfrentar um problema histórico existente no Brasil porque concederá o título que garante o direito real sobre o lote das famílias, oferecendo segurança jurídica, promovendo a redução dos conflitos fundiários, a ampliação do acesso ao crédito, o estímulo à formalização de empresas e o aumento do patrimônio imobiliário do País8 8 Houve uma desvinculação da regularização na implantação de infraestrutura necessária (urbanização), a qual poderá ser feita ou não com a revogação da Lei nº 13.465/2017 - REURB (GUERREIRO, 2020, p.02). Nesse sentido, segundo essa autora, houve tão somente uma preocupação com a passagem cartorária da propriedade do imóvel, cujos descumprimentos das regras de urbanização não são mais impeditivos para a realização da escritura. . Serão contempladas áreas ocupadas, majoritariamente, por famílias com renda de até R$ 5 mil mensais que vivam em núcleos urbanos informais. Contudo, não poderão ser incluídas casas localizadas em áreas não passíveis de regularização ou de risco. O programa também prevê ações feitas para regularizar assentamentos irregulares e dar titulação a seus ocupantes, com o objetivo de garantir o direito social à moradia. Permite que uma família se torne proprietária de um imóvel e que, com isso, seja levada infraestrutura aos locais e que empréstimos sejam contraídos servindo o próprio imóvel como garantia.

A melhoria habitacional consiste na reforma e ampliação do imóvel (redução do déficit qualitativo), aproveitando os investimentos já realizados pelas famílias em suas casas, além de respeitar os vínculos sociais e econômicos9 9 O número de moradias precárias, está contabilizado em pelo menos 967 mil até 2017 (mostra de estudo realizado pelo economista Robson Gonçalves, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) a pedido da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias - Abrainc). O levantamento faz projeções a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 2018. A quantidade abrange contextos de habitação como, por exemplo, barracas de ruas e casas feitas com papelão e madeirite, considerados materiais não duráveis (GONÇALVES, 2018, p.10). . Serão atendidos os ocupantes de imóveis nos núcleos urbanos selecionados para Regularização Fundiária, com renda mensal de até R$ 5 mil. É necessário estar no CadÚnico do Governo Federal, não possuir outros imóveis no território nacional e o proprietário ser maior de 18 (dezoito) anos ou emancipado.

O investimento em regularização fundiária e melhoria habitacional é muito menor (de R$ 500,00 a R$ 20 mil) se comparado aos recursos necessários à construção de uma unidade habitacional (média de R$ 80 mil).

Compreendidas as formulações e pretensões do novo programa, há dois fatos marcantes que serão aqui previamente expostos em ordem cronológica para justificar os estudos do presente tema sobre a insuficiência de debate prévio na elaboração de um programa tão caro à sociedade brasileira.

2.1 A tentativa de extinção do Conselho das Cidades - ConCidades

O ConCidades, conforme Decreto nº 5.790/2006BRASIL. Decreto nº 5.790, de 25 de maio de 2006. Dispõe sobre a composição, estruturação, competências e funcionamento do Conselho das Cidades - ConCidades, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 26 maio 2006. é um órgão colegiado de natureza deliberativa e consultiva que integrou o instinto Ministério das Cidades, com finalidade de estudar e propor as diretrizes para a formulação e implementação da política nacional de Desenvolvimento Urbano, bem como acompanhar e avaliar a sua execução, conforme dispõe o Estatuto das Cidades (Lei nº 10.257/2001BRASIL. Lei 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 11 jul. 2001.). O art. 2º, inciso II desse diploma determina que a política pública urbana, no seu objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais e da propriedade urbana, segue a diretriz da gestão democrática, por meio da participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos, programas e projetos de desenvolvimento urbano.

Por meio do Decreto Presidencial nº 9.759/2019, de 11 de abril de 2019BRASIL. Decreto nº 9.759, de 11 de abril de 2019. Extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 11 abr. 2019 - edição extra., houve a tentativa de extinção do ConCidades10 10 Artigos 1º, parágrafo único, inciso I, e 5º do Decreto nº 9.759/2019. , dentre outros conselhos e também comitês, comissões, salas, fóruns e outras denominações dadas a colegiados, o que atingiu 2.553 (duas mil, quinhentas e cinquenta e três) instituições, fato que ocorreria a partir de 28 de junho de 2019.

Em 16 de abril de 2019 foi protocolada a ADI nº 6121BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 6121/DF. Relator: Ministro Marco Aurélio Mello. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5678906. Acesso em: 12 dez. 2020.
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pelo Partido dos Trabalhadores - PT. Dentre os argumentos, se destacam: 1) a supressão de colegiados expressamente instituídos por lei por meio de decreto é indevida, tendo em vista a reserva legal; 2) houve a usurpação de iniciativa reservada ao Congresso Nacional, pois o decreto não poderia revogar disposições legais que tratam do funcionamento de colegiados da administração pública; e 3) os conselhos, de caráter consultivo, de acordo com a Política Nacional de Participação Social, são ferramentas de efetivação da democracia brasileira porque instrumentalizam o diálogo permanente entre o governo e os diversos grupos organizados da sociedade civil e ampliam a participação democrática do povo nos rumos das políticas públicas ou na efetivação dos direitos garantidos legal e constitucionalmente. A este estudo interessa o terceiro motivo.

Em 12 de junho de 2019 a maioria dos Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu (em caráter liminar) pela inconstitucionalidade de parte do Decreto nº 9.759/2019BRASIL. Decreto nº 9.759, de 11 de abril de 2019. Extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 11 abr. 2019 - edição extra..

Em análise aos votos proferidos, a afronta à Constituição Federal de 1988 (CRFBBRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.) ocorreu quando se suprimiu a garantia da participação popular nas políticas de Estado, implicando em inequívoco retrocesso em termos de direitos fundamentais, algo que o tribunal entendeu como vedado.

Destaca-se a manifestação do Procurador-geral da República, no sentido de que muitas vozes seriam silenciadas por meio desse Decreto, pois muitas coisas deixam de ser ditas quando se extinguem conselhos que representam uma sociedade tão plural. Resumidamente, a questão levantada pelo Procurador foi: O que não queremos ouvir?

Vários regulamentos que regem a habitação foram revogados11 11 A Medida Provisória nº 996, de 26 de agosto de 2020 altera as seguintes leis que regem a habitação de interesse social e a regularização fundiária no Brasil: a Lei nº 8.036/1990, que rege as aplicações do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS); a nº Lei 8.100/1990 sobre prestações do Sistema Financeiro da Habitação (SFH); a Lei nº 11.124/2005 do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS); a Lei nº 11.977/2009 que institui o Minha Casa Minha Vida (MCMV); a Lei 13.465/2017, de regularização fundiária; e a Lei nº 8.677/1993 do Fundo de Desenvolvimento Sustentável (FDS). , dentre elos destaca-se o Decreto nº 8.243, de 23 de maio de 2014BRASIL. Decreto nº 8.243, de 23 de maio de 2014. Institui a Política Nacional de Participação Social - PNPS e o Sistema Nacional de Participação Social - SNPS, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 26 maio 2014 (revogado)., o qual versava sobre a instituição da “Política Nacional de Participação Social - PNPS” com o estabelecimento de mecanismos e instâncias de diálogo entre a Administração Federal e a sociedade civil.

Diante do exposto resta claro que o referido Decreto promoveu uma ação desordenada contra a política nacional de direitos humanos e violou muitos preceitos fundamentais, como a participação popular na definição das políticas públicas sobre direitos sociais do país.

2.2 A dispensa da participação do ConCidades no processo de elaboração do PCVA

A elaboração do Plano Nacional de Habitação de Interesse Social (PNHIS), o Ministério do Desenvolvimento Regional foi dispensado de ouvir o Conselho das Cidades, bastando consulta pública, conforme disposto no art. 18 da MPV nº 996/2020MPV nº 996/2020 (Medida Provisória). Institui o Programa Casa Verde e Amarela. Aprovada pelo Senado Federal em 08 de dez de 2020. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2260971. Acesso em: 11 de dez de 2020.
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que modificou a Lei nº 11.124/2005BRASIL. Lei 11.124, de 16 de junho de 2005. Dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social - SNHIS, cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social - FNHIS e institui o Conselho Gestor do FNHIS. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 17 jun. 2005. 12 12 Medida Provisória nº 996/2020 - resumo das disposições: “O art. 18 modifica a Lei nº 11.124, de 2005, para autorizar o Ministério do Desenvolvimento Regional a realizar a oitiva do Conselho das Cidades mediante consulta pública”. 13 13 A lei 11.124/2005 dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação (SNHIS), cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) e institui o Conselho Gestor do FNHIS). .

É importante salientar que a consulta pública é aberta, um formulário de questões é preenchido e as respostas são encaminhadas. Após esse trâmite, um relatório de análise das contribuições é confeccionado pelo órgão público que a realizou. Nesse contexto, pode-se considerar que houve cerceamento ao debate no âmbito da esfera pública?

Para a resposta a essa pergunta, precisa ser abordada a importância do Conselho das Cidades (ConCidades), que integra o SNHIS (art. 5º da Lei nº 11.124/2005BRASIL. Lei 11.124, de 16 de junho de 2005. Dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social - SNHIS, cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social - FNHIS e institui o Conselho Gestor do FNHIS. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, 17 jun. 2005.). O art. 14 da mesma Lei dispunha que a coordenação das ações do SNHIS ocorreria com o objetivo de estabelecer as diretrizes, prioridades, estratégias e instrumentos para a implementação de políticas públicas nessa área, em articulação com os planos estaduais, regionais e municipais de habitação, sempre ouvindo o ConCidades.

A esse Conselho também seriam submetidas às diretrizes e critérios para a aprovação na alocação dos recursos do FNHIS (art. 15) e o Conselho Gestor do FHNIS tem seus membros definidos dentre os membros do ConCidades.

É importante ressaltar que a criação desse Conselho representou a materialização de uma ferramenta de gestão democrática da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano - PNDU. Ao se discutir moradia, não se pode esquecer da cidade. O debate em torno da política urbana deve ser feito de forma ininterrupta, respeitando as singularidades e a autonomia dos segmentos que o compõe. Pensar a moradia sem pensar a cidade é desprezar o setor produtivo, as organizações sociais, OnG´s, entidades de pesquisa, profissionais e acadêmicas, entidades sindicais, órgãos governamentais e todas as especificidades que os inter-relacionam.

Dispensar a participação do ConCidades é afastar uma instância de negociação com a participação dos atores sociais sobre as políticas executadas então pelo Ministério das Cidades nas áreas da habitação, saneamento, ambiental, transporte, mobilidade urbana, etc. É também enfraquecer o processo de planejamento territorial, pois com origem plural, esses órgãos possuem ações propositivas de qualidade técnica nos debates, favorecendo o acesso a todos os cidadãos, posto que possuem como referência as deliberações advindas das Conferências Nacionais das Cidades.

A redação do parágrafo único do artigo 1º da CRFB não abre margem para dúvidas: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Os instrumentos da democracia participativa vão além dos projetos de lei de iniciativa popular e aos institutos do referendo e do plebiscito14 14 Vide artigos 14, incisos I e II, 49, inciso V, 14, inciso III, e 61, § 2º, da CRFB. porque se traduzem também na possibilidade de exercício da “sindicabilidade” 15 15 Termo utilizado por Juarez Freitas (2015, p.121-128) quando explica sobre o controle e formas de vigilância da sociedade em relação aos atos públicos realizados. Para o autor, quanto mais se aprofunda e sofistica a sindicabilidade, mais se desvela a importância de avaliação racional dos impactos sociais, ambientais e econômicos das decisões administrativas como ferramenta indispensável do controle baseado em evidências. “O direito à boa administração vincula racionalmente o gestor público e o força a medir consequências sistêmicas de suas opções, pois terá de justificá-las coerentemente, sobretudo em seu custo-efetividade.” (FREITAS, 2015, p.118). Ou seja, a avaliação do cumprimento de prioridades vinculantes deve ser constante e no tempo presente, pois as justificativas nas escolhas públicas hão de indicar os respectivos fundamentos plausíveis, não bastando uma mera alusão a dispositivos legais ou metáfrases. , considerada ainda a influência da atuação popular na formulação das decisões políticas e na gestão da coisa pública, fornecendo-lhes a necessária legitimidade democrática.

A inscrição de espaços de participação da sociedade arranjo constitucional das políticas sociais brasileiras apostou no potencial das novas institucionalidades em mudar a cultura política do país, introduzindo novos valores democráticos e maior transparência e controle social na atuação do Estado no tocante às políticas sociais (VAZ, 2008VAZ, Flavio Tonelli. A Constituição Cidadã e a institucionalização dos espaços de participação social: avanços e desafios. Brasília: ANFIP, 2008., p. 136).

O princípio de participação direta na gestão pública está dotado de força normativa na Constituição Federal e a leitura dos seus diversos capítulos revela extenso rol de preceitos nos quais menciona, expressamente, a “participação da comunidade” 16 16 A título de exemplos, na gestão pública: CRFB, artigo 198, inciso III; artigo 194, inciso VIII; artigo 187, artigo 206, inciso VI, artigo 204, inciso II. .

Ademais, não bastassem as intenções e previsões constitucionais, ao encontro do tema aprofundado vale citar o objetivo de desenvolvimento sustentável - O.D.S. nº 16: “Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis”, e mais especificamente em sua meta nº 16.7: Nações Unidas - “Garantir a tomada de decisão responsiva, inclusiva, participativa e representativa em todos os níveis”, mantida sem alteração no Brasil.

3 AS CRÍTICAS AO PROGRAMA CASA VERDE E AMARELA (PCVA)

A falta de debate prévio com a sociedade civil em geral, principalmente pela dispensa da participação do ConCidades já gerou críticas contundentes ao programa mesmo antes da aprovação no Senado Federal17 17 Artigos críticos às diretrizes do PCVA publicados por autores que se referem à financeirização da moradia, à previsão de aumento no endividamento e à manutenção da precariedade: (BALBIM, 2020); (GUERREIRO, 2020); (ROLNIK, 2020) e Texto elaborado pelo GT Habitação e Cidade (IPPUR/UFRJ) do Observatório das Metrópoles, com colaboração de João Tonucci (Cedeplar/FACE/UFMG). . No Conselho Nacional das Cidades havia representação de diversas categorias como a academia, movimentos sociais, empresários, entidades de classe, sindicatos, estados e municípios. Hoje existe um conselho formal, legal, mas sem formação e atuação, o que retira a possibilidade de utilização de um mecanismo de controle social de políticas públicas e de avaliação de resultados.

Alguns desses problemas foram ainda levantados no plenário de votação do Senado, gerando “promessas” para a resolução no ato da regulamentação do projeto18 18 Fala do líder do governo, Senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). Apontamentos dos Senadores extraídos de notícia publicada pelo sítio oficial do Senado Federal em matéria sobre o novo sistema de financiamento habitacional (inBRASIL. Senado Federal - Matéria plenário: Senado aprova novo sistema de financiamento habitacional. Brasília D.F.: Agência Senado, 08 dez. 2020). . Dentre eles, citam-se:

1) A falta de estabelecimento de prioridade no atendimento às famílias lideradas por mulheres (com crianças na primeira infância, idosos ou pessoas com deficiência) e as que pertençam a populações tradicionais, pois esses grupos já são alvo prioritário de outros programas sociais - Senadora Eliziane Gama (Cidadania - MA).

2) O programa silenciou sobre a possibilidade de doação ou alienação de imóveis em benefício de cooperativas e associações habitacionais, entidades fundamentais da vida social em várias comunidades do Brasil - Senador Izalci Lucas (PSDB-DF)19 19 O programa anterior, PMCMV-Entidades, atendia as famílias das faixas 1 e 1,5 e não foi oficialmente descontinuado, mas não irá contar com novas contratações até 2024, uma vez que se enquadra na mesma situação das contratações subsidiadas para o Grupo 1, e os recursos disponíveis no Fundo de Desenvolvimento Social - FDS serão utilizados para as ações de Regularização Fundiária e Melhorias Habitacionais previstas no novo programa. .

3) A falta de estabelecimento de teto limite para a realização dos financiamentos para que esses não comprometam a renda mensal das famílias urbanas e rurais - isso poderia ser compensado com prazos mais longos. A falta desse limite poderia levar a inadimplência e comprometer o sucesso do programa - Senador Rogério Carvalho (PT-SE).

4) O programa silenciou sobre a inclusão automática no cadastro de isenção das tarifas sociais de luz e água, pois hoje esse representa um problema no atual sistema de habitação (principalmente burocrático) - Senador Carlos Portinho (PSD-RJ).

Segundo especialistas em habitação, o novo programa tenta criar claramente uma marca social do governo atual, mas o aumento da securitização traz o aumento do grau de endividamento, não corrigindo graves problemas e acabando por excluir as pessoas mais pobres.

Com visão extremamente genérica, a promessa da redução das taxas de juros não se sustenta porque a Selic (taxa básica de juros da economia) está em queda; logo, como o programa anterior, as taxas de juros estão abaixo daquelas gerais de mercado. Além disso, a diminuição de juros foi aceita pela Caixa Econômica Federal em 50% (cinquenta por cento) devido à quantidade de pessoas que estão sendo “banquerizadas”, tanto pelo recebimento de auxílio emergencial quanto pela possibilidade de adesão a financiamentos por mais de 1 milhão de famílias. Ainda e não menos importante, a redução das taxas de juros também pode ser justificada pela possibilidade de portabilidade do financiamento dentre as instituições bancárias, fato que aumenta a concorrência entre elas.

Embora o Ministério do Desenvolvimento Regional não tenha pronunciado se a medida provisória excluiu ou não a produção subsidiada de imóveis para as famílias da faixa 1, agora grupo 1 (de renda mais baixa), na verdade ocorreu um “esvaziamento” dessa faixa, sem meta definida especificamente para ela. Salienta-se que essa é a faixa que mais necessita do programa - mais de 80% do déficit habitacional se concentra em famílias com renda de até R$ 1.800 (um mil e oitocentos reais). A simples redução da taxa de juros para esse grupo se apresenta insuficiente (PNAD-IBGE, 2014PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Distribuição percentual do déficit habitacional urbano por faixas de renda média familiar mensal. Elaboração: Fundação João Pinheiro (FJP), Centro de Estatística e Informações (CEI). [S.I.]. IBGE, v.34. 2014.).

Alegando a insuficiência de recursos no Orçamento Geral da União (OGU), não haverá contratações novas para as famílias de baixa renda a curto e médio prazo. Sem abarcar prioritariamente a faixa que causa o grande déficit habitacional, a preocupação é que essa decisão acarretará um hiato de moradias a médio e longo prazo. A maior legitimidade do programa estaria justamente na ação de subsídio muito maior para essa faixa, que se encontra grande parte nas regiões do Norte e Nordeste do Brasil.

Quanto aos processos inadimplentes do programa anterior, na faixa 1, o art. 19 da MP nº 996/2020 determina que na hipótese de não pagamento, as unidades poderão ser doadas ao Fundo de arrendamento Residencial - FAR ou pelo Fundo de Desenvolvimento Social - FDS aos estados e municípios ou aos órgãos de suas administrações diretas e indiretas que pagarem os valores inadimplidos para posterior destinação de interesse social. Acrescenta ainda sobre as medidas relativas à turbação ou esbulho de posse legítima dos empreendimentos com emprego de atos de defesa ou de deforço diretos, inclusive com auxílio de força policial.

A realização de despejos em plena COVID-19 caracteriza violação aos direitos humanos20 20 Recomendação nº 63 de 31/03/2020 do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, art. 6º. . O juízo negativo da posição do governo se refere à retirada dos imóveis da classe trabalhadora por inadimplência, fato que não se enquadra na lógica de uma política habitacional desenvolvida com recursos a fundo perdido, em que a contribuição dos beneficiários não corresponde à realização de qualquer financiamento.

Quanto à participação dos municípios, verifica-se que não segue o modelo anterior de aplicação dos recursos de forma descentralizada. Assim, com menor participação no processo, as especificidades locais e as demandas também não são consideradas, situação agravada pelo afastamento do ConCidades do processo de elaboração. Sem vinculação à uma política habitacional local, pode inclusive ocorrer uma incompatibilidade entre a produção e a real necessidade de moradia dos municípios, sem projetos de iniciativas locais.

Em relação à regularização fundiária, constata-se que o processo antes arcado pelas prefeituras, poderá ter seu processo “acelerado”, porque realizado por empresas privadas. O Estado acaba por privatizar então uma função que é sua constitucionalmente. O risco na perda futura desses imóveis é preocupante, pois o receio é que esses imóveis sirvam de garantia em instituições financeiras e em momentos de retração econômica essas famílias fiquem desamparadas. Várias questões acerca desse ponto surgem sem respostas no programa: Como será feita a fiscalização dessas empresas? Qual será o mecanismo de regulação? Qual o limite de endividamento dessas famílias que farão financiamentos para regularizar seus imóveis? Esses imóveis servirão como garantia desses financiamentos? Como será evitado o processo de gentrificação no momento que empresas do mercado imobiliário tenham interesse em regularizar imóveis com alto custo desse processo?

A política pública municipal pode, nesse sentido, ser fortemente afetada. A segurança na posse é muito importante, mas a preocupação do programa está exclusivamente no processo de titulação, não sendo considerados elementos do processo de urbanização.

Os indicativos são de que o programa precisa ser entendido como parte de transformações no sistema de financiamentos do país. A casa-própria (regularizada agora) como ativo financeiro aquece o mercado imobiliário, mas a intenção de que as famílias extraiam valores de suas casas21 21 Fazer com que extraiam valor de suas casas - home equity - realização de financiamentos com imóveis como garantia, nos quais os juros são mais atrativos. Ocorre a transformação do bem fixo em ativo mobiliário, títulos negociáveis no mercado financeiro permitindo que o Sistema Financeiro Imobiliário permita que uma dívida ligada a um financiamento imobiliário seja vendida para um investidor (GUERREIRO, 2020, p.07-08). não atendem ao propósito constitucional do direito universal de garantia à moradia.

Por fim, o programa não se vinculou ao objetivo de solucionar problemas mais complexos como o tratamento de áreas de risco, o desadensamento, o acesso ao saneamento, etc. Sem recursos suficientes, o programa deixa de lado a garantia de moradia digna que assola milhões de nacionais: a precariedade estrutural das moradias e os assentamentos precários.

Há um provável incentivo ao setor imobiliário, apostando-se no aumento ao crédito disponível (affordability), diminuindo-se o valor das prestações e aumentando o número delas facilitado pela portabilidade do financiamento entre instituições bancárias além da efetivação da securitização de ativos da base imobiliária popular.

Diante de todo o exposto, a impressão de que ocorre a institucionalização de mecanismos de possível espoliação e expropriação devem acender um sinal de alerta. Totalmente desenvolvido no âmbito político-administrativo, com pareceres de construtoras e instituições financeiras, a exclusão da sociedade civil do debate necessário nos âmbitos da política e consequentemente das esferas públicas deixa clara a despreocupação com o planejamento do espaço público.

4 UM REFERENCIAL TEÓRICO SOBRE A IMPORTÂNCIA DO DEBATE NAS ESFERAS PÚBLICAS PARA A CONSTRUÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO.

Considerando as informações acima expostas, a existência de tantas críticas em tão pouco tempo em relação ao novo programa habitacional leva à inevitável indagação: O debate prévio foi suficiente? Houve a preocupação com a formação das esferas públicas como ambiente intermediário entre a sociedade e o Estado na construção do espaço público?

Historicamente a desordem urbana se assenta no pretexto da dificuldade de planejamento e isso serve de justificativa para o funcionamento de cidades desiguais, excludentes e que segregam (BALBIM, 2020BALBIM, Renato. Os tons de cinza do Casa Verde e Amarela. Le monde diplomatique Brasil. 28 de Ago de 2020, 06p. Disponível em: https://diplomatique.org.br/os-tons-de-cinza-do-casa-verde-e-amarela/. Acesso em: 11de dez de 2020.
https://diplomatique.org.br/os-tons-de-c...
, p.03). O planejamento adequado pressupõe, conforme será justificado, a existência de um ambiente de debate.

Antes da análise conceitual das esferas públicas e seus papeis, cabe salientar que a desigualdade causada por diferenças estruturais impõe obstáculos de difícil transposição para estabelecer esse ambiente de diálogo que culmina na formulação da opinião pública. As posições hierarquizadas não desaparecem na esfera pública uma vez que são consequências das assimetrias sociais ocorridas dentro dos modelos estabelecidos de distribuição, redistribuição, acesso, privilégios, etc. Assim, após estabelecer os contornos conceituais e a análise sob a percepção de Hannah Arendt e Jürgen Habermas sobre o assunto, cumpre discorrer sobre o conceito e a importância do reconhecimento desse espaço nas sociedades contemporâneas desiguais, como é o caso da sociedade brasileira, na qual vige o novo programa habitacional cujo processo de formação é aqui objeto de análise.

A metodologia desse texto, sem dúvida segue a mesma utilizada por Hannah Arendt ao procurar “re-encarar” os velhos conceitos em novas realidades, compreendendo-os como se acabassem de ser formulados (LONGHI, 2010LONGHI, Carla Reis. Origens do conceito de opinião pública: um diálogo com Hannah Arendt e Jürgen Habermas. Rio de Janeiro: Cadernos EBAPE, Comunicação e Sociedade, v.8, nº 4, Dez. 2010. Disponível em: file:///D:/Usuario/Downloads/3878-11255-1-PB.pdf. Acesso em: 08 mai. 2021., p.48). Esse desenvolvimento ocorre ciente de que o conceito de esfera pública assume diferentes modelos para diferentes autores e vem sofrendo adaptações em relação às formulações iniciais. O que se pretende demonstrar com os recortes sobre o assunto específico dentre as teorias abordadas é que a democracia representativa exclusiva, sem a participação social, não garante a construção de um espaço público que consolida a cidadania em âmbito do poder local ou regional.

A política separada da sociedade, encarada como um subsistema dela e que nela intervém através do controle do poder (por meio da elaboração de leis e regulamentação de instituições sociais) remonta as ideias da matriz teórica de Max Weber (1998WEBER, Max. Ciência e Política. Duas Vocações. São Paulo: Editora Cultrix, 1998.)22 22 Weber (1998), além de criticar o espaço público, afirma a inadequação daqueles que operam na vida pública segundo a lógica das relações pessoais ou da vida religiosa. quando considera que o âmbito propriamente administrativo e governamental é o aspecto primordial da vida política. Contudo, as análises eminentemente institucionais e administrativas limitam o desenvolvimento dos grupos sociais enquanto grupos formados de agentes que fazem a política. Nesse sentido, o anseio pela maior participação nos afasta de Weber e nos aproxima da matriz Aristotélica23 23 Para Aristóteles (2009) o homem não vive de forma alheia, pois nasceu para viver em sociedade, cuja maior representante da vida e das relações humanas era a pólis, que promovia a transição do universo particular para o público. Toda união realizada pelo ser humano ocorre em vista de um bem, e tanto a família ou a polis apresentam interesses específicos. , na qual a política reside no debate constante na esfera dos assuntos humanos e seu cotidiano. Aristóteles não apenas afirmava a distinção entre esfera particular e coletiva, como tomava por ideal o universo público da polis.

Com a análise proposta da filosofia de Aristóteles interpretada por Hannah Arendt (2007ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Tradução Adriano Correia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.), percebe-se que a sociedade política na qual o homem pode desenvolver-se e realizar-se plenamente é a cidade. Formada a partir da união de diversas famílias, ela promove a transição da necessidade (voltado para a sobrevivência e procriação), que se desenvolve no seio familiar, para a liberdade que é representada pela “sociedade política” por excelência - a cidade. Nesse contexto, a esfera pública revela a plenitude das relações humanas e a privada considerada um estágio pré-político.

Para o filósofo, toda união realizada pelo ser humano dá-se em vista de um bem, e tanto a família, o vilarejo como a polis apresentam interesses específicos, que diferem quanto à mentalidade do homem em cada espaço (ARISTÓTELES, 2009ARISTÓTELES. A Política. 2. ed. Bauru: Edipro, 2009., p.13-14). Na cidade formada, o homem está disposto a cooperar na construção de um bem que não seja transitório ou particular, o que Aristóteles chama de “bem maior”, comum a todos os cidadãos.

Hannah Arendt (2007ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Tradução Adriano Correia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.) retira de Aristóteles grande parte das significações conferidas a cada esfera. Assim, a compreensão aristotélica das comunidades doméstica e política não apenas informou a visão da autora das esferas privada e pública, mas interferiu na formação dos conceitos ao longo de suas investigações políticas, nas quais a cidade assume a expressão maior da coletividade humana, pois supõe a opinião comunitária, se tornando lugar propício para o florescimento de uma vida virtuosa porque neste espaço não é permitida a utilização da repressão ou violência.

Dessa forma inicia-se a compreensão de que a participação social por meio do debate é um dos elementos de formação do espaço público ou da esfera pública; ou seja, sem debate o espaço público é privatizado, tornando-se ambiente regido precipuamente, e às vezes exclusivamente, pelas relações de poder e hierarquia.

Nesse sentido, Hannah Arendt considera a caracterização do espaço público como qualquer local onde os homens podem agir coletivamente e tudo o que vem do público pode ser visto e ouvido por todos. “(...) a distinção entre uma esfera de vida privada e uma esfera de vida pública corresponde à existência das esferas da família e da política como entidades diferentes e separadas” (ARENDT, 2007ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Tradução Adriano Correia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007., p. 37). As próprias delimitações conceituais das atividades da vida activa (labor, trabalho e ação) derivam de sua localização numa ou noutra esfera e essas atividades não compõem igualmente a condição humana, havendo entre elas uma hierarquia a partir do critério de contribuição para o caráter humano do homem24 24 Hannah Arendt (2007), quanto ao trabalho, o identifica como necessário à sobrevivência biológica e efetiva-se na atividade do animal laborans, o qual a partir de um estádio primitivo de existência vivia isolado dos outros seres humanos regendo-se apenas pelos ditames fisiológicos da vida animal. Em relação à produção, estabelece que se refere ao estado homo faber, que produz objetos duráveis (técnicas), partilhando o seu saber com outros homens. A ação, por sua vez, é a característica matricial da vida humana em sociedade. Os homens agem e interagem uns com os outros no seio de uma vida política em sociedade. A ação, portanto, é a única característica da essência humana que depende exclusivamente da contínua presença de outros homens. .

Assim, considerando as três categorias diferenciadoras já citadas estabelecidas pela autora: labor, trabalho e ação; têm-se nas duas primeiras a representação do privado e na última a do público. O labor está situado no ponto mais baixo da hierarquia, por que contribui em menor grau na formação do caráter do homem; a ação, no seu topo, por que contribui em maior grau e o trabalho está em posição intermediária em relação aos dois extremos. Para solucionar os problemas em cada esfera, a atividade da ação, superior às demais, deve ser abrigada num espaço próprio que se denomina esfera política, um espaço inteiramente distinto daquele destinado às atividades inferiores (labor e trabalho - pertencentes à esfera doméstica / privada) (ARENDT, 2007ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Tradução Adriano Correia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007., p.90, 149, 189).

Então para Hannah Arendt (2002ARENDT, Hannah. O que é política. Introdução à Política II, Fragmento 3a. (Edição Ursula Ludz). Trad. Reinaldo Guarany. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. , p.14), enquanto a esfera privada cuida das relações que buscam a satisfação das necessidades individuais, na esfera pública “o sentido da política é a liberdade”. A liberdade que se busca é a de ser livre dos próprios desejos, a desejar somente aquilo que se pode obter, em oposição à concepção de que liberdade seja fazer tudo o que se deseja. Portanto Arendt visualiza todo um desenvolvimento do conceito de liberdade a partir do conceito de vontade (TORRES, 2007TORRES, Ana Paula Repolês. O sentido da política para Hannah Arendt. São Paulo: Trans/Form/Ação, v.30(2), 2007., p. 237).

Hannah Arendt (1981ARENDT, Hannah. O que é política. 68. ed., Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil,1981.; 2002ARENDT, Hannah. O que é política. Introdução à Política II, Fragmento 3a. (Edição Ursula Ludz). Trad. Reinaldo Guarany. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. ) pondera sobre a diferença no grau de livre arbítrio, estabelecendo que a relação entre o “quero” e o “posso” não significa que liberdade é sinônimo de fazer o que se deseja, não significa soberania - pois só se é livre perante outros que também o sejam. Quando há submissão de qualquer sorte há ausência de liberdade. Então, contrariando os espaços privados (como descritos já na polis grega) onde reinava o despotismo e a desigualdade, onde era justificada a violência e natural o domínio de uns sobre outros, do pai sobre esposa, filhos e escravos, a pólis surge como um espaço onde a distinção entre governantes e governados não faz sentido diante da igualdade, onde todos podem participar e construir um mundo comum através de feitos e palavras.

Desse modo, percebe-se que a liberdade era obtida em um espaço público organizado que permitiria a todos os homens livres “aparecer”, isto é, agir. Compreende-se, então, porque Hanna Arendt (1981ARENDT, Hannah. O que é política. 68. ed., Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil,1981.; 2002ARENDT, Hannah. O que é política. Introdução à Política II, Fragmento 3a. (Edição Ursula Ludz). Trad. Reinaldo Guarany. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. ) considera a liberdade e a ação política como sinônimos, posto que a liberdade existe onde a condição plural do homem não seja desconsiderada, sendo nada mais que o exercício da ação, da participação social.

Conclui-se que a política para Hannah Arendt não é domínio, não se baseia na distinção entre governantes e governados e nem é mera violência, mas ação em comum acordo, em conjunto. O que se enfatiza ao analisar o conceito de política para Hannah Arendt é que a mesma implica não só na possibilidade de “começar”, de criar algo novo, mas também no fato de que a ação política nunca se realiza no isolamento, sempre é uma ação que resulta em um acordo entre iguais. O exercício da ação política sempre pressupõe a necessidade de “outros” para que a ação seja concluída por meio do consensualismo (TORRES, 2007TORRES, Ana Paula Repolês. O sentido da política para Hannah Arendt. São Paulo: Trans/Form/Ação, v.30(2), 2007., p.236-240).

Nesse sentido, a ação conjunta e da palavra, enquanto objeto político por excelência, forma o espaço público para ser o local que gera toda a vida política de uma comunidade. A política deve ser autônoma e não se tornar instrumento de interesses privados. A liberdade humana e a garantia individual são garantidas pela manifestação pluralizada de ideias. A diversidade sobre o mesmo assunto propicia a integração social e forma a sociabilidade. "A esfera pública, enquanto mundo comum reúne-nos na companhia uns dos outros e, contudo, evita que colidamos uns com os outros, por assim dizer" (ARENDT, 2007ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Tradução Adriano Correia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007., p. 62).

Deste modo, a existência do privado (trabalho e ação) é pré-condição para a existência e o desenvolvimento da esfera pública e é por meio do discurso (da palavra, da comunicação) que o homem se torna um animal político, partindo para julgamentos e regulamentos a partir do que antes eram apenas percepções e expressões. A existência de uma intersubjetividade coletiva permite aos homens a possibilidade de discutirem e decidirem acerca do interesse público para a construção do seu espaço25 25 No homem capaz de ação e de discurso - de liberdade e de intersubjetividade, a necessidade de autoexposição se torna mais aguda em sua vida política porque essa só se realiza plenamente quando testemunhada por outrem. Ao analisar a intersubjetividade, a questão sobre “o que é o pensar”, um dos principais temas do último trabalho de Hannah Arendt (A vida do espírito, 2009), se revela interna ao próprio sujeito na medida em que, enquanto ser pensante, o homem é formado pela relação com a alteridade. O pensamento não se apresenta com uma natureza pré-determinada que se realiza à revelia do indivíduo, mas em seu estado de consciência. Assim, pode-se concluir que a ausência de pensamento consciente compromete a dimensão ética e política do indivíduo; ou seja, a recusa da reflexão é considerada pela autora um dos principais fatores que contribuem para o obscurecimento e mesmo para a perversão da experiência política. A carência do pensamento é eticamente perigosa porque não compreender o outro compromete a possibilidade de uma dimensão intersubjetiva, sem a qual a política se perverte em um exercício de dominação e supressão do outro (MOURA, 2012, p.59-61). . "(...) relações em liberdade, para além da força, da coação e do domínio. Iguais com iguais que (...) regulamentam todos seus assuntos por meio da conversa mútua e do convencimento recíproco" (ARENDT, 1998, p. 48).

Dito isso, a existência de uma relação de poder de controle estabelecida entre governantes e governados no ambiente da esfera política afasta a condição de igualdade para o debate, e para Hannah Arendt a igualdade é condição essencial para que nesse encontro entre indivíduos a pluralidade e o respeito à diversidade possam existir. A igualdade entre os atores sociais constitui a base de formação da esfera pública como expressão de liberdade e pluralidade humana.

Assim como Hannah Arendt, também Jürgen Habermas desenvolveu mais sistematicamente o conceito de esferas públicas, não considerando a teoria política desatrelada da práxis26 26 Enquanto na teoria de Hannah Arendt a esfera pública é o local de exercício de ação (exclusivamente político), para Habermas a esfera pública atua como mediadora, abrangendo as demandas do mundo da vida, atuando na busca da resolução dos problemas que são frutos das relações sociais. . Para o autor, o espaço da esfera pública não possui um fim em si mesmo com debates “internos” e “deliberação pura” sobre assuntos restritos, mas se forma para que exista um local adequado na busca de consenso e julgamentos, com respeito aos aspectos da vida política e privada (HABERMAS, 2003HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro , 2003a.b, p.53).

Ressalta-se que o requisito para que ocorra o julgamento, para J. Habermas, é a existência de uma prévia racionalização do assunto. O elemento necessário para o “bom debate” previsto por Hannah Arendt como “pensamento consciente” é para Habermas a “presença de racionalidade”. Mas quem participa desse debate? Um sujeito só fará parte de uma esfera pública enquanto portador de uma “opinião pública” (HABERMAS, 2003HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro , 2003a.a, p.246 e ss.), no sentido de reputação. Os atos publicizados das ações políticas institucionais são submetidos a julgamentos, ocorrendo então o controle do exercício do poder político (HABERMAS, 2003a, p. 230 e ss.) 27 27 Ocorre uma apropriação desse espaço pela sociedade civil que passa a usá-lo para pressionar o Estado. Essa massa é chamada por Habermas de "esfera pública burguesa", a qual passa gradativamente a influenciar o poder decisório sobre as políticas públicas da época (LONGHI, 2010, p.50). . Essa noção de opinião pública é fundamental na teorização de esferas públicas feita por Habermas, pois se baseia na racionalização que é inerente à condição humana, ou seja, todos os seres humanos têm, em si, capacidade de racionalizar os argumentos colocados à prova.

Em que pese Habermas ter repensado seu conceito sobre o tema no contexto das sociedades atuais e em meio às demais questões que emergiram ao longo deste período para a teoria social, alguns aspectos da concepção original de esfera pública são importantes aqui serem destacados inclusive porque a partir dele surgiram novos debates, especialmente de seus críticos, como Nancy Fraser (1996FRASER, Nancy. Rethinking the public sphere: a contribution to the critique of actually existing democracy. In: CALHOUN, Craig (Ed). Habermas and the public sphere. Cambridge: MIT Press , 1996.), Iris Young (2000YOUNG, Iris Marion. Inclusion and democracy. Oxford: Oxford University Press, 2000.) e Seyla Benhabib (1996BENHABIB, Seyla. Models of public sapace: Hannah Arendt, the liberal tradition, and Jürgen Habermas. In: CALHOUN, Craig. (Ed.). Habermas and the public sphere. Cambridge: MIT Press, 1996.) 28 28 Esses autores propõem alguns “ajustes” para aplicação do conceito de esferas públicas quando pensadas em sociedades estratificadas e multiculturais. . Percebe-se que Habermas se preocupa em deixar clara a função das esferas públicas como espaço de julgamento racional no propósito de formação da opinião pública, ocupando a posição de mediadoras entre a sociedade e o Estado. Nesse espaço de intermediação, os assuntos públicos relativos a todas as comunidades são debatidos e a política deixa de ser construída por um grupo de especialistas (HABERMAS, 2003HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro , 2003a.b, p.173-192). Como decorrência, quanto mais assuntos forem trazidos para discussão, mais julgamentos acerca da realidade social existirão.

Se em um primeiro momento Habermas entendia que a participação de “todos” na esfera pública se referia aos todos iguais - burgueses do séc. XVIII, com suas características de proprietário e pela sua formação cultural como leitor (com interesses comuns), em trabalhos mais recentes o autor sublinha que esse espaço não tem fronteiras, não pode ser confundido com qualquer instituição ou organização porque se constitui como uma estrutura aberta, assim definindo: “a esfera pública pode ser descrita como uma rede adequada para a comunicação de conteúdos, tomadas de posição e opiniões; nela os fluxos comunicacionais são filtrados e sintetizados, a ponto de se condensarem em opiniões públicas enfeixadas em temas” (HABERMAS, 2003HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro , 2003a.b, p. 92). Os atores desse espaço não podem exercer poder político e não podem coincidir integralmente com a política institucional, conforme segue:

Além disso, as esferas públicas ainda estão muito ligadas aos espaços concretos de um público presente. Quanto mais elas se desligam de sua presença física, integrando também, por exemplo, a presença virtual de leitores situados em lugares distantes, de ouvintes ou espectadores, o que é possível através da mídia, tanto mais clara se torna a abstração que acompanha a passagem da estrutura espacial das interações simples para a generalização da esfera pública (HABERMAS, 2003HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro , 2003a.b, p. 93).

Enquanto locus de debate, negociação e interlocução para promover a proteção do espaço privado, é preciso salientar que podem ser constatadas em ambas as concepções de esferas públicas, por Hannah Arendt (2007ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Tradução Adriano Correia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.) e Jürgen Habermas (2003aHABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro , 2003a.; 2003bHABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. 2ªed., Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro , 2003b.) a separação entre o público e o privado. Contudo, essas esferas não estão desconectadas; pelo contrário, cada uma tem ressonância na outra, o que delimita o âmbito político e os assuntos privados (sociedade civil e família), que entendemos hoje como a linha divisória tênue e maleável entre Estado e sociedade29 29 Paulatinamente os limites de público e privado, tão bem demarcados na pólis grega, tornam-se mais fluidos porque ocorre uma recomposição de ambas as esferas quando surge o conceito de “social”. Nessa movimentação, para Hannah Arendt e Habermas, tanto o espaço público quanto o espaço privado se reformulam. Para Arendt (2007), o que era espaço privado se desdobra, agora, em dois campos: o primeiro mantém a denominação “privado”, mas incorpora a concepção de íntimo, a preocupação com as necessidades do coração (composição do reino da necessidade com a preocupação com a subjetividade); o segundo, agora denominado de esfera social ou sociedade civil, passa a abranger as preocupações próprias da vida privada, ou seja, o espaço da necessidade e da desigualdade onde a administração econômica do social torna-se o ponto principal do viver em comunidade. Nessa esfera do social resta justificada a manutenção da desigualdade, estruturada em relações hierárquicas e autoritárias. Inicialmente distinta do espaço público, aos poucos vê-se constituindo a esfera social como parte da esfera pública, e onde era espaço exclusivo da igualdade passa a ser tolerado a desigualdade, em nome da necessidade, iniciando o que por Hannah Arendt (2007) foi denominado de processo de desumanização (LONGHI, 2010, p.48-49). .

A esfera pública capta e realça as temáticas existentes na esfera privada, problematizando-as e trazendo-as para o debate público, a esfera privada incorpora os debates e agrega informações que influenciam na vida cotidiana e possibilitam refletir sobre a mesma (HABERMAS, 2003bHABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. 2ªed., Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro , 2003b., p.98). Segundo Habermas: as associações da sociedade civil “formam o substrato organizatório do público de pessoas privadas que buscam interpretações públicas para suas experiências e interesses sociais [...]” (HABERMAS, 2003bHABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. 2ªed., Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro , 2003b., p. 100).

Assim, para ambos os autores há um pressuposto de igualdade entre aqueles que promovem esse debate que produz a opinião pública, e a única autoridade presente é a do argumento. É preciso salientar que embora Hannah Arendt, diferentemente de Habermas, não discuta propriamente esse conceito de opinião pública, a análise do processo de sua constituição como instrumento de ação e participação social nos remete à ponderação sobre o caráter do espaço no qual está inserido a opinião pública - a esfera pública; e, nesse sentido, as reflexões de Hannah Arendt enquanto expoente autora que analisa o percurso de contínua reconstituição dos espaços público e privado e suas múltiplas e difusas interfaces se faz necessária (LONGHI, 2010LONGHI, Carla Reis. Origens do conceito de opinião pública: um diálogo com Hannah Arendt e Jürgen Habermas. Rio de Janeiro: Cadernos EBAPE, Comunicação e Sociedade, v.8, nº 4, Dez. 2010. Disponível em: file:///D:/Usuario/Downloads/3878-11255-1-PB.pdf. Acesso em: 08 mai. 2021., p.45).

J. Habermas (2003HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro , 2003a.a) qualifica o argumento em debate no espaço público quando sugere que existem variações na “qualidade” da opinião pública gerada de acordo com o grau de racionalidade das argumentações e opiniões propostas. Ou seja, a opinião pública será mais ou menos qualificada de acordo com o maior ou menor grau de racionalização envolvido na sua formação e não pela capacidade de expressar o sentimento de todos.

Assim, J. Habermas (2003HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro , 2003a.b) cita pressupostos importantes além da igualdade que precisam estar presente no processo de formação da opinião pública: a ocorrência de “liberdade” para as alegações públicas com o objetivo de problematizar diversos temas e o princípio da “abertura ao público” para que a sociedade civil se aproprie dos objetos de discussão. Enfatiza-se que como não havia uma formação acadêmica que legitimasse os representantes para participarem dos debates, ocorreu um movimento aleatório, calcado na experiência individual de cada um e como consequência a representação de interesses e pontos de vista tornou-se critério de participação (LONGHI, 2010LONGHI, Carla Reis. Origens do conceito de opinião pública: um diálogo com Hannah Arendt e Jürgen Habermas. Rio de Janeiro: Cadernos EBAPE, Comunicação e Sociedade, v.8, nº 4, Dez. 2010. Disponível em: file:///D:/Usuario/Downloads/3878-11255-1-PB.pdf. Acesso em: 08 mai. 2021., p.53).

A opinião pública utilizada para legitimar um espaço reconhecido como representativo deve estar alinhada à tessitura social. Ela está no espaço público literário (espaço não-político e não-privado) e também no espaço da mídia (informação) porque se constituiu no intuito de possibilitar o ato comunicativo que interliga público e privado. A esfera pública como um ambiente onde se formam opiniões públicas atualmente deixa de lado o caráter triangular da ação grega, onde os homens se reuniam em uma mesma esfera para tomar decisões sobre um aspecto exterior a eles próprios: a cidade e sua relação com os outros povos, para se tornar palco de um ambiente onde pode haver apenas a observação e contemplação, onde não há mais a necessidade do “agir”, elemento essencial caracterizador da esfera pública para Hannah Arendt (2007ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Tradução Adriano Correia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.).

“Nessa reconceituação, apropriada pelas mídias de massa, a opinião pública não é mais liga, conexão, pois desconsidera a comunicação pública, típica de sua caracterização original” (LONGHI, 2010LONGHI, Carla Reis. Origens do conceito de opinião pública: um diálogo com Hannah Arendt e Jürgen Habermas. Rio de Janeiro: Cadernos EBAPE, Comunicação e Sociedade, v.8, nº 4, Dez. 2010. Disponível em: file:///D:/Usuario/Downloads/3878-11255-1-PB.pdf. Acesso em: 08 mai. 2021., p.56). O produto das discussões se transforma em bem de consumo em um processo engessado pelas regras de organização que anunciam todos os julgamentos como consenso. Essa “banalização” da opinião pública, enquanto voz que comunica o julgamento ocorrido nas esferas públicas preocupa na medida em que historicamente vem perdendo sua importância.

Contemporaneamente, a formação da opinião pública ocorre por meio dos debates entre os representantes do povo e pela expressão da sociedade civil (inclusive por meio da atuação em conselhos, como o ConCidades). Todavia, além do papel central exercido pelo processo popular de escolha de representantes, na esteira da democracia deliberativa30 30 Criada por Habermas, a Democracia deliberativa constitui-se como um processo de deliberação político democrático caracterizado por um conjunto de pressupostos teórico-normativos que incorporam a participação da sociedade civil na regulação da vida coletiva (HABERMAS, 1997). a vida democrática não pode ser reduzida à representação clássica, devendo envolver “também a possibilidade efetiva de se deliberar publicamente sobre as questões a serem decididas” (SOUZA NETO, 2007SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. Deliberação Pública, Constitucionalismo e Cooperação Democrática. In: BARROSO, Luís Roberto (org.). A Reconstrução Democrática do Direito Público no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2007., p. 44). Quando se efetiva essa deliberação pública, ocorre uma racionalização e legitimação das decisões tomadas sobre a coisa pública.

Para J. Habermas (2005HABERMAS, Jürgen. A Crise do Estado de bem-estar e o esgotamento das energias utópicas. In HABERMAS, J. Diagnósticos do tempo: seis ensaios. Tradução: Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2005., p.247-249), em seus estudos mais atuais, alguma fonte de regulamentação e institucionalização é necessária porque a sociedade civil por si só tem uma margem de ação muito limitada para ser o sustentáculo de todas as garantias de acesso ao público. O objetivo é o de se estabelecer uma nova forma de integração social (nova forma de divisão de poderes) entre a rede de esferas públicas e os domínios reguladores do poder econômico e administrativo. Assim, a existência não de uma única esfera, mas de uma rede de esferas públicas, que se intercomunicam e são autônomas, informais e auto-organizadas permite que assuntos que interessam a toda a sociedade sejam debatidos, formando racionalmente diferentes opiniões em diversos ambientes (redes de esferas regionais e locais), reconhecendo a relevância da comunicação social como agentes divulgadores potenciais dos processos de formação da opinião discursiva e da vontade nas esferas públicas (ALMEIDA, 2018ALMEIDA, Paulo Roberto Andrade de. A esfera pública política no pensamento de Jürgen Habermas: Problemas, limites e perspectivas. Tese apresentada como parte dos requisitos para obtenção do grau de Doutor - Programa Integrado de Pós-Graduação em Filosofia - UFRN/UFPE/UFPB, 2018. Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/123456789/13173/1/Arquivototal.pdf. Acesso em: 08 mai. 2021.
https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstr...
, p.172-175).

Pode-se dizer que no Brasil a formação de instituições para representação social tem como função primordial a sedimentação da existência formal das esferas públicas (normatização e regulamentação)31 31 A institucionalização das esferas públicas na América Latina, partindo da divisão analítica de Costa (2000) propõe os seguintes modelos: o modelo de sociedade de massas (controlada pelos meios de comunicação); o modelo republicano (o qual valoriza a iniciativa das organizações sociais e seu poder de influenciar nas decisões de Estado, criando esferas públicas institucionalizadas - acaba correndo o risco de se transformar em uma esfera pública paraestatal em vez de não-estatal); o modelo pluralista (no qual ao invés dos, indivíduos são as associações que se impõem como atores coletivos de articulação da esfera pública) e, por fim, o modelo discursivo ( no qual a esfera pública diz respeito a um contexto de relações difuso no qual se concretizam intercâmbios comunicativos gerados em diferentes campos da vida social que acabam por constituir uma arena privilegiada para a observação da maneira como as transformações sociais as processam) (AVRITZER e COSTA, 2004, p. 722). . Mas e a preocupação com sua existência substancial?

Analisando as bases teóricas apresentadas, a resposta a essa pergunta é formada pela análise do tema sob dois pontos de vistas distintos: a) a existência substancial de esferas públicas depende de uma representatividade fática efetiva da realidade social por meio de participação social (o qual se demonstrou letra morta para o processo de formação do PVCA); e b) a existência substancial de esferas públicas depende da melhoria dos atuais processos decisórios que hoje, de fato, não promovem às camadas menos privilegiadas da sociedade civil o acesso aos espaços de ação comunicativa com o Estado.

Acerca da representatividade, se a política, conforme descrito acima na visão de Habermas, deve oscilar entre as esferas pública e privada - e segundo Arendt uma não existe sem a outra - em que medida o afastamento dessas instituições do debate sobre o PCVA afastaram os cidadãos de uma democracia participativa e deliberativa e os aproximaram ao retrocesso da simples democracia indireta / representativa?

Como o fluxo de informações é ilimitado, essas fronteiras são fluidas para as respostas aos problemas discutidos. Assim, a participação social não se restringe ao momento do voto, mas torna-se instrumento para atuação na rede de esferas públicas enquanto locais de intermediação entre as periferias sociais e urbanas32 32 Periferias soais e urbanas aqui entendidos como espaços com enormes diferenças na distribuição das riquezas e das carências sociais nas cidades brasileiras, público-alvo do PCVA e o âmbito administrativo. Essas instituições organizadas que formam a rede de esferas públicas não exercem um poder de controle sobre o Estado e não decidem por ele, mas sua voz deve lhe influenciar e orientar diretamente no processo de formação das agendas de políticas públicas.

Desse modo, constatamos que embora entre as teorias abordadas há diferenças quanto à posição e forma de atuação das esferas públicas33 33 Considerando o tema das esferas públicas, destacamos duas diferenças entre as matrizes teóricas estudas: A primeira se refere quanto à posição e função do Estado: para Arendt a esfera pública é onde se realiza a prática política e o Estado limita o potencial de atuação dessa esfera porque impõe hierarquias e desigualdades; e para Habermas, o Estado está presente como lugar de administração, de execução das decisões tomadas a partir das discussões nas esferas públicas, ocorrendo uma oscilação entre a política e a esfera pública. A segunda se refere ao lugar da esfera privada ocupa nas esferas públicas: para Arendt o que é debatido na esfera política é apenas o que se refere ao interesse comum, pois a política é um fim em si mesma; e para Habermas a esfera privada é valorizada e nas esferas públicas são abordados os interesses privados em relação ao Estado, com o intuito de protegê-los. Os sujeitos interagem no espaço público e podem interferir na realidade social (ARENDT, 2007); (HABERMAS, 2003b). , é inconteste que a ação política na esfera pública deve ser dialógica e deve estimular a participação social para que a problematização seja resolvida por meio da discussão racional, promovendo assim o desenvolvimento de uma sociedade livre, plural e ativa34 34 A Constituição Federal de 1988, em seu art. 14, cita alguns mecanismos que facilitam o exercício da cidadania ativa dos cidadãos: referendo, plebiscito e iniciativa popular. Em relação aos dois primeiros, essa cidadania é aquela “ilusória”, porque depende dos poderes constituídos para poder se manifestar, resumindo sua ação na legitimação de decisões governamentais, sobre matérias específicas (HERMANY, 2007, p.186-187). .

Quando se assente que a esfera pública faz a intermediação essencial por meio da ação comunicativa entre o Estado e o mundo da vida, o processo parlamentar em relação ao programa habitacional, em uma perspectiva democrática, quando afastou a análise dos pareceres do ConCidades ficou alheio aos problemas que já existiam em relação ao antigo programa (PMCMV) e perdeu a oportunidade de evitar novos, assim como a chance de inovar:

(...) a esfera pública tem que reforçar a pressão exercida pelos problemas, ou seja, ela não pode limitar-se a percebê-los e identificá-los, devendo, além disso, tematizá-los, problematizá-los e dramatizá-los de modo convincente e eficaz, a ponto de serem assumidos e elaborados pelo complexo parlamentar (HABERMAS, 2003HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro , 2003a.b, p. 91).

O perigo cada vez mais comum nas sociedades contemporâneas é o de transformar a esfera pública em uma arena de debates entre apenas interesses privados, tornando seu papel obsoleto. Um erro onde a democracia liberal afasta a democracia social ideal que, segundo Pedro Demo: “é a sociedade organizada que define o papel e o espaço do Estado, não o contrário” (DEMO, 1996DEMO, Pedro. Participação é conquista: noções de política social participativa. 3. ed. São Paulo: Cortez, 1996., p.15).

Portanto, quando não se realiza as discussões necessárias, a participação do indivíduo no processo decisório político é afastada. A tônica do problema é que a democracia participativa só ocorre na perspectiva do exercício da cidadania e da soberania dos cidadãos (BONAVIDES, 2003BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa (Por um Direito Constitucional de luta e resistência; Por uma Nova Hermenêutica; Por uma repolitização da legitimidade). 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2003., p.26-27). Como imprimir a identidade de um povo, de onde ele está inserido (e aí se inclui a formação do espaço urbano e rural), em um regulamento, sem ouvi-lo? Para isso é que a descentralização é medida que se impõe, com oitiva das esferas públicas regionais e locais, pois a representação pelo voto tem se provado insuficiente, fomentadora de desigualdades e com acirramento de competições eleitoreiras que não trazem benefícios à sociedade.

“O substantivo da democracia é, portanto, a participação. Quem diz democracia diz, do mesmo passo, máxima presença de povo no governo, porque, sem participação popular, democracia é quimera, é utopia, é ilusão, é retórica, é promessa sem arrimo na realidade, sem raiz na história, sem sentido na doutrina, sem conteúdo nas leis” (BONAVIDES, 2003BONAVIDES, Paulo. Teoria Constitucional da Democracia Participativa (Por um Direito Constitucional de luta e resistência; Por uma Nova Hermenêutica; Por uma repolitização da legitimidade). 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2003., p. 283).

“a democratização, nesse caso, já não é mais um momento de transição, é o processo permanente e nunca inteiramente acabado de concretização da soberania popular” (COSTA, 2000COSTA, Sergio. Esfera pública, e as mediações entre cultura e política: para uma leitura sociológica da democracia. Revista Travessias, nº 1, Rio de janeiro, 2000. , p. 58).

Segundo ainda Ladislau Dowbor (1999DOWBOR, Ladislau. O que é poder local. São Paulo: Brasiliense, 1999. , p.15-17), as decisões tomadas perto do cidadão estão conectadas com eles e suas necessidades. A descentralização do poder político e econômico amplia a forma de participação que não pode se resumir à parte político-partidária ou sindical-representativa.

Corrobora com o exposto o princípio da subsidiariedade apresentado por José Alfredo de Oliveira Baracho (BARACHO, 1996BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O princípio de subsidiariedade. Conceito e evolução. Rio de Janeiro: Forense, 1996., p.88-92) 35 35 O princípio de subsidiariedade é examinado com referência a vários temas que lhe são correlatos e suas relações com a autonomia política e administrativa levam às constatações em torno do federalismo e da democracia, de acordo com o modelo de governo a que se refere. Os tipos de relações da sociedade realçam o papel do governante e dos governados. No presente estudo, o governo local assume grande projeção quando sua estrutura nos quadros políticos, administrativos e econômicos se projetam na globalidade dos entes da Federação, fazendo parte do todo na busca pela mitigação da desigualdade social, criação de condições de desenvolvimento e de qualidade de vida (BARACHO, 1996, p.33). A descentralização, portanto, representa o estímulo às liberdades, à criatividade, às iniciativas e à vitalidade das diversas legalidades, impulsionando novo tipo de crescimento e melhorias sociais, posto o diagnóstico dos problemas sociais fica mais fácil quando realizado localmente, permitindo a participação motivada e responsável dos grupos sociais na solução dos problemas, fato que acaba por gerar confiança e credibilidade (ZORRÍLLA MARTÍNEZ, 1994, p.409-412). , pois a qualidade das decisões melhora à medida que são tomadas em um nível mais baixo, mais próximo à sua respectiva execução. Conclui-se que esse Estado “subsidiário” proposto por Baracho é nada mais do que a representação da esfera política de intermediação prevista por Habermas, que propicia a atuação dos cidadãos para a efetivação de fins individuais e sociais.

A proposta da MP nº 996/2020 de não “utilizar” os pareceres do ConCidades equivale à ocorrência da quebra da repartição da competência entre o Estado e a sociedade, desequilibrando a esfera política e lhe retirando a autonomia. Para Habermas (2003aHABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro , 2003a.; 2003bHABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. 2ªed., Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro , 2003b.) e Arendt (2007ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Tradução Adriano Correia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.) isso representa a quebra da pluralidade de vozes existentes nos espaços públicos múltiplos.

Com o afastamento do ConCidades do debate prévio ao lançamento do programa habitacional, sob o olhar dos autores abordados, pode-se afirmar que resta evidenciado um momento de decadência da esfera pública política brasileira e, de acordo com as teorias desses autores (que versam sobre a concepção do discurso e deliberação pública de forma racional e crítica) o afastamento das esferas públicas (institucionalizadas ou não), enquanto locus de discussão, acarreta no aumento de um estado de dominação (impositivo) e de deterioração nos espaços públicos.

Quanto ao segundo tópico, relativo à análise da existência substancial da participação social nas esferas públicas, a qual se refere à análise da falta de acesso das camadas menos privilegiadas da sociedade civil aos espaços de ação comunicativa com o Estado, com base nas teorias apresentadas, pode-se asseverar que a dificuldade se assenta no inexistente estado de igualdade. Em países desiguais como o Brasil, as esferas públicas sem dúvidas têm papel fundamental para resolver os problemas sociais tanto quanto para fomentar a auto-organização da sociedade civil. Mas como criar de condições de idêntica oportunidade a todos os cidadãos para influenciar e persuadir em contexto discursivo aberto, livre e igualitário?

Em análise às críticas tecidas por Nancy Fraser (1996FRASER, Nancy. Rethinking the public sphere: a contribution to the critique of actually existing democracy. In: CALHOUN, Craig (Ed). Habermas and the public sphere. Cambridge: MIT Press , 1996.) a Jürgen Habermas (2003aHABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro , 2003a.; 2003bHABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. 2ªed., Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro , 2003b.) sobre o conceito de esferas públicas, Costa (2000COSTA, Sergio. Esfera pública, e as mediações entre cultura e política: para uma leitura sociológica da democracia. Revista Travessias, nº 1, Rio de janeiro, 2000. , p.67) explica que a construção de esferas separadas que possibilitem o acesso de públicos excluídos pode alimentar a fragmentação e o autorreferenciamento no contexto de uma sociedade tão desigual quanto a brasileira.

É preciso que, no seio de uma esfera pública, temas, posições e argumentos trazidos pelos novos atores sociais encontrem formas institucionais de penetrar e Estado e, por essa via, democratizá-lo, tornando-o objeto de controle dos cidadãos. Para tanto é sugerido um conjunto de correções ao modelo original para um exame mais adequado da esfera pública no contexto latino-americano, levando-se em consideração vários argumentos: a) a complexificação e diversificação cultural e social atualmente observada nestes países demanda a inclusão de novos públicos dentro da análise; b) há a necessidade de inclusão daqueles que estão tradicionalmente excluídos da esfera pública através de contrapúblicos subalternos; c) os públicos diaspóricos (casos das redes transnacionais de movimentos e de imigrantes) e d) os públicos participativos e deliberativos (AVRITZER e COSTA, 2004AVRITZER Leonardo; COSTA Sergio. Teoria crítica, democracia e esfera pública: concepções e usos na América Latina. Dados: Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 47, nº 4, 2004., p. 722).

Sem diminuir a importância do conceito para a teoria democrática, Nancy Fraser (1996FRASER, Nancy. Rethinking the public sphere: a contribution to the critique of actually existing democracy. In: CALHOUN, Craig (Ed). Habermas and the public sphere. Cambridge: MIT Press , 1996.) entende que existem alguns entraves conceituais quando se pensa em esfera pública proposta por Habermas (2003aHABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro , 2003a.; 2003bHABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. 2ªed., Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro , 2003b.) em países com desigualdade social relevante. Os problemas se assentam na realização do debate público baseando-se em um potencial utópico de igualdade nas relações dentro da esfera pública, pois não é possível que os interlocutores em uma esfera pública coloquem de lado suas diferenças estruturais para dialogar como se fossem iguais.

A partir do reconhecimento de sociedades com diferente contexto sócio-econômico-cultural, novos conceitos foram dialogicamente construídos em relação ao de esfera pública como “públicos fortes e fracos”, “contrapúblicos subalternos” e “esferas públicas subalternas” que proporcionaram maior poder analítico e potencial explicativo para sociedades estratificadas e desiguais. Nas sociedades estratificadas, a contestação entre uma pluralidade de públicos concorrentes é mais marcante do que uma esfera única e homogênea onde facilmente se encontra “os iguais” e, por isso, entender essas diferenças atualmente é ponto de partida para a compreensão de esfera pública (SOUZA; ALCÂNTARA; PEREIRA, 2018SOUZA, Rosália Beder; ALCÂNTARA, Valderí de Castro; PEREIRA, José Roberto. Researching for public spheres (selective and subaltern): contributions of critical analysis of genres. FGV EBAPE, 2018. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rap/v52n3/en_1982-3134-rap-52-03-435.pdf Acesso em: 09 mai. 2021.
https://www.scielo.br/pdf/rap/v52n3/en_1...
, p.435-437, tradução livre).

Para Nancy Fraser (1990FRASER, Nancy. Rethinking the public sphere: a contribution to the critique of actually existing democracy. Social Text, 1990., p.25-80), por exemplo, ocorre uma distinção entre os públicos fracos e os públicos fortes. Os primeiros são aqueles cuja prática deliberativa se restringe à formação da opinião e que não abrange a tomada de decisão (decisões juridicamente vinculativas - leis). A expressão “contrapúblicos subalternos” se refere aos membros de grupos sociais de mulheres, trabalhadores, negros, homossexuais e outros, os quais constituíram historicamente públicos para a autora considerados como alternativos, com relação de conflito com o público “geral” que se pressupõe dominante.

Em sociedades estratificadas, também são necessários vários públicos e, principalmente, contrapúblicos, pois existem relações de subordinação e dominação. Assim, não é possível estabelecer igualdade plena na esfera pública se desigualdades existirem na sociedade. Quando a esfera pública restringe os temas dos debates ao bem comum e elimina questões privadas emerge a dúvida sobre o que tradicionalmente pode ser considerado público ou privado36 36 A principal crítica de Seyla Benhabib (1996) ao modelo de Habermas de esfera pública se refere à questão: como se estabelece o que é público e o que é privado? Segundo a autora, frequentemente, a esfera privada está associada a três dimensões: moral e consciência religiosa, direitos privados relativos às “liberdades econômicas” e esfera íntima. Essa classificação acaba por deixar de fora dos debates públicos aspectos importantes de justiça social vinculados à vida privada. Propondo que a linha entre o público e o privado seja sempre renegociada, ela alerta que divisões rígidas dos limites entre o público e o privado causam exclusões que alteram a formação da esfera pública. . Ao estipular isto, muitos grupos sociais, muitas vezes, são eliminados da discussão por razões morais, religiosas, culturais e por conta da tradição estabelecida.

Para Fernando Perlatto (2015PERLATTO, Fernando. Seletividade da esfera pública e esferas públicas subalternas: disputas e possibilidades na modernização brasileira. Revista de Sociologia e Política, v. 23, n. 53, 2015.), o subalterno se refere a públicos que buscaram outras formas de se organizar e que além de argumentos “racionais” valorizavam outras formas de manifestações, como discursos, gestos e performances: “os setores populares procuraram estabelecer arenas discursivas alternativas àquelas constituídas pelos segmentos elitistas” (Perlatto, 2015PERLATTO, Fernando. Seletividade da esfera pública e esferas públicas subalternas: disputas e possibilidades na modernização brasileira. Revista de Sociologia e Política, v. 23, n. 53, 2015., p.125).

O público forte, que tem a função de traduzir as opiniões em decisões (a exemplo do parlamento) hoje exerce uma relação de domínio sobre o público fraco. Fraser (1996FRASER, Nancy. Rethinking the public sphere: a contribution to the critique of actually existing democracy. In: CALHOUN, Craig (Ed). Habermas and the public sphere. Cambridge: MIT Press , 1996.) acredita que a interpenetração entre sociedade civil, através do público fraco, e o Estado, através do público forte, é fundamental para a esfera pública. Desta maneira, o poder de influência da sociedade civil no Estado se efetivaria através de públicos fortes.

Além destes autores, Pinto (2006PINTO, Céli. As conferências nacionais no governo Lula: limites e possibilidades da construção de uma esfera pública. Trabalho apresentado no XXX Encontro Anual da ANPOCS, 2006.) argumenta que quando as organizações da sociedade civil têm sua participação vinculada a um convite do próprio Estado, suas formas de atuação ficam limitadas e, assim, a constituição da esfera pública é dificultada. Para o autor, que também sugere alterações no modelo de Habermas para pensar as esferas públicas no contexto das democracias participativas, a presença do Estado nestas esferas públicas não significa necessariamente uma limitação para a eficácia da esfera e nem para a participação da sociedade civil, pois é observando as formas de acesso da sociedade civil nestes espaços de encontro com o Estado (como a realização de conferências) que se pode qualificar sua atuação no sentido da construção de uma verdadeira esfera pública.

Cabe ressaltar que a participação social não pode ser transformada em um mero dispositivo para legitimar políticas governamentais. Para que ocorra a constituição de uma rede de esferas públicas eficazes ao que se propõem, as organizações, instituições quando e se houver, devem estar articuladas em torno de processos de recrutamento claros, que se originam nos próprios espaços da sociedade civil e que estejam comprometidas com a representação de todos os grupos sociais.

O processo de formação do programa habitacional analisado aqui traz à tona a forma como o Estado institucionaliza as esferas públicas no Brasil quanto aos debates sobre a política nacional de desenvolvimento urbano - PNDU. A criação do Conselho das Cidades (ConCidades), órgão colegiado de natureza deliberativa e consultiva, então integrante da estrutura do Ministério das Cidades que tinha por finalidade estudar e propor diretrizes para a formulação e implementação da PNDU, bem como acompanhar a sua execução trouxe uma forma de organização da sociedade civil, cujo objetivo era o de que ocorresse a discussão sobre os problemas regionais e locais por diferentes fóruns, estaduais e municipais, cujas decisões traduzam a luta de movimentos e reinvindicações sociais (PINTO, 2006PINTO, Céli. As conferências nacionais no governo Lula: limites e possibilidades da construção de uma esfera pública. Trabalho apresentado no XXX Encontro Anual da ANPOCS, 2006., p. 27).

Os novos formatos de esferas públicas, na análise contextual brasileira, devem apontar para perspectivas de modelos geradores de maior potencial democrático para a política. Se a igualdade entre os atores sociais constitui a base de formação da esfera pública como expressão de liberdade e pluralidade humana, conforme já citado por Hannah Arendt (2007ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Tradução Adriano Correia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.), urge resolver o problema da desigualdade em todos os níveis, pois indiferentemente à qualidade do argumento apresentado, Habermas (2003aHABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro , 2003a.; 2003bHABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. 2ªed., Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro , 2003b.) já sustentava que o consenso só surge após o debate, e que para constituir uma opinião pública influente política, econômica e socialmente, deve haver assentimento das outras pessoas, inclusive dos leigos, pois estes também constituem a esfera pública.

5 CONCLUSÃO

Em vista das informações apresentadas sobre o PCVA e os argumentos que formam o conjunto de importantes críticas apresentadas, salta aos olhos a evidência de que todos os problemas do déficit habitacional ou da regularização fundiária no Brasil não serão resolvidos com esse novo programa habitacional.

Embora se reconheça que no conceito de esfera pública esses espaços não possuem fronteiras e não são necessariamente instituições, organizações ou representam qualquer estrutura normativa, mas se constituem como ambiente de debate racionalizado que culmina com a formação da opinião pública, a qual deve interferir e orientar a gestão pública administrativa, é importante reconhecer que nas democracias contemporâneas, longe de existir um consenso, este é um conceito ainda inacabado e que merece ser aprofundado e verificado nos contextos diversos das democracias.

Nesse sentido, o exame teórico do conceito de esfera pública em Habermas e Arendt e em seus críticos nos permite aprofundar o debate que versa sobre a construção de esferas públicas em sociedades de terceiro mundo, marcadas por grandes diferenças e desigualdades sociais.

A presença do Estado nestas esferas públicas por meio da institucionalização de um intermediário nesse processo - o ConCidades, não significa uma limitação para a eficácia da esfera ou para a participação da sociedade civil. Ao invés disso, acredita-se que por meio da descentralização e da observação das formas de acesso da sociedade civil nestes espaços (institucionalizados ou não) é que se pode qualificar sua atuação no sentido da construção de uma verdadeira esfera pública.

O próprio Estado, ao invés de afastar a participação desses Conselhos, deveria promovê-la e estimulá-la para que o produto dos debates e julgamentos realizados nesses espaços se tornassem opinião pública que tivesse representatividade efetiva e eficaz, permitindo uma análise de possíveis avanços gerados a partir da (re)construção desta rede de esferas, tanto para resolver problemáticas específicas dos grupos sociais envolvidos, quanto para fomentar a auto-organização da sociedade civil.

Em virtude dos fatos mencionados e considerando o reconhecimento do próprio Supremo Tribunal Federal da importância da existência de instituições representativas para a democracia deliberativa (conforme os votos dos Ministros proferidos na ADI nº 6121/2019BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 6121/DF. Relator: Ministro Marco Aurélio Mello. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5678906. Acesso em: 12 dez. 2020.
http://portal.stf.jus.br/processos/detal...
), constata-se que o afastamento do ConCidades do processo de formação, regulação e regulamentação do PCVA tornou inócua a existência dessas instituições nas esferas públicas.

Hoje se constata que não há qualquer canal de diálogo das políticas públicas urbanas do governo com a sociedade que seja institucional, embora sejam essenciais devido às tantas diferenças que demandam adequação às especificações regionais e locais.

Sob os ditames democráticos da Constituição Federal de 1988, as atuações dos diversos grupos representativos da sociedade civil organizada devem fazer parte da tomada de decisões. A condição da própria existência da democracia é a de oferecer condições igualitárias necessárias entre os igualmente qualificados para participar do processo de tomada das decisões com as quais é presidida a vida comunitária.

Essa igualdade de participação política existente tanto na democracia representativa quanto na deliberativa, embora diferentes, cuidam da participação social como condição da própria existência da democracia. Logo, a cidadania não se restringe ao direito de voto, mas ao direito à atividade de fiscalizar, controlar e opinar sobre a atividade estatal (sindicabilidade). A autonomia e legitimidade do cidadão deve ser reconhecida em qualquer sistema político fundado na liberdade.

A forma de controle e exercício do poder, assim como a democracia mudam de qualidade quando o Poder Público ignora a experiência acumulada da sociedade civil organizada e desestimula ou até mesmo afasta a sua participação no processo de elaboração e execução dos programas e das políticas públicas.

Conforme constatado, entre Hannah Arendt (2007ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Tradução Adriano Correia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.) e Jürgen Habermas (2003HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro , 2003a.b) há diferenças quanto à posição e forma de atuação das esferas públicas (referência em nota de rodapé nº 21), mas ambos consideram a política como necessariamente conectada a todos os aspectos da vida, não estando apenas inserida em uma dinâmica institucional e administrativa da sociedade. As esferas públicas promovem interação social entre os indivíduos de uma comunidade, entre comunidades diferentes e entre o aparato governamental e os cidadãos, avaliam as reações dos cidadãos em relação ao governo, estimulam o caráter argumentativo e discursivo do âmbito político e a participação popular nos processos decisórios.

O espaço público, cada vez mais decadente com a ascensão da modernidade segundo Arendt (2007ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Tradução Adriano Correia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.), faz com que a esfera privada se torne a grande protagonista, a organizadora da vida social e do trabalho (caracterizado hoje pela economia). Em consequência, os valores da ação humana - liberdade, iniciativa, pluralidade e igualdade - vão se perdendo e, com isso, a própria esfera pública se dilui, tornando-se palco de especialistas e parlamentares, sem participação dos seus principais atores.

Com fenômenos de privatização do público e publicização do privado, ocorre uma troca confusa dos papéis a serem desempenhados, troca esta que têm descaracterizado ambas as esferas e as destituído de sua essência.

A esfera pública se apresenta como uma ferramenta através da qual os cidadãos organizados podem limitar o poder e a interferência agravada do privado no público, exercendo oposição explícita e tornando os atores políticos mais responsáveis e transparentes. Através da exposição e crítica das ações do Estado e agentes corporativos, revela-se o poder de decisão inerente a estes atores tornando-os suscetíveis à opinião pública.

Corrobora com esse pensamento a teoria de Habermas (2003HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro , 2003a.), a qual avalia que o âmbito discursivo político só é legítimo se possuir a participação popular, incluindo questões relevantes do contexto do mundo da vida e a tematização de questões periféricas. Não se considera teoria política desatrelada da práxis, pois na proposta de política deliberativa, as esferas públicas atuam como intermediadoras essenciais de ação comunicativa entre o Estado e a sociedade.

O afastamento do ConCidades impediu o exercício da cidadania no poder local e regional, fato que se agrava quando reconhecido que o poder retirado das esferas públicas as tornou substancialmente inexistentes em seus papeis que serviam para orientar e colaborar na construção do espaço público, com ideal futuro regulador.

Somente com a intenção de promover essa participação ativa através da deliberação pode-se resgatar a verdadeira noção de esfera(s) pública(s). A importância em reconhecer a noção fundamental de esfera pública é, sem dúvida, a de reconhecer que esse espaço pode auxiliar de forma decisiva na reconstituição de um panorama social em que a política ocupe um lugar relevante e onde a liberdade e pluralidade dos homens, expressas por meio de seu agir, possam ser novamente e cada vez melhor experimentadas.

Arendt (2007ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Tradução Adriano Correia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.) nos mostra que a quantidade de políticas públicas efetivadas para atender as demandas dos grupos sociais não mede a importância da esfera pública, mas sim a sua capacidade de gerar condições de cidadania, de incentivar o debate público e de mobilizar os atores sociais. É no espaço público da palavra e da ação, que leva a agir em conjunto, que nasce o poder. E o recurso necessário a capacitar os membros de uma comunidade apenas surge por meio da insurgência coletiva quando clama pela alteração da realidade.

Todo regime que impeça a articulação de um mundo comum entre os indivíduos (configurador da política e do Direito) e que pretenda a concentração do poder está fadado a entrar em crise, pois não há governo que permaneça sem uma base de sustentação. Mesmo que todos os homens se tornem “Um-Só-Homem” (ARENDT, 1990, p.519), que o governante se intitule o representante do “povo” e utilize-se disfarçadamente da participação social, a qual serve apenas para legitimar o que já está decidido, esse governo estará fadado a não passar de uma abstração, haja vista a artificialidade e fragilidade do “consenso” que o sustenta, pois ausente estão as convicções, a racionalidade e o pensamento consciente - o que leva à submissão à regra pela regra (absolutização da lei).

Dessa forma, tal como Arendt a entende, a política pode ser vista como criação do novo, como ação plural e não como violência ou de exercício do poder pelo poder, mas como algo realizável e inerente à condição humana, que representa a necessidade de reconhecimento do outro em sua diversidade. Em outros termos, o mundo comum, as instituições, o Direito, tudo aquilo que pretende realizar a mediação entre homens, deve constituir o espaço público que seja algo além da burocracia da coisa política, mas que promova o desenvolvimento.

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  • 3
    Boletim nº 649GT Habitação e Cidade (IPPUR/UFRJ) do Observatório das Metrópoles. Casa Verde e Amarela: Pontos críticos do novo programa habitacional do Governo Federal. Boletim nº649 de 03 set. 2020. Disponível em: https://www.observatoriodasmetropoles.net.br/casa-verde-e-amarela-pontos-criticos-do-novo-programa-habitacional-do-governo-federal/. Acesso em 10 dez. 2020.
    https://www.observatoriodasmetropoles.ne...
    de 03 de setembro de 2020 emitido pelo GT Habitação e Cidades do Observatório das Metrópoles
  • 4
    Em 1º de janeiro de 2019, o Ministério das Cidades e o Ministério da Integração Nacional foram fundidos e transformados em Ministério do Desenvolvimento Regional.
  • 5
    Sobre política anticíclica: Segundo a escola keynesiana o déficit público é o principal instrumento de política econômica para amenizar os efeitos do ciclo. Assim, durante a recessão, o governo deve intervir, reduzindo tributos, promovendo a expansão do crédito e o aumento dos gastos, realizando investimentos capazes de estimular a economia. Desta forma, durante a recessão, o déficit público deve se expandir de modo a restabelecer o equilíbrio econômico (GADELHA, 2011GADELHA, Sérgio Ricardo de Brito. Política fiscal anticíclica, crise financeira internacional e crescimento econômico no Brasil. Revista de Economia Política, vol. 31, nº 5 (125), Edição especial/2011, pp. 794-812., p. 795-796).
  • 6
    MP nº 996/2020 aprovada pelo Senado em 08/12/2020 com alterações, na forma de um projeto de lei em conversão (PLV 41/2020).
  • 7
    Em levantamento recente, feito pela Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), constatou-se que a demanda reprimida chegou a 7,8 milhões de moradias em 2017. O estudo se baseia em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE (GONÇALVES, 2018GONÇALVES, Robson Ribeiro. FGV - Fundação Getúlio Vargas. Análise das Necessidades Habitacionais e suas Tendências para os Próximos Dez Anos. Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias - ABRAINC. Produto 2 - Relatório Técnico Final - 2ª Versão 17 de out de 2018, 64p. , p.51-52).
  • 8
    Houve uma desvinculação da regularização na implantação de infraestrutura necessária (urbanização), a qual poderá ser feita ou não com a revogação da Lei nº 13.465/2017 - REURB (GUERREIRO, 2020GUERREIRO, Isadora Andrade; ROLNIK, Raquel. Regularização Fundiária Verde e Amarela: endividamento e precariedade. [S.I.]: labcidade, set/2020. Disponível em: http://www.labcidade.fau.usp.br/regularizacao-fundiaria-verde-e-amarela-endividamento-e-precariedade/. Acesso em: 10 dez. 2020.
    http://www.labcidade.fau.usp.br/regulari...
    , p.02). Nesse sentido, segundo essa autora, houve tão somente uma preocupação com a passagem cartorária da propriedade do imóvel, cujos descumprimentos das regras de urbanização não são mais impeditivos para a realização da escritura.
  • 9
    O número de moradias precárias, está contabilizado em pelo menos 967 mil até 2017 (mostra de estudo realizado pelo economista Robson Gonçalves, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) a pedido da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias - Abrainc). O levantamento faz projeções a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 2018. A quantidade abrange contextos de habitação como, por exemplo, barracas de ruas e casas feitas com papelão e madeirite, considerados materiais não duráveis (GONÇALVES, 2018GONÇALVES, Robson Ribeiro. FGV - Fundação Getúlio Vargas. Análise das Necessidades Habitacionais e suas Tendências para os Próximos Dez Anos. Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias - ABRAINC. Produto 2 - Relatório Técnico Final - 2ª Versão 17 de out de 2018, 64p. , p.10).
  • 10
    Artigos 1º, parágrafo único, inciso I, e 5º do Decreto nº 9.759/2019.
  • 11
    A Medida Provisória nº 996, de 26 de agosto de 2020 altera as seguintes leis que regem a habitação de interesse social e a regularização fundiária no Brasil: a Lei nº 8.036/1990, que rege as aplicações do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS); a nº Lei 8.100/1990 sobre prestações do Sistema Financeiro da Habitação (SFH); a Lei nº 11.124/2005 do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS); a Lei nº 11.977/2009 que institui o Minha Casa Minha Vida (MCMV); a Lei 13.465/2017, de regularização fundiária; e a Lei nº 8.677/1993 do Fundo de Desenvolvimento Sustentável (FDS).
  • 12
    Medida Provisória nº 996/2020 - resumo das disposições: “O art. 18 modifica a Lei nº 11.124, de 2005, para autorizar o Ministério do Desenvolvimento Regional a realizar a oitiva do Conselho das Cidades mediante consulta pública”.
  • 13
    A lei 11.124/2005 dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação (SNHIS), cria o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) e institui o Conselho Gestor do FNHIS).
  • 14
    Vide artigos 14, incisos I e II, 49, inciso V, 14, inciso III, e 61, § 2º, da CRFB.
  • 15
    Termo utilizado por Juarez Freitas (2015FREITAS, Juarez. Políticas Públicas, Avaliação de Impactos e o Direito Fundamental à Boa Administração. Sequência (Florianópolis) [online]. 2015, n.70, pp.115-133., p.121-128) quando explica sobre o controle e formas de vigilância da sociedade em relação aos atos públicos realizados. Para o autor, quanto mais se aprofunda e sofistica a sindicabilidade, mais se desvela a importância de avaliação racional dos impactos sociais, ambientais e econômicos das decisões administrativas como ferramenta indispensável do controle baseado em evidências. “O direito à boa administração vincula racionalmente o gestor público e o força a medir consequências sistêmicas de suas opções, pois terá de justificá-las coerentemente, sobretudo em seu custo-efetividade.” (FREITAS, 2015FREITAS, Juarez. Políticas Públicas, Avaliação de Impactos e o Direito Fundamental à Boa Administração. Sequência (Florianópolis) [online]. 2015, n.70, pp.115-133., p.118). Ou seja, a avaliação do cumprimento de prioridades vinculantes deve ser constante e no tempo presente, pois as justificativas nas escolhas públicas hão de indicar os respectivos fundamentos plausíveis, não bastando uma mera alusão a dispositivos legais ou metáfrases.
  • 16
    A título de exemplos, na gestão pública: CRFB, artigo 198, inciso III; artigo 194, inciso VIII; artigo 187, artigo 206, inciso VI, artigo 204, inciso II.
  • 17
    Artigos críticos às diretrizes do PCVA publicados por autores que se referem à financeirização da moradia, à previsão de aumento no endividamento e à manutenção da precariedade: (BALBIM, 2020BALBIM, Renato. Os tons de cinza do Casa Verde e Amarela. Le monde diplomatique Brasil. 28 de Ago de 2020, 06p. Disponível em: https://diplomatique.org.br/os-tons-de-cinza-do-casa-verde-e-amarela/. Acesso em: 11de dez de 2020.
    https://diplomatique.org.br/os-tons-de-c...
    ); (GUERREIRO, 2020GUERREIRO, Isadora Andrade. Casa Verde e Amarela, securitização e saídas da crise: no milagre da multiplicação, o direito ao endividamento. Revista Passapalavra, 15 de dez de 2020, 15p. Disponível em: https://passapalavra.info/2020/08/134088/. Disponível em 13 de dez de 2020.
    https://passapalavra.info/2020/08/134088...
    ); (ROLNIK, 2020) e Texto elaborado pelo GT Habitação e Cidade (IPPUR/UFRJ) do Observatório das Metrópoles, com colaboração de João Tonucci (Cedeplar/FACE/UFMG).
  • 18
    Fala do líder do governo, Senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). Apontamentos dos Senadores extraídos de notícia publicada pelo sítio oficial do Senado Federal em matéria sobre o novo sistema de financiamento habitacional (inBRASILBRASIL. Senado Federal - Matéria plenário: Senado aprova novo sistema de financiamento habitacional. Brasília D.F.: Agência Senado, 08 dez. 2020. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/12/08/senado-aprova-novo-programa-de-financiamento-habitacional Acesso em: 17 dez. 2021
    https://www12.senado.leg.br/noticias/mat...
    . Senado Federal - Matéria plenário: Senado aprova novo sistema de financiamento habitacional. Brasília D.F.: Agência Senado, 08 dez. 2020).
  • 19
    O programa anterior, PMCMV-Entidades, atendia as famílias das faixas 1 e 1,5 e não foi oficialmente descontinuado, mas não irá contar com novas contratações até 2024, uma vez que se enquadra na mesma situação das contratações subsidiadas para o Grupo 1, e os recursos disponíveis no Fundo de Desenvolvimento Social - FDS serão utilizados para as ações de Regularização Fundiária e Melhorias Habitacionais previstas no novo programa.
  • 20
    Recomendação nº 63CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Recomendação nº 63 de 31 de março de 2020. Disponível em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3261#:~:text=6%C2%BA%20Recomendar%2C%20como%20medida%20de,realiza%C3%A7%C3%A3o%20de%20atos%20executivos%20de. Acesso em 02 dez. 2020.
    https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/32...
    de 31/03/2020 do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, art. 6º.
  • 21
    Fazer com que extraiam valor de suas casas - home equity - realização de financiamentos com imóveis como garantia, nos quais os juros são mais atrativos. Ocorre a transformação do bem fixo em ativo mobiliário, títulos negociáveis no mercado financeiro permitindo que o Sistema Financeiro Imobiliário permita que uma dívida ligada a um financiamento imobiliário seja vendida para um investidor (GUERREIRO, 2020GUERREIRO, Isadora Andrade; ROLNIK, Raquel. Regularização Fundiária Verde e Amarela: endividamento e precariedade. [S.I.]: labcidade, set/2020. Disponível em: http://www.labcidade.fau.usp.br/regularizacao-fundiaria-verde-e-amarela-endividamento-e-precariedade/. Acesso em: 10 dez. 2020.
    http://www.labcidade.fau.usp.br/regulari...
    , p.07-08).
  • 22
    Weber (1998)WEBER, Max. Ciência e Política. Duas Vocações. São Paulo: Editora Cultrix, 1998., além de criticar o espaço público, afirma a inadequação daqueles que operam na vida pública segundo a lógica das relações pessoais ou da vida religiosa.
  • 23
    Para Aristóteles (2009)ARISTÓTELES. A Política. 2. ed. Bauru: Edipro, 2009. o homem não vive de forma alheia, pois nasceu para viver em sociedade, cuja maior representante da vida e das relações humanas era a pólis, que promovia a transição do universo particular para o público. Toda união realizada pelo ser humano ocorre em vista de um bem, e tanto a família ou a polis apresentam interesses específicos.
  • 24
    Hannah Arendt (2007)ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Tradução Adriano Correia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007., quanto ao trabalho, o identifica como necessário à sobrevivência biológica e efetiva-se na atividade do animal laborans, o qual a partir de um estádio primitivo de existência vivia isolado dos outros seres humanos regendo-se apenas pelos ditames fisiológicos da vida animal. Em relação à produção, estabelece que se refere ao estado homo faber, que produz objetos duráveis (técnicas), partilhando o seu saber com outros homens. A ação, por sua vez, é a característica matricial da vida humana em sociedade. Os homens agem e interagem uns com os outros no seio de uma vida política em sociedade. A ação, portanto, é a única característica da essência humana que depende exclusivamente da contínua presença de outros homens.
  • 25
    No homem capaz de ação e de discurso - de liberdade e de intersubjetividade, a necessidade de autoexposição se torna mais aguda em sua vida política porque essa só se realiza plenamente quando testemunhada por outrem. Ao analisar a intersubjetividade, a questão sobre “o que é o pensar”, um dos principais temas do último trabalho de Hannah Arendt (A vida do espírito, 2009ARENDT, Hannah. A vida do espírito. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009), se revela interna ao próprio sujeito na medida em que, enquanto ser pensante, o homem é formado pela relação com a alteridade. O pensamento não se apresenta com uma natureza pré-determinada que se realiza à revelia do indivíduo, mas em seu estado de consciência. Assim, pode-se concluir que a ausência de pensamento consciente compromete a dimensão ética e política do indivíduo; ou seja, a recusa da reflexão é considerada pela autora um dos principais fatores que contribuem para o obscurecimento e mesmo para a perversão da experiência política. A carência do pensamento é eticamente perigosa porque não compreender o outro compromete a possibilidade de uma dimensão intersubjetiva, sem a qual a política se perverte em um exercício de dominação e supressão do outro (MOURA, 2012Moura, Alex de Campos. A política como espaço de aparição da liberdade: a resposta de Hannah Arendt. Prometheus - Journal of Philosophy, 5(9), Jan.-Jun./2012. Disponível em: file:///C:/Users/Usuario/Downloads/784-Article%20Text-1983-1-10-20130301.pdf . Acesso em: 08 mai. 2021., p.59-61).
  • 26
    Enquanto na teoria de Hannah Arendt a esfera pública é o local de exercício de ação (exclusivamente político), para Habermas a esfera pública atua como mediadora, abrangendo as demandas do mundo da vida, atuando na busca da resolução dos problemas que são frutos das relações sociais.
  • 27
    Ocorre uma apropriação desse espaço pela sociedade civil que passa a usá-lo para pressionar o Estado. Essa massa é chamada por Habermas de "esfera pública burguesa", a qual passa gradativamente a influenciar o poder decisório sobre as políticas públicas da época (LONGHI, 2010LONGHI, Carla Reis. Origens do conceito de opinião pública: um diálogo com Hannah Arendt e Jürgen Habermas. Rio de Janeiro: Cadernos EBAPE, Comunicação e Sociedade, v.8, nº 4, Dez. 2010. Disponível em: file:///D:/Usuario/Downloads/3878-11255-1-PB.pdf. Acesso em: 08 mai. 2021., p.50).
  • 28
    Esses autores propõem alguns “ajustes” para aplicação do conceito de esferas públicas quando pensadas em sociedades estratificadas e multiculturais.
  • 29
    Paulatinamente os limites de público e privado, tão bem demarcados na pólis grega, tornam-se mais fluidos porque ocorre uma recomposição de ambas as esferas quando surge o conceito de “social”. Nessa movimentação, para Hannah Arendt e Habermas, tanto o espaço público quanto o espaço privado se reformulam. Para Arendt (2007)ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Tradução Adriano Correia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007., o que era espaço privado se desdobra, agora, em dois campos: o primeiro mantém a denominação “privado”, mas incorpora a concepção de íntimo, a preocupação com as necessidades do coração (composição do reino da necessidade com a preocupação com a subjetividade); o segundo, agora denominado de esfera social ou sociedade civil, passa a abranger as preocupações próprias da vida privada, ou seja, o espaço da necessidade e da desigualdade onde a administração econômica do social torna-se o ponto principal do viver em comunidade. Nessa esfera do social resta justificada a manutenção da desigualdade, estruturada em relações hierárquicas e autoritárias. Inicialmente distinta do espaço público, aos poucos vê-se constituindo a esfera social como parte da esfera pública, e onde era espaço exclusivo da igualdade passa a ser tolerado a desigualdade, em nome da necessidade, iniciando o que por Hannah Arendt (2007)ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Tradução Adriano Correia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007. foi denominado de processo de desumanização (LONGHI, 2010LONGHI, Carla Reis. Origens do conceito de opinião pública: um diálogo com Hannah Arendt e Jürgen Habermas. Rio de Janeiro: Cadernos EBAPE, Comunicação e Sociedade, v.8, nº 4, Dez. 2010. Disponível em: file:///D:/Usuario/Downloads/3878-11255-1-PB.pdf. Acesso em: 08 mai. 2021., p.48-49).
  • 30
    Criada por Habermas, a Democracia deliberativa constitui-se como um processo de deliberação político democrático caracterizado por um conjunto de pressupostos teórico-normativos que incorporam a participação da sociedade civil na regulação da vida coletiva (HABERMAS, 1997HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Rio de Janeiro. Tempo Brasileiro, volume I, 1997.).
  • 31
    A institucionalização das esferas públicas na América Latina, partindo da divisão analítica de Costa (2000)COSTA, Sergio. Esfera pública, e as mediações entre cultura e política: para uma leitura sociológica da democracia. Revista Travessias, nº 1, Rio de janeiro, 2000. propõe os seguintes modelos: o modelo de sociedade de massas (controlada pelos meios de comunicação); o modelo republicano (o qual valoriza a iniciativa das organizações sociais e seu poder de influenciar nas decisões de Estado, criando esferas públicas institucionalizadas - acaba correndo o risco de se transformar em uma esfera pública paraestatal em vez de não-estatal); o modelo pluralista (no qual ao invés dos, indivíduos são as associações que se impõem como atores coletivos de articulação da esfera pública) e, por fim, o modelo discursivo ( no qual a esfera pública diz respeito a um contexto de relações difuso no qual se concretizam intercâmbios comunicativos gerados em diferentes campos da vida social que acabam por constituir uma arena privilegiada para a observação da maneira como as transformações sociais as processam) (AVRITZER e COSTA, 2004AVRITZER Leonardo; COSTA Sergio. Teoria crítica, democracia e esfera pública: concepções e usos na América Latina. Dados: Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 47, nº 4, 2004., p. 722).
  • 32
    Periferias soais e urbanas aqui entendidos como espaços com enormes diferenças na distribuição das riquezas e das carências sociais nas cidades brasileiras, público-alvo do PCVA
  • 33
    Considerando o tema das esferas públicas, destacamos duas diferenças entre as matrizes teóricas estudas: A primeira se refere quanto à posição e função do Estado: para Arendt a esfera pública é onde se realiza a prática política e o Estado limita o potencial de atuação dessa esfera porque impõe hierarquias e desigualdades; e para Habermas, o Estado está presente como lugar de administração, de execução das decisões tomadas a partir das discussões nas esferas públicas, ocorrendo uma oscilação entre a política e a esfera pública. A segunda se refere ao lugar da esfera privada ocupa nas esferas públicas: para Arendt o que é debatido na esfera política é apenas o que se refere ao interesse comum, pois a política é um fim em si mesma; e para Habermas a esfera privada é valorizada e nas esferas públicas são abordados os interesses privados em relação ao Estado, com o intuito de protegê-los. Os sujeitos interagem no espaço público e podem interferir na realidade social (ARENDT, 2007ARENDT, Hannah. A condição humana. 10. ed. Tradução Adriano Correia. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.); (HABERMAS, 2003bHABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. 2ªed., Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro , 2003b.).
  • 34
    A Constituição Federal de 1988, em seu art. 14, cita alguns mecanismos que facilitam o exercício da cidadania ativa dos cidadãos: referendo, plebiscito e iniciativa popular. Em relação aos dois primeiros, essa cidadania é aquela “ilusória”, porque depende dos poderes constituídos para poder se manifestar, resumindo sua ação na legitimação de decisões governamentais, sobre matérias específicas (HERMANY, 2007HERMANY, Ricardo. (Re) Discutindo o espaço local: uma abordagem a partir do direito social de Gurvitch. Santa Cruz do Sul: EDUNISC; IPR, 2007., p.186-187).
  • 35
    O princípio de subsidiariedade é examinado com referência a vários temas que lhe são correlatos e suas relações com a autonomia política e administrativa levam às constatações em torno do federalismo e da democracia, de acordo com o modelo de governo a que se refere. Os tipos de relações da sociedade realçam o papel do governante e dos governados. No presente estudo, o governo local assume grande projeção quando sua estrutura nos quadros políticos, administrativos e econômicos se projetam na globalidade dos entes da Federação, fazendo parte do todo na busca pela mitigação da desigualdade social, criação de condições de desenvolvimento e de qualidade de vida (BARACHO, 1996BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O princípio de subsidiariedade. Conceito e evolução. Rio de Janeiro: Forense, 1996., p.33). A descentralização, portanto, representa o estímulo às liberdades, à criatividade, às iniciativas e à vitalidade das diversas legalidades, impulsionando novo tipo de crescimento e melhorias sociais, posto o diagnóstico dos problemas sociais fica mais fácil quando realizado localmente, permitindo a participação motivada e responsável dos grupos sociais na solução dos problemas, fato que acaba por gerar confiança e credibilidade (ZORRÍLLA MARTÍNEZ, 1994ZORRILLA MARTÍNEZ, Pedro G. Descentralización Política, em Problemas Actuales del Derecho Constitucional. Estudios en Homenaje a Jorge Carpizo. Instituto de Investigaciones Jurídicas. Univesidad Nacional Autónoma de México, México, 1994., p.409-412).
  • 36
    A principal crítica de Seyla Benhabib (1996)BENHABIB, Seyla. Models of public sapace: Hannah Arendt, the liberal tradition, and Jürgen Habermas. In: CALHOUN, Craig. (Ed.). Habermas and the public sphere. Cambridge: MIT Press, 1996. ao modelo de Habermas de esfera pública se refere à questão: como se estabelece o que é público e o que é privado? Segundo a autora, frequentemente, a esfera privada está associada a três dimensões: moral e consciência religiosa, direitos privados relativos às “liberdades econômicas” e esfera íntima. Essa classificação acaba por deixar de fora dos debates públicos aspectos importantes de justiça social vinculados à vida privada. Propondo que a linha entre o público e o privado seja sempre renegociada, ela alerta que divisões rígidas dos limites entre o público e o privado causam exclusões que alteram a formação da esfera pública.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    12 Jan 2021
  • Aceito
    19 Maio 2021
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