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A relevância dos limites discricionários do juiz generalista

The relevance of the generalist judge's discretionary limits

Resumos

A prática judicial depara-se com uma tensão marcante entre a discricionariedade normativa e as capacidades institucionais do judiciário. Isso significa que há gradações de clareza nos diplomas legais que podem exigir maior ou menor grau de especialização dos atores responsáveis por sua aplicação. Surgem problemas dessa tensão, destacando-se os momentos em que há maior abertura à discricionariedade sem que haja uma especialização proporcional. A clareza normativa, cuja ausência até pode ser combatida com a especialização, por si só evita problemas relativos a um poder discricionário desmedido e à dissonância jurisprudencial. Quando a falta de clareza normativa se impõe à prática da interpretação judicial, o que se observa é um quadro de insegurança jurídica significativa que atualmente se busca superar por meio de mecanismos de uniformização decisional. O Brasil traz exemplos de grande influência na atividade judiciária como as súmulas, os enunciados e as súmulas vinculantes. Apesar da resistência que se apresenta a estas últimas, sobretudo em nome da independência dos juízes, até mesmo países de tradição do Common Law desenvolvem novos instrumentos. Os Guidelines ingleses enfrentam o problema da falta de clareza e concorrem para uma situação de maior consonância decisional sustentando a ideia criada de Rule of Courts.

Juiz Generalista; Clareza Normativa; Discricionariedade Normativa; Capacidades Institucionais; Dissonância


The judicial practice faces a tension between normative discretion and institutional capacities of the judiciary. It means that there are clarity graduations of the statutory text which can force different specialization levels of the actors responsible for applying the law. Some problems arise from this tension, specially a greater discretion without a proportional specialization. The legal clarity, whose lack can be countered by specialization, reduces problems in relation to an undue discretional power and to jurisprudential dissonance by itself. When the lack of legal clarity is over judicial interpretation, a significant insecurity frame is verified, in order to be surpassed by decisional uniformity mechanisms. Brazil brings examples of significant influence on its jurisdictional practice, as the súmulas, the enunciates, and the binding súmulas (binding summarized decisions). Despite of the resistance presented to the latter, mainly based on the judges' independence, even countries of the Common Law tradition develop new methods. The British Guidelines face the lack of legal clarity problem and promote a decisional consonance situation which supports the idea of Rule of Courts.

Generalist Judge; Normative Clarity; Normative Discretion; Institutional Capacities; Judicial Dissonance


CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA: BALANÇOS E PERPECTIVAS NATIONAL COUNCIL OF JUSTICE: BALANCES AND PERSPECTIVES

A relevância dos limites discricionários do juiz generalista* * Este artigo foi elaborado no âmbito do Grupo de Pesquisa Teoria da Constituição e Teoria das Instituições (GPTCTI) da UFRJ e recebe o apoio financeiro da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro no âmbito do Edital n. 9 de 2011, com o projeto intitulado Teoria das Instituições: "Comunidade de Instituições" como uma proposta de modelo institucional em suas atividades e capacidades deliberativas na ordem institucional de direito (Processo n. E-26/111.832/2011).

The relevance of the generalist judge's discretionary limits

Igor de LazariI; Carlos BolonhaII; Henrique RangelIII

IGraduando em Direito Pela Universidade Federal do Rio de Janeiro

IIProfessor Adjunto do Departamento de Direito do Estado e do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro

IIIGraduando em Direito Pela Universidade Federal do Rio de Janeiro

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Igor de Lazari Barbosa Carneiro R. Senador Vergueiro, n. 203, ap. 1.111 Flamengo – 22230–000 Rio de Janeiro – RJ – Brasil igorlazari@ufrj.br

RESUMO

A prática judicial depara-se com uma tensão marcante entre a discricionariedade normativa e as capacidades institucionais do judiciário. Isso significa que há gradações de clareza nos diplomas legais que podem exigir maior ou menor grau de especialização dos atores responsáveis por sua aplicação. Surgem problemas dessa tensão, destacando-se os momentos em que há maior abertura à discricionariedade sem que haja uma especialização proporcional. A clareza normativa, cuja ausência até pode ser combatida com a especialização, por si só evita problemas relativos a um poder discricionário desmedido e à dissonância jurisprudencial. Quando a falta de clareza normativa se impõe à prática da interpretação judicial, o que se observa é um quadro de insegurança jurídica significativa que atualmente se busca superar por meio de mecanismos de uniformização decisional. O Brasil traz exemplos de grande influência na atividade judiciária como as súmulas, os enunciados e as súmulas vinculantes. Apesar da resistência que se apresenta a estas últimas, sobretudo em nome da independência dos juízes, até mesmo países de tradição do Common Law desenvolvem novos instrumentos. Os Guidelines ingleses enfrentam o problema da falta de clareza e concorrem para uma situação de maior consonância decisional sustentando a ideia criada de Rule of Courts.

Palavras-chave: Juiz Generalista; Clareza Normativa; Discricionariedade Normativa; Capacidades Institucionais; Dissonância

ABSTRACT

The judicial practice faces a tension between normative discretion and institutional capacities of the judiciary. It means that there are clarity graduations of the statutory text which can force different specialization levels of the actors responsible for applying the law. Some problems arise from this tension, specially a greater discretion without a proportional specialization. The legal clarity, whose lack can be countered by specialization, reduces problems in relation to an undue discretional power and to jurisprudential dissonance by itself. When the lack of legal clarity is over judicial interpretation, a significant insecurity frame is verified, in order to be surpassed by decisional uniformity mechanisms. Brazil brings examples of significant influence on its jurisdictional practice, as the súmulas, the enunciates, and the binding súmulas (binding summarized decisions). Despite of the resistance presented to the latter, mainly based on the judges' independence, even countries of the Common Law tradition develop new methods. The British Guidelines face the lack of legal clarity problem and promote a decisional consonance situation which supports the idea of Rule of Courts.

Keywords: Generalist Judge; Normative Clarity; Normative Discretion; Institutional Capacities; Judicial Dissonance.

INTRODUÇÃO

O presente artigo aborda a discussão relativa à formação generalista e especializada do juiz e sua atividade jurisdicional. O escopo não é defender este ou aquele perfil, mas analisar alguns dos problemas que emergem da tensão entre a discricionariedade normativa e as capacidades institucionais. O problema é que, em muitos casos, prerrogativas discricionárias são atribuídas a juízes generalistas para suprir as lacunas normativas – intencionais ou acidentais. Estes, por mais que possam preencher o conteúdo em relação às circunstâncias do caso concreto, encontram-se diante de um impasse relativo à profundidade de seu conhecimento em determinadas matérias. O debate acerca dessa atuação do juiz em particular tem despertado a atenção da teoria constitucional americana. Alguns autores se dedicam à compreensão do problema sob um viés primário, e outros sob o prisma instrumental.1 1 Sob viés primário, considerem-se (OLDFATHER, 2011) e (CHENG, 2008); sob viés instrumental, considerese (SUNSTEIN; VERMEULE, 2002). A questão torna-se relevante por sua pertinência à própria construção de uma jurisprudência. No Brasil, contudo, essa temática tem sido negligenciada no debate doutrinário.

A perspectiva de análise em âmbito doméstico mostra-se distinta, haja vista tradições jurídicas divergentes – Common Law e o Civil Law –, especialmente no trato for mal-nor mativo. A tradição do Common Law é per missiva a uma postura for malista, apesar de esse modelo interpretativo ser frequentemente caracterizado pejorativamente, associado à rigidez e à falta de sofisticação.2 2 "Of all the criticisms leveled against textualism, the most mindless is that it is formalist. The answer to that is, of course it's formalistic! The rule of law is about form [...] A murderer has been caught with blood on his hands, bending over the body of his victim; a neighbour with a video camera has filmed the crime and the murderer has confessed in writing and on videotape. We nonetheless insist that before the state can punish this miscreant, it must conduct a full-dress criminal trial that results in a verdict of guilty. Is that not formalism? Long live formalism! It is what makes us a government of laws and not of men" (SCALIA, 1997, p. 25). Para uma visão próxima do que sustenta o Justice, é possível obser var Frederick Schauer: "I do not argue that formalism is always good or that legal systems ought often or even ever be formalistic. Never theless, I do want to urge a rethinking of the contemporary aversion to formalism [...] My goal is only to rescue formalism from conceptual banishment" (SCHAUER, 2010, p. 32). No mesmo sentido, (ALBERSTEIN, 2009). A preponderância e status de que goza o texto normativo nos países de tradição continental, entretanto, é manifesta. Tal fato repercute diretamente na atividade judicial e molda stricto sensu – enquanto instituição – a própria acepção de juiz e, extensivamente, seus epítetos "generalista" ou "especializado". Não se trata, meramente, da compreensão etimológ ica do termo juiz, mas de seus pressupostos: sobretudo, capacidades institucionais e limites discricionários.

1 AS CAPACIDADES INSTITUCIONAIS: O GENERALISTA E O ESPECIALIZADO

Para fins de familiarização, entenda-se por juiz generalista – e, analogamente, tribunal generalista – aquele a quem não se designa matéria específica; porquanto, supostamente, não dispõe de elevados graus de especialização. O juiz generalista é o que se coloca ante uma corte de jurisdição geral e julga qualquer disputa que surja diante dele (OLDFATHER, 2011). Face à hodierna sociedade crescentemente especializada, essa figura é eventualmente adjetivada como anacrônica (OLDFATHER, 2011). Antagonicamente, juiz especializado e, extensivamente, corte ou tribunal especializado, tem por lide objeto específico e limitado. Por especializar-se em determinado assunto, pressupõemse capacidades institucionais mais amplas e aprimoradas nos juízes especializados quando comparados aos generalistas, no que se refere à fidelidade textual.3 3 "For similar reasons a court staffed by generalist judges might do better, all else equal, by sticking to the apparent or common meaning of texts, by and by eschewing empirically ambitious innovations in statutory policy. A specialized court, by contrast, would often do better with antiformalist interpretive techniques that give free play to the court's superior appreciation of legislative intentions, interest group deals, statutory policies, and social and economic consequences" (SUNSTEIN; VERMEULE, 2002, p. 29).

Nos Estados Unidos da América (EUA), os juízes generalistas são celebrados nas cortes federais, e a sua desejabilidade e importância são frequentemente sustentadas, sendo vasta a doutrina que suporta essa orientação.4 4 Esta vasta doutrina pode ser encontrada na segunda nota de rodapé do texto de (CHENG, 2008, p. 521). Verifique-se, para tanto, a asserção da Juíza Federal Diane Wood, ao qual saudariam muitos juízes federais: "nós precisamos de juízes generalistas mais do que nunca nas cortes federais dos Estados Unidos" (WOOD, 1997) apud (CHENG, 2008, p. 521) – admitindo, por conseguinte, que o sistema federal preservou determinados valores precisamente por ter resistido ao tipo de profissionalização e especialização que outros adotaram. Apesar de se tratar da orientação cultivada majoritariamente nos tribunais americanos, o generalist judge talvez não mereça o epíteto mencionado, a ponto de Cheng descrevêlo como um mito (CHENG, 2008). Óbvio que a adjetivação não passa de recurso retórico, mas fato é que em alguns momentos juízes generalistas comportam-se de maneira mais especializada do que gostariam de admitir (CHENG, 2008). Afinal, juízes federais norte-americanos são compelidos a lidar com uma grande variedade de casos, insertos ou não em sua perícia. Suas opiniões explicitam a prévia argumentação e denunciam o que poderia ser descrito como falácia generalista.5 5 De acordo com Robert Pitofsky, da Comissão Federal do Comércio americana, opiniões dos juízes generalistas comparam-se com muita frequência às opiniões de corpos especializados – como o dele próprio, conforme encontrado em (HOLMES, 2004). A jurisprudência revela, como nota Cheng, que as opiniões de alguns juízes (auto)declarados generalistas afastam-se consideravelmente dos limites que corroborariam objetivamente dita caracterização (CHENG, 2008). A especialização em ordem prática exige uma alteração do discurso teórico, sobretudo quanto aos pressupostos competencionais, isto é, capacidades institucionais e limites discricionários.

Em níveis teóricos, a estrutura judiciária de determinado Estado molda, gratuitamente, o estereótipo do juiz ideal, que não passa de uma utopia mas constitui objetivo infindo e inatingível de precisado tribunal. Isto é, em certa corte especializada, nenhum juiz é dotado de tamanha especialização a ponto de prever adequadamente todos os efeitos dinâmicos decorrentes de sua atividade discricionária, como esclarecem (SUNSTEIN; VERMEULE, 2002).6 6 Não as relacionam diretamente, mas a associação se faz evidente: "If judges update successfully more often than not, and if textualist interpretation causes legislatures to spend most of their time correcting mistaken (because wooden or mechanical) judicial interpretations, then textualism would prove inferior to dynamic interpretation" (SUNSTEIN; VERMEULE, 2002, p. 18). Analogamente, nenhum juiz generalista o é a ponto de envolver em seu círculo competente todo e qualquer caso de maneira unívoca, haja vista os limites periciais de que supostamente dispõe (CHENG, 2008).

A partir da exposição prévia, torna-se silogística a associação do discurso generalista emanado dos juízes federais americanos e a estrutura judicial federal, dominantemente generalista. Note-se que a justiça especializada americana organizou-se tão somente quanto às questões militares. Porquanto, a estrutura jurídica implica naturalmente a celebração de juízes generalistas, uma vez mais "aptos" ao trato de situações disformes. Por outro lado, é plausível a desejabilidade de juiz especializado em cortes, de mesmo modo, especializadas. Tomem-se, por exemplo, ainda em âmbito norte-americano, as cortes estaduais especializadas (1ª Instância), quando a matéria versa sobre família e trânsito, e as cortes especializadas em matéria fiscal na esfera federal. Para que se torne mais clara a prévia exposição, tomemos como exemplo a especialização na medicina. Espera-se, ao se dirigir a uma clínica ortopédica, tratar com um ortopedista que, dotado de elevado grau de especialização, seja capaz de identificar e, eventualmente, curar algum mal. No entanto, quando se tem dúvidas acerca da especialização médica competente, recorre-se a um clínico geral que, apesar de amplos conhecimentos médicos, limitar-seá a mero prognóstico e, geralmente, recomendará um especialista. É incompatível a clínica ortopédica com um clínico geral, sendo válida a recíproca. A análise anterior rodeia a estrutura da justiça americana, aplicando-se apropriadamente e sem óbices à nossa própria, desde que tomados os cuidados advertidos.

2 A FALTA DE CLAREZA NORMATIVA: DA DISCRICIONARIEDADE À DISSONÂNCIA JUDICIAL

A justiça especializada brasileira – Justiça do Trabalho, Eleitoral e Militar – também é convidativa a juízes especializados, ao passo que as Justiças Federal e Estadual – excetuando-se os foros e varas especializadas de 1ª Instância, aos quais se imputa a desejabilidade àqueles – estabelecem fronteiras adequadas à lida generalista. Entendase que o conhecimento das estruturas judiciárias mencionadas é de extrema relevância para o debate, mas não constituem elemento essencial; mormente acessório.

No trato teórico, a associação entre tribunais e juízes não enseja uma falácia. No entanto, em efeitos práticos, o recurso metonímico, isto é, a designação do conteúdo pelo continente, especialmente nas cortes e tribunais generalistas, nem sempre se sustenta. Em outras palavras, o fato de determinada corte apresentar-se como generalista não pressupõe a mesma postura de seus juízes. Retomando o exemplo médico, nada tolhe a possibilidade de um clínico geral especializar-se, formal ou informalmente, em determinada área médica – como a ortopedia, de modo que seus conhecimentos em muito se aproximem ou mesmo superem aqueles de um ortopedista, apesar de conservar o título clínico geral e perseverar nessa área médica. Remonta-se, assim, à construção do mito do juiz generalista elaborada por Cheng. No entanto, não seja desconstruída a terminologia, pois mesmo que fortuitamente se adote postura especializada em demasia, retém-se o atributo geral.

A ideia do juiz generalista é também objeto de Sunstein e Vermeule, no que diz respeito aos efeitos dinâmicos e capacidades institucionais (SUNSTEIN; VERMEULE, 2002). Consoante os autores, juízes generalistas não possuem idoneidade para julgar além dos limites formais, pois carecem de capacidade para prever os efeitos dinâmicos de sua fuga. A possibilidade de fazê-lo é maximizada quando se tem por agentes juízes especializados.7 7 Ver nota n. 3. Mas, se as opiniões dos juízes generalistas comparam-se com muita frequência – como alerta Pitofsky – às opiniões de corpos especializados, concordemos que em determinados momentos não há que se falar de limitação de idoneidade.8 8 A frequência não se mostra de tal maneira desmedida: as análises de Cheng demonstraram que menos de 5% das opiniões externadas por juízes em seu âmbito de estudo apresentaram-se favoráveis à especialização (que, de fato, podem em muito se aproximar daquelas de corpos especializados), ultrapassando por completo, porquanto, os limites que descrevera como no observable specialization (CHENG, 2008, p. 534-540). Assim, suas divisas discricionárias eventualmente são tão amplas ou em muito se aproximam daquelas dos juízes especializados.

Admitamos, no entanto, que um juiz generalista seja, em geral, de fato, menos capaz; isto é, disponha de capacidades institucionais menos aprimoradas ou reduzidas quanto àquelas de juízes especializados.9 9 Tomar como verossímil premissa correspondente não enseja argumento back in the question. É o que se pode concluir dos estudos de Sunstein e Vermeule, bem como de Cheng. Aqueles evidenciam tal postura em se tratando de discrepância competencional (ver nota 3), e este último abre espaço às generalizações, se admitidos juízes generalistas como a regra e juízes especializados, ou posturas especializadas adotadas por generalistas, a exceção. Sua incapacidade é tão extensa quanto maior o grau de subjetividade do texto legal – entenda-se essa discussão prioritariamente em âmbito Continental.10 10 Pode-se afirmar que a relevância atribuída que se atribuiu ao case nos EUA é um fator que reduz o dilema hermenêutico do Law in books e Law in action (POUND, 1910). Isso significa que as capacidades são tão somente mensuradas se o texto promove perguntas como "o que quis dizer o legislador?". Ou, ainda, "qual a forma mais adequada de compreender o significado do texto estatutário?". A zona de penumbra da norma, por exemplo, é campo de labor ao qual não deve se atirar o juiz generalista, pois se conjetura que não o faça com êxito.11 11 Para o conceito de zona de penumbra, (HART, 1994). Observe-se a influência dessa categoria nos trabalhos de Sunstein e Vermeule (2002). Deve, portanto, limitar-se ao significado evidente, seguindo estritamente os eixos formais. Problema é que até mesmo o significado evidente não se faz a todo o momento claro.

Observa-se uma problemática acerca da clareza normativa (entenda-se, por clareza, ausência de lacunas – ou vagueza, incoerência e inadequação), particularmente no Brasil. No Direito nacional há inclusive legislação pertinente às regras de produção normativa.12 12 A produção nor mativa deve ser balizada por alguns parâmetros legais encontrados na Lei Complementar n. 95 de 1998, em par ticular: "Ar t. 11. As disposições nor mativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, obser vadas, para esse propósito, as seguintes nor mas: I - para a obtenção de clareza: a) usar as palavras e as expressões em seu sentido comum, salvo quando a nor ma versar sobre assunto técnico, hipótese em que se empregará a nomenclatura própria da área em que se esteja legislando; b) usar frases cur tas e concisas; c) construir as orações na ordem direta, evitando preciosismo, neologismo e adjetivações dispensáveis; d) buscar a unifor midade do tempo verbal em todo o texto das nor mas legais, dando preferência ao tempo presente ou ao futuro simples do presente; e) usar os recursos de pontuação de for ma judiciosa, evitando os abusos de caráter estilístico; II - para a obtenção de precisão: a) ar ticular a linguagem, técnica ou comum, de modo a ensejar perfeita compreensão do objetivo da lei e a per mitir que seu texto evidencie com clareza o conteúdo e o alcance que o legislador pretende dar à norma; b) expressar a ideia, quando repetida no texto, por meio das mesmas palavras, evitando o emprego de sinonímia com propósito meramente estilístico; c) evitar o emprego de expressão ou palavra que confira duplo sentido ao texto; d) escolher ter mos que tenham o mesmo sentido e significado na maior par te do território nacional, evitando o uso de expressões locais ou regionais; e) usar apenas siglas consagradas pelo uso, obser vado o princípio de que a primeira referência no texto seja acompanhada de explicitação de seu significado; f) grafar por extenso quaisquer referências a números e percentuais, exceto data, número de lei e nos casos em que houver prejuízo para a compreensão do texto; g) indicar expressamente o dispositivo objeto de remissão, em vez de usar as expressões 'anterior', 'seguinte' ou equivalentes; III - para a obtenção de ordem lógica: a) reunir sob as categorias de agregação – subseção, seção, capítulo, título e livro – apenas as disposições relacionadas com o objeto da lei; b) restringir o conteúdo de cada ar tigo da lei a um único assunto ou princípio; c) expressar por meio dos parágrafos os aspectos complementares à nor ma enunciada no caput do ar tigo e as exceções à regra por este estabelecida; d) promover as discriminações e enumerações por meio dos incisos, alíneas e itens" (grifo nosso). Por outro lado, essa discussão pouco interessa aos realistas, para os quais – destaquem-se Oliver Holmes e Karl Llewllyn13 13 Para uma referência de Holmes sobre o tema, (HOLMES, 1881). Para uma referência de Llewlyn, (LLEWLLYN, 1950). – o Direito, enquanto Ciência, consiste em prever a conduta dos tribunais, isto é, as decisões judiciais, de onde se compreende-se que o direito não é mais do que um certo conjunto dessas decisões, ou produto prático do direito – Law in action (POUND, 1910).

Sistemas jurídicos substancialmente distintos exigem conceitos suficientemente próprios. Não há como se compreender o debate generalista norte-americano exatamente sob as mesmas perspectivas. Pode-se observar que, nos EUA, os juízes, em regra generalistas, buscam a partir de interesses e afinidades próprios tornarem-se profundos conhecedores de determinada matéria. Deve-se considerar que o exemplo brasileiro distingue-se da motivação unicamente subjetiva. Notado o problema da falta de clareza, pode-se afirmar que a precariedade textual-normativa é fator que contribui significativamente para a especialização dos juízes. Veja-se que o problemamor não é o estrito formalismo, mas a sua esquiva quanto ao estabelecimento de limites interpretativos; trata-se do tênue limite entre construção e reconstrução de significados, visto que "interpretar é construir a partir de algo (os textos normativos), por isso significa reconstruir".14 14 "Daí dizer que interpretar é construir a partir de algo, por isso significa reconstruir: a uma, porque utiliza como ponto de partida os textos normativos, que oferecem limites à construção de sentidos; a duas, porque manipula a linguagem, à qual são incorporados núcleos de sentido [...] A conclusão trivial é a de que o Poder Judiciário e a Ciência do Direito constroem significados, mas enfrentam limites cuja desconsideração cria um descompasso entre a previsão constitucional e o direito constitucional concretizado. Compreender "provisória" como permanente, "trinta dias" como mais de trinta dias [...] não é concretizar o texto constitucional" (ÁVILA, 2005, p. 25). De onde conclui-se que o juiz generalista tem maior propensão a cometer falhas quanto aos limites adequados à reconstrução. Capacidade institucional [re-construtiva] que se percebe apossada, ou ao menos em maior intensidade, nos juízes especializados. Pode-se associar, dessa forma, o conhecimento das fronteiras reconstrutivas à percepção dos efeitos dinâmicos.

De qualquer forma, o nível de especialização dos juízes deve ser mantido como variável secundária. O debate generalista é insuficiente para por si só compreender o arcabouço jurisprudencial brasileiro e o que dele se extraia. A discussão textualinterpretativa demanda espaço, pois ao contrário dos americanos não estamos confortáveis quanto à questão hermenêutica; adversariamente, não seria tamanha a dissonância judicial.15 15 É necessário que se adicione aos critérios motivadores de dissonância de Posner (diferenças ideológicas e tribunal do qual é integrante o juiz) o elemento "clareza normativa", para que se faça sua discussão compatível com a nossa. O produto dos Tribunais não pode ser entendido se abandonados os eixos formais e tomados como protagonistas os juízes. Em uma cultura jurídica que atribui pouca relevância aos precedentes, seja feito claro o texto, pois ele é primordial; o grau de especialização é acessório, sabendo-se que os operadores do direito são, ou ao menos deveriam ser, ordinariamente instrumentais (eufemismo para coadjuvante).16 16 Os precedentes não têm caráter vinculativo (salvo pelas súmulas vinculantes). Note-se que a supremacia do texto não enseja a mecanização do direito, até porque é incapaz disso. A submissão ao texto significa obedecer aos limites aceitáveis à reconstrução; não se trata meramente de transformar-se em um operador de equações silogísticas óbvias.17 17 "Não há dúvida de que os tribunais formulam suas decisões de modo a dar impressão de que estas são a consequência necessária de normas predeterminadas cujo significado é fixo e claro. Em casos muito simples isto pode ser verdadeiro; mas, na vasta maioria dos casos que transtornam os tribunais nem a legislação nem os precedentes nos quais as normas estão supostamente contidas permitem um resultado único" (HART, 2009, p. 15).

É mister a compreensão de que "clareza" distancia-se de "tipificação". Tome-se como exemplo o Código Penal Brasileiro, de excessiva tipificação porém incapaz de estabelecer limites adequados à compreensão de determinado fattispecie por Tentativa de Homicídio ou Lesão Corporal Grave, por exemplo.18 18 Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei n. 2.848 de 1940). Para compreender o conflito mencionado anteriormente, deve-se conferir, em particular, art. 121 c/c art. 14 com art. 129, caput, §§ 1º, 2º e 3º. A dissonância jurisprudencial para a prévia classificação tem por variável primária a falta de clareza de normativa e, secundariamente, o grau de especialização dos juízes. Possivelmente, um juiz alocado em determinada Vara de Família, especialista em conflitos domésticos, compreenderia com maior perícia certo litígio no qual o marido agride a esposa, e a mesma capacidade institucional seria despercebida por outro recém-admitido. O ônus da problemática institucional desloca-se, do discurso generalista irradiado singularmente na propr iedade e interesses subjetivos dos juízes, no qual as capacidades institucionais têm por única variável o grau de especialização, para a problemática formal-textualista, que tem por variável primária a clareza normativa.19 19 A nocividade textualista, a propósito, impeliu a corrente realista americana que, introduzida por Holmes, sustentara ceticismo quanto às regras ( rule skepticism) e indeterminação da Lei ( indeterminacy of Law). Logo, a destreza dos operadores deve ser tomada tão somente como fator agravante (um texto pode parecer menos claro para um intérprete especializado que para um generalista), visto que a graduação permite-se unicamente à sombra da esquiva normativa (os gaps textuais). Dessa forma, no âmbito brasileiro, são preferíveis normas claras a juízes especialistas, até porque a clareza normativa é suficiente para suprimir barreiras competenciais inevitavelmente erguidas entre juízes especializados e generalistas. Não se defende a preeminência de juízes especialistas frente a generalistas, mesmo porque estes podem dispor de considerável especialização em determinadas matérias – além, é claro, de dispor de desejabilidade em determinados tribunais. Afirma-se, no entanto, que inclusive em casos mais complexos, nos quais elevado grau de especialização mostrar-se-ia convidativo, textos claros são invariavelmente a melhor opção.

É possível associar as variáveis anteriormente citadas tanto graficamente quanto por meio de formulações:

Isto é, a discrepância competencional entre juízes generalistas e especializados é inversamente proporcional à amplitude da clareza normativa. Em se tratando de normas com alto nível de clareza, não há que se falar em capacidades institucionais e, como anteriormente identificado, de dissonâncias decisionais. Por outro lado, normas dotadas de obscuridade ensejam mensuração de capacidades institucionais e pressupõem altos níveis de dissonância.

A arguição que possivelmente constrói-se a partir do exposto, especialmente quanto à submissão ao texto, é que essa mecânica funcional do Direito aparentemente pressuponha "super-legisladores", isto é, incapazes de cometer falhas ou equívocos e suficientemente competentes para idealizar toda e qualquer situação-tipo, de modo que a norma pertinente aplique-se sem prejuízos. Antes de refutar essa ideia, note-se que "super-legisladores" não são menos utópicos do que "super-juízes". Não se sustenta a exigência do heroísmo na aplicação do Direito – tríade divina: onipotência, onisciência e ubiquidade. Não sejamos metafísicos: pressupor elevados níveis de especialização dos juízes, de forma que operem como remédio às lacunas normativas, é insustentável. Por um lado, é inegável que pressupostos funcionais dos juízes não se limitam a operações silogísticas.20 20 "(...) porque ocorre de os tribunais (ou cer tos tipos de tribunais) terem de resolver casos abstratos, isto é, suas decisões podem não consistir simplesmente em condenar X a pagar uma cer ta quantidade de dinheiro ou em absolver Y de um deter minado delito, mas também em declarar que uma deter minada lei é inconstitucional, que um regulamento é ilegal ou que uma deter minada nor ma deve ser interpretada num deter minado sentido" (ATIENZA, 2003, p. 19). Por outro lado, não parece adequada uma (re)criação do direito a cada nova decisão proferida.21 21 Difere-se criação da reconstrução, pois enquanto esta tem por ponto de partida o texto normativo, aquela é totalmente inovadora. Não se trata de reconstruir um direito dado, mas, de fato, de dar o direito. Esta preocupação é partilhada por Dworkin, nas situações de vagueza ou indeterminação normativa, e contrariada por Hart, que atribui poder legiferante ao juiz, nas mesmas circunstâncias, como se pode aferir na seguinte passagem: "Herbert thinks that when the positive rules of Law are vague or indeterminate, the litigants have no institutional right at all, so that any decision he might reach is a piece of fresh legislation" (DWORKIN, 1977, p. 129). É possível obser var, ainda, que "[a] principal preocupação de Dworkin é afastar a possibilidade da edição, por parte do juiz, de leis novas, ex post facto, desconsiderando, desse modo, direitos individuais pré-existentes" (IKAWA, 2004, p. 100). Interpretações inovadoras devem ser de caráter excepcional, e o afastamento da incidência legal não deve ser tomado como prática ordinária.

3 A SUPERAÇÃO DO BINÔMIO DISCRICIONARIEDADE-DISSONÂNCIA

A discussão interpretativa, associada às competências institucionais dos juízes, é, a propósito, objeto de discussão entre Dworkin e Hart, preponderantemente no trato da discricionariedade, cujas acepções e existência, em sentidos forte ou fraco, constituem epicentro conflituoso.22 22 "Hart and Dworkin did disagree about whether judges have strong discretion in hard cases (...). Hart held that judges must sometimes exercise strong discretion because he takes the law to consist in those standards socially designated as authoritative. Dworkin, on the other hand, believes that judges do not have strong discretion precisely because he denies the centrality of social guidance to determining the existence or content of legal rules" (SHAPIRO, 2007, p. 17). Mas não se faz relevante a divergência, interessando-nos aquilo no que convergem os autores. Ambos, Dworkin e Har t, concordam que – ressalvadas as distinções conceituais – ausentes elementos normativos de vinculação (lacunas), a discricionariedade se enrobustece (SHAPIRO, 2007; IKAWA, 2004). Dworkin, por um lado, nega a possibilidade de discricionariedade em sentido forte, isto é, a que se estabelece nas situações lacunosas e implica, para Hart, na criação de um novo direito pelos juízes. Dworkin defende que, mesmo nos casos carentes de disposição normativa (Hard Cases), remanesce a cargo do juiz descobrir quais os direitos das partes. No entanto, assume também que juízes razoáveis irão normalmente discordar quanto àqueles direitos. Se há tamanha dissonância, há que se admitir que gozam os juízes de maior discricionariedade no trato dos Hard Cases. O que ocorre é a adoção de Dworkin de uma acepção distinta para o termo discrição.23 23 "I shall argue that even when no settled rule disposes on the case, one party may nevertheless, have a right to win. It remains the judge's duty, even in hard cases, to discover what the rights of the parties are, not to invent new rights retrospectively. I should say at once, however, that it is no part of this theory that any mechanical procedure exists for demonstrating what the rights of the parties are in hard cases. On the contrary, the argument supposes that reasonable lawyers and judges will often disagree about political rights" (DWORKIN, 1977, p. 81). Hart, por outro lado, refere-se à discrição em sentido forte, praticada quando indeterminada ou incompleta a lei,24 24 "The sharpest direct conflict between the legal theory of this book and Dworkin's theory arises from my contention that in any legal system there will always be cer tain legally unregulated cases in which on some point no decision either way is dictated by the law and the law is accordingly par tly indeter minate or incomplete. If in such cases the judge is to reach a decision and is not, as Bentham once advocated, to disclaim jurisdiction or to refer the points not regulated by the existing law to the legislature to decide, he must exercise his discretion and make law for the case instead of merely applying already pre-existing settled law. So in such legally unprovided-for or unregulated cases the judge both makes new law and applies the established law which both confers and constrains his law-making powers" (HART, 1994, p. 272). corroborando a ideia de que menores níveis de clareza ensejam maior força discricionária. Carecem, contudo, a teoria construtivista de Dworkin e a teoria positivista de Hart de individualização dos magistrados, tomados como instituição genérica e equânime, o que, com efeito, não se verifica. Portanto, a discricionariedade, que consiste para Dworkin em "discover what the rights of the parties are", ou, para Hart, em "make new law and apply the established law which both confers and constrains his [the judge's] law-making powers", obtém maior sucesso tanto maior o grau de especialização daquele que chamamos juiz discreto. Este, por sua vez, pode se tratar de um juiz especializado na matéria obscura ou de um juiz generalista dotado de alguma especialização.

Quando analisadas as capacidades institucionais do Legislativo brasileiro em particular, o desempenho dessa função é alvo de severas críticas. Apesar de uma cultura jurídica formalista, como a nossa própria, espontaneamente incentivar um Legislativo judicioso, sabedor do prestígio da norma e, portanto, do ônus consubstanciado, não é exatamente o que se tem verificado. Considera-se um indício da falta de clareza na produção normativa nacional o grande número de súmulas nos tribunais e enunciados das turmas de uniformização de jurisprudência. O que se verifica, afinal, é um judiciário legislador, que na busca pela padronização do entendimento – ou interpretação – normativo, lança mão da súmula, "uma síntese de todos os casos, parecidos, decididos da mesma maneira, colocada por meio de uma proposição direta e clara. A súmula não possui caráter cogente, servindo apenas de orientação para futuras decisões",25 25 Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/glossario/>. Acesso em: 23 nov. 2011. com exceção é claro, da súmula vinculante, "mecanismo que impede juízes de instâncias inferiores de decidir de maneira diferente do Supremo Tribunal Federal nas questões nas quais este já tenha firmado entendimento definitivo".26 26 Disponível em: < http://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/84545.html>. Acesso em: 23 nov. 2011.

O que se objetiva, na verdade, é identificar que os Tribunais Superiores têm buscado a uniformização das decisões, o que se mostra necessário precisamente pela dissonância jurisprudencial, resultado de normas insuficientemente claras e juízes dotados de diferentes patamares de especialização. Apesar de alvo de críticas, a súmula vinculante mostra-se uma interessante opção. É questionada, sobretudo, pelo "encolhimento" dos limites interpretativos dos juízes de instâncias inferiores; mas note-se que essa permissividade interpretativa é responsável pelo próprio dissenso. Ao que parece, não é sensato pressupor que juízes sejam minimamente razoáveis – razoabilidade que se relaciona intimamente às capacidades institucionais e, da mesma forma, à especialização. Não haveria de se objetivar a concessão de amplos limites discricionários, ou seja, "mínimo normativo", contanto que todo e qualquer tribunal especializado dispusesse de juízes da mesma forma especializados e que também todo e qualquer tribunal generalista, em regra tribunais superiores, dispusessem de juízes da mesma forma generalistas, eventualmente dotados de certo grau de especialização. Mas é evidente que se trata de uma estrutura mitificada. Em suma, é preferível a limitação dos limites discricionários pelo cabresto normativo à insegurança jurídica.

A positivação jurisprudencial vinculativa mostra-se coerente com sistemas jurídicos de tradição Continental, que têm por corolário o formalismo positivista. Por outro lado, aparenta não se adequar apropriadamente a países da tradição do Common Law, até porque nesse âmbito jurídico precedentes naturalmente detêm força vinculativa, e o estrito formalismo não é ainda, de forma geral, tão bem-vindo. Todavia, não é o que se verifica (parcialmente) com a criação de órgãos como os Conselhos de Sentença. Tome-se, como exemplo, o Conselho de Sentença para Inglaterra e País de Gales, produto de empreendimento do Judiciário do Reino Unido, que assegurando independência dos poderes, propõe-se produzir guidelines. Até o ano de 2013, as guidelines, limitadas a vinte e cinco, todas de caráter penal, buscaram unificar as decisões e mitigar dissonância jurisprudencial.27 27 "The Sentencing Council for England and Wales promotes greater consistency in sentencing, whilst maintaining the independence of the judiciary. The Council produces guidelines on sentencing for the judiciary and aims to increase public understanding of sentencing. Sentencing guidelines provide a structured approach to determining the appropriate sentence while still allowing for judicial discretion. This allows judges and magistrates in different courts to be consistent in their approach to sentencing and allows for greater transparency in the sentencing decision". Disponível em: < http://sentencingcouncil.judiciary.gov.uk>. Acesso em: 26 nov. 2011. Para tanto, apresentaram-se com disposições prolixas e detalhadas acerca das "entranhas" normativas.28 28 O fattispecie tomado como exemplo ( Causing death by dangerous driving) está previsto no Road Traffic Act de 1988, Section 1, e é considerado ofensa séria pelos propósitos da Criminal Justice Act de 2003, Section 224. Entre os aspectos abordados, podem-se elencar os fatores agravantes (additional agravation factors),29 29 São fatores agravantes adicionais para o crime Causing death by dangerous driving: "1. Previous convictions for motoring offenses, particularly offenses that involve bad driving or consumption of excessive alcohol or drugs before driving; 2. More than one person killed as a result of the offense; 3. Serious injury to one or more victims, in addition to the death(s); 4. Disregard of warnings; 5. Other offenses committed at the same time, such as driving other than in accordance with the terms of a valid license; driving while disqualified; driving without insurance; taking a vehicle without consent; driving a stolen vehicle; 6. The offender's irresponsible behaviour such as failing to stop, falsely claiming that one of the victims was responsible for the collision, or trying to throw the victim off the car by swerving in order to escape; 7. Driving off in an attempt to avoid detection or apprehension" (UNITED KINGDOM, 2008, p. 11). os fatores atenuantes (additional mitigating factors),30 30 São fatores mitigadores adicionais para o crime Causing death by dangerous driving: "1. Alcohol or drugs consumed unwittingly; 2. Offender was serious injured in the collision; 3. The victim was a close friend or relative; 4. Actions of the victim or a third party contributed significantly to the likelihood of a collision; 5. The offender's lack of driving experience contributed to the commission of the offense; 6. The driving was in response to a proven and genuine emergency falling short of a defense" (UNITED KINGDOM, 2008, p. 11). conceituação de verbetes e orações empregados31 e as orientações de imputação penal (sentencing range).32

Curioso é o fato de que até mesmo a tradição de Common Law mostrou-se receptiva a instrumentos orientadores de sentença, ao passo que súmulas vinculantes são alvo de crítica no Brasil. De fato, apesar de compartilharem dos mesmos objetivos, as súmulas vinculantes e as guidelines não são igualmente estruturados. Aquelas mostram-se explicitamente impositivas e inibem flexibilização, além de serem demasiadamente limitadas; estas últimas abarcam amplamente determinado dispositivo, e criam expectativas normativas claras que uma única súmula vinculante é incapaz de provocar. O contexto e a tradição jurídica brasileira mostram-se, dessarte, extremamente receptivos a um Conselho de Sentença, e apresentariam, haja vista a tradição jurídica nacional, efeitos positivos que não se podem alcançar no âmbito do Common Law. A interpretação que se sustenta em guidelines, se já não clara a norma, enaltece fronteiras competencionais entre generalistas e juízes especializados, e pressupõe, porquanto, uniformidade jurisprudencial e expectativas judiciais presumíveis.

O sistema jurídico não anseia por "super-juízes" (apesar de serem eficazes). Deseja, em verdade, um ordenamento claro o suficiente para que a devida aplicação da lei os dispense. A partir do momento em que um generalista e um especialista equanimente decidam, não há mais que se utilizar desses epítetos.

CONCLUSÃO

A prática judicial apresenta uma tensão marcante entre a discricionariedade normativa e as capacidades institucionais do Judiciário. É possível envolver na discussão as figuras do juiz generalista e do juiz especializado. Nos EUA, há uma grande preponderância das cortes generalistas, porém é necessário observar que o epíteto "generalista" deve ser tomado com maior cautela: os juízes, por razões subjetivas de interesse ou afinidade própria, podem tornar-se especialistas em determinadas matérias, desconstruindo o caráter daqueles (auto)intitulados generalistas.

A especialização integra a tensão mencionada quando observado que a discricionariedade pode derivar, em grande frequência, da falta de clareza do texto legal. Deve-se considerar que a mesma é um fator que agrava a aplicação textual-normativa, podendo ser admitida como pressuposto de aprimoramento e ampliação das capacidades institucionais dos juízos. Quando observado que o quadro brasileiro em particular depara-se com uma produção normativa que pouco atende a regras técnicas de confecção, é possível considerar que a especialização deriva primariamente da necessidade de suprir a ausência de clareza e, secundariamente, da propriedade e interesses subjetivos.

A falta de clareza normativa não deve ser vista somente como um fator que, no Brasil, contribui para – ou força – a especialização dos juízes. Mas também, seja pelo entendimento de que há uma recriação do direito ou de que há uma discricionariedade em sentido forte, é pressuposto da ampliação dos limites discricionários do juiz. Tal prerrogativa permite que se encontrem, ao longo dos tribunais, decisões de situações bem próximas em sentidos bem díspares. A conclusão que se pode extrair é que a falta de clareza normativa não somente compele os juízes a se especializarem mas, ainda, contribui significativamente para a dissonância jurisprudencial.

Observa-se, também, que os resultados negativos desse problema de clareza normativa são enfrentados por meio de mecanismos de uniformização jurisprudencial. No Brasil, onde a situação parece ser mais crítica, proliferam-se as súmulas, os enunciados e as súmulas vinculantes. Sendo estas últimas de caráter vinculante, são alvo de duras críticas, sustentada sua ameaça à independência da atuação dos juízes. Na Inglaterra, onde a questão hermenêutica de definir a possibilidade de excepcionais inaplicações da lei é marcante, surge uma alternativa no campo judicial que representa a imposição de limites discricionários ao poder, que aparentam favorecer a consonância jurisprudencial. A formulação de guidelines pelo Conselho de Sentença para a Inglaterra e País de Gales (hodiernamente adotado por outros países da tradição da common law, e.g. Estado Unidos) apresenta-se como um mecanismo de controle do poder discricionário dos juízes benéfico à própria segurança jurídica. Essa atuação do Judiciário na construção normativa que tende a crescer perante os problemas da falta de clareza textual-normativa em garantia do valor da legalidade compartilha do conceito de Rule of Courts.

NOTAS

Carlos Alberto Pereira das Neves Bolonha

R. Dias Ferreira, n. 25, ap. 401

Leblon – 22431–050

Rio de Janeiro – RJ – Brasil

bolonhacarlos@gmail.com

Henrique Rangel da Cunha

R. Adriano, n. 66, ap. 40

Todos os Santos –20735–060

Rio de Janeiro – RJ – Brasil

henriquerangelc@gmail.com

Recebido em 29/11/2011

Artigo aprovado (02/12/2013)

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  • *
    Este artigo foi elaborado no âmbito do Grupo de Pesquisa Teoria da Constituição e Teoria das Instituições (GPTCTI) da UFRJ e recebe o apoio financeiro da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro no âmbito do Edital n. 9 de 2011, com o projeto intitulado
    Teoria das Instituições: "Comunidade de Instituições" como uma proposta de modelo institucional em suas atividades e capacidades deliberativas na ordem institucional de direito (Processo n. E-26/111.832/2011).
  • 1
    Sob viés primário, considerem-se (OLDFATHER, 2011) e (CHENG, 2008); sob viés instrumental, considerese (SUNSTEIN; VERMEULE, 2002).
  • 2
    "Of all the criticisms leveled against textualism, the most mindless is that it is formalist. The answer to that is,
    of course it's formalistic! The rule of law is
    about form [...] A murderer has been caught with blood on his hands, bending over the body of his victim; a neighbour with a video camera has filmed the crime and the murderer has confessed in writing and on videotape. We nonetheless insist that before the state can punish this miscreant, it must conduct a full-dress criminal trial that results in a verdict of guilty. Is that not formalism? Long live formalism! It is what makes us a government of laws and not of men" (SCALIA, 1997, p. 25). Para uma visão próxima do que sustenta o
    Justice, é possível obser var Frederick Schauer: "I do not argue that formalism is always good or that legal systems ought often or even ever be formalistic. Never theless, I do want to urge a rethinking of the contemporary aversion to formalism [...] My goal is only to rescue formalism from conceptual banishment" (SCHAUER, 2010, p. 32). No mesmo sentido, (ALBERSTEIN, 2009).
  • 3
    "For similar reasons a court staffed by generalist judges might do better, all else equal, by sticking to the apparent or common meaning of texts, by and by eschewing empirically ambitious innovations in statutory policy. A specialized court, by contrast, would often do better with antiformalist interpretive techniques that give free play to the court's superior appreciation of legislative intentions, interest group deals, statutory policies, and social and economic consequences" (SUNSTEIN; VERMEULE, 2002, p. 29).
  • 4
    Esta vasta doutrina pode ser encontrada na segunda nota de rodapé do texto de (CHENG, 2008, p. 521).
  • 5
    De acordo com Robert Pitofsky, da Comissão Federal do Comércio americana, opiniões dos juízes generalistas comparam-se com muita frequência às opiniões de corpos especializados – como o dele próprio, conforme encontrado em (HOLMES, 2004).
  • 6
    Não as relacionam diretamente, mas a associação se faz evidente: "If judges update successfully more often than not, and if textualist interpretation causes legislatures to spend most of their time correcting mistaken (because wooden or mechanical) judicial interpretations, then textualism would prove inferior to dynamic interpretation" (SUNSTEIN; VERMEULE, 2002, p. 18).
  • 7
    Ver nota n. 3.
  • 8
    A frequência não se mostra de tal maneira desmedida: as análises de Cheng demonstraram que menos de 5% das opiniões externadas por juízes em seu âmbito de estudo apresentaram-se favoráveis à especialização (que, de fato, podem em muito se aproximar daquelas de corpos especializados), ultrapassando por completo, porquanto, os limites que descrevera como no
    observable specialization (CHENG, 2008, p. 534-540).
  • 9
    Tomar como verossímil premissa correspondente não enseja argumento
    back in the question. É o que se pode concluir dos estudos de Sunstein e Vermeule, bem como de Cheng. Aqueles evidenciam tal postura em se tratando de discrepância competencional (ver nota 3), e este último abre espaço às generalizações, se admitidos juízes generalistas como a regra e juízes especializados, ou posturas especializadas adotadas por generalistas, a exceção.
  • 10
    Pode-se afirmar que a relevância atribuída que se atribuiu ao case nos EUA é um fator que reduz o dilema hermenêutico do
    Law in books e
    Law in action (POUND, 1910).
  • 11
    Para o conceito de
    zona de penumbra, (HART, 1994). Observe-se a influência dessa categoria nos trabalhos de Sunstein e Vermeule (2002).
  • 12
    A produção nor mativa deve ser balizada por alguns parâmetros legais encontrados na Lei Complementar n. 95 de 1998, em par ticular: "Ar t. 11. As disposições nor mativas serão redigidas com
    clareza,
    precisão e
    ordem lógica, obser vadas, para esse propósito, as seguintes nor mas:
    I - para a obtenção de clareza: a) usar as palavras e as expressões em seu sentido comum, salvo quando a nor ma versar sobre assunto técnico, hipótese em que se empregará a nomenclatura própria da área em que se esteja legislando; b) usar frases cur tas e concisas; c) construir as orações na ordem direta, evitando preciosismo, neologismo e adjetivações dispensáveis; d) buscar a unifor midade do tempo verbal em todo o texto das nor mas legais, dando preferência ao tempo presente ou ao futuro simples do presente; e) usar os recursos de pontuação de for ma judiciosa, evitando os abusos de caráter estilístico;
    II - para a obtenção de precisão: a) ar ticular a linguagem, técnica ou comum, de modo a ensejar perfeita compreensão do objetivo da lei e a per mitir que seu texto evidencie com clareza o conteúdo e o alcance que o legislador pretende dar à norma; b) expressar a ideia, quando repetida no texto, por meio das mesmas palavras, evitando o emprego de sinonímia com propósito meramente estilístico; c) evitar o emprego de expressão ou palavra que confira duplo sentido ao texto; d) escolher ter mos que tenham o mesmo sentido e significado na maior par te do território nacional, evitando o uso de expressões locais ou regionais; e) usar apenas siglas consagradas pelo uso, obser vado o princípio de que a primeira referência no texto seja acompanhada de explicitação de seu significado; f) grafar por extenso quaisquer referências a números e percentuais, exceto data, número de lei e nos casos em que houver prejuízo para a compreensão do texto; g) indicar expressamente o dispositivo objeto de remissão, em vez de usar as expressões 'anterior', 'seguinte' ou equivalentes;
    III - para a obtenção de ordem lógica: a) reunir sob as categorias de agregação – subseção, seção, capítulo, título e livro – apenas as disposições relacionadas com o objeto da lei; b) restringir o conteúdo de cada ar tigo da lei a um único assunto ou princípio; c) expressar por meio dos parágrafos os aspectos complementares à nor ma enunciada no caput do ar tigo e as exceções à regra por este estabelecida; d) promover as discriminações e enumerações por meio dos incisos, alíneas e itens" (grifo nosso).
  • 13
    Para uma referência de Holmes sobre o tema, (HOLMES, 1881). Para uma referência de Llewlyn, (LLEWLLYN, 1950).
  • 14
    "Daí dizer que interpretar é construir a partir de algo, por isso significa reconstruir: a uma, porque utiliza como ponto de partida os textos normativos, que oferecem limites à construção de sentidos; a duas, porque manipula a linguagem, à qual são incorporados núcleos de sentido [...] A conclusão trivial é a de que o Poder Judiciário e a Ciência do Direito constroem significados, mas enfrentam limites cuja desconsideração cria um descompasso entre a previsão constitucional e o direito constitucional concretizado. Compreender "provisória" como
    permanente, "trinta dias" como
    mais de trinta dias [...] não é concretizar o texto constitucional" (ÁVILA, 2005, p. 25).
  • 15
    É necessário que se adicione aos critérios motivadores de dissonância de Posner (diferenças ideológicas e tribunal do qual é integrante o juiz) o elemento "clareza normativa", para que se faça sua discussão compatível com a nossa.
  • 16
    Os precedentes não têm caráter vinculativo (salvo pelas súmulas vinculantes).
  • 17
    "Não há dúvida de que os tribunais formulam suas decisões de modo a dar impressão de que estas são a consequência necessária de normas predeterminadas cujo significado é fixo e claro. Em casos muito simples isto pode ser verdadeiro; mas, na vasta maioria dos casos que transtornam os tribunais nem a legislação nem os precedentes nos quais as normas estão supostamente contidas permitem um resultado único" (HART, 2009, p. 15).
  • 18
    Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei n. 2.848 de 1940). Para compreender o conflito mencionado anteriormente, deve-se conferir, em particular, art. 121 c/c art. 14 com art. 129, caput, §§ 1º, 2º e 3º.
  • 19
    A nocividade textualista, a propósito, impeliu a corrente realista americana que, introduzida por Holmes, sustentara ceticismo quanto às regras (
    rule skepticism) e indeterminação da Lei (
    indeterminacy of Law).
  • 20
    "(...) porque ocorre de os tribunais (ou cer tos tipos de tribunais) terem de resolver casos abstratos, isto é, suas decisões podem não consistir simplesmente em condenar X a pagar uma cer ta quantidade de dinheiro ou em absolver Y de um deter minado delito, mas também em declarar que uma deter minada lei é inconstitucional, que um regulamento é ilegal ou que uma deter minada nor ma deve ser interpretada num deter minado sentido" (ATIENZA, 2003, p. 19).
  • 21
    Difere-se
    criação da reconstrução, pois enquanto esta tem por ponto de partida o texto normativo, aquela é totalmente inovadora. Não se trata de reconstruir um direito dado, mas, de fato, de dar o direito. Esta preocupação é partilhada por Dworkin, nas situações de vagueza ou indeterminação normativa, e contrariada por Hart, que atribui poder legiferante ao juiz, nas mesmas circunstâncias, como se pode aferir na seguinte passagem: "Herbert thinks that when the positive rules of Law are vague or indeterminate, the litigants have no institutional right at all, so that any decision he might reach is a piece of fresh legislation" (DWORKIN, 1977, p. 129). É possível obser var, ainda, que "[a] principal preocupação de Dworkin é afastar a possibilidade da edição, por parte do juiz, de leis novas,
    ex post facto, desconsiderando, desse modo, direitos individuais pré-existentes" (IKAWA, 2004, p. 100).
  • 22
    "Hart and Dworkin did disagree about whether judges have strong discretion in hard cases (...). Hart held that judges must sometimes exercise strong discretion because he takes the law to consist in those standards socially designated as authoritative. Dworkin, on the other hand, believes that judges do not have strong discretion precisely because he denies the centrality of social guidance to determining the existence or content of legal rules" (SHAPIRO, 2007, p. 17).
  • 23
    "I shall argue that even when no settled rule disposes on the case, one party may nevertheless, have a right to win. It remains the judge's duty, even in hard cases, to discover what the rights of the parties are, not to invent new rights retrospectively. I should say at once, however, that it is no part of this theory that any mechanical procedure exists for demonstrating what the rights of the parties are in hard cases. On the contrary, the argument supposes that reasonable lawyers and judges will often disagree about political rights" (DWORKIN, 1977, p. 81).
  • 24
    "The sharpest direct conflict between the legal theory of this book and Dworkin's theory arises from my contention that in any legal system there will always be cer tain legally unregulated cases in which on some point no decision either way is dictated by the law and the law is accordingly par tly indeter minate or incomplete. If in such cases the judge is to reach a decision and is not, as Bentham once advocated, to disclaim jurisdiction or to refer the points not regulated by the existing law to the legislature to decide, he must exercise his
    discretion and
    make law for the case instead of merely applying already pre-existing settled law. So in such legally unprovided-for or unregulated cases the judge both makes new law and applies the established law which both confers and constrains his law-making powers" (HART, 1994, p. 272).
  • 25
    Disponível em: <
    http://www.stf.jus.br/portal/glossario/>. Acesso em: 23 nov. 2011.
  • 26
    Disponível em: <
  • 27
    "The Sentencing Council for England and Wales promotes greater consistency in sentencing, whilst maintaining the independence of the judiciary. The Council produces guidelines on sentencing for the judiciary and aims to increase public understanding of sentencing. Sentencing guidelines provide a structured approach to determining the appropriate sentence while still allowing for judicial discretion. This allows judges and magistrates in different courts to be consistent in their approach to sentencing and allows for greater transparency in the sentencing decision". Disponível em: <
    http://sentencingcouncil.judiciary.gov.uk>. Acesso em: 26 nov. 2011.
  • 28
    O
    fattispecie tomado como exemplo (
    Causing death by dangerous driving) está previsto no
    Road Traffic Act de 1988, Section 1, e é considerado ofensa séria pelos propósitos da
    Criminal Justice Act de 2003, Section 224.
  • 29
    São fatores agravantes adicionais para o crime
    Causing death by dangerous driving: "1. Previous convictions for motoring offenses, particularly offenses that involve bad driving or consumption of excessive alcohol or drugs before driving; 2. More than one person killed as a result of the offense; 3. Serious injury to one or more victims, in addition to the death(s); 4. Disregard of warnings; 5. Other offenses committed at the same time, such as driving other than in accordance with the terms of a valid license; driving while disqualified; driving without insurance; taking a vehicle without consent; driving a stolen vehicle; 6. The offender's irresponsible behaviour such as failing to stop, falsely claiming that one of the victims was responsible for the collision, or trying to throw the victim off the car by swerving in order to escape; 7. Driving off in an attempt to avoid detection or apprehension" (UNITED KINGDOM, 2008, p. 11).
  • 30
    São fatores mitigadores adicionais para o crime
    Causing death by dangerous driving: "1. Alcohol or drugs consumed unwittingly; 2. Offender was serious injured in the collision; 3. The victim was a close friend or relative; 4. Actions of the victim or a third party contributed significantly to the likelihood of a collision; 5. The offender's lack of driving experience contributed to the commission of the offense; 6. The driving was in response to a proven and genuine emergency falling short of a defense" (UNITED KINGDOM, 2008, p. 11).
  • effect of alcohol or drugs

    31 Veja-se, por exemplo, o que deve ser entendido por : "(a) consumption of alcohol above the legal limit; (b) consumption of alcohol at or below the legal limit where this impaired the offender's ability to drive; (c) failure to supply a specimen for analysis; (d) consumption of illegal drugs, where this impaired the offender's ability to drive; (e) consumption of legal drugs or medication where this impaired the offender's ability to drive (including legal medication known to cause drowsiness) where the driver knew, or should have known, about the likelihood of impairment" (UNITED KINGDOM, 2008, p. 3).
  • sentencing range

    32 O para o crime de
    Causing death by dangerous driving é o que segue: "7 – 14 anos de prisão para natureza de ofensa Nível 1: "The most serious offenses encompassing driving that involved a deliberate decision to ignore (or a flagrant disregard for) the rules of the road and a apparent disregard for the greater danger being caused by others"; 4-7 anos de prisão para natureza de ofensa Nível 2: "Driving that created a substantial risk or danger"; e 2-5 anos de prisão para natureza de ofensa Nível 3: "Driving that created a substantial risk or danger [Where the driving is markedly less culpable than for this level, reference should be made to the star ting point and range for the most serious level of causing death by careless driving]" (UNITED KINGDOM, 2008, p. 11).
  • Endereço para correspondência:
    Igor de Lazari Barbosa Carneiro
    R. Senador Vergueiro, n. 203, ap. 1.111
    Flamengo – 22230–000
    Rio de Janeiro – RJ – Brasil
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Abr 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      29 Nov 2011
    • Aceito
      02 Dez 2013
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