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Recomendações para uso de opioides no Brasil: Parte IV. Efeitos adversos de opioides* * Recebido da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor, São Paulo, SP, Brasil.

Resumos

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

O emprego adequado de opioides em curto e em longo prazo, assim como o diagnóstico, o tratamento dos efeitos adversos, o abuso e a dependência química desses agentes continuam sendo um campo de investigação de vários pesquisadores. O objetivo deste estudo foi discutir as ações para a monitoração, diagnóstico e tratamento dos efeitos adversos comuns a esses fármacos.

CONTEÚDO:

Neste artigo abordou-se o diagnóstico e tratamento dos efeitos adversos comuns dos opioides, assim como abuso e dependência química, discutindo a frequência dessas alterações, o tratamento farmacológico e complementar, os riscos associados à terapêutica e as recomendações mais importantes.

CONCLUSÃO:

São variados os efeitos adversos decorrentes da administração aguda ou crônica de opioides. Uma estratégia recomendada é monitorar, diagnosticar a ocorrência e tratar os efeitos de forma adequada para que não haja prejuízo para o paciente que necessita dessas substâncias, evitando a interrupção da terapêutica.

Efeitos adversos; Opioides


BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Adequate opioid use in the short and long term, as well as diagnosis, management of adverse effects, abuse and chemical dependence of such agents are still an investigation area for many researchers. This study aimed at discussing actions for monitoring, diagnosing and managing adverse effects common to those drugs.

CONTENTS:

This article addresses diagnosis and management of common opioid adverse effects, as well as abuse and chemical dependence, discussing the frequency of such alterations, the pharmacological and complementary management, risks associated to therapy and most relevant recommendations.

CONCLUSION:

Several are the effects of acute or chronic opioid administration. A recommended strategy is to monitor, diagnose the occurrence and adequately treat effects so that there is no damage for patients needing such substances, thus preventing therapy interruption.

Adverse effects; Opioids


INTRODUÇÃO

O emprego de opioide de maneira correta e monitorada ainda é um desafio ao profissional de saúde. Desse modo, por iniciativa de um grupo de especialistas, com a validação institucional da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor(SBED), optou-se por publicação que tem como principal proposta apresentar recomendações que orientem os profissionais da saúde para o uso de opioides no controle da dor crônica e aguda. Continuando o trabalho, serão discutidos neste estudo o diagnóstico e tratamento dos efeitos adversos do uso de opioides em curto e em longo prazo, enfatizando também o tema abuso e dependência química. Com isso finaliza-se este trabalho, incentivando a pesquisa clínica e experimental em torno da aplicabilidade desses agentes na prática diária.

CONTEÚDO

Aproximadamente 90% dos pacientes com dor crônica recebem opioides11. Trescot AM, Boswell MV, Atluri SL, Hansen HC, Deer TR, Abdi S, et al. Opioid guidelines in the management of chronic non-cancer pain. Pain Physician. 2006;9(1):1-39., inclusive aqueles que possuem indicação do manuseio da dor através de técnicas intervencionistas22. Manchikanti L, Damron KS, Beyer CD, Pampati V. A comparative evaluation of illicit drug use in patients with or without controlled substance abuse in interventional pain management. Pain Physician. 2003;6(3):281-5..

Apesar disso, o emprego de opioides é limitado por efeitos adversos como constipação, náusea, vômitos, depressão respiratória, sedação, entre outros menos comuns. Isso facilita a interrupção do uso desses agentes, assim como a redução da dose de maneira inadequada e ausência de analgesia satisfatória. Além desses efeitos, é importante lembrar que os opioides provocam tolerância e hiperalgesia, abuso e dependência física, efeitos imunomodulatórios, alterações hormonais, distúrbios do sono e desordens psicomotoras33. Benyamin R, Trescot AM, Datta S, Buenaventura R, Adlaka R, Sehgal N, et al. Opioid complications and side effects. Pain Physician. 2008;11(2 Suppl):S105-20..

Constipação

É um problema comum, com ocorrência entre 40 e 90% dos pacientes tratados com opioides e pode ocorrer depois de uma única dose. A consequência da constipação ao longo do tempo está relacionada ao aumento da morbidade e da mortalidade e piora da qualidade de vida do paciente. A constipação crônica resulta em esforço para evacuar, formação de hemorroidas, dor e queimação na região retal, obstrução intestinal com risco de ruptura e morte44. Herndon CM, Jackson KC 2nd, Hallin PA. Management of opioid-induced gastrointestinal effects in patients receiving palliative care. Pharmacotherapy. 2002;22(2):240-50.. A redução da motilidade intestinal resulta da ativação de receptores mu no trato gastrointestinal agindo diretamente no sistema nervoso entérico ou reduzindo o fluxo autonômico parassimpático55. Sternini C. Receptors and transmission in the brain-gut axis: potential for novel therapies. III. Mu-opioid receptors in the enteric nervous system. Am J Physiol Gastrointest Liver Physiol. 2001;281(1):G8-15..

A tolerância observada para náusea, sedação e depressão respiratória não ocorre, entretanto, para a constipação induzida por opioides. Assim, não há melhora do sintoma durante o uso de opioides, de modo que a constipação deve ser monitorada e tratada adequadamente. Os critérios de Roma III podem ser utilizados para definir constipação intestinal e se baseiam em: esforço ao evacuar, fezes endurecidas ou fragmentadas, sensação de evacuação incompleta, sensação de obstrução ou bloqueio anorretal, manobras manuais para facilitar as evacuações, e menos de três evacuações por semana (Tabela 1). A presença de dois ou mais desses critérios nos últimos seis meses caracteriza a presença de constipação intestinal, sendo que cada critério pode ser considerado positivo quando atinge os pontos de corte mostrados a seguir: 1) esforço evacuatório em pelo menos 25% das defecações - resposta equivalente a "frequentemente" (pergunta A≥2); 2) fezes endurecidas ou fragmentadas em pelo menos 25% das defecações - resposta equivalente a "frequentemente" (pergunta B≥2); 3) sensação de evacuação incompleta em pelo menos 25% das defecações - resposta equivalente a "algumas vezes" (pergunta C≥1); 4) sensação de obstrução/bloqueio anorretal em pelo menos 25% das defecações - resposta equivalente a "algumas vezes" (pergunta D≥1); 5) manobras manuais para facilitar em pelo menos 25% das defecações - resposta equivalente a "algumas vezes" (pergunta E≥1); e 6) menos que três evacuações por semana66. Longstreth GF, Thompson WG, Chey WD, Houghton LA, Mearin F, Spiller RC. ROMA III - Functional bowel disorders. Gastroenterology. 2006;130(5):1480-91..

Tabela 1
Instrumento para definição de constipação intestinal baseado no consenso de ROMA III66. Longstreth GF, Thompson WG, Chey WD, Houghton LA, Mearin F, Spiller RC. ROMA III - Functional bowel disorders. Gastroenterology. 2006;130(5):1480-91.

No tangente à constipação, é necessário reeducar os hábitos de vida (etilismo, tabagismo e prática de atividade física) e os hábitos alimentares (ingestão hídrica e de fibras) que influenciam o padrão de motilidade intestinal. A recomendação é o consumo de 14g de fibras para cada 1000 kcal ingeridas e os valores de ingestão adequada de líquidos para os sedentários é de 3,7L/dia para homens e 2,7L/dia para mulheres, devendo esses valores ser superiores para os fisicamente ativos77. Institute of Medicine. Dietary Reference Intakes for water, potassium, sodium, chloride and sulfate. Washington, DC: National Academies Press; 2004. 73-185p..

Uma vez otimizando esses fatores, pode-se associar laxantes em doses recomendadas na literatura, respeitando as contraindicações (Tabela 2).

Tabela 2
Principais laxantes no tratamento da constipação intestinal33. Benyamin R, Trescot AM, Datta S, Buenaventura R, Adlaka R, Sehgal N, et al. Opioid complications and side effects. Pain Physician. 2008;11(2 Suppl):S105-20.

O tratamento efetivo da constipação requer o emprego de antagonistas opioides, com ação periférica em receptores mu como a metilnaltrexona e o alvimopan. Esses agentes tem ação no trato gastrointestinal, poupando o efeito analgésico central do opioide88. Andrea K, Daniel S I. Opioid-induced bowel dysfunction: pathophysiology and potential new therapies. Drugs. 2003;63(7):649-71.. As recomendações deste artigo estão descritas nas tabelas 3 e 488. Andrea K, Daniel S I. Opioid-induced bowel dysfunction: pathophysiology and potential new therapies. Drugs. 2003;63(7):649-71.

9. Tamayo AC, Diaz-Zuluaga PA. Management of opioid-induced bowel dysfunction in cancer patients. Support Care Cancer. 2004;12(9):613-8.

10. Becker G, Galandi D, Blum HE. Peripherally acting opioid antagonists in the treatment of opiate-related constipation: a systematic review. J Pain Symptom Manage. 2007;34(5):547-65.

11. Portenoy RK, Thomas J, Moehl Boatwright ML, Tran D, Galasso FL, Stambler N, et al. Subcutaneous methylnaltrexone for the treatment of opioid-induced constipation in patients with advanced illness: a double-blind, randomized, parallel group, dose-ranging study. J Pain Symptom Manage. 2008;35(5):458-68.

12. Meissner W, Leyendecker P, Mueller-Lissner S, Nadstawek J, Hopp M, Ruckes C, et al. A randomised controlled trial with prolonged-release oral oxycodone and naloxone to prevent and reverse opioid-induced constipation. Eur J Pain. 2009;13(1):56-64.

13. Becker G, Galandi D, Blum HE. Peripherally acting opioid antagonists in the treatment of opiate-related constipation: a systematic review. J Pain Symptom Manage. 2007;34(5):547-65.

14. McNicol E, Horowicz-Mehler N, Fisk RA, Bennett K, Gialeli-Goudas M, Chew PW, et al. Management of opioid side effects in cancer-related and chronic noncancer pain: a systematic review. J Pain. 2003;4(5):231-56.
-1515. Associação Brasileira de Cuidados Paliativos. Consenso Brasileiro de Constipação Intestinal induzida por Opióides. Rev Bras Cuidados Paliat. 2009;2(3 Suppl 1):1-35..

Tabela 3
Recomendações no tratamento de constipação baseadas em estudos clínicos
Tabela 4
Recomendações no tratamento de constipação baseadas em relatos de caso e opinião de especialistas

Retenção urinária

Os opioides podem reduzir o tônus e a força de contração do músculo detrusor da bexiga, a sensação de plenitude e o desejo de urinar, além de diminuir o reflexo da micção. Esse efeito é mais comum em dor aguda e com prevalência variando de 4 a 18%. Importante: 1) investigar outras causas para redução do fluxo urinário como insuficiência renal, obstrução ureteral ou hipovolemia; 2) evitar fármacos anticolinérgicos; 3) diminuir a dose do opioide; 4) realizar manobras de esvaziamento vesical ou sondagem vesical se necessário. A retenção urinária pode ser decorrente da ação central ou periférica em receptores mu e revertida parcialmente por antagonistas1616. Tammela T, Kontturi M, Lukkarinen O. Postoperative urinary retention. I. Incidence and predisposing factors. Scand J Urol Nephrol. 1986;20(3):197-201..

Efeito cardiovascular

Os efeitos cardiovasculares não são muitos comuns, a morfina libera histamina, provocando vasodilatação e hipotensão arterial que é reversível parcialmente pelo antagonista H1 ou totalmente pela naloxona. A estimulação parassimpática pode também contribuir na ocorrência de bradicardia1717. Brunton LL, Lazo JS, Parker KL. Goodman and Gilman's The Pharmacological Basis of Therapeutics, 11th ed. New York: Mc-Graw-Hill; 2006.. Recentemente, foi descrita a síndrome do intervalo QT prolongado e do torsade des pointes (Tdp), com taquicardia ventricular e parada cardíaca em pacientes que fazem uso crônico de metadona1818. Walker PW, Klein D, Kasza L. High dose methadone and ventricular arrhythmias: a report of three cases. Pain. 2003;103(3):321-4.. A mortalidade pode chegar a 17% e se recomenda a monitoração eletrocardiográfica prévia ao emprego desses agentes. Em dependentes de heroína, em tratamento com metadona, a ocorrência de taquicardia relacionada a intervalo QT prolongado (maior que 500ms) foi de 16% e de ritmo de Tdp foi de 3,6%1919. Ehret GB, Voide C, Gex-Fabry M, Chabert J, Shah D, Broers B, et al. Drug-induced long QT syndrome in injection drug users receiving methadone: high frequency in hospitalized patients and risk factors. Arch Intern Med. 2006;166(12):1280-7..

Alguns autores constataram que o intervalo maior que 30ms deve ser considerado significativo e maior que 60ms fator de risco para o ritmo de Tdp. Isso, contudo, é mais comum em indivíduos que utilizam doses maiores que 40mg de metadona ou que fazem uso concomitante de inibidores da enzima CPY3A4 como fluoxetina, valproato de sódio, claritromicina e fulconazole. Outros fármacos como antidepressivos tricíclicos, neurolépticos e eritromicina também foram descritos como agentes que podem prolongar o intervalo QT. Desse modo, é importante monitorar os pacientes que utilizam inibidores da enzima CPY3A4, os que apresentam potássio baixo ou função hepática alterada2020. Roden DM. Drug-induced prolongation of the QT interval. N Engl J Med. 2004;350(10):1013-22.. Desse modo, conclui-se que:

1) A possibilidade de alongamento do espaço QT (incluindo o tipo polimórfico) e a evolução para arritmia cardíaca ventricular devem ser aventadas quando se utiliza opioides, em especial a metadona;

2) O uso de fármacos concomitantes que prolongam o intervalo QT ou que compartilham as vias do metabolismo comuns com metadona deve ser evitado.

Efeitos sobre o sistema imune

Os opioides têm sido implicados no aumento da incidência de infecção em pacientes dependentes de heroína e como um facilitador para a patogênese do vírus da imunodeficiência adquirida. A administração crônica de opioide pode inibir a resposta imune celular, a produção de anticorpos, a atividade da célula natural killer (NK) e a expressão de citocinas pró-inflamatórias2121. Peterson PK, Molitor TW, Chao CC. The opioid-cytokine connection. J Neuroimmunol. 1998;83(1-2):63-9.. Esses efeitos podem estar relacionados à ação em receptores MOR e à inibição da atividade fagocítica dos macrófagos e à ação em receptores KOR. A ação em receptores DOR, entretanto, aumenta a atividade das células NK e a resposta imune humoral2222. Dimitrijevic M, Stanojevic S, Kovacevic-Jovanovic V, Miletic T, Vujic-Redzic V, Radulovic J. Modulation of humoral immune responses in the rat by centrally applied Met-Enk and opioid receptor antagonists: functional interactions of brain OP1, OP2 and OP3 receptors. Immunopharmacology. 2000;49(3):255-62.. Embora vários estudos apontem para um efeito imunodepressor dos opioides, a relevância clínica dessas observações continua incerta e serve apenas como um pré-requisito para que novas investigações nessa área sejam conduzidas. Recomendações definitivas para a aplicação de opioides, nas mais variadas situações da prática clínica em relação às consequências imunológicas desses fármacos, ainda não podem ser dadas até o momento presente. Como cada substância parece ter um efeito diferente, estudos adicionais com outros opioides, além da morfina, devem ser feitos. Ainda, subpopulações específicas, tais como imunodeprimidos e pacientes em estado crítico, também devem ser objeto de pesquisa.

Tolerância e hiperalgesia induzida por opioide

Na maioria das vezes o aumento da dose do opioide relaciona-se com progressão da doença ou tolerância. Tolerância implica a necessidade de doses cada vez maiores de opioides para obter o mesmo efeito. Ou seja, há um decréscimo de efetividade ao longo do tempo. Existem dois tipos de tolerância: a inata que depende de herança genética e a adquirida (farmacocinética, farmacodinâmica e a aprendida). A tolerância farmacocinética está relacionada a alteração do metabolismo do fármaco após administrações repetidas ocorrendo, então, indução enzimática. A tolerância farmacodinâmica, entretanto, pode estar associada com o aumento de receptores para opioides. Por outro lado, a tolerância aprendida está relacionada a conceitos. O paciente toma mais medicamento porque acredita que é pouco eficaz ou que tomando mais se sentirá melhor. A tolerância a opioide não é cruzada, e esse conceito é a base para a rotação desses agentes2323. Collett BJ. Opioid tolerance: the clinical perspective. Br J Anaesth. 1998;81(1):58-68.. Atenção à toxicidade induzida por opioide, quadro clínico caracterizado por alterações de sensibilidade (alodínia e hiperalgesia), necessidade de doses cada vez maiores de opioide, mioclonia, convulsão e parada cardíaca2424. Estfan B, LeGrand SB, Walsh D, Lagman RL, Davis MP. Opioid rotation in cancer patients: pros and cons. Oncology. 2005;19(4):511-6.. Na hiperalgesia induzida por opioide, há desvio da curva dose/efeito para baixo, ou seja, o efeito analgésico diminui ao longo do tempo com determinada dose do opioide, não havendo melhora com o aumento da dose - ao contrário, pode haver agravamento da dor. A dor é mais intensa que a dor original ou inicial, é pouco definida em termos de qualidade e localização, com a redução do limiar e da tolerabilidade2525. Leal PC, Clivatti J, Garcia JB, Sakata RK. Opioid-induced hyperalgesia. Rev Bras Anestesiol. 2010;60(6):639-47.. Recomenda-se para reduzir a hiperalgesia: 1) ajuste de dose ou rodízio de opioides; 2) troca para metadona quando se suspeita de hiperalgesia causada por outro opioide; 3) a mudança para metadona não elimina a possibilidade de ocorrer hiperalgesia2626. Davis MP, Shaiova LA, Angst MS. When opioids cause pain. J Clin Oncol. 2007;25(28):4497-8.. Não existem estudos bem controlados que assegurem o emprego de dextromorfano, memantina, propofol, naloxona e cetamina no tratamento da hiperalgesia induzida pelo opioide.

Alterações hormonais

Os opioides podem provocar endocrinopatia. Há relato de redução de testosterona total e livre, estrógeno, LH, GnRH, DHEA, DHEAS, ACTH, CRH e cortisol2727. Oltmanns KM, Fehm HL, Peters A. Chronic fentanyl application induces adrenocortical insufficiency. J Intern Med. 2005;257(5):478-80.. A maioria dos trabalhos, entretanto, está focada nos hormônios androgênicos. Foi relatada disfunção erétil, redução da libido, depressão, anemia e fadiga. Ocorre redução da testosterona livre e total entre 1 e 4h após a administração de opioide por via venosa, retornando ao valor após 24h da retirada do agente. Em pacientes com dor crônica que utilizam opioides, o uso de cigarro predispõe a essa alteração. Também, parece que essa ação é distinta para os diversos opioides sendo menor para buprenorfina do que para metadona. Oitenta e sete por cento dos pacientes usuários de metadona em doses acima de 100mg diários apresentam disfunção erétil importante, e todos (100%) possuem níveis reduzidos de testosterona. A testosterona transdérmica, no entanto, pode reduzir diversas alterações induzidas pelo uso crônico de opióide2828. Daniell HW. Hypogonadism in men consuming sustained-action oral opioids. J Pain. 2002;3(5):377-84.. Em mulheres, pode haver redução de estrógenos com depressão, dismenorreia, disfunção sexual e perda mineral óssea. A perda óssea na população idosa leva a maior risco de osteoporose e fratura. A reposição hormonal, contudo, nem sempre reverte os sintomas, fato que favorece a hipótese de que haja outros mecanismos fisiopatológicos envolvidos2929. Daniell HW. Opioid endocrinopathy in women consuming prescribed sustained-action opioids for control of nonmalignant pain. J Pain. 2008;9(1):28-36..

Sedação e distúrbios cognitivos e mioclonia

A sedação e sonolência induzida por opioide pode estar relacionada à atividade anticolinérgica do agente. O tratamento inclui diagnosticar e tratar comorbidades, suspender ou reduzir a dose de outros depressores do sistema nervoso central, a rotação de opioide, a redução da dose e o emprego de estimulantes psíquicos. Em pacientes com câncer e em uso crônico de opioides, o metilfenidato (na dose entre 10 e 20mg/dia) pode aumentar os escores de atividade psicomotora em até 35% e a sonolência em até 61% de forma significativa quando comparado ao placebo. Além disso, o metilfenidato pode reduzir a dor e as doses de escape. Outros agentes menos utilizados são a dextroanfetamina (2-20 mg/dia), a cafeína, o donepezil e o madafinil3030. Bruera E, Miller MJ, Macmillan K, Kuehn N. Neuropsychological effects of methylphenidate in patients receiving a continuous infusion of narcotics for cancer pain. Pain. 1992;48(2):163-6.. As afirmações e recomendações a respeito desse tema estão descritas na tabela 73131. Stone P, Minton O. European Palliative Care Research collaborative pain guidelines. Central side-effects management: what is the evidence to support best practice in the management of sedation, cognitive impairment and myoclonus? Palliat Med. 2011;25(5):431-41..

Tabela 5
Afirmações baseadas em estudos clínicos sobre sedação e depressão respiratória induzida por opioides
Tabela 6
Afirmações baseadas em relatos de caso ou opinião de especialista para sedação e depressão respiratória induzida por opioides
Tabela 7
Recomendações baseadas em estudos clínicos sobre distúrbios cognitivos, sonolência, delirium e distúrbios comportamentais induzidos por opioides

Distúrbio do sono

O opioide também altera a relação de sono e vigília, reduz o tempo total e a eficiência do sono, as ondas delta e o sono REM. É possível que os opioides modifiquem a dinâmica dos circuitos de neurotransmissores que regulam os impulsos que convergem para o tronco cerebral e os provenientes das projeções pontinocolinérgicas. A morfina parece regular a liberação de acetilcolina na formação reticular na ponte através da ativação da via gabaérgica3232. Dimsdale JE, Norman D, DeJardin D, Wallace MS. The effect of opioids on sleep architecture. J Clin Sleep Med. 2007;3(2):33-6.. Um estudo em pacientes com câncer que utilizaram morfina ou metadona demonstrou que houve apenas redução do tempo de permanência nos estágios 3 e 4 do sono, e aumento do tempo do sono superficial em quase 50%3333. Pickworth WB, Neidert GL, Kay DC. Morphinelike arousal by methadone during sleep. Clin Pharmacol Ther. 1981;30(6):796-804..

Atividade psicomotora

No início do tratamento com opioide a habilidade para manusear equipamentos pesados ou dirigir veículos pode estar comprometida. Isso, contudo, não ocorre em pacientes que alcançaram doses estáveis desses agentes. Portanto, não se pode proibir que os pacientes exerçam sua função motora, contudo, recomenda-se cautela na fase inicial de tratamento3434. Meijler WJ. [Driving ban for patients on chronic opioid therapy unfounded]. Ned Tijdschr Geneeskd. 2000;144(34):1644-5. Article in Dutch..

Depressão respiratória

A ocorrência de depressão respiratória é pequena (0,002-1,2%) e há poucos relatos na literatura com o uso crônico de opioides. A tolerância a esse efeito adverso se desenvolve em poucos dias. Por outro lado, o risco está aumentado nos pacientes portadores de apneia do sono, obesidade mórbida e doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC). De 140 pacientes com dor crônica em uso de opioides que foram submetidos a polissonografia, 75% apresentaram apneia obstrutiva do sono, com taxa significativamente superior à população geral (2-4%)3535. Webster LR, Choi Y, Desai H, Webster L, Grant BJ. Sleep-disordered breathing and chronic opioid therapy. Pain Med. 2008;9(4):425-32.. Isso também se relacionou à dose diária de metadona associada a benzodiazepínico. Em estudos de referência, para via venosa, com bomba de analgesia autocontrolada, a incidência de bradipneia é em torno de 1,6% e a de hipóxia de 15,2%. Para via peridural entre 0,2 e 1,6% e para a via subaracnoidea entre 0 e 3%3636. Shapiro A, Zohar E, Zaslansky R, Hoppenstein D, Shabat S, Fredman B. The frequency and timing of respiratory depression in 1524 postoperative patients treated with systemic or neuraxial morphine. J Clin Anesth. 2005;17(7):537-42..

Deve-se evitar, entretanto, a associação com fármacos depressores do sistema nervoso central (benzodiazepínicos, álcool, anestésicos inalatórios, antidepressivos tricíclicos, anti-histamínicos, IMAO, clonidina e neurolépticos). Tais associações podem levar a maior risco de depressão respiratória. Também, ao se utilizar qualquer opioide, a dose administrada deve ser titulada de acordo com a necessidade do paciente e o tipo de estímulo agressivo, para não ser utilizada doseacima da necessária. É importante informar ao paciente que a dose mínima efetiva para se obter analgesia, sem efeitos adversos, pode ser utilizada de forma progressiva e que se fará uso de doses adicionais até alcançar o efeito desejado. No tratamento da depressão respiratória, então, é recomendável: a titulação e redução da dose, o emprego de antagonista opioide (naloxona 1-5µg/kg ou 5µg/kg/h por via endovenosa). Por outro lado, a depressão respiratória da buprenorfina só é revertida pelo doxapram (0,5-1,5mg/kg EV a cada 5 minutos, dose máxima 2mg/kg)3727. Duarte LT, Fernandes Mdo C, Costa VV, Saraiva RA. [The incidence of postoperative respiratory depression in patients undergoing intravenous or epidural analgesia with opioids]. Rev Bras Anestesiol. 2009;59(4):409-20. Article in Portuguese.. As afirmações e recomendações para depressão respiratória estão nas tabelas 5 e 63838. Santiago TV, Edelman NH. Opioids and breathing. J Appl Physiol. 1985;59(6):1675-85.

39. Pattinson KT. Opioids and the control of respiration. Br J Anaesth. 2008;100(6):747-58.

40. Walker JM, Farney RJ. Are opioids associated with sleep apnea? A review of the evidence. Curr Pain Headache Rep. 2009;13(2):120-6.

41. Jarzyna D, Jungquist CR, Pasero C, Willens JS, Nisbet A, Oakes L, et al. American Society for Pain Management Nursing guidelines on monitoring for opioid-induced sedation and respiratory depression. Pain Manag Nurs. 2011;12:118-45.

42. Young-McCaughan S, Miaskowski C. Definition of and mechanism for opioid-induced sedation. Pain Manag Nurs. 2001;2(3):84-97.
-4343. Horlocker TT, Burton AW, Connis RT, Hughes SC, Nickinovich DG, Palmer CM, et al. Practice guidelines for the prevention, detection, and management of respiratory depression associated with neuraxial opioid administration. Anesthesiology. 2009;110(2):218-30..

Prurido

Os mecanismos envolvidos na gênese do prurido causado pelo opioide parecem envolver a excitação de receptores µ em neurônios não relacionados à nocicepção e em neurônios motores relacionados areações de retirada. É possível que a dor e o prurido sejam controlados por mecanismos similares ou que o prurido represente uma forma específica de dor, pois ambos evocam respostas motoras (retirada e coçar, respectivamente) que podem ser conduzidas pelo mesmo tipo de fibras nervosas, visto que não foram encontradas diferenças morfológicas entre os receptores para a dor e para o prurido4444. Owczarzack Junior D, Oliveira Filho GR, Ghellar MR, Semeghini MM. Prevalência do prurido durante tratamento profilático de náuseas e vômitos induzidos por morfina peridural no pós-operatório de cesarianas: comparação entre ondansetron e metoclopramida. Rev Bras Anestesiol. 1999;49(4):240-43..

O prurido também pode estar relacionado à liberação de histamina pelos mastócitos. O fentanil e o sufentanil, entretanto, podem causar prurido sem liberação de histamina. Esse efeito ocorre após administração por qualquer via. No tratamento podem ser utilizados anti-histamínicos (difenidramina), ondansetron, rotação de opioide, nalbufina ou naloxona4545. Schwörer H, Hartmann H, Ramadori G. Relief of cholestatic pruritus by a novel class of drugs: 5-hydroxytryptamine type 3 (5-HT3) receptor antagonists: effectiveness of ondansetron. Pain. 1995;61(1):33-7.,4646. Bergasa NV, Alling DW, Talbot TL, Swain MG, Yurdaydin C, Turner ML, et al. Effects of naloxone infusions in patients with the pruritus of cholestasis. A double-blind, randomized, controlled trial. Ann Intern Med. 1995;123(3):161-7..

Náuseas e vômitos

Possui incidência aproximada de 10-40%, contudo, a tolerância se instala rápido (5-10 dias). O mecanismo é por ativação da zona de gatilho quimiorreceptora, estase gástrica e aumento da sensibilidade do sistema vestibular. Lembrar que existem diversos outros motivos para o paciente apresentar esses sintomas (outras medicações, uremia, insuficiência hepática, hipercalcemia, aumento da pressão intracraniana e obstrução gastrintestinal). O tratamento inclui reverter comorbidades e medidas gerais como: hidratação, alimentação fracionada, higienização bucal, ajuste de medicações, uso de outra via de administração do fármaco que não a oral, emprego de fármacos. As recomendações deste artigo estão descritas nas tabelas 8 e 94747. Porreca F, Ossipov MH. Nausea and vomiting side effects with opioid analgesics during treatment of chronic pain: mechanisms, implications, and management options. Pain Med. 2009;10(4):654-62.

48. McNicol E, Horowicz-Mehler N, Fisk RA, Bennett K, Gialeli-Goudas M, Chew PW, et al. Management of opioid side effects in cancer-related and chronic noncancer pain: a systematic review. J Pain. 2003;4(5):231-56.

49. Swegle JM, Logemann C. Management of common opioid-induced adverse effects. Am Fam Physician. 2006;74(8):1347-54.
-5050. Academia Brasileira de Cuidados Paliativos. Consenso Brasileiro de Náuseas e Vômitos em Cuidados Paliativos. Rev Bras Cuidados Paliativos. 2011;3 (3 Suppl 2)..

Tabela 8
Recomendações para o tratamento de náuseas e vômitos baseadas em estudos clínicos
Tabela 9
Recomendações para o tratamento de náuseas e vômitos baseadas em relatos de caso e opinião de especialistas

Abuso e dependência

Na abordagem de abuso e dependência é importante conceituar corretamente as síndromes clínicas (Tabela 1)5151. Savage SR, Joranson DE, Covington EC, Schnoll SH, Heit HA, Gilson AM. Definitions related to the medical use of opioids: evolution towards universal agreement. J Pain Symptom Manage. 2003;26(1):655-67.. Um trabalho recente demonstrou que a prevalência de dependência pode variar de 0 a 31% (média de 4,5%)5252. Minozzi S, Amato L, Davoli M. Development of dependence following treatment with opioid analgesics for pain relief: a systematic review. Addiction. 2013;108(4):688-98.. Por outro lado, não se conhece a verdadeira prevalência de dependência devido ao emprego de opioides; entretanto, ela parece maior que o esperado e pode oscilar de 0 a 50%5353. Schultz D. Opioid use and abuse: a pain clinic perspective. Minn Med. 2013;96(3):42-4.,5454. Sehgal N, Manchikanti L, Smith HS. Prescription opioid abuse in chronic pain: a review of opioid abuse predictors and strategies to curb opioid abuse. Pain Physician. 2012;15(3 Suppl):ES67-92.. Essa variação de prevalência talvez esteja relacionada a diferenças de método e fatores de risco na avaliação de dependência, de tempo de tratamento e de observação do estudo. Os fármacos mais procurados de maneira ilícita são a oxicodona e a hidrocodona em maior proporção que morfina, fentanil e hidromorfona (25% dos casos). Por outro lado, entre os usuários de rua, a metadona é a mais utilizada e vendida5555. Katz M. Opioid prescriptions for chronic nonmalignant pain: driving on a dangerous road. JAMA Intern Med. 2013;173(3):178..

Os fatores de risco de dependência e abuso de opioides incluem idade (de 18 a 24 anos), gênero masculino, queixa subjetiva de dor em vários locais do corpo, dor lombar, história anterior de abuso de álcool, Cannabis ou drogas ilícitas, presença de transtorno psiquiátrico (ansiedade ou depressão) ou de estresse psicossocial, uso de psicotrópicos, aumento do grau de tolerância à dor, fissura pela obtenção do fármaco, antecedente criminal, tabagismo, raça branca (pelo recebimento de mais analgésicos nas unidades de emergência), presença de limitação funcional relacionada à dor, história de estresse pós-traumático, desemprego e hepatite C. (Tabela 10)5656. Hill KP, Rice LS, Connery HS, Weiss RD. Diagnosing and treating opioid dependence. J Fam Pract. 2012;61(10):588-97.,5757. Juurlink DN, Dhalla IA. Dependence and addiction during chronic opioid therapy. J Med Toxicol. 2012;8(4):393-9.. Em relação aos fatores genéticos, variações nas regiões de codificação 118 A>G e 17 C>T SNP do gene para o receptor opioide µ (OPRM1) e 36 G>T SNP do gene para o receptor OPRK1 e 80 G>T e 921 C>T para o receptor OPRD1 podem aumentar o risco de abuso. Outro polimorfismo da pré e da pró-encefalina (PENK) e do receptor tipo 2 de melanocortina (MC2R) está associado à dependência de opioides em múltiplos estudos5858. Proudnikov D, Hamon S, Ott J, Kreek MJ. Association of polymorphisms in the melanocortin receptor type 2 (MC2R, ACTH receptor) gene with heroin addiction. Neurosci Lett. 2008;435(3):234-9..

Tabela 10
Conceitos usados na prática clínica. Adaptada5858. Proudnikov D, Hamon S, Ott J, Kreek MJ. Association of polymorphisms in the melanocortin receptor type 2 (MC2R, ACTH receptor) gene with heroin addiction. Neurosci Lett. 2008;435(3):234-9.

A utilização de testes de identificação do potencial de dependência e de abuso de opioides deve estar de acordo com a estratificação de risco: 1) risco baixo, ausência de história de abuso de substâncias ou de comorbidade psiquiátrica (DSM4); 2) risco médio, história de abuso de substâncias ou de comorbidade psiquiátrica (DSM4); 3) risco alto, história de dependência e comportamento aberrante (roubo de prescrição, falsificação de prescrição, uso injetável de formulações orais, abuso de álcool, solicitação de prescrição de forma agressiva, escalonamento não racional de doses, obtenção de prescrições por vias ilegais, perda de prescrições, múltiplas entradas em postos de emergência, perda de posição no trabalho, na família e na vida social)5959. Brown J, Setnik B, Lee K, Wase L, Roland CL, Cleveland JM, et al. Assessment, stratification, and monitoring of the risk for prescription opioid misuse and abuse in the primary care setting. J Opioid Manag. 2011;7(6):467-83.

60. Cicero TJ, Dart RC, Inciardi JA, Woody GE, Schnoll S, Muñoz A. The development of a comprehensive risk-management program for prescription opioid analgesics: Researched abuse, diversion and addiction-related surveillance (RADARS). Pain Med. 2007;8(2):157-70.
-6161. Wasan AD, Butler SF, Budman SH, Benoit C, Fernandez K, Jamison RN. Psychiatric history and psychologic adjustment as risk factors for aberrant drug-related behavior among patients with chronic pain. Clin J Pain. 2007;23(4):307-15.. A chance de desenvolver abuso de opioides aumenta à medida que o indivíduo apresenta mais de um fator de risco, assim como se eleva a frequência de testes toxicológicos positivos de urina6262. Fitzgibbon DR, Rathmell JP, Michna E, Stephens LS, Posner KL, Domino KB. Malpractice claims associated with medication management for chronic pain. Anesthesiology. 2010;112(4):948-56..

Existem vários instrumentos de avaliação do risco de dependência e de abuso, entre eles: Prescription abuse check list, Prescription Drug Use Questionnaire (PDUQ), Screening Tool for Addiction Risk (STAR), Screening Tool for Abuse, Pain Assessment and Documentation Tool (PADT), Screener and Opioid Assessment for Patients withPain (SOAPP), Pain Medication Questionnaire (PMQ), Revised Screener and Opioid Assessment for Patients with Pain (SOAPP-R), Opioid Risk Tool(ORT), Scoring System to Predict Outcome (DIRE), Addiction Behavior Checklist (ABC), Current Opioid Misuse Measure (COMM), Prescription Opioid Misuse Index (POMI) e Prescribed Opioid Difficulties Scale(PODS). Esses questionários ainda não estão validados no Brasil, apresentam propriedades psicométricas fracas e não são reprodutíveis, o que implica em limitações metodológicas sem base na boa prática clínica. Além disso, alguns são complexos, extensos e pouco compreendidos pelos pacientes. Desse modo, na escolha do instrumento, deve-se pensar na facilidade e no tempo de aplicação, na habilidade do médico em lidar com o questionário e nas características clínicas do paciente. Os instrumentos de autorrelato falham na identificação de comportamentos aberrantes6363. Atluri SL, Sudarshan G. Development of a screening tool to detect the risk of inappropriate prescription opioid use in patients with chronic pain. Pain Physician. 2004;7(3):333-8..

Os testes urinários podem detectar a presença de drogas ilícitas, como heroína e cocaína, ou de outras substâncias controladas não prescritas pelo médico. Deve-se lembrar que 1 entre 5 pacientes que utilizaram opioides apresenta teste urinário positivo em relação a uma droga ilícita. Os testes urinários ajudam a detectar adição e abuso de substâncias em 19,6% dos pacientes. No entanto, podem ser falso-positivos, e seu uso não é rotineiro6464. Christo PJ, Manchikanti L, Ruan X, Bottros M, Hansen H, Solanki D, et al. Urine drug testing in chronic pain. Pain Physician. 2011;14(2):123-43..

O tratamento da dependência é multidisciplinar, focado no apoio psicológico especializado. A terapia farmacológica inclui o uso de agonistas (buprenorfina ou metadona) ou de um antagonista (naltrexona). O objetivo é prevenir ou reduzir a dependência física, a fissura e a recaída e restituir ao estado normal todas as funções fisiológicas (como o sono e os movimentos intestinais). Deve-se estar atento ao risco de interação farmacológica, de diversão e de potencial de superdose. A buprenorfina, ao contrário da metadona, não provoca alterações eletrocardiográficas, tampouco disfunção erétil, cognitiva ou psicomotora. No entanto, apresenta custo aproximado de 12 dólares/dia e efeito teto. A metadona deve ser iniciada com doses inferiores a 40mg e é a primeira escolha para pacientes grávidas. Apresenta, contudo, maior risco de arritmia cardíaca, sobredose, aumento de peso, sedação e recaída após 12 meses de tratamento. A naltrexona deve ser iniciada sete dias após a retirada do opioide, tratando-se a síndrome de abstinência com clonidina. A tabela 12 apresenta alguns fármacos para o tratamento da dependência6565. Fiellin DA, O'Connor PG. Clinical practice. Office-based treatment of opioid-dependent patients. N Eng J Med. 2002;347(11):817-23..

Tabela 11
Dependência de opioides: bandeira vermelha para memorizar. Adaptada5454. Sehgal N, Manchikanti L, Smith HS. Prescription opioid abuse in chronic pain: a review of opioid abuse predictors and strategies to curb opioid abuse. Pain Physician. 2012;15(3 Suppl):ES67-92.
Tabela 12
Fármacos utilizados para o tratamento de dependência aos opioides. Adaptada66

CONCLUSÃO

O emprego de opioides a curto ou longo prazo não é isento de riscos. A seleção apropriada do paciente e o uso supervisionado do fármaco facilitam a monitoração e o tratamento dos efeitos adversos.

AGRADECIMENTOS

Esta recomendação foi realizada pela Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor com o apoio da Janssen do Brasil.

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    Recebido da Sociedade Brasileira para Estudo da Dor, São Paulo, SP, Brasil.
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    Alexandre Annes Henriques
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2014
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