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Forma jurídica, escravidão e ferrovias no Brasil do século XIX

Legal form, slavery and railways in Brazil of the XIX century

Resumo

Parte da historiografia recente demonstra que as ferrovias, nas primeiras décadas de suas construções, ou se valeram de mão de obra escrava ou impuseram condições de trabalho tão duras que tornavam trabalhadores livres indiferentes de escravos. Este trabalho investiga qual forma jurídica permitiu essa ocorrência, que fez com que formas tradicionais de manejo e organização do trabalho identificassem novas experiências laborais à escravidão.

Palavras-chave:
Forma jurídica; Escravidão; Ferrovias

Abstract

Part of recent historiography shows that railways in the early decades of their construction either used slave labor or imposed such harsh working conditions that they made free laborers indifferent from slaves. This work aims to investigate which legal form allowed this occurrence, that made traditional forms of work management and organization identify new labor experiences with slavery.

Keywords:
Legal form; Slavery; Railways

1) Introdução

No Brasil do século XIX, a agricultura para exportação, com base na grande propriedade e no trabalho escravo, constituía o setor mais rico e importante do país. Dois séculos depois, após períodos de crescimento econômico e tentativas de industrialização, ainda podemos reconhecer as feições das antigas estruturas produtivas. A produção em latifúndios para a exportação segue sendo o principal eixo dinâmico da economia brasileira – acompanhada da exportação de minérios. Hoje, no entanto, a escravidão parece ser coisa do passado.

Nos apressaríamos se fossemos peremptórios com essa conclusão. Sabe-se que embora a lei atual proíba a escravidão, ela segue presente entre nós, seja nas manifestações diretas de trabalho escravo (ou análogo à condição de escravo) ou nos diversos resquícios de séculos de escravatura. Para entender essa sombra que nos acompanha, convém que voltemos o olhar ao passado.

Vários foram os trabalhos que buscaram descrever a escravidão no período colonial e no Império. Mas, a interrogação que une os temas do presente artigo e move a pesquisa é: o que aconteceu quando o trabalho escravo foi proibido num período em que a escravidão ainda era permitida? Mais especificamente, direcionaremos a nossa questão na tentativa de compreender juridicamente a ocorrência da escravidão na construção das ferrovias brasileiras no século XIX, onde era expressamente proibida por lei.

Assim, em um primeiro momento será abordada a conjuntura temática do Estado (o Império e sua economia), a Escravidão e as Ferrovias, identificando a inserção do problema de pesquisa. Após, serão exploradas algumas das distinções jurídicas utilizadas acerca dos status das pessoas escravizadas e engajadas na construção das ferrovias. Por fim, concentraremos a nossa análise na compreensão jurídica da indistinção fática que as condições de trabalho impunham aos trabalhadores. Em conclusão, é feita uma reflexão sobre a forma jurídica e suas modulações a partir da retomada dos pontos analisados.

O trabalho debruça-se, portanto, na investigação da forma jurídica que permitiu essa ocorrência, e que fez com que as formas tradicionais de manejo e organização do trabalho identificassem as novas experiências laborais à escravidão.

2) Império, Escravidão e Ferrovias.

“Com efeito, a ação do Estado imperial e republicano é fundamental na reprodução das condições de produção e constitui assim o elo lógico da continuidade dos sistemas sociais distintos que marcam a história brasileira.”1 1 ALENCASTRO, 1987, p. 19.

A escravidão no Brasil do século XIX está intrinsecamente relacionada com a consolidação do capitalismo numa chave de economia-mundo.2 2 Sobre a tensão na historiografia nacional entre o estudo da escravidão e o conceito de capitalismo (histórico): MARQUESE, 2013a; TEIXEIRA, 2010. Neste sentido, não é mero acaso que em meados do século XIX o Brasil tenha intensificado a sua atividade produtiva e comercial especialmente com a ascensão e auge do café, tornando-se o líder na produção mundial do gênero.3 3 MARQUESE, 2013b, p. 294. Segundo o autor (2013b, p. 294): “As posições que iriam vigorar durante todo o século XIX foram logo decididas: em 1830, o Brasil passou a dominar de forma inconteste a produção mundial de café, secundado apenas por Java. Essa polarização perdurou sem questionamentos até a década de 1880, quando vários países latino-americanos (Colômbia, Guatemala, Costa Rica, México) entraram no mercado mundial, sem, contudo, ameaçarem o lugar do Brasil.”.

Para que isso acontecesse, foi indispensável a política adotada no Império e as condições institucionais que ali estavam sendo criadas. O Estado em formação atuava em duas frentes, ou, na metáfora de Ilmar de Mattos, em dois lados de uma mesma moeda: de um lado, no plano internacional, negociava o seu alinhamento com os interesses das “Nações Civilizadas”, de outro, constituía a sua unidade em uma íntima e mútua relação de construção com uma “classe senhorial”.4 4 MATTOS, 2004, p. 103-5. Assim, enquanto a organização dos fatores de produção centrava-se na questão da terra e da mão de obra,5 5 E na intrínseca relação de ambas, especialmente com a importância do progressivo deslocamento do monopólio da mão de obra para o monopólio da terra. o recém-formado Estado Imperial consolidava sua estrutura administrativa e legislação. A escravidão, contudo, estava no centro do debate do Império – e marcou um modo peculiar de relação com o Direito e com a lei.6 6 PARRON, 2007; MARQUESE, 2013b, p. 300; WEHLING, 2006, p. 335; FONSECA, 2006, p. 66; NEVES, 2015, p. 8. Para além da questão do acerto ou não do lugar das ideias, a questão que quero ressaltar é melhor percebida em termos de eficácia da lei e o seu “abrandamento” através de contornos internos ao Direito. Para ilustrar meu argumento, acompanho a reflexão de Tâmis Parron (2007, p. 113), ao comentar a importância da Lei de 07 de novembro de 1831 que proibia o tráfico negreiro e a política imperial que favoreceu a continuidade do tráfico: “De fato, depois dos discursos políticos pela derrogação da Lei de 1831, poucos proprietários recearam comprar, como escravos, homens livres por lei. A política do tráfico negreiro deixou a ‘ilegalidade em suspensão’ e abriu enorme campo para a especulação de traficantes e de fazendeiros – acaso os africanos requeressem seus direitos, os proprietários seriam assegurados pelo Estado imperial, os homens livres seriam de iure re-escravizados.”. ; MARQUESE, 2013b; WEHLING, 2006; FONSECA, 2006; NEVES, 2015)

Esse modo peculiar se faz sentir pela tensão que se forja entre uma certa “adoção” das ideias liberais e a dinâmica que a economia mundial possibilitou às estruturas produtivas. Isso porque, na medida em que o cenário econômico proporcionou condições de ampliação da demanda e do crédito para o incremento da produção, o tráfico de escravos e a exploração da mão de obra tiveram de acompanhar a nova intensidade. É essa diferença qualitativa que marca a compreensão de uma segunda escravidão, nos termos de Dale Tomich.7 7 TOMICH,2011, p. 93-7. O autor elucida o que entende por segunda escravidão (2011, p. 95-6): “Para os objetivos desta discussão, podem discernir-se duas relações qualitativamente distintas entre escravidão e processos de desenvolvimento escravista – cada qual com diferentes papéis e significados – na economia mundial do século XIX. A primeira era constituída por um conjunto específico de processos sócio-históricos e desempenhou um papel particular na formação da economia mundial entre os séculos XVI e XIX. Essas relações foram ou destruídas ou radicalmente reconstruídas pela transformação da economia mundial no século XIX. A segunda foi criada pelos processos históricos e pelo conjunto das relações sociais específicas da própria economia mundial do mesmo século. A segunda escravidão consolidou uma nova divisão do trabalho e forneceu um volume considerável de matérias-primas e gêneros alimentícios aos poderes industriais centrais. Longe de ser uma instituição moribunda durante o século XIX, a escravidão demonstrou toda a sua adaptabilidade e vitalidade.”. Essa orientação revigora a tese de Eric Williams, afirmando não só que o capitalismo europeu conviveu com a escravidão nas américas, como foi o pressuposto decisivo nos processos globais de acumulação e divisão do trabalho.

Não é fortuito, portanto, que a expansão da estatalidade se dê, também, na criação de um domínio (macro) econômico nacional. Essa é a moção das reformas legislativas da metade do século XIX – a saber, o Código Comercial (Lei n. 556 de 25 de Junho de 1850), a Lei Eusébio de Queirós (Lei n. 581 de 4 de Setembro de 1850) e a Lei de Terras (Lei n. 601 de 18 de Setembro de 1850): sinaliza-se o fim da escravidão e restringe-se o acesso à terra.8 8 HOLSTON, 2013, p. 155-196. Podemos, então, dizer que essa conjunção é responsável pela estruturação de uma ordem econômica liberal no país.9 9 BERCOVICI, 2016, p. 42-3.

Mas, como se pode ver, o movimento de contradições (algumas meramente aparentes) nesse quadro de totalidade exige cuidado, e a inserção das ferrovias no âmbito nacional está exatamente nessa encruzilhada – Estado, Economia e Escravidão.

De um lado, os investimentos em novas técnicas eram considerados muito arriscados e as grandes extensões de terra ainda não aproveitadas estimulavam a continuidade dos “métodos tradicionais” (dentre os quais a própria escravidão). Por outro, os proprietários pediam apoio governamental à atividade produtiva na forma de “melhoramentos materiais”, ou seja, com obras de infraestrutura – nisso incluídos portos, serviços urbanos, estradas, ferrovias e imigração estrangeira. A organização do trabalho, por sua vez, estava ligada diretamente à extinção do tráfico de escravos e, ao cabo, com o fim da escravidão. Desse modo, a preocupação generalizada com a abolição gradual era um meio de evitar a “emancipação” repentina e com isso uma suposta desorganização na estrutura produtiva, que estava em pleno crescimento. Atentos às inovações técnicas mundiais, alguns produtores viram nas ferrovias uma forma de reduzir os custos dos transportes (à época feito por mulas) e liberar a mão de obra envolvida nessa atividade, além de permitir a expansão da fronteira agrícola.10 10 COSTA, 1998, p. 219-222. O tema da escassez da mão de obra gerou controvérsia à época e posteriormente na historiografia. Isso porque argumenta-se que a implantação das ferrovias teria aumentado a fronteira agrícola, o que demandaria mais trabalhadores; afora a própria construção dos empreendimentos, que também exigia grande volume de obreiros. Em contraposição, Lamounier (2012, p. 43-8; 265-6) argumenta que não faltavam braços, embora o problema fosse sentido de forma distinta nas diferentes regiões. Ou seja, inferências precipitadas sobre o caráter antiescravista das ferrovias brasileiras não correspondem às circunstâncias históricas.

Em meados do século XIX, o Estado Imperial engaja-se na tarefa de possibilitar a construção de caminhos de ferro a partir de leis que definem privilégios e garantias. Após algumas experiências de pouco êxito,11 11 A saber, a lei de 31 de outubro de 1835 e as leis da Assembleia Provincial de São Paulo de 18 de março de 1838 e 30 de março de 1838 (MATOS, 1990, p. 59-65). é emitido o Decreto nº. 641 de 26 de junho de 1852, que autoriza o governo conceder a construção de caminho de ferro que ligasse Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais – regiões de expansão da produção cafeeira (Vale do Paraíba). Além das disposições que asseguravam ao concessionário benefícios – como o privilégio de zona e a garantia de juros –, o referido diploma proibia a Companhia de possuir escravos e obrigava a utilização de mão de obra livre (nacional ou estrangeira).

A partir desse decreto iniciou-se um período de concessões e obras. As linhas eram inauguradas e as obras continuavam (por décadas) a fim de ampliar os trechos. Nas primeiras duas décadas (1850-1870) foram construídos 744km de estradas em todo país. Já entre 1871 a 1890 esse número subiu para 9228 km, sendo grande parte na província de São Paulo (cerca de 24,3% do total da malha do país em 1890).12 12 LAMOUNIER, 2012, p. 50; 69; 155. A primeira ferrovia inaugurada foi a Estrada de Ferro Mauá em 1854, no Rio de Janeiro – que contou com um trajeto curto e veio a ter pouca relevância econômica. Já em 1858 foi inaugurada em Pernambuco a segunda ferrovia no Brasil, a Recife and São Francisco Railway Company. No mesmo ano de 1858 começariam as construções da Estrada de Ferro D. Pedro II, que ligou o Rio de Janeiro à região do Vale do Paraíba em 1864. Em 1860, teve início a construção da estrada de ferro que ligaria o porto de Santos a Jundiaí, a chamada São Paulo Railway Company, vindo a ser inaugurada em 1867.

É preciso atentar que a construção das ferrovias ocorreu de maneira distinta nas diferentes regiões do país, refletindo a dinâmica econômica regional de cada época. A tentativa de modernização e a dificuldade da competição internacional da produção açucareira do Nordeste contrastava com a dimensão de prosperidade do café no Sudeste. Isso reverberou no modo como cada região reagiu ao fim do tráfico internacional e à legislação de abolição gradual, especialmente no que diz respeito ao recurso ao tráfico interprovincial – que passou a se concentrar em direção ao Sudeste.13 13 MARQUESE, 2013b, p. 306. A partir de 1870, fatores como crescimento da produção e exportação de café, crescimento populacional e expansão ferroviária tornaram-se elementos indissociáveis,14 14 Para Lamounier (2012, p. 37), essa indissociabilidade se manifesta especialmente em São Paulo. A autora compartilha dessa premissa com Sergio Milliet [1946], Odilon N. de Matos [1974] e Flávio Saes [1981]. formando uma espiral crescente: otimização do frete; intensificação da produção; intensificação da mão de obra escrava.15 15 MARQUESE, 2013b, 306-309.

Mas, diante desse quadro, o que parte da historiografia demonstra é que as ferrovias, especialmente nas primeiras décadas de suas construções, se valeram (direta e indiretamente) da mão de obra escrava ou impuseram condições de trabalho tão duras que tornavam trabalhadores livres indiferentes de escravos (e vice-versa). É dizer, as ferrovias não apenas contribuíram para uma economia escravista, mas os empreendimentos apoiaram-se diretamente na escravidão.

Ao invés de enxergar nessa constatação um mero descumprimento da lei (Decreto n. 641 de 1852, art. 1º, §9º), o presente trabalho pretende dialogar com alguns desses autores a fim de atribuir outros contornos jurídicos àquilo que é visto como uma situação ao arrepio do Direito. A nosso ver, existe uma lacuna de conhecimento em torno dos possíveis entendimentos jurídicos sobre esses acontecimentos.

Assim, considerando a construção das ferrovias brasileiras no século XIX, eis o problema que move a presente investigação: como compreender juridicamente a ocorrência do trabalho escravo a despeito de específica proibição legal, num período em que a escravidão ainda não havia sido abolida?

3) Construção das ferrovias: mão de obra e as distinções jurídicas.

Decreto 641 de 26 de Junho de 1852: “art. 1º [...] § 9º A Companhia se obrigará a não possuir escravos, a não empregar no serviço da construcção e costeio do caminho de ferro se não pessoas livres que, sendo nacionaes, poderão gozar da isenção do recrutamento, bem como da dispensa do serviço activo da Guarda Nacional, e sendo estrangeiras participarão de todas as vantagens que por Lei forem concedidas aos colonos uteis e industriosos.”.

“Paradoxalmente, o regime proposto para aqueles em transição para a liberdade e para os libertos não se diferenciava muito daquele proposto como regime de trabalho livre. [...] No entanto, trabalho livre era apenas uma vaga ideia. Significava, em geral, o trabalho do não escravo africano mas poderia assumir diferentes formas, dependendo da característica dos trabalhadores: ex-escravos, africanos, brasileiros livres pobres, imigrantes asiáticos ou europeus. Evidentemente, as experiências então realizadas com os diversos tipos de contrato (parceria, locação de serviços, ou outros mistos) atuavam como modelos possíveis (aceitos ou questionados) de modos de reorganização das relações de trabalho diante de um eventual fim da escravidão.”16 16 LAMOUNIER, 2012, p. 55-6.

A premissa fundamental que precisamos ter em conta é que o trabalho escravo não é oposto ao trabalho assalariado, sendo evidente que no Brasil do século XIX ambos conviveram.

Isto posto, temos que os trabalhadores se vinculavam à construção das ferrovias em uma relação mediada pela lei e o contrato. A lei proibia o uso de mão de obra escrava, o contrato garantia a vinculação ao trabalho. A construção se dava por regime de empreitada: as companhias contratavam empreiteiros e estes contratavam a mão de obra ou ainda subempreiteiros que, por sua vez, contratavam os obreiros. Ou seja, na maior parte, tecnicamente, a mão de obra não pertencia às companhias concessionárias.17 17 LAMOUNIER, 2012, p. 152; SOUZA, 2007, p. 42-3; SOUZA, 2013, p. 42. Segundo esses autores, o arranjo de subcontratações faz com que os escravos sejam de difícil rastreamento nas fontes, visto que não constam nos relatórios oficiais das empresas ou dos órgãos da administração.

Na sua tese de livre-docência, Maria Lúcia Lamounier18 18 Op. cit.: LAMOUNIER, Maria Lúcia. Ferrovias e Mercado de Trabalho no Brasil do Século XIX. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012. sustenta que apesar das proibições legais e contratuais, há indícios de que a regra não foi seguida, sendo aplicada seletivamente apenas para as companhias e os empreiteiros principais, deixando de fora os empreiteiros menores, subempreiteiros e os prestadores de serviços.19 19 LAMOUNIER, 2012, p. 161. A autora acrescenta que a mão de obra escrava havia sido empregada em outras experiências ferroviárias internacionais, como nos EUA e em Cuba, além disso, era empregada em outros transportes realizados no Brasil e, inclusive, em obras públicas (2012, p. 161-2). Para exemplificar o argumento, a autora enumera relatos que evidenciam a presença de mão de obra escrava na Recife and São Francisco Railway Company, na Estrada de Ferro D. Pedro II, na São Paulo Railway Company e na Estrada de Ferro do Cantagalo. 20 20 Um desses relatos é o anúncio no Diário de Pernambuco de 6 de julho de 1857, em que se lê: “A pessoa que tiver escravos e quiser alugar para trabalhar na estrada de ferro, pagando-se mil rs. por dia, ou mesmo gente forra que se queira sujeitar, dirija-se à rua estreita do Rosário n. 25, segundo andar.” (apudLAMOUNIER, 2012, p. 164). Igualmente, outro indício que corrobora a percepção de que se tratava de um fenômeno generalizado e de dimensões expressivas é o mapeamento da ocupação dos escravos. Segundo os dados de 1872, embora a maior parte estivesse em serviços agrícolas, dentre os que estavam em outras atividades haviam: 4013 na construção, 5599 na carpintaria, 1858 eram “artistas”, 1075 trabalhadores metalúrgicos, 769 mineiros e trabalhadores de pedreiras – todas essas eram ocupações de apoio às obras de construção de ferrovias (LAMOUNIER, 2012, p. 165).

Uma das formas de engajamento dessa mão de obra era feita por contratos de locação de serviços. Esse instituto tinha previsão em duas leis da primeira metade do século XIX: a Lei de Locação de Serviços de 13 de setembro de 1830 (prestação de serviços por tempo determinado ou por empreitada) e a Lei de Locação de Serviços de 11 de outubro de 1837 (locação de serviços de estrangeiros) – ambas revogadas posteriormente pelo Decreto n. 2827 de 15 de março de 1879. A partir da década de 1850, a locação de serviços passou a ser considerada uma alternativa ante à extinção do tráfico, uma vez que a compra de pessoas escravizadas parecia não ser mais um negócio promissor.

Esses contratos também eram utilizados como instrumento para alforrias onerosas, em que escravos se comprometiam a locar seus serviços a outrem a fim de “financiar” a sua alforria junto ao senhor. Desse modo, os termos contratuais refletiam a hierarquia dada pela assimetria entre locatário e locador, sendo escravos, libertos, imigrantes, brasileiros livres e pobres, os principais sujeitos a esse tipo de pactuação.21 21 A pesquisa de Marília Ariza (2013, p. 6) analisa os dados provenientes de contratos de locação de serviços na cidade de São Paulo, no período compreendido entre 1830-1888. A autora afirma que essa assimetria era percebida nas condicionantes da prestação de serviços que: “surgem nos contratos ora imbuídas de conteúdos explicitamente coercitivos, ora mascaradas como direitos dos trabalhadores. Dizem respeito a restrições à mobilidade dos trabalhadores; obrigações do locatário com o provimento de subsistência básica e cuidados médicos aos trabalhadores; possibilidade de remissão de serviços; acréscimo de tempo ao prazo estabelecido para o pagamento da dívida em serviços; e o direito reservado ao locatário de transferir os serviços locados de acordo com seu julgamento e interesse.”.

Outra possibilidade de arregimentação de mão de obra servil era o aluguel de pessoas escravizadas nas fazendas, em períodos em que essas não eram submetidas à utilização na lavoura ou em baixas do café – o que por vezes se mostrava uma atividade mais lucrativa para os fazendeiros.22 22 LAMOUNIER, 2012, p. 163; 252; SOUZA, 2013, p. 46. Em ambos os casos, o que nos interessa é perceber como era conformada juridicamente uma certa ambiguidade, que fazia com que se transitasse entre escravidão e liberdade.

Essas relações jurídicas, fundamentadas na coerção, guardavam mais indefinições do que um regime de segurança jurídica. Refletindo sobre estes termos, Marília Ariza afirma que esses contratos são pouco documentados e se caracterizam por possuírem uma vocação dúbia, pois:

Embora tenham se constituído expedientes recorrentemente utilizados por homens e mulheres escravizados em sua busca por liberdade, proporcionaram a continuada exploração de seu trabalho nos moldes da escravidão. Não apenas o produto de seu trabalho permanecia alienado aos locatários de seus serviços, mas também as relações de trabalho desenvolvidas entre locadores e locatários de serviço assentavam-se sobre o solo do paternalismo senhorial e da expropriação escravista. 23 23 ARIZA, 2013, p. 2.

No mesmo sentido, Robério de Souza, ao comentar o relato de um superintendente inglês na Bahia and São Francisco Railway Company, reflete sobre essas indefinições jurídicas:

[...] o esforço do superintendente inglês de negar a existência de trabalho escravo na estrada de ferro esbarrava, mais uma vez, na dificuldade de identificar precisamente qual a condição jurídica dos trabalhadores: ‘o contratador não pode saber possivelmente se eles [eram] livres ou escravos’. Ao contrário de se constituir uma dificuldade comprovar a condição jurídica dos trabalhadores que se apresentavam nos canteiros de obras, as palavras do superintendente, mais uma vez, revelam os dilemas em torno das indefinições jurídicas e, como consequência, as ambiguidades latentes que precarizavam a condição da liberdade na sociedade escravista. [...]

Pelo visto, a possível dificuldade em identificar com precisão a condição jurídica de livre ou escravo daqueles trabalhadores se somava, de certo modo, à indiferença quanto à questão por parte dos empregadores ingleses. Estes, inseridos em uma sociedade de ordem escravista, pareciam pouco se importar com o fato daqueles trabalhadores serem escravos ou livres.24 24 SOUZA, 2013, p. 46-7.

Essa incerteza que se manifestava nos arranjos dos contratos de locação, verificável no âmbito de construção das ferrovias, foi conveniente ao quadro geral de preocupação com a emancipação. Em perspectiva temporal ampliada, Maria Lúcia Lamounier chama atenção como essa ambiguidade era útil à reorganização gradual das relações de trabalho em termos jurídicos. Não é sem motivo, portanto, que o debate sobre uma nova lei de locações de serviços tenha acompanhado os debates sobre as leis de abolição. O seguinte trecho do discurso de Nabuco Araújo, em 1867, quando dos debates da Lei do Ventre Livre, ilustra a compreensão que se poderia ter acerca das características dos serviços:

Punir os vagabundos e vadios, não com a prisão simples, que é o que eles desejam, mas com o trabalho nos estabelecimentos ou colônias disciplinares. [...] Essa providência relativa aos novos libertos é aliás reclamada como uma medida geral, em vista dos milhares de vagabundos e vadios nacionais e estrangeiros que inundam as nossas capitais e ameaçam a ordem pública. [...] Rever a lei de locação de serviços para adaptá-la às necessidades da colonização e às consequências da emancipação.25 25 ARAÚJO apud LAMOUNIER, 2012, p. 61.

Essas providências que obrigavam os libertos a se engajarem em contratos foram adotadas no texto final da Lei do Ventre Livre.26 26 Dentre os dispositivos da Lei n. 2.040 de 28 de setembro de 1871, o §5º do art. 6º determina: “Art. 6º Serão declarados libertos: [...] § 5º Em geral, os escravos libertados em virtude desta Lei ficam durante cinco annos sob a inspecção do Governo. Elles são obrigados a contractar seus serviços sob pena de serem constrangidos, se viverem vadios, a trabalhar nos estabelecimentos publicos. Cessará, porém, o constrangimento do trabalho, sempre que o liberto exhibir contracto de serviço.”. Assim, pessoas escravizadas eram vinculadas a contratos de serviço antes da “liberdade” e uma vez “libertadas” estendiam-se os trabalhos forçados. O que Lamounier observa, então, é que o conteúdo desses contratos era muito semelhante aos contratos oferecidos aos trabalhadores “livres”, “que passaram por sua vez a ser cada vez mais intensamente submetidos a um controle de fato efetivo”.27 27 LAMOUNIER, 2012, p. 62.

Em 1879, a nova Lei de Locação de Serviços (Decreto n. 2827 de 15 de março de 1879) complementava a Lei do Ventre Livre e trazia disposições especificas para o trabalho na agricultura, estabelecendo pena de prisão e trabalhos forçados, bem como a diferenciação de prazos para os trabalhadores.28 28 A duração dos contratos poderia ser de 5 anos para estrangeiros, 6 anos para brasileiros e 7 anos para libertos. Essa lei conformou um ciclo na reorganização do trabalho e só veio a ser revogada por meio do Decreto n. 213 de 22 de fevereiro de 1890 – que também revogou expressamente as Leis de 1830 e 1837.29 29 O preâmbulo do referido decreto classificava de “vexatorios preceitos que regulam os contractos de locação de serviço agrícola”, visto que a legislação anterior sequer atribuía o estatuto de parte contratante ao locador.

Diante desse enquadramento, tendemos a concordar com Maria Lúcia Lamounier quando afirma que “a transformação nas relações de trabalho implicava a submissão de todos os trabalhadores em um status muito semelhante ao trabalho forçado”.30 30 LAMOUNIER, 2012, p. 64. Não causa estranheza, portanto, que a principal tese da autora seja a de que “as ferrovias não contribuíram significativamente para alterar os moldes em que se pensava a transformação das relações de trabalho”.31 31 LAMOUNIER, 2012, p. 51.

Ainda assim, entre o descumprimento da lei que proibia a mão de obra escrava na construção das ferrovias e o processo de abolição gradual com a cristalização das formas tradicionais de manejo do trabalho, parece faltar um elo que possa iluminar uma relação de continuidade e afastar a aparência de dois processos paralelos, autônomos e de amplitudes diferentes.32 32 Ou, mesmo, uma acusação de uma teleologia. Isso porque, isolados os dois termos, parecem tratar de situações juridicamente independentes. Repousariam, de um lado, os status que indefiniam os escravos/libertos e esquivavam os empreiteiros de uma possível sanção, e de outro, os contratos de locação de serviços com os trabalhadores (livres e libertandos) e de locação de escravos com os fazendeiros. Essa situação se agrava ainda mais se considerarmos que o pouco lastro em contratos escritos sugere fragilidade das inferências jurídicas.

Contudo, a situação de fato denunciada por essa historiografia não pode ser ignorada. Tampouco convém isolá-la, como se fosse um fenômeno pontual de descumprimento de uma lei e de pouco potencial representativo. Não podemos negar que entre esses polos – escravidão sob proibição e trabalho sob coerção legal – havia uma ambiguidade que indefinia juridicamente escravidão e liberdade. Sendo assim, talvez, esse elo possa ser encontrado na compreensão que estrutura o Direito para além dos textos das leis e dos contratos.

No que concerne aos aspectos civis da escravidão, o panorama das fontes do Direito no Brasil do século XIX é relativamente amplo, atravessando um espectro que abrange as Ordenações Filipinas, as leis civis ordinárias, a legislação colonial não derrogada, o Código Comercial, a jurisprudência, os atos administrativos do governo imperial, os pareceres oficializados do Instituto dos Advogados do Brasil e, como fontes subsidiárias, o direito canônico e o direito romano – sendo este último particularmente decisivo no campo das incertezas.33 33 WEHLING, 2006, p. 335. Ante esse conjunto, segundo Arno Wehling, “o escravo era res, simultaneamente coisa e pessoa”.34 34 WEHLING, 2006, p. 340. Segundo Arno Wehing (2006, p. 342): “No campo das obrigações [...]: a regra era a de que o escravo não se obrigava, nem a seu senhor ou a terceiros. Excepcionalmente, o escravo poderia contrair certas obrigações (contratos, responsabilidade) mas, nestas situações, a legislação o impedia de propor ação para fazer valer seus direitos. Também nestes casos, onde abundavam as missões legais, aplicava-se freqüentemente o Direito Romano como fonte das decisões. [...] Como objeto de relações jurídicas, aplicavam-se amplamente ao escravo os institutos da lei civil, quer no campo do direito obrigacional – contratos em geral, compra e venda, comodato, arras, etc. – quer no campo dos direitos reais.”. Para o que nos interessa aqui, convém que extraiamos algumas consequências dessas concepções em alguns dos jurisconsultos da época.

Se resolvermos explorar a questão das indefinições que pairavam sobre os status dos escravos que trabalhavam na construção das ferrovias, concentrando-nos sobre as distinções jurídicas da condição de escravo ou liberto em si, teremos que encaminhar a investigação à luz da situação limítrofe que a alforria condicionada poderia suscitar. Veremos, contudo, nesse ponto, que as distinções jurídicas pouco explicam o que é denunciado pela historiografia citada.

Augusto Teixeira de Freitas (1816-1883) na sua Consolidação das Leis Civis [1858], embora não tenha incluído a “mancha” da escravidão para fins de sistematização, explora nas suas notas as nuances possíveis entre escravidão e liberdade. No Título II (Das Cousas) da Parte Geral, na nota acrescida ao art. 42, que define as espécies de bens, o jurista enfatiza, a partir do Direito Romano, a existência de um estado médio (estado-livre) para quem está destinado a ser livre depois de certo tempo ou condição. Enquanto a condição não se implementasse ou pendesse o decurso do prazo, tendemos a entender que, para o referido jurista, o estado-livre pouco diferia do status dos demais escravos.35 35 FREITAS, 2003, v.1. p. 36. O trecho em comento é o seguinte (2003, v.1. p. 36): “Como a alforria póde sêr dada por fideicommisso, á prazo, ou debaixo de condição, ha um estado médio entre a escravidão e a liberdade; e os escravos, que se-achão nesse estado, têm a denominação de—estado-livres—. Entende-se por –estado-livre– aquelle, que está destinado á sêr livre depois de certo tempo, ou depois do cumprimento de uma condição—L. 1ª pr. Dig. De statulib.[...] O estado-livre quasi em nada differe dos outros escravos, e porisso está sujeito às mesmas penas—L. 29 Dig. de stalulib. Revogada pela L. 9ª § 16 Dig. de punis, que manda punir o estado-livre como se fora livre.”.

Já Lourenço Trigo de Loureiro (1793-1870), em seu Instituições de Direito Civil Brasileiro, cuja primeira edição data de 1851 – sendo por isso a primeira exposição sistemática do Direito Civil no Brasil –, realça a importância do Direito Romano (conforme a Boa Razão e ao Direito Natural) como fonte subsidiária ao Direito pátrio (que ainda não dispunha de um código).36 36 HESPANHA, 2010, p. 123;148-9. No Brasil, as leis teriam suavizado a condição dos escravos em relação à antiga compreensão de que seriam coisas.37 37 LOUREIRO, 2004, v.1., p. 43. Contudo, no ponto que nos interessa, assim como Teixeira de Freitas, o autor também parece deixar a questão na indefinição, qualificando de libertos imperfeitos aqueles que ainda não gozam da liberdade natural, em oposição aos libertos perfeitos que entram em plena liberdade no ato da manumissão.38 38 LOUREIRO, 2004, v.1., p. 42. Trata-se do seguinte trecho, na dicção do autor (2004, v.1., p. 42): Intendemos aqui por libertos imperfeitos aquelles, que ainda não entrarão no pleno gozo da liberdade natural, por terem ficado sujeitos ao serviço de seus patronos por certo e determinado tempo, por virtude de condição accrescentada ao acto da manumissão. E restringimos a esses a disposição geral da citada Ord., porque os escravos manumittidos puramente, a que chamamos libertos perfeitos, entrão desde logo no pleno gozo da liberdade, e por isso mesmo não podem mais, entre nós, ser reduzidos á escravidão por motivo de ingratidão committida para com seus patronos;”.

A contraposição a esses dois jurisconsultos pode ser vista na obra Escravidão no Brasil: Ensaio Historico-Juridico-Social [1866], de Agostinho Marques Perdigão Malheiro. Para o jurista, o statuliber não é mais escravo e, por isso, conclui:

1º que o statuliber é liberto, embora condicional, e não mais rigorosamente escravo; 2º que elle tem adquirido desde logo a liberdade, isto é, o direito; ou antes desde logo sido restituído á sua natural condição de homem e personalidade; 3º que só fica retardado o pleno gozo e exercício da liberdade até que chegue o tempo ou se verifique a condição; á semelhança dos menores, que dependem de certo factos ou tempo para entrarem, emancipados, no gozo de seus direitos e actos da vida civil [...].39 39 MALHEIRO, 1866, p. 167-8.

Vemos, portanto, que há um debate doutrinário com relação ao status do sujeito à alforria condicionada.40 40 A edição consultada do Curso de Direito Civil Brasileiro [1865] de Antônio Joaquim Ribas (1818-1890) data de 1880, não sendo possível encontrar ali qualquer disposição sobre o tema da alforria condicionada que fosse relevante para o presente trabalho. Parece, então, que a situação de indefinição que pairava sobre os trabalhadores das ferrovias pouco pode ser explicada pela dúvida quanto ao estado-livre (statuliber). Teríamos que imaginar que nas obras houvessem fiscais do Império (ou outros responsáveis pelos contratos) com desenvoltura de jurisconsulto, para situações que nada tinham que ver com o ambiente forense. Deste modo, entende-se porque a dúvida que pairava sobre o status dos homens que ali trabalhavam mais ajuda à compreensão da estratégia de fuga (e não de emancipação) que alguns escravos se utilizavam para serem tomados como livres – o que por si, diz, também, da precariedade de como era visto o trabalho livre.41 41 SOUZA, 2013, p. 73-84.

Mas, sendo a alforria um ato formal, a apresentação do título de concessão era indispensável para impedir situações de reescravização.42 42 WEHLING, 2006, p. 337-8. Ademais, considerando que a literalidade do dispositivo determinava o emprego de mão de obra livre nas ferrovias, temos que a estrutura do impasse entre legalidade e a sua tergiversação para garantia do trabalho escravo aguarda explicação sob outro prisma jurídico.

4) Construção das ferrovias: condições de trabalho e a indistinção de status.

“Enquanto o mercado de trabalho foi predominantemente alimentado pelo tráfico negreiro e pela imigração — enquanto a economia brasileira comia os trabalhadores crus —, o poder político encontrava-se em face de trabalhadores mantidos em situação de infracidadania.”43 43 ALENCASTRO, 1987, p. 20.

“Devemos nos perguntar, inicialmente, por que não se tentou transformar escravos em trabalhadores livres, ou por que não se incentivou a vinda de gente das áreas pobres do Nordeste. A resposta à primeira envolve dois aspectos: de um lado, o preconceito dos grandes fazendeiros dificultava ou mesmo impedia que eles imaginassem a hipótese de mudança de regime de trabalho da massa escrava; de outro, é duvidoso que, após anos de servidão, os escravos estivessem dispostos a ficar em uma situação não muito diversa da que tinham. Lembremos, nesse sentido, o fato de que os imigrantes se viram forçados a pressionar os fazendeiros, sobretudo quando ainda existia o regime servil, para conseguirem melhores condições do que as dos escravos.”44 44 FAUSTO, 2013, p. 175-6.

Para que a proibição do trabalho escravo, sob vigência da escravidão, pudesse ser considerada uma experiência contrastante com à época, seria necessário que oferecesse condições de trabalho distintas das que haviam nos âmbitos de trabalho forçado. Do contrário, como era comum ocorrer, a escravidão impunha um padrão de condições de trabalho que arrastavam as demais formas para a sua semelhança.45 45 Sobre esse espelhamento, Lamounier afirma (2012, p. 167): “A viagem, a negociação dos contratos, assim como as condições a que os trabalhadores ficavam submetidos eram, na época, denunciados como outro tipo de escravidão. Para os chamados cules indianos e chineses, os contratos podiam durar de sete a catorze ou mais, com cláusula de obrigatoriedade de renovação, período em que os trabalhadores ficavam submetidos a baixos salários, duras condições de trabalho, vivendo em habitações e condições de saúde e higiene precárias. Havia ainda restrições à mobilidade espacial dos trabalhadores, penas de prisão por deserção e seus contratos podiam ser negociados durante o período, isto é, eles podiam ser vendidos ou transferidos para outros contratantes. Imigrante europeus e asiáticos eram os principais alvos dos recrutamentos, e foram inúmeras as propostas de engajamento de imigrantes nessas condições para o Brasil na segunda metade do século XIX. Há vários indícios do emprego de trabalhadores chineses e portugueses nas obras de construção de ferrovias no Brasil.”.

Passada as fases de estudos preliminares, reconhecimento do terreno e elaboração dos projetos, começava a obra propriamente dita. O trabalho de construção das ferrovias, no entanto, exigia enorme volume de esforço braçal e severas tarefas sem qualificação técnica. Atividades como desmatar, escavar, remover terra, entre outras, eram realizadas em locais isolados e com condições precárias de trabalho e acomodação, comportando pessoas de diversas etnias sob a tensão de disciplina e insurgências.46 46 LAMOUNIER, 2012, p. 257. SOUZA, 2013, p. 97. O contraste entre as obras de complexa engenharia com o trabalho braçal para a sua execução, era ainda permeado por diversos acidentes de trabalho – provocados na maior parte por deslizamentos de terras – e por doenças tropicais.47 47 LAMOUNIER, 2012, p. 259; SOUZA, 2013, p. 97, 102.

Entre os trabalhadores, os estrangeiros recebiam salários melhores e contavam com proteção do consulado (especialmente os europeus), o que em parte lhes dava algum incentivo para reivindicações em comparação aos demais. Outra distinção com relação aos trabalhadores brasileiros era o fato de que aqueles tinham os seus contratos de trabalho formalizados. Ao cabo, esses contratos serviam como instrumento de coerção extra-econômica, ainda que previssem direitos – vez que muitos desses eram frustrados.48 48 SOUZA, 2013, p. 119, 123, 139; LAMOUNIER, 2012, p. 261-3. Mas, se as condições de trabalho eram duras para todos, sem dúvidas eram piores para os brasileiros. Na expressão de Robério de Souza, estes estavam entregues à própria sorte.49 49 SOUZA, 2013, p. 125.

No entanto, podemos observar que a experiência em comum desses trabalhadores fazia-se em torno dessas condições precárias de trabalho. Mais que isso, pela impossibilidade de romper com essas adversidades sem que houvesse enfrentamento com a disciplina que mantinha o serviço. Neste sentido, Robério de Souza sustenta:

Se, por um lado, convém ressaltar que, assim como os senhores de escravos, certamente, os empreiteiros ingleses esperavam deferência nas relações de trabalho, mostrando-se estarrecidos com o comportamento não subserviente e com a altivez dos trabalhadores quando exigiam seus direitos, por outro, é interessante notar, também, como estes trabalhadores estrangeiros, antes considerados prodigiosos, passaram rapidamente a ser vistos como ociosos e desordeiros em comparação com os trabalhadores nacionais, coincidentemente, no contexto de suas reivindicações por direitos. Ainda que reflita um olhar patronal e sob a força do estigma, esta forma de vê-los, de outro modo, indica que estes diferentes homens, estrangeiros e brasileiros, escravo, livres ou libertos têm muito mais elementos que aproximam suas experiências no mundo escravista oitocentista.50 50 SOUZA, 2013, p. 134.

A aproximação que esses trabalhadores de diversos estados civis (brasileiro livre, liberto, libertando, escravos, estrangeiros) experienciaram faz com que o descumprimento da norma que proíbe a escravidão nas ferrovias não possa ser dado por trivial. Que a escravidão seja amplamente difundida e justo ali, onde ela era proibida, ocorra com normalidade, impondo semelhança aos demais trabalhadores livres, é algo que devemos tomar como revelador de uma transformação social que o Direito da época é testemunha e cúmplice.

A proibição do trabalho escravo e a forma disciplinar de condução do trabalho (escravo) produz dois termos contraditórios que culminam na indistinção laboral sob o viés disciplinar. Trabalha-se como um escravo sem o poder ser. Pretende-se ser livre sem o ser. Diante dessas duas assertivas materiais, as distinções jurídicas se desmancham. Que isso tenha ocorrido durante a escravidão talvez aponte para o embrião de algum elemento de continuidade, silencioso.

Claro, não se ignora o corte racial da escravidão. Sobre os homens de cor branca, na maioria imigrantes, pouco lhes devia incomodar as suspeitas acerca do seu status jurídico – para estes, a distinção jurídica importava na medida em que a lei se inscrevia na pele. O ponto que quero ressaltar, contudo, é que as condições materiais que impunham uma certa “indistinção” de status provinham também de alguma forma jurídica.

Podemos entender que esse poder disciplinar que se verifica na condução das obras possui forma jurídica de elemento arcaico, preservada pelo Estado, ainda que em sua abstenção, mas que, novamente, pode ser encontrada na compreensão dos juristas da época.

É provável que essa forma que identificamos guarde estreita semelhança com o poder que era exercido na casa. Segundo Airton Seelaender, esse poder da casa era um “poder disciplinar doméstico, descentralizado e não estatal” e que, embora não fosse “só esfera jurídica, a casa podia, em certo grau, ser juridicamente descrita e ter suas relações traduzidas ou reguladas pela linguagem do Direito”.51 51 SEELAENDER, 2017, p. 338; 347. O estudo de Seelaender demonstra como a força do conceito de “casa” é de tal forma marcante que permanece como continuidade que ressurge em diversos momentos, mesmo no contexto abolicionista, sendo, portanto, um elemento fundamental para entender a embrionária contratualização das relações de trabalho (2017, p. 352-6). Neste ponto, os escritos dos juristas da época exercem muita relevância, pois, na mesma medida em que adentravam a esfera da casa, também a descreviam e a juridicizavam.52 52 SEELAENDER, 2017, p. 366. Convém, portanto, investigar aonde podemos encontrar possíveis rastros que expliquem o que autorizava tal modo de condução dos trabalhos na construção das ferrovias.

Como foi visto, para alguns fazendeiros, alugar os seus escravos em razão da sazonalidade da lavoura e da remuneração oferecida nas ferrovias era uma atividade lucrativa;53 53 LAMOUNIER, 2012, p. 255, 260. da mesma forma, a esperança de jornais mais altos que na lavoura induzia a oferta de locação de serviços pelos diversos sujeitos que podiam se submeter a esse tipo de contrato.

No que tange à locação de serviços, Teixeira de Freitas entende que “só serviços corporeos, ou mais corporeos que espirituaes, alimentão a locação de serviços [locação d'obras]”.54 54 FREITAS, 2003, v.1., p. 447. Esse tipo de locação seria regulada pelas Leis de 1830 e 1837, em oposição à locação mercantil disposta no Código Comercial.55 55 FREITAS, 2003, v.1., p. 447-451. É provável que os jornaleiros contratados na construção das ferrovias não estivessem submetidos a prazos e preços fixos – traço que para Freitas era distintivo da locação mercantil –, visto que tanto o prazo quanto o jornal poderiam variar de acordo com o andamento das obras. Essa, no entanto, parece ser uma falsa polêmica se não estivermos assentados em contratos escritos, que é o caso do presente trabalho, razão pela qual foge ao nosso objeto.

Ao pesquisarmos nas Instituições de Trigo Loureiro, vemos uma compreensão que é iluminadora sobre o entendimento do que era uma locação de serviços nesses moldes:

Os servos alheios, assim chamados por contraposição a servos próprios, ou escravos, não são propriamente servos; porquanto servem por sua própria vontade, e são geralmente conhecidos entre nós pelo nome de criados; Ord. liv, 4, tit. 2S in princ. ibi —todo o homem livre poderá viver com quem quizer—, e lei de 13 de Setembro de 1830, e de 11 de Outubro de 1837.56 56 LOUREIRO, 2004, v.1. p. 47-8.

O referido jurisconsulto compreende o locador de serviço em oposição ao escravo, chamando aquele de servo alheio, e que por isso não seriam propriamente servos, visto que servem por vontade própria. Parece-nos, aqui, que a introdução do elemento da vontade não é algo que contradiz o fato de que servem, por isso, seriam servos impróprios. Por outro lado, algo se conserva em relação ao escravo, visto que guarda semelhança por oposição (reconhece-se pela desidentificação). E essa parece ser a principal chave de leitura: o servo alheio (impróprio) não é propriedade de alguém, mas, por servir, o faz ser um tipo de servo (no caso exemplar, o criado). Ao locatário o serviço é devido, mas a propriedade não lhe pertence.

O fato de que o servo não seja mais entendido como propriedade de alguém indica que não é mais coisa. Mas como vimos, a doutrina do século XIX, sabia que o escravo era coisa (por ficção) e pessoa (destituída de toda capacidade).57 57 Mesmo Teixeira de Freitas (2003, v.1. p. 35) entende que: “os escravos, como artigos de propriedade, devao ser considerados cousa; não se-equiparão em tudo aos outros semoventes, e muito menos aos objetos inanimados, e porisso tem legislação peculiar”. Desta forma, o poder disciplinar doméstico, aos quais os escravizados estavam submetidos, se estruturava não apenas por um “título de propriedade”, mas por um conjunto de relações de dominação que conformavam uma ordem social (e o seu imaginário).58 58 SEELAENDER, 2017, p. 358-362. Analisando manifestação de Perdigão Malheiro, Seelaender afirma que (2017, p. 361): “Concebendo-se o escravo como integrante da casa, resguardava-se, no fundo, sua humanidade ao preço da submissão. Na síntese de um jurista da época: ‘o escravo é também homem; daí vem o direito, o poder sobre o escravo (potestas), como o poder do marido sobre a mulher, o poder do pai sobre o filho’. Garantido por lei – mas garantido, ousaríamos completar, por ser preexistente a ela –, seria ‘esse poder (potestas)’ que constituiria ‘a força moral do senhor sobre o escravo, como constitui a força moral do marido sobre a mulher, do pai sobre o filho’. Desse entrelaçar de forças morais – mais do que da violência direta – dependeriam, em última análise, a estrutura da casa e a própria ordem social.” Ou seja, essa antiga propriedade doméstica sobre pessoas escravizadas era mais complexa do que uma visão moderna de propriedade.

Para entendermos o que está em jogo nessa construção dos contratos de locação de serviços, é preciso que vejamos a configuração do servo próprio isolando os elementos em relação ao direito do senhor. Neste ponto, os juristas brasileiros trabalham debruçados sobre as fontes do Direito Romano e, embora não fossem poucas as diferenças de interpretação nos diversos temas, sobre este tópico específico, ao que parece, encontramos mais afinidades do que divergências.

Antônio Joaquim Ribas, em seu Curso de Direito Civil, expõe a genealogia da compreensão contemporânea do escravo ante aos direitos do senhor:

A dominica potestas dos Romanos, constando de dous elementos — o doininium e a potestas, impunha ao escravo dupla subjeição ao Senhor, e o considerava ao mesmo tempo como cousa e como pessoa. [...] Á proporção, porém, que o direito estricto se foi approximando do racional, foi-se restringindo a dominica potestas, e parallelamente alargando a capacidade dos escravos, esta instituição reconhecida como opposta á natureza, e a liberdade como faculdade natural.[...]

Entre nós também os direitos do senhor sobre o escravo constituem dominio e poder; em relação ao dominio o escravo é cousa, em relação ao poder é pessoa.59 59 RIBAS, 2003, v.2., p. 50-2. Segundo o jurista, no Direito Romano (RIBAS, 2003, v.2., p. 57): “O poder doméstico se dividia em: 1.º Potestas, que se subdividia em pátria e dominica; o primeiro recahia sobre os filhos, e o segundo sobre os escravos (2). 2.º Manus, ou o poder do marido sobre a mulher, quando in manuin mariti convenerat, poder que se assemelhava á pátria potestas (3). 3.º Mancipium, ou o poder que um estranho adquiria sobre os filhos, ou mulher de outrem in manu, vendidos pelo pai, ou pelo marido; este poder, embora mais se assemelhasse á dominica do que á pátria potestas, não se confundia, com elle inteiramente (4).”.

No mesmo sentido, Perdigão Malheiro, jurista reconhecido por sua inclinação abolicionista, ao comentar os elementos da propriedade que afetam o escravo, afirma:

Por isso que o escravo é reputado cousa, sujeito ao dominio (dominium) de seu senhor, é por ficção da lei subordinado ás regras geraes da propriedade. Enquanto homem ou pessoa (acepção lata), é sujeito ao poder do mesmo (potestas) com suas respectivas consequências – Em todos os paizes assim tem sido. E os Romanos nos fornecem uma abundante fonte de determinações a respeito.60 60 MALHEIRO, 1866, p. 66.

Considerando a divisão de direitos que o senhor tem sobre seu escravo (domínio/dominium e poder/potestas), tendemos a interpretar que diante do servo alheio, o locatário/amo não possui domínio, porém conserva o poder sobre os serviços. Entendida nesses termos, pode-se explicar a locação de serviços em oposição à escravidão, na medida em que nega um dos seus elementos e conserva outro.

Parece corroborar essa hipótese a observação da outra modalidade de engajamento da mão de obra, qual seja, o aluguel de escravos diretamente com os fazendeiros. Isso porque na locação do escravo também podemos observar a divisão desses poderes relativos ao senhorio. Vejamos a exposição de Perdigão Malheiro:

[...] Pelo direito de propriedade, que nelles tem, pode o senhor aluga-los, emprestal-os, vendel-os, dal-os, alienal-os, legal-os, constituil-os em penhor ou hypotheca, dispor dos seus serviços, desmembrar da nua propriedade o usofructo, exercer emfim todos os direitos legítimos de verdadeiro dono ou proprietário. [...]

O senhor póde fazer valer contra o possuidor ou detentor do seu escravo todas as acções que serião e são competentes a respeito da demais propriedade, v.g., a reivindicação – Bem como contra o próprio escravo para o sujeito ao seu poder.

Nota de rodapé 378: Idem [SAVIGNY] – Do mesmo modo que aquella é a protectora do dominio, esta (vindicatio in servitutem) o é o poder dominical (potestas).61 61 MALHEIRO, 1866, respectivamente, p. 68, 90.

Na locação do seu escravo, o senhor conserva o domínio, porém, o poder sobre a pessoa escravizada é dado transitoriamente ao locatário. Não é por outro motivo que as ações relativas ao domínio se exercem contra o possuidor ou detentor do escravo, enquanto que a ação relativa ao poder o é contra o próprio escravo.

Parece, portanto, que a disciplina que conduzia as construções das ferrovias e que submetia os trabalhadores à indistinção entre as precárias condições de trabalho tem a sua raiz jurídica nesse elemento derivado da propriedade sobre o escravo dentro do contexto de poder disciplinar doméstico. Na medida em que a potestas se afastava da sua origem na propriedade servil, conduzida no âmbito doméstico, e se alastrava para o âmbito da locação de serviços, as formas tradicionais de manejo e organização do trabalho tentavam identificar as novas experiências laborais à escravidão.

Em um contexto ampliado, este movimento denota os esforços que objetivavam a manutenção do poder senhorial como parte da estratégia de condução da abolição.62 62 Segundo Seelaender, a criação de mecanismos para preservação do âmbito da casa era algo consciente entre os senhores, e, neste sentido, o contrato desempenhava um papel fundamental. Desta forma, é esclarecedora a fonte trazida pelo autor (2017, p. 362): “Em carta publicada em diversos jornais pouco antes da Abolição, Paula Souza indicava como manter os negros ligados à casa, nesses difíceis momentos de transformação: ‘Desde 1 de janeiro não possuo um só escravo! Libertei todos, e liguei-os à casa por um contrato igual ao que tinha com os colonos estrangeiros (...) no pequeno discurso que lhes fiz ao distribuir as cartas, falei-lhes dos graves deveres que a liberdade lhes impunha, e disse-lhes algumas palavras inspiradas no coração (...) declarando-lhes (...) que minha casa continuaria sempre aberta para os que quisessem trabalhar e proceder bem. À exceção de três (...) todos ficaram comigo, e são os que me rodeiam, e junto dos quais me sinto feliz e contente’. Pelo lado dos juristas, as descrições que defendiam a perpetuação de certas compreensões tradicionais – como a dimensão do poder disciplinar – imiscuíam-se e juridicizavam relações antes restritas à esfera da casa, não apenas afirmando a supremacia estatal,63 63 SEELAENDER, 2017, p. 382. mas nesse caso conformando-a de um determinado modo. Logo, o poder que Seelaender identifica ter continuado nas relações de trabalho após a Abolição e a República, 64 64 Segundo a conclusão deste autor (SEELAENDER, 2017, p. 400): “A despeito de o Estado ter legalmente fulminado a escravidão, o velho poder doméstico não foi de todo banido do mundo do trabalho [...]. O que parecia restar das prerrogativas tradicionais da casa só passou a ser, nesse campo [do mundo do trabalho], cada vez mais defendido com a linguagem do liberalismo”. nós podemos enxergar já na construção das ferrovias durante o século XIX.

Sendo assim, é provável que a indistinção sentida no âmbito das valas obreiras não fosse tanto em função dos status entre escravidão e liberdade (trabalho entre livres e escravos), mas em razão da disciplina que aquela fornecia à esta (a mesma disciplina sobre escravos e livres).

A pressa de ver os trilhos construídos e as máquinas deslizando impunha que pouco importasse quem era escravo e quem era livre – certamente, ainda hoje, isso expressa o perigo de se deixar de lado as distinções da lei. Contudo, isso refletiu ali, em igual medida, os limites do âmbito da abolição e os horizontes de uma emancipação. Que a locação de serviços tenha sido uma das principais formas jurídicas para a reorganização das forças produtivas durante o período de abolição gradual talvez indique que o que ocorreu no âmbito da construção das ferrovias – aonde a lei proibia, mas o Direito permitia – tenha sido um grande laboratório em que “novas” relações de trabalho estavam sendo gestadas.

5) Conclusão

Sabendo que a forma jurídica é um vetor ativo de controle social, não surpreende que ainda hoje persistam ou sejam reelaborados mecanismos que foram utilizados no Brasil século XIX. A preferência por contratação de serviços informais em detrimento de relações formais de trabalho, a seletividade punitiva incidente especialmente sobre os “desocupados”, o consentimento das instituições de justiça para com relações não permitidas em lei – essas e muitas outras situações contemporâneas são apenas indícios das ambiguidades que a forma jurídica consegue comportar.

O fato de que atualmente ainda seja possível encontrar, na ilegalidade, trabalho escravo, é uma evidência da facilidade com que o trabalho compulsório convive e conviveu com o trabalho “livre”. Essa convivência não pode ser subestimada pela compreensão que se pode ter do Direito de determinada época – seja no passado ou na contemporaneidade. O binômio legalidade/ilegalidade diz pouco diante da dureza dos fatos.

Neste artigo, tratamos a construção das ferrovias no Brasil do século XIX como um grande laboratório para a compreensão dessas relações. E arriscamos a hipótese de que o trabalho escravo naquele âmbito, sob proibição legal e consentimento do Direito, talvez ofereça uma amostragem dessa experimentação. O que se experienciava não era a transgressão da lei, e sim a facilidade da sua suspensão a partir de uma compreensão que, em alguma medida, provinha do Direito e das suas formas jurídicas.

É preciso que se diga que esta pesquisa tentou identificar uma linha de interpretação possível do elemento jurídico que permitiu aquilo que parte da historiografia econômica sobre as ferrovias percebeu. Isto é, este texto não se propôs a identificar em detalhes como o poder disciplinar conduziu os trabalhos de construção em cada ferrovia. Antes, se tentou construir uma interpretação de como o Direito pode ser entendido face a esse suposto singelo descumprimento de uma norma. Neste sentido, não se propôs ser um trabalho exaustivo de história do direito.

Seguimos uma orientação que tentou, também, abrir um espaço de reflexão para além de um economicismo entre superestrutura do Direito e uma “infraestrutura material” frente ao que foi identificado como segunda escravidão. Talvez tenha sido na conservação de um elemento arcaico num ritmo novo de trabalho, e depois numa nova forma de vínculo, que reside uma diferença qualitativa essencial. Sob este prisma, as divisões entre uma “forma jurídica pré-capitalista” e uma “forma jurídica capitalista” ficam menos antagônicas, permitindo que as vejamos como mútua construção sobre a continuidade de alguns elementos jurídicos de coerção, a despeito das conquistas sociais ante à escravidão.

A importância desse tipo de discussão se justifica na medida em que corrobora para melhor esclarecer alguns argumentos que costumam ser naturalizados, como o que afirma que: “A circulação mercantil e a produção baseada na exploração da força de trabalho jungida de modo livre e assalariado é que constituem, socialmente, o sujeito portador de direitos subjetivos”.65 65 MASCARO, 2013, p. 40. O autor (MASCARO, 2013) trata nesta passagem especificamente de como pessoas escravizadas teriam se tornado sujeitos de direito no Brasil. Como podemos ver, havia nos contratos de locação de serviços utilizados nas construções das ferrovias um embrião do que seriam sujeitos de direito. Porém, não se tratava de força de trabalho livre e tampouco assalariada. Nesse caso, a dita dinâmica de constituição do sujeito de direito não se deu, necessária e diretamente, vinculada às relações de produção capitalistas. Pelo contrário, o padrão de trabalho livre é que foi arrastado e marcado pelo padrão de trabalho escravo.

É certo que a escravidão (ou, melhor, a segunda escravidão) brasileira tinha direta vinculação com uma dinâmica global de acumulação. Mas, no caso em que acompanhamos, foi uma forma jurídica (de poder disciplinar doméstico) que forneceu as bases para que uma nova formação social adviesse.

Neste sentido, não nos causa estranheza o fato de que os responsáveis pela estrutura produtiva já se preocupavam com uma nova forma de organização do trabalho muito antes da abolição. É preciso lembrar que a imigração na segunda metade do século XIX se organiza ainda no seio de escravidão, principalmente a partir do instituto da locação de serviços. Que os fazendeiros em ascensão tenham com facilidade aceitado a abolição e “mudado de lado” talvez só se explique pelo fato de que haviam encontrado uma forma substituta à altura para organizar a mão de obra. Não devemos desprezar, igualmente, que muitos desses fazendeiros tiveram participação ativa na introdução e consolidação das ferrovias no Brasil.66 66 Como os irmãos Martinho da Silva Prado e Antônio Prado. Cf.:MARQUESE, 2013b, p. 316; LAMOUNIER, 2012, p. 208.

Ainda, se entendermos que o Estado Imperial no século XIX foi um agente fundamental que concorreu para a reprodução das condições sociais, diante da constatação historiográfica de um sistemático descumprimento de uma de suas normas sob às suas vistas, precisamos de uma concepção de Direito que assuma tal condição, afastando-se das distinções que delimitam um campo interno (jurídico) e externo (dos fatos, vinculados a outras esferas de conhecimento). Nesse caso, a ineficácia da norma faz parte da forma jurídica, ou seja, é um dos seus produtos.

Essa assunção quiçá nos permita ver por outra perspectiva a suposta tensão da época, entre um Estado em formação que intervém no domínio privado e os sujeitos que se opõem e resistem a um absolutismo normativo.67 67 Ver: FONSECA, 2006, p. 73-4; 75-6. No presente trabalho, exploramos um âmbito que indica que essa oposição não era tão radical e que a intervenção não necessariamente contradiz os interesses privados.

Neste sentido, o poder disciplinar que foi legado aos contratos de locação só tinha existência na medida em que era concebido e pensado a partir de um contexto de escravidão – de disciplinamento do trabalho sob a ótica de senhor e escravo(s), tomando este não mais como coisa, mas como pessoa. É, portanto, a constatação de que o trabalho livre foi forjado sobre as mesmas condições precárias de trabalho da escravidão – tornando indiscerníveis os vários status jurídicos – que nos permite ver o calcanhar de Aquiles da abolição e do abolicionismo; no auge da escravidão, o problema central na relação não era o status jurídico escravo, mas a impossibilidade (a negação) da sua emancipação.

Assim, as ideias fora do lugar se manifestam entre o todo e a parte.68 68 SCHWARZ, 1973. À semelhança do “favor”, o poder disciplinar (potestas) que identificamos expressa um grau de arbitrariedade que não se ajusta a nenhum dos termos – nem escravidão, nem trabalho livre. O novo (a proibição do trabalho escravo) nega o anterior (a escravidão), sem o eliminar. Manifesta-se algo irredutível aos polos (de fato: nem escravo, nem livre), com uma regra indizível, exemplar apenas de si mesmo,69 69 A construção deste raciocínio está amparada na metodologia de Giogio Agamben (2009), em especial na sua concepção de paradigma, segundo a qual: “el paradigma es un caso singular que es aislado del contexto del que forma parte sólo en la medida en que, exhibiendo su propia singularidad, vuelve inteligible un nuevo conjunto, cuya homogeneidad él mismo debe constituir”. Assim, o estatuto epistemológico do paradigma só é compreensível se se coloca em questão a oposição dicotômica entre universal e particular, e se apresenta uma singularidade que não se deixa reduzir a nenhum dos termos da dicotomia. O regime do seu discurso não é a lógica, mas a analogia (AGAMBEN, 2009, p. 27). E, diferente de uma síntese superior, o “terceiro analógico” se afirma antes de tudo através da “desidentificação” e da neutralização dos dois polos de oposição lógica (como universal/particular) (AGAMBEN, 2009, p. 27-8) irredutível à materialização do agora (daquele agora). Quando o que interessa é a distinção da indistinção, o que pode o jurista fazer?

  • 1
    ALENCASTRO, 1987ALENCASTRO, Luiz Felipe de. A pré-revolução de 30. Novos Estudos CEBRAP. n. 18. pp. 17-21. Set.1987., p. 19.
  • 2
    Sobre a tensão na historiografia nacional entre o estudo da escravidão e o conceito de capitalismo (histórico): MARQUESE, 2013aMARQUESE, Rafael. As desventuras de um conceito: capitalismo histórico e historiografia sobre escravidão brasileira. Revista de História. n. 169. pp. 223-253. julho/dezembro de 2013a.; TEIXEIRA, 2010TEIXEIRA, Rodrigo Alves. Capital e colonização: a constituição da periferia do sistema capitalista mundial. In: PIRES, Julio Manuel e COSTA, Iraci del Nero da (orgs.). O Capital Escravista-Mercantil e a Escravidão nas Américas. pp. 155-223. São Paulo: EDUC, 2010..
  • 3
    MARQUESE, 2013bMARQUESE, Rafael. Capitalismo, escravidão e a economia cafeeira do brasil no longo século XIX. sÆculum - Revista de História. n.29, pp. 289-321, João Pessoa, jul./dez. 2013b., p. 294. Segundo o autor (2013b, p. 294): “As posições que iriam vigorar durante todo o século XIX foram logo decididas: em 1830, o Brasil passou a dominar de forma inconteste a produção mundial de café, secundado apenas por Java. Essa polarização perdurou sem questionamentos até a década de 1880, quando vários países latino-americanos (Colômbia, Guatemala, Costa Rica, México) entraram no mercado mundial, sem, contudo, ameaçarem o lugar do Brasil.”.
  • 4
    MATTOS, 2004MATTOS, Ilmar Rahloff de. O Tempo Saquarema: a formação do Estado Imperial. 5.ed. São Paulo: Hucitec, 2004., p. 103-5.
  • 5
    E na intrínseca relação de ambas, especialmente com a importância do progressivo deslocamento do monopólio da mão de obra para o monopólio da terra.
  • 6
    PARRON, 2007; MARQUESE, 2013b, p. 300; WEHLING, 2006, p. 335; FONSECA, 2006, p. 66; NEVES, 2015, p. 8. Para além da questão do acerto ou não do lugar das ideias, a questão que quero ressaltar é melhor percebida em termos de eficácia da lei e o seu “abrandamento” através de contornos internos ao Direito. Para ilustrar meu argumento, acompanho a reflexão de Tâmis Parron (2007PARRON, Tâmis Peixoto. Política do tráfico negreiro: o Parlamento imperial e a reabertura do comércio de escravos na década de 1830. Estudos Afro-Asiáticos. ano 29. n. 1/2/3. pp. 91-121. Jan-Dez, 2007., p. 113), ao comentar a importância da Lei de 07 de novembro de 1831 que proibia o tráfico negreiro e a política imperial que favoreceu a continuidade do tráfico: “De fato, depois dos discursos políticos pela derrogação da Lei de 1831, poucos proprietários recearam comprar, como escravos, homens livres por lei. A política do tráfico negreiro deixou a ‘ilegalidade em suspensão’ e abriu enorme campo para a especulação de traficantes e de fazendeiros – acaso os africanos requeressem seus direitos, os proprietários seriam assegurados pelo Estado imperial, os homens livres seriam de iure re-escravizados.”. ; MARQUESE, 2013bMARQUESE, Rafael. Capitalismo, escravidão e a economia cafeeira do brasil no longo século XIX. sÆculum - Revista de História. n.29, pp. 289-321, João Pessoa, jul./dez. 2013b.; WEHLING, 2006WEHLING, Arno. “O escravo ante a lei civil e a lei penal no Império (1822-1871)”. In: WOLKMER, Antônio Carlos (org.). Fundamentos de História do Direito. 3ª ed. p. 331-345 Belo Horizonte: Del Rey, 2006.; FONSECA, 2006FONSECA, Ricardo Marcelo. A cultura jurídica brasileira e a questão da codificação civil no século XIX. Revista da Faculdade de Direito UFPR. v.44. n. 0. pp. 61-76. Curitiba: UFPR, 2006.; NEVES, 2015NEVES, Marcelo. Ideias em outro lugar? Constituição liberal e codificação do direito privado na virada do século XIX para o século XX no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais. v.30. n. 88. pp. 5-27. Junho/2015.)
  • 7
    TOMICH,2011TOMICH, Dale. Pelo prisma da escravidão: Trabalho, Capital e Economia Mundial. Tradução de Antonio de Pádua Danesi. São Paulo: Edusp, 2011., p. 93-7. O autor elucida o que entende por segunda escravidão (2011, p. 95-6): “Para os objetivos desta discussão, podem discernir-se duas relações qualitativamente distintas entre escravidão e processos de desenvolvimento escravista – cada qual com diferentes papéis e significados – na economia mundial do século XIX. A primeira era constituída por um conjunto específico de processos sócio-históricos e desempenhou um papel particular na formação da economia mundial entre os séculos XVI e XIX. Essas relações foram ou destruídas ou radicalmente reconstruídas pela transformação da economia mundial no século XIX. A segunda foi criada pelos processos históricos e pelo conjunto das relações sociais específicas da própria economia mundial do mesmo século. A segunda escravidão consolidou uma nova divisão do trabalho e forneceu um volume considerável de matérias-primas e gêneros alimentícios aos poderes industriais centrais. Longe de ser uma instituição moribunda durante o século XIX, a escravidão demonstrou toda a sua adaptabilidade e vitalidade.”.
  • 8
    HOLSTON, 2013HOLSTON, James. Cidadania insurgente: disjunções da democracia e da modernidade no Brasil. [2008] Tradução de Claudio Carina. São Paulo: Companhia das letras, 2013., p. 155-196.
  • 9
    BERCOVICI, 2016BERCOVICI, Gilberto. Codificação e ordem econômica liberal no Brasil do século XIX: um esboço. Revista de Direito Civil Contemporâneo. v.7. ano 3. p.37-47. São Paulo: Revista dos Tribunais, abr.-jun. 2016., p. 42-3.
  • 10
    COSTA, 1998COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia. 4.ed. São Paulo: Editora da UNESP, 1998., p. 219-222. O tema da escassez da mão de obra gerou controvérsia à época e posteriormente na historiografia. Isso porque argumenta-se que a implantação das ferrovias teria aumentado a fronteira agrícola, o que demandaria mais trabalhadores; afora a própria construção dos empreendimentos, que também exigia grande volume de obreiros. Em contraposição, Lamounier (2012LAMOUNIER, Maria Lúcia. Ferrovias e Mercado de Trabalho no Brasil do Século XIX. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012., p. 43-8; 265-6) argumenta que não faltavam braços, embora o problema fosse sentido de forma distinta nas diferentes regiões.
  • 11
    A saber, a lei de 31 de outubro de 1835 e as leis da Assembleia Provincial de São Paulo de 18 de março de 1838 e 30 de março de 1838 (MATOS, 1990MATOS, Odilon Nogueira de. Café e ferrovias: a evolução ferroviária de São Paulo e o desenvolvimento da cultura cafeeira. 4.ed. Campinas: Pontes, 1990., p. 59-65).
  • 12
    LAMOUNIER, 2012LAMOUNIER, Maria Lúcia. Ferrovias e Mercado de Trabalho no Brasil do Século XIX. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012., p. 50; 69; 155.
  • 13
    MARQUESE, 2013bMARQUESE, Rafael. Capitalismo, escravidão e a economia cafeeira do brasil no longo século XIX. sÆculum - Revista de História. n.29, pp. 289-321, João Pessoa, jul./dez. 2013b., p. 306.
  • 14
    Para Lamounier (2012LAMOUNIER, Maria Lúcia. Ferrovias e Mercado de Trabalho no Brasil do Século XIX. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012., p. 37), essa indissociabilidade se manifesta especialmente em São Paulo. A autora compartilha dessa premissa com Sergio Milliet [1946], Odilon N. de Matos [1974] e Flávio Saes [1981].
  • 15
    MARQUESE, 2013bMARQUESE, Rafael. Capitalismo, escravidão e a economia cafeeira do brasil no longo século XIX. sÆculum - Revista de História. n.29, pp. 289-321, João Pessoa, jul./dez. 2013b., 306-309.
  • 16
    LAMOUNIER, 2012LAMOUNIER, Maria Lúcia. Ferrovias e Mercado de Trabalho no Brasil do Século XIX. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012., p. 55-6.
  • 17
    LAMOUNIER, 2012, p. 152; SOUZA, 2007SOUZA, Robério Santos. Experiências de trabalhadores nos caminhos de ferro da Bahia: trabalho, solidariedade e conflitos (1892-1909). Dissertação (Mestrado). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007., p. 42-3; SOUZA, 2013SOUZA, Robério Santos. “Se eles são livres ou escravos”: Escravidão e trabalho livre nos canteiros da Estrada de Ferro de São Francisco. Bahia, 1858-1863. Tese (Doutorado). Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2013., p. 42. Segundo esses autores, o arranjo de subcontratações faz com que os escravos sejam de difícil rastreamento nas fontes, visto que não constam nos relatórios oficiais das empresas ou dos órgãos da administração.
  • 18
    Op. cit.: LAMOUNIER, Maria Lúcia. Ferrovias e Mercado de Trabalho no Brasil do Século XIX. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012.
  • 19
    LAMOUNIER, 2012, p. 161. A autora acrescenta que a mão de obra escrava havia sido empregada em outras experiências ferroviárias internacionais, como nos EUA e em Cuba, além disso, era empregada em outros transportes realizados no Brasil e, inclusive, em obras públicas (2012, p. 161-2).
  • 20
    Um desses relatos é o anúncio no Diário de Pernambuco de 6 de julho de 1857, em que se lê: “A pessoa que tiver escravos e quiser alugar para trabalhar na estrada de ferro, pagando-se mil rs. por dia, ou mesmo gente forra que se queira sujeitar, dirija-se à rua estreita do Rosário n. 25, segundo andar.” (apudLAMOUNIER, 2012LAMOUNIER, Maria Lúcia. Ferrovias e Mercado de Trabalho no Brasil do Século XIX. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012., p. 164). Igualmente, outro indício que corrobora a percepção de que se tratava de um fenômeno generalizado e de dimensões expressivas é o mapeamento da ocupação dos escravos. Segundo os dados de 1872, embora a maior parte estivesse em serviços agrícolas, dentre os que estavam em outras atividades haviam: 4013 na construção, 5599 na carpintaria, 1858 eram “artistas”, 1075 trabalhadores metalúrgicos, 769 mineiros e trabalhadores de pedreiras – todas essas eram ocupações de apoio às obras de construção de ferrovias (LAMOUNIER, 2012LAMOUNIER, Maria Lúcia. Ferrovias e Mercado de Trabalho no Brasil do Século XIX. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012., p. 165).
  • 21
    A pesquisa de Marília Ariza (2013ARIZA, Marília Bueno de Araújo. Trabalho e alforria: libertandos locadores de serviços em São Paulo e Campinas (1830-1888). In: Anais XXVII Simpósio Nacional de História: conhecimento histórico e diálogo social. Natal: ANPUH, 2013., p. 6) analisa os dados provenientes de contratos de locação de serviços na cidade de São Paulo, no período compreendido entre 1830-1888. A autora afirma que essa assimetria era percebida nas condicionantes da prestação de serviços que: “surgem nos contratos ora imbuídas de conteúdos explicitamente coercitivos, ora mascaradas como direitos dos trabalhadores. Dizem respeito a restrições à mobilidade dos trabalhadores; obrigações do locatário com o provimento de subsistência básica e cuidados médicos aos trabalhadores; possibilidade de remissão de serviços; acréscimo de tempo ao prazo estabelecido para o pagamento da dívida em serviços; e o direito reservado ao locatário de transferir os serviços locados de acordo com seu julgamento e interesse.”.
  • 22
    LAMOUNIER, 2012, p. 163; 252; SOUZA, 2013, p. 46.
  • 23
    ARIZA, 2013, p. 2.
  • 24
    SOUZA, 2013, p. 46-7.
  • 25
    ARAÚJO apud LAMOUNIER, 2012, p. 61.
  • 26
    Dentre os dispositivos da Lei n. 2.040 de 28 de setembro de 1871, o §5º do art. 6º determina: “Art. 6º Serão declarados libertos: [...] § 5º Em geral, os escravos libertados em virtude desta Lei ficam durante cinco annos sob a inspecção do Governo. Elles são obrigados a contractar seus serviços sob pena de serem constrangidos, se viverem vadios, a trabalhar nos estabelecimentos publicos. Cessará, porém, o constrangimento do trabalho, sempre que o liberto exhibir contracto de serviço.”.
  • 27
    LAMOUNIER, 2012, p. 62.
  • 28
    A duração dos contratos poderia ser de 5 anos para estrangeiros, 6 anos para brasileiros e 7 anos para libertos.
  • 29
    O preâmbulo do referido decreto classificava de “vexatorios preceitos que regulam os contractos de locação de serviço agrícola”, visto que a legislação anterior sequer atribuía o estatuto de parte contratante ao locador.
  • 30
    LAMOUNIER, 2012, p. 64.
  • 31
    LAMOUNIER, 2012, p. 51.
  • 32
    Ou, mesmo, uma acusação de uma teleologia.
  • 33
    WEHLING, 2006WEHLING, Arno. “O escravo ante a lei civil e a lei penal no Império (1822-1871)”. In: WOLKMER, Antônio Carlos (org.). Fundamentos de História do Direito. 3ª ed. p. 331-345 Belo Horizonte: Del Rey, 2006., p. 335.
  • 34
    WEHLING, 2006, p. 340. Segundo Arno Wehing (2006, p. 342): “No campo das obrigações [...]: a regra era a de que o escravo não se obrigava, nem a seu senhor ou a terceiros. Excepcionalmente, o escravo poderia contrair certas obrigações (contratos, responsabilidade) mas, nestas situações, a legislação o impedia de propor ação para fazer valer seus direitos. Também nestes casos, onde abundavam as missões legais, aplicava-se freqüentemente o Direito Romano como fonte das decisões. [...] Como objeto de relações jurídicas, aplicavam-se amplamente ao escravo os institutos da lei civil, quer no campo do direito obrigacional – contratos em geral, compra e venda, comodato, arras, etc. – quer no campo dos direitos reais.”.
  • 35
    FREITAS, 2003FREITAS, Augusto Teixeira de. Consolidação das Leis Civis. [1858]. ed. fac-sim. [3.ed., 1876]. 2.v. Brasília: Senado Federal, 2003., v.1. p. 36. O trecho em comento é o seguinte (2003, v.1. p. 36): “Como a alforria póde sêr dada por fideicommisso, á prazo, ou debaixo de condição, ha um estado médio entre a escravidão e a liberdade; e os escravos, que se-achão nesse estado, têm a denominação de—estado-livres—. Entende-se por –estado-livre– aquelle, que está destinado á sêr livre depois de certo tempo, ou depois do cumprimento de uma condição—L. 1ª pr. Dig. De statulib.[...] O estado-livre quasi em nada differe dos outros escravos, e porisso está sujeito às mesmas penas—L. 29 Dig. de stalulib. Revogada pela L. 9ª § 16 Dig. de punis, que manda punir o estado-livre como se fora livre.”.
  • 36
    HESPANHA, 2010HESPANHA, António Manuel. “Razões de decidir na doutrina portuguesa e brasileira do século XIX: um ensaio de análise de conteúdo”. In: Quaderni Fiorentini per la storia del pensiero giuridico moderno. v. 39, p. 109-150 Milano: Giuffrè, 2010., p. 123;148-9.
  • 37
    LOUREIRO, 2004LOUREIRO, Lourenço Trigo de. Instituições de direito civil brasileiro. ed. fac-sim [4. ed. 1871]. 2.v. Brasília: Senado Federal, 2004., v.1., p. 43.
  • 38
    LOUREIRO, 2004, v.1., p. 42. Trata-se do seguinte trecho, na dicção do autor (2004, v.1., p. 42): Intendemos aqui por libertos imperfeitos aquelles, que ainda não entrarão no pleno gozo da liberdade natural, por terem ficado sujeitos ao serviço de seus patronos por certo e determinado tempo, por virtude de condição accrescentada ao acto da manumissão. E restringimos a esses a disposição geral da citada Ord., porque os escravos manumittidos puramente, a que chamamos libertos perfeitos, entrão desde logo no pleno gozo da liberdade, e por isso mesmo não podem mais, entre nós, ser reduzidos á escravidão por motivo de ingratidão committida para com seus patronos;”.
  • 39
    MALHEIRO, 1866MALHEIRO, Agostinho Marques Perdigão. A Escravidão no Brasil: Ensaio histórico, jurídico e social: 1ª parte (jurídica), Direito sobre os escravos e libertos. v.1. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1866., p. 167-8.
  • 40
    A edição consultada do Curso de Direito Civil Brasileiro [1865] de Antônio Joaquim Ribas (1818-1890) data de 1880, não sendo possível encontrar ali qualquer disposição sobre o tema da alforria condicionada que fosse relevante para o presente trabalho.
  • 41
    SOUZA, 2013, p. 73-84.
  • 42
    WEHLING, 2006, p. 337-8.
  • 43
    ALENCASTRO, 1987ALENCASTRO, Luiz Felipe de. A pré-revolução de 30. Novos Estudos CEBRAP. n. 18. pp. 17-21. Set.1987., p. 20.
  • 44
    FAUSTO, 2013FAUSTO, Boris. História do Brasil. 14. ed. São Paulo: Edusp, 2013., p. 175-6.
  • 45
    Sobre esse espelhamento, Lamounier afirma (2012, p. 167): “A viagem, a negociação dos contratos, assim como as condições a que os trabalhadores ficavam submetidos eram, na época, denunciados como outro tipo de escravidão. Para os chamados cules indianos e chineses, os contratos podiam durar de sete a catorze ou mais, com cláusula de obrigatoriedade de renovação, período em que os trabalhadores ficavam submetidos a baixos salários, duras condições de trabalho, vivendo em habitações e condições de saúde e higiene precárias. Havia ainda restrições à mobilidade espacial dos trabalhadores, penas de prisão por deserção e seus contratos podiam ser negociados durante o período, isto é, eles podiam ser vendidos ou transferidos para outros contratantes. Imigrante europeus e asiáticos eram os principais alvos dos recrutamentos, e foram inúmeras as propostas de engajamento de imigrantes nessas condições para o Brasil na segunda metade do século XIX. Há vários indícios do emprego de trabalhadores chineses e portugueses nas obras de construção de ferrovias no Brasil.”.
  • 46
    LAMOUNIER, 2012, p. 257. SOUZA, 2013, p. 97.
  • 47
    LAMOUNIER, 2012, p. 259; SOUZA, 2013, p. 97, 102.
  • 48
    SOUZA, 2013, p. 119, 123, 139; LAMOUNIER, 2012, p. 261-3.
  • 49
    SOUZA, 2013, p. 125.
  • 50
    SOUZA, 2013, p. 134.
  • 51
    SEELAENDER, 2017SEELAENDER, Airton Cerqueira-Leite. A longa sombra da casa. Poder doméstico, conceitos tradicionais e imaginário jurídico na transição brasileira do antigo regime à modernidade. R. IHGB. Rio de Janeiro, a. 178(473). pp.327-424. jan./mar. 2017., p. 338; 347. O estudo de Seelaender demonstra como a força do conceito de “casa” é de tal forma marcante que permanece como continuidade que ressurge em diversos momentos, mesmo no contexto abolicionista, sendo, portanto, um elemento fundamental para entender a embrionária contratualização das relações de trabalho (2017, p. 352-6).
  • 52
    SEELAENDER, 2017, p. 366.
  • 53
    LAMOUNIER, 2012, p. 255, 260.
  • 54
    FREITAS, 2003, v.1., p. 447.
  • 55
    FREITAS, 2003, v.1., p. 447-451. É provável que os jornaleiros contratados na construção das ferrovias não estivessem submetidos a prazos e preços fixos – traço que para Freitas era distintivo da locação mercantil –, visto que tanto o prazo quanto o jornal poderiam variar de acordo com o andamento das obras. Essa, no entanto, parece ser uma falsa polêmica se não estivermos assentados em contratos escritos, que é o caso do presente trabalho, razão pela qual foge ao nosso objeto.
  • 56
    LOUREIRO, 2004, v.1. p. 47-8.
  • 57
    Mesmo Teixeira de Freitas (2003, v.1. p. 35) entende que: “os escravos, como artigos de propriedade, devao ser considerados cousa; não se-equiparão em tudo aos outros semoventes, e muito menos aos objetos inanimados, e porisso tem legislação peculiar”.
  • 58
    SEELAENDER, 2017, p. 358-362. Analisando manifestação de Perdigão Malheiro, Seelaender afirma que (2017, p. 361): “Concebendo-se o escravo como integrante da casa, resguardava-se, no fundo, sua humanidade ao preço da submissão. Na síntese de um jurista da época: ‘o escravo é também homem; daí vem o direito, o poder sobre o escravo (potestas), como o poder do marido sobre a mulher, o poder do pai sobre o filho’. Garantido por lei – mas garantido, ousaríamos completar, por ser preexistente a ela –, seria ‘esse poder (potestas)’ que constituiria ‘a força moral do senhor sobre o escravo, como constitui a força moral do marido sobre a mulher, do pai sobre o filho’. Desse entrelaçar de forças morais – mais do que da violência direta – dependeriam, em última análise, a estrutura da casa e a própria ordem social.”
  • 59
    RIBAS, 2003RIBAS, Antônio Joaquim. Curso de Direito Civil Brasileiro. ed. fac-sim [2. ed. 1880]. 2.v. Brasília: Senado Federal, 2003., v.2., p. 50-2. Segundo o jurista, no Direito Romano (RIBAS, 2003RIBAS, Antônio Joaquim. Curso de Direito Civil Brasileiro. ed. fac-sim [2. ed. 1880]. 2.v. Brasília: Senado Federal, 2003., v.2., p. 57): “O poder doméstico se dividia em: 1.º Potestas, que se subdividia em pátria e dominica; o primeiro recahia sobre os filhos, e o segundo sobre os escravos (2). 2.º Manus, ou o poder do marido sobre a mulher, quando in manuin mariti convenerat, poder que se assemelhava á pátria potestas (3). 3.º Mancipium, ou o poder que um estranho adquiria sobre os filhos, ou mulher de outrem in manu, vendidos pelo pai, ou pelo marido; este poder, embora mais se assemelhasse á dominica do que á pátria potestas, não se confundia, com elle inteiramente (4).”.
  • 60
    MALHEIRO, 1866, p. 66.
  • 61
    MALHEIRO, 1866, respectivamente, p. 68, 90.
  • 62
    Segundo Seelaender, a criação de mecanismos para preservação do âmbito da casa era algo consciente entre os senhores, e, neste sentido, o contrato desempenhava um papel fundamental. Desta forma, é esclarecedora a fonte trazida pelo autor (2017, p. 362): “Em carta publicada em diversos jornais pouco antes da Abolição, Paula Souza indicava como manter os negros ligados à casa, nesses difíceis momentos de transformação: ‘Desde 1 de janeiro não possuo um só escravo! Libertei todos, e liguei-os à casa por um contrato igual ao que tinha com os colonos estrangeiros (...) no pequeno discurso que lhes fiz ao distribuir as cartas, falei-lhes dos graves deveres que a liberdade lhes impunha, e disse-lhes algumas palavras inspiradas no coração (...) declarando-lhes (...) que minha casa continuaria sempre aberta para os que quisessem trabalhar e proceder bem. À exceção de três (...) todos ficaram comigo, e são os que me rodeiam, e junto dos quais me sinto feliz e contente’.
  • 63
    SEELAENDER, 2017, p. 382.
  • 64
    Segundo a conclusão deste autor (SEELAENDER, 2017SEELAENDER, Airton Cerqueira-Leite. A longa sombra da casa. Poder doméstico, conceitos tradicionais e imaginário jurídico na transição brasileira do antigo regime à modernidade. R. IHGB. Rio de Janeiro, a. 178(473). pp.327-424. jan./mar. 2017., p. 400): “A despeito de o Estado ter legalmente fulminado a escravidão, o velho poder doméstico não foi de todo banido do mundo do trabalho [...]. O que parecia restar das prerrogativas tradicionais da casa só passou a ser, nesse campo [do mundo do trabalho], cada vez mais defendido com a linguagem do liberalismo”.
  • 65
    MASCARO, 2013, p. 40. O autor (MASCARO, 2013MASCARO, Alysson Leandro. Estado e forma política. São Paulo: Boitempo, 2013.) trata nesta passagem especificamente de como pessoas escravizadas teriam se tornado sujeitos de direito no Brasil.
  • 66
    Como os irmãos Martinho da Silva Prado e Antônio Prado. Cf.:MARQUESE, 2013bMARQUESE, Rafael. Capitalismo, escravidão e a economia cafeeira do brasil no longo século XIX. sÆculum - Revista de História. n.29, pp. 289-321, João Pessoa, jul./dez. 2013b., p. 316; LAMOUNIER, 2012, p. 208.
  • 67
    Ver: FONSECA, 2006FONSECA, Ricardo Marcelo. A cultura jurídica brasileira e a questão da codificação civil no século XIX. Revista da Faculdade de Direito UFPR. v.44. n. 0. pp. 61-76. Curitiba: UFPR, 2006., p. 73-4; 75-6.
  • 68
    SCHWARZ, 1973. À semelhança do “favor”, o poder disciplinar (potestas) que identificamos expressa um grau de arbitrariedade que não se ajusta a nenhum dos termos – nem escravidão, nem trabalho livre.
  • 69
    A construção deste raciocínio está amparada na metodologia de Giogio Agamben (2009)AGAMBEN, Giorgio. Signatura rerum. Sobre el método. Tradução para o espanhol de Flavia Costa e Mercedes Ruvitoso. Buenos Aires: Adriana Hidalgo, 2009, em especial na sua concepção de paradigma, segundo a qual: “el paradigma es un caso singular que es aislado del contexto del que forma parte sólo en la medida en que, exhibiendo su propia singularidad, vuelve inteligible un nuevo conjunto, cuya homogeneidad él mismo debe constituir”. Assim, o estatuto epistemológico do paradigma só é compreensível se se coloca em questão a oposição dicotômica entre universal e particular, e se apresenta uma singularidade que não se deixa reduzir a nenhum dos termos da dicotomia. O regime do seu discurso não é a lógica, mas a analogia (AGAMBEN, 2009AGAMBEN, Giorgio. Signatura rerum. Sobre el método. Tradução para o espanhol de Flavia Costa e Mercedes Ruvitoso. Buenos Aires: Adriana Hidalgo, 2009, p. 27). E, diferente de uma síntese superior, o “terceiro analógico” se afirma antes de tudo através da “desidentificação” e da neutralização dos dois polos de oposição lógica (como universal/particular) (AGAMBEN, 2009AGAMBEN, Giorgio. Signatura rerum. Sobre el método. Tradução para o espanhol de Flavia Costa e Mercedes Ruvitoso. Buenos Aires: Adriana Hidalgo, 2009, p. 27-8)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jun 2019
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2019

Histórico

  • Recebido
    25 Mar 2018
  • Aceito
    23 Ago 2018
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