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Forjando mercados com ferramentas jurídicas: uma agenda de pesquisa sociojurídica

Forging markets with legal tools: a socio-legal research agenda

Resumo

Este artigo apresenta uma abordagem sociojurídica para análise da institucionalização dos mercados. Sugere-se a importância da dimensão jurídica para análise das instituições e das disputas políticas em mercados, além de delinear um framework para futuras pesquisas. Metodologicamente, trata-se de um exercício de organizar - de modo crítico, mas articulado - trabalhos da sociologia dos mercados e da sociologia do direito e da economia.

Palavras-chave:
Sociologia econômica; Sociologia jurídica; Instituições; Direito; Mercados

Abstract

This paper presents a socio-legal approach to analyze the institutionalization of markets. The paper suggests the relevance of the legal dimension for the analyses of markets institutions and political struggles, as well as outlines a framework for future research. Methodologically, the paper aims to bridge different insights through a - critical but constructive - dialogue of workson the sociology of markets and the sociology of law and the economy.

Keywords:
Economic sociology; Sociology of law; Institutions; Law; Markets

1. Introdução1 1 O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Agradeço aos coordenadores e participantes do Grupo de Trabalho em “Sociologia Econômica”, do 19º Congresso Brasileiro de Sociologia com quem debati uma primeira versão deste trabalho. Agradeço também às/aos revisoras/res às cegasdesta revista pelos comentários e sugestões. Erros remanescentes são, obviamente, de minha exclusiva responsabilidade.

Mercados ainda são descritos e analisados majoritariamente por perspectivas econômicas, que os tomam como artefatos espontâneos e naturais. Costuma ser depurado, nestas explicações, todo contexto sociopolítico, institucional e cultural em que mercados nascem, operam, transformam-se e, eventualmente, morrem. Em razão disso, análises sociológicas têm endereçado críticas agudas às abordagens econômicas mainstream, indicando como perdem parte relevante da ação social em mercados, da estruturação institucional e do conjunto de relações que os conformam (STREECK; BECKERT, 2008BECKERT, Jens; STREECK, Wolfgang. Economic Sociology and Political Economy: A Programmatic Perspective. MPIfG Working Paper 08/4. Cologne, Max Planck Institute for the Study of Societies. 2008.).

Mesmo as análises sociológicas, no entanto, têm sido criticadas por tratarem a relação entre estado e empresas como “caixa-preta” e por descreverem o estado como uma instituição externa aos mercados. Falham, em poucas palavras, em esmiuçar os processos políticos que os permeiam. Neste artigo, apresento uma abordagem sociojurídica para análise da institucionalização dos mercados, sugerindo um caminho analítico capaz de preencher lacunas existentes na sociologia dos mercados.

O objetivo central deste artigo é indicar a importância da dimensão jurídica para processos políticos de institucionalização de mercados, além de delinear uma abordagem para futuras pesquisas. Metodologicamente, trata-se de um exercício de articular dois principais blocos de literatura: de um lado, trabalhos da “sociologia dos mercados” que analisam a construção de mercados desde sua dimensão institucional, e, de outro, trabalhos que avançam uma “sociologia do direito e da economia”.2 2 Uso o termo sugerido por Edelman e Stryker (2004) que me parece sintetizar melhor os esforços nesse campo. Da leitura conjunta desses trabalhos, espero jogar luz às formas pelas quais o direitoatua na institucionalização de mercados, que frequentemente são subdimensionadas (ou ignoradas) por trabalhos no tema.

O artigo está estruturado como se segue. A segunda seção apresenta, sinteticamente, as críticas iniciais de abordagens sociológicas aos pressupostos do mainstream econômico e como os trabalhos da chamada “nova sociologia econômica” se diversificaram na análise social dos mercados. Esta parte apresenta ainda críticas que lhes têm sido endereçadas por estudos recentes. A terceira seção apresenta a abordagem aqui sugerida, a partir de uma literatura sociojurídica, indicando as propriedades do direito que o tornam uma variável relevante no processo de institucionalização de mercados. A quarta seção apresenta considerações finais.

2. Estados e mercados: da crítica ao mainstream econômico à crítica da crítica

2.1. Desmistificando elegantes modelos econômicos

Como argumentam Hirsch, Michaels e Friedman (1987HIRSCH, Paul; MICHAELS, Stuart; FRIEDMAN, Ray. ‘Dirty Hands’ versus ‘Clean Models’: Is Sociology in Danger of Being Seduced by Economics? Theory and Society, Vol. 16, No. 3, pp. 317-336, May, 1987.: 318-319), o pensamento econômico foi capaz de criar um paradigma mais homogêneo e unificado de análise que outras áreas das ciências sociais - também por isso delas se afastou continuamente. Desde a segunda metade do século passado, as bases teóricas estabelecidas pela economia neoclássica vêm vencendo a batalha ideológica contra heterodoxos em economia (keynesianos, schumpeterianos, marxistas, e assim por diante), constituindo o que se chama mainstream do pensamento econômico atual.

Nesses trabalhos, a partir de pressupostos deliberadamente simples, elegantes modelos são construídos, dos quais se espera não apenas uma explicação sobre o funcionamento atual da economia, mas também a predição de resultados futuros. A microeconomia se tornou o paradigma da disciplina como um todo, baseando-se em um tipo de abordagem altamente abstrata e dedutiva. Nessa visão, uma análise mais abrangente (macro) da economia é derivada do nível individual (micro) por meio da agregação de dados e resultados (HIRSCH; MICHAELS; FRIEDMAN, 1987HIRSCH, Paul; MICHAELS, Stuart; FRIEDMAN, Ray. ‘Dirty Hands’ versus ‘Clean Models’: Is Sociology in Danger of Being Seduced by Economics? Theory and Society, Vol. 16, No. 3, pp. 317-336, May, 1987.: 318).

Esse tipo de operação é possível a partir apenas da pressuposição de características intrínsecas à natureza humana e suas preferências. Nos termos do mainstream econômico, todo agente econômico move-se egoisticamente, de modo racional e visando a maximizar suas utilidades: o homo economicus seria a corporificação da racionalidade econômica padrão. Além disso, indivíduos racionais possuiriam preferências fixas, sempre constantes, e suas transações em mercado seriam realizadas a partir de contratos auto-executáveis. Sendo assim, o mercado, se deixado a seu alvedrio, operaria de modo suave e constante (HIRSCH; MICHAELS; FRIEDMAN, 1987HIRSCH, Paul; MICHAELS, Stuart; FRIEDMAN, Ray. ‘Dirty Hands’ versus ‘Clean Models’: Is Sociology in Danger of Being Seduced by Economics? Theory and Society, Vol. 16, No. 3, pp. 317-336, May, 1987.: 321).

Deduzindo ações em mercado a partir desses simples princípios - e com acréscimo de outras poucas variáveis contextuais -, economistas são capazes de formalizar em complexos modelos matemáticos o funcionamento de todo e qualquer mercado. Com tal operação, a própria noção de mercado é tomada de forma abstrata e ideal, visto que apenas expressaria a inclinação humana, pressuposta, à maximização de utilidades. No mercado ideal, o egoísmo individual conduziria ao benefício coletivo, tal qual na fábula das abelhas de Mandeville, uma vez que a competição entre indivíduos, na compra e venda em mercado, funcionaria como mecanismo de ajuste de preços a um patamar ótimo de eficiência. Também em razão disso, o mercado tenderia ao equilíbrio de preços proporcionado pela competição.

Eventuais desequilíbrios são computados, por modelos econômicos, como variáveis externas ao mercado perfeito. A intervenção estatal, por exemplo, seria fonte recorrente de desequilíbrio, uma vez que critérios políticos alheios à naturalidade dos princípios econômicos poderiam afetar a formação dos preços. Por essa razão, a desconfirmação empírica de que “o mercado sempre tende ao equilíbrio” tornou-se impossível, pois há sempre a possibilidade de se indicar uma variável externa como responsável por sua desarmonia. Também por isso, no pensamento mainstream, há uma defesa intransigente da limitação à ação estatal, que criaria uma série de distorções, além da insistência de que o mercado pode e deve se autorregular (BLOCK, 2013).

A força dessas categorias do pensamento econômico, articuladas em elegantes modelos de pretensão preditiva, resulta mais de seu prestígio político em importantes círculos universitários e instituições internacionais que do reconhecimento de sua acurácia empírica ou de sua profundidade teórica. Com efeito, a visão de que mercados em geral emergem espontaneamente como produto da ação atomizada de indivíduos racionais e egoístas por propensão natural tem sido sistematicamente desafiada por estudos sociológicos sobre mercados. A sociologia reconhece como problemáticos os pressupostos do pensamento econômico predominante, contra os quais oferece uma perspectiva muito menos homogênea e elegante, mas - também por isso - mais realista.

Ao menos desde sua “redescoberta” por sociólogos e sociólogas nos anos 1980 (BLOCK; SOMMERS, 1984BLOCK, Fred; SOMERS, Margaret. “Beyond the Economistic Fallacy: The Holistics Social Science of Karl Polanyi”.In: Theda Skocpol (ed.), Vision and Method in Historical Sociology. Cambridge: Cambridge University Press, pp. 47-84. 1984.), as ideias de Karl Polanyi, sobretudo de sua obra The Great Transformation, de 1944, têm inspirado parte relevante dos esforços para confrontar a visão econômica mainstream. Sua crítica aos pressupostos da economia clássica e sua visão alargada do fenômeno econômico o tornaram, aliás, uma das principais referências no campo dos estudos sociais da economia.

Para Polanyi (2001POLANYI, Karl. The Great Transformation: The Political and Economic Origins of Our Time, 2nd ed. Boston: Beacon Press. 2001.: 3-4), a ideia de um mercado autorregulado como único padrão institucional organizador da produção e distribuição de riqueza em sociedade, cujo auge se dava no século XIX, implicava em uma absoluta utopia. Uma instituição como essa, quando posta em vigência - o que, paradoxalmente, de fato, ocorreu naquele século -, denunciava Polanyi, destruiria a substância humana e natural da sociedade. O argumento já é conhecido: certos elementos simplesmente não são produzidos para serem vendidos em mercado e tratá-los como se mercadorias fossem acarreta perigos para a sociedade.

Trabalho, terra e dinheiro são apenas denominações alternativas para seres humanos, natureza e medida do poder de compra, respectivamente. São elementos, portanto, conectados à constituição e ao funcionamento da sociedade em múltiplas dimensões e não apenas a econômica. Mas em uma economia de mercado, em que tudo deve ser posto à venda por um preço, trabalho, terra e dinheiro se tornam mercadorias fictícias. Os efeitos dessa operação, contudo, são severamente danosos à sociedade: os caprichos do mercado criam insuportável instabilidade às relações humanas, põem em cheque a segurança física e alimentar humana, exaurem recursos naturais, e podem prejudicar até a própria produção capitalista.3 3 Sobre isso, ver os capítulos 14 a 16 de Polanyi (2001). Como reação espontânea e pragmática, diversos segmentos da sociedade procuram meios para defender sua existência em uma ambiente tão antissocial.4 4 É verdade que Polanyi (2001) revela uma posição cética sobre esta reação que pode ocorrer a partir de diferentes perspectivas do espectro político - e, no limite, partir tanto de posições fascistas quanto de posições socialistas - e causar danos iguais ou maiores à sociedade.

Uma análise histórica, demonstra Polanyi (2001POLANYI, Karl. The Great Transformation: The Political and Economic Origins of Our Time, 2nd ed. Boston: Beacon Press. 2001.: cap. 5), desmente as pretensões universalistas do pensamento econômico. Segundo o autor, a antropologia histórica revela que diferentes princípios e padrões institucionais têm organizado as economias dos mais diversos povos e civilizações. Seu principal argumento é que a economia humana, em regra, é submersa em suas relações sociais e atende aos mais diferentes propósitos. Princípios da redistribuição, da reciprocidade e da domesticidade foram motivações para ações econômicas mais comuns, ao longo da história, do que o princípio do lucro. Aliás, cada princípio tornava-se efetivo a partir de um padrão institucional. O padrão da centralidade garantia a distribuição; o da simetria, a reciprocidade; o da autarquia, a domesticidade; assim como o do mercado, o lucro.

Mesmo quando existiam em certa sociedade, em regra, a instituição do mercado e o motivo do lucro eram marginais na dinâmica da economia e subordinados a outros princípios e padrões institucionais. A utopia que o pensamento liberal ajudou a criar foi elevá-los à condição de forma única e natural de ação e organização econômica, descolada de qualquer outro motivo ou instituição social. Para tanto, a atuação do estado foi frequentemente crucial (POLANYI, 2001POLANYI, Karl. The Great Transformation: The Political and Economic Origins of Our Time, 2nd ed. Boston: Beacon Press. 2001.: 72-73; 214-217), a ponto do autor afirmar que o próprio “laissez-faire foi planejado” (2001: 147).

Uma lição central de Polanyi, em poucas palavras, é que economias estão enraizadas, ou embedded, em relações e instituições sociais.5 5 Para uma análise sobre o achado de Polanyi sobre a “economia sempre enraizada”, ver Block (2003). Para uma versão crítica e alternativa sobre o conceito de embeddedness, ver Krippner (2017). Ao tentar depurar a organização econômica de sua dimensão política e social, a economia de mercado terminou por transformar a própria constituição da sociedade que passou a funcionar segundo seus princípios - com inúmeros efeitos socialmente destrutivos advindos da operação. Não por outro motivo, Polanyi diz que “uma economia de mercado pode funcionar apenas em uma sociedade de mercado” (2001: 60).

Em ensaio intitulado Economy as an Instituted Process, Polanyi (1957POLANYI, Karl. “The Economy as Instituted Process”. In: Karl Polanyi and Conrad M Arensberg (ed.). Trade and Market in the Early Empires: economies in history and theory. Chicago: Henry Regnery Company. 1957.) retoma sua crítica aos pressupostos da economia clássica que, após seu declínio no início do século passado, voltaram a ser dominantes no mainstream da economia, a partir de pensadores neoclássicos. Segundo o autor, o termo “econômico” não possui um sentido unívoco como sugerido na noção de homo economicus - isto é, de que indivíduos agem naturalmente de modo a maximizar suas utilidades -, como pressupunha o pensamento liberal clássico; mas, antes, dois sentidos distintos: formal e substantivo.

O pensamento econômico compreenderia a economia apenas em seu sentido formal. Esse sentido, segundo Polanyi, restringe-se às operações lógicas racionais, de se escolher diferentes usos para certos meios, tendo em vista a escassez ou insuficiência desses mesmos meios. O grande equívoco, nos termos do autor, é se ter generalizado esta concepção a toda forma de ação econômica, tornando-a o único sentido da expressão. Para Polanyi, contribuiu para tal generalização o desenvolvimento, nos últimos séculos, do mercado - no qual os indivíduos operam trocas de acordo com o sentido formal do termo econômico - como mecanismo dominante de organização da economia.

Argumenta, entretanto, como já havia feito em 1944, que ao longo da história humana a economia se organizou de muitas outras maneiras distintas e a partir de diferentes princípios. Nesse sentido, o fenômeno econômico não se restringe à operação lógica de escolha racional, mas, antes, abrange todo tipo de intercâmbio entre seres humanos e seu ambiente natural e social para sua satisfação por meios materiais - o que o sociólogo denomina “economia em seu sentido substantivo”. Polanyi caracteriza, então, a economia como instituted process, cuja dinâmica de funcionamento se dásegundo o contexto sociopolítico e institucional.

Assim, o mercado seria uma entre outras formas de interação econômica, que não poderia ser conhecida de pronto, mas somente quando localizada nas especificidades contextuais. Em suma, diferentemente do que supõe o pensamento econômico mainstream, Polanyi demonstra que a economia humana se amalgama a diversas instituições e só pode ser compreendida historicamente, pois não possui organização única, nem universal. Com efeito, muito da produção recente no campo dos estudos sociais da economia, partindo da inspiração polanyiana mas com perspectivas diversas, tem se voltado a desmistificar os pressupostos do pensamento econômico.

2.2. Economia como relação social: a nova sociologia econômica

2.2.1. Um adversário e muitas armas

Em 1985, Mark Granovetter, referindo-se ao conceito polanyiano de embeddedness, delineou uma agenda de pesquisas para a chamada “nova sociologia econômica”. De modo sumário, sua contribuição foi argumentar que toda ação econômica é socialmente situada e deve ser compreendida com referência ao sistema de relações sociais a que se vincula (GRANOVETTER, 1985GRANOVETTER, Mark. Economic Action and Social Structure: The Problem of Embeddedness. American Journal of Sociology, vol. 91, no. 3, 1985.). Ainda que seu argumento já estivesse implícito em trabalhos estruturalistas anteriores, como White (1981WHITE, Harrison C. Where Do Markets Come From? American Journal of Sociology, vol. 87, no. 3, 1981.), Burt (1983BURT R. Corporate Profits and Cooptation. New York: Academic. 1983.) e Baker (1984BAKER, Wayne. Social structure of a national securities market. Am. J. Sociol. 89:775-811. 1984.), fato é que a nova perspectiva animou uma ambiciosa agenda de pesquisas sociológicas em economia (KRIPPNER; ALVAREZ, 2007KRIPPNER, Greta R. Krippner; ALVAREZ, Anthony S. Embeddedness and the Intellectual Projects of Economic Sociology.Annual Review of Sociology. 33:1, 219-240. 2007.).

Pesquisas recentes, contudo, estão longe de compartilhar dos mesmos pressupostos e do mesmo ferramental analítico. Da crítica ao mainstream econômico em diante os acordos do campo são pouco evidentes. Fligstein e Dioun (2015FLIGSTEIN, Neil; DIOUN, Cyrus. “Economic Sociology”. In: WRIGHT, James D. (Ed.). International Encyclopedia of the Social and Behavioral Sciences. 2ed. 7v. Elsevier. 2015.) apresentam quatro principais abordagens teóricas na sociologia econômica voltadas a estudar especificamente mercados, a que denominam “sociologia dos mercados”: (i) análises de redes sociais, (ii) análises sobre a performatividade das ideias econômicas, (iii) teorias institucionais nos estudos organizacionais, e (iv) economia política. Cada uma delas enfoca uma face específica da conexão entre mercados e sociedade.

A primeira procura mapear os vínculos de relações interpessoais que constituem o estofo da estrutura social em mercado (GRANOVETTER, 2005GRANOVETTER, Mark. The impact of social structure on economic outcomes. Journal of economic perspectives, v. 19, n. 1, p. 33-50, 2005.; WHITE, 2002WHITE, Harrison C. Markets from Networks: Socioeconomic Models of Production.Princeton University Press, Princeton, NJ. 2002.; PODOLNY, 2001PODOLNY, Joe. Networks as the pipes and prisms of the market. American journal of sociology, v. 107, n. 1, p. 33-60, jul., 2001.). Argumenta-se que a forma como as relações entre atores se estrutura é um fator explicativo de seu comportamento econômico. Segundo Fligstein e Dioun (2015FLIGSTEIN, Neil; DIOUN, Cyrus. “Economic Sociology”. In: WRIGHT, James D. (Ed.). International Encyclopedia of the Social and Behavioral Sciences. 2ed. 7v. Elsevier. 2015.: 68), já está claro, por exemplo, que as conexões entre atores afetam preços, influencia a sobrevivência em mercado e molda padrões de competição em mercado.

A segunda abordagem analisa a ação econômica como resultado de cálculos esculpidos por teorias econômicas e tecnologias específicas (CALLON, 1998CALLON, Michel. “The embeddedness of economic markets in economics”. In: Callon, Michel. (Org.). The laws of the market. Oxford: Blackwell, 1998.; CALLON; MUNIESA, 2005; MACKENZIE 2005MACKENZIE, Donald. A camera, not a machine. Cambridge: MIT Press, 2005.). Fligstein e Dioun (2015FLIGSTEIN, Neil; DIOUN, Cyrus. “Economic Sociology”. In: WRIGHT, James D. (Ed.). International Encyclopedia of the Social and Behavioral Sciences. 2ed. 7v. Elsevier. 2015.: 69-70) argumentam que uma agenda interessante nessa abordagem dedica-se a examinar como princípios e modelos quantitativos da economia têm, de fato, auxiliado a estruturar mercados financeiros. A implementação das ideias econômicas por atores sociais tem sido denominada “performatividade”, pois são performadas socialmente e surtem efeitos concretos.

A terceira abordagem volta-se às ações de atores públicos e privados contextualizadas a partir de regras de mercado, normas e relações de poder. O interesse está na configuração institucional do mercado, que estabiliza suas trocas e seu funcionamento. Mesmo as instituições estáveis, contudo, são frequentemente contestadas por atores (empresas, organizações, sindicatos, especialistas etc.) que mobilizam recursos para modificar as regras que balizam o funcionamento de um mercado. Institucionalistas enfatizam a ação do estado na formatação da estrutura de mercado, de modo que a dinâmica política interna ao estado afeta o aspecto de sua ação (DOBBIN, 1993DOBBIN, Frank. The Social Construction of the Great Depression: Industrial Policy During the 1930s in the United States, Britain, and France. Theory and Society 22(1): 1-56. 1993., 1994; FLIGSTEIN, 1996FLIGSTEIN, Neil, Markets as politics: a political-cultural approach to market institutions. American sociological review, 61 (4), p. 656-673. 1996., 2001). Segundo Fligstein e Dioun (2015FLIGSTEIN, Neil; DIOUN, Cyrus. “Economic Sociology”. In: WRIGHT, James D. (Ed.). International Encyclopedia of the Social and Behavioral Sciences. 2ed. 7v. Elsevier. 2015.: 68-69), pesquisas têm indicado inclusive que a construção do estado se dá paralelamente à construção de mercados.

A quarta abordagem teórica, por sua vez, tem, nos termos de Fligstein e Dioun (2015FLIGSTEIN, Neil; DIOUN, Cyrus. “Economic Sociology”. In: WRIGHT, James D. (Ed.). International Encyclopedia of the Social and Behavioral Sciences. 2ed. 7v. Elsevier. 2015.: 69), “pioneiramente pensado sobre as ligações entre estados, direito e mercados e a emergência histórica de sistemas de governança”. A literatura sobre “variedade de capitalismos” (HALL; SOSKICE, 2001HALL, Peter. A.; SOSKICE, David. W. Varieties of Capitalism: The Institutional Foundations of Comparative Advantage. Oxford University Press, Oxford, UK. 2001.), por exemplo, seria um braço importante da sociologia dos mercados. A abordagem de economia política explora também como mercados são construções políticas e sociais que refletem “a cultura de um país, sua história de luta de classes e as várias intervenções que seu governo realizou ao longo da história” (FLIGSTEIN; DIOUN, 2015FLIGSTEIN, Neil; DIOUN, Cyrus. “Economic Sociology”. In: WRIGHT, James D. (Ed.). International Encyclopedia of the Social and Behavioral Sciences. 2ed. 7v. Elsevier. 2015.: 69). Tem se centrado, em boa medida, em analisar quais os tipos de sistemas político-institucionais produzem desenvolvimento econômico (EVANS, 1995EVANS, Peter. Embedded Autonomy. Princeton University Press, Princeton, NJ. 1995.), descrevendo as experiências históricas de países centrais e periféricos a partir das interações entre política e economia. Os autores reconhecem que esta abordagem guarda diversos pontos em comum com a abordagem institucionalista, e frequentemente trabalhos se valem de ambas as abordagens.

Somadas, vale dizer, as visões expandiram a compreensão sobre múltiplas dimensões sociais dos mercados. Análises que consideram o papel das instituições têm se mostrado particularmente frutíferas para compreensão da dinâmica de poder e do papel do estado na construção de mercados. Exploram, em poucas palavras, o modo como estados conformam interesses e estratégias empresariais, ao mesmo tempo que têm suas próprias instituições configuradas pela atuação empresarial.

2.2.2 Instituições em mercado: normas, poder e o papel do estado

Como argumenta Campbell (2007), a perspectiva institucionalista também abriga em si uma miríade de visões.6 6 Segundo o autor, existem ao menos três grandes vertentes: o institucionalismo da escolha racional, mais ligada às abordagens econômicas; o institucionalismo das organizações, mais ligada às abordagens sociológicas; e o institucionalismo histórico, ligado às análises da ciência política e da economia política. Não faz parte do escopo deste artigo esmiuçar cada uma das vertentes. Trabalhos institucionalistas da sociologia dos mercados se situam, majoritariamente, no campo dos estudos das organizações com importante diálogo com a economia política. Nos trabalhos de Dobbin (1993DOBBIN, Frank. The Social Construction of the Great Depression: Industrial Policy During the 1930s in the United States, Britain, and France. Theory and Society 22(1): 1-56. 1993., 1994) e Fligstein (1996FLIGSTEIN, Neil, Markets as politics: a political-cultural approach to market institutions. American sociological review, 61 (4), p. 656-673. 1996., 2001), possivelmente os principais representantes dessa literatura, fica evidente o papel do estado na formatação institucional de mercados.

Dobbin (1994DOBBIN, Frank. Forging Industrial Policy: The United States, Britain, and France in the Railway Age. Cambridge: Cambridge University Press. 1994.), por exemplo, argumenta que instituições políticas e mecanismos regulatórios institucionalizam tradições culturais nacionais que, por sua vez, influenciam a organização econômica e industrial dos países. Neste livro, o autor analisa as políticas de transporte ferroviário nos Estados Unidos, França e Inglaterra, entre 1825 e 1900, procurando indicar como os diferentes padrões de policy-making podem ser explicados pelas diferenças entre as tradições nacionais. Em sua análise identifica paralelo entre as instituições que organizaram a vida econômica desses países e aquelas que regeram sua dinâmica política.

Por exemplo, a tradição política americana de conferir autonomia política a governos locais, sob um sistema federativo dominado por cortes, guarda afinidade com uma política industrial descentralizada, baseada na noção de que mercados livres e competitivos induziriam eficiência a toda a economia. Já a tradição francesa de situar a soberania no governo central como força central de integração nacional possui paralelo com uma política industrial igualmente centralizada, conduzida por um grupo de experts capazes de guiar a economia. A tradição britânica, por sua vez, de situar a soberania política em indivíduos da elite, protegendo-os de seus vizinhos, da coroa e da burocracia estatal, mantém curioso paralelo com uma política que promoveu, primeiro, o laissez-faire e depois ativamente protegeu empresas individuais contra intrusões de mercado, favorecendo seus empreendedores.

Como argumento central Dobbin (1994DOBBIN, Frank. Forging Industrial Policy: The United States, Britain, and France in the Railway Age. Cambridge: Cambridge University Press. 1994.: 20-21) indica que instituições estatais, ao formatarem tradições culturais, influenciariam visões e estratégias econômicas. Primeiro,determinando quais seriam os problemas a serem enfrentados; segundo, estabelecendo os “princípios de causalidade” usados por atores públicos e privados para a solução de tais problemas. Novos problemas (políticos e econômicos), o autor conclui, tenderiam a ser enfrentados com as tradicionais concepções e ferramentas, o que explica a existência e permanência de distintos padrões de organização econômica entre países. Apresenta, assim, uma explicação frontalmente diversa das visões eficientistas que previam a tendência de convergência institucional.

Fligstein (1996FLIGSTEIN, Neil, Markets as politics: a political-cultural approach to market institutions. American sociological review, 61 (4), p. 656-673. 1996., 2001), por sua vez, desenvolve uma abordagem política-cultural da arquitetura institucional de mercados. Seu argumento central é que estruturas sociais de mercado e organização interna das empresas são mais bem vistas como tentativas de mitigar efeitos da competição entre empresas, que tenderiam a conduzir os mercados à estabilidade. A construção de estruturas estáveis de mercado seria um projeto essencialmente político-cultural, motivo pelo qual se vale da metáfora de markets as politics.

Duas dimensões inscrevem-se na metáfora do autor. A primeira é que a formação de mercados deve ser vista como parte do state-building. Estados modernos têm sido construídos a partir de sua interação com o desenvolvimento de suas economias. A estruturação de mercados é parte central do exercício e legitimidade de seu poder, motivo pelo qual estados se interessam em criar condições institucionais para a existência de mercados estáveis (2001: 37-39). A segunda dimensão é que os processos no interior de um mercado refletem dois projetos políticos: uma disputa política interna à empresa (sobre controle, organização, estratégia) e entre empresas com vistas a controlar o mercado.

Competidores buscariam reduzir incertezas derivadas da competição empresarial e o fariam a partir de entendimentos cognitivos e práticas sociais que garantiriam “trocas estruturadas” em um mercado. Fligstein (2001FLIGSTEIN, Neil. The architecture of markets. An economic sociology of twenty-first-century capitalist societies, Princeton, Princeton university press, 2001.: 32-36) identifica quatro tipos de “estruturas sociais” de mercado: direitos de propriedade, estruturas de governança, regras de troca e concepções de controle. Em cada uma delas, o patamar de estabilidade é definido pelas interações conflitivas entre empresas e estado, circunscritas pela dinâmica política e cultural de um país.7 7 Bruce Carruthers (2015) argumenta em sentido semelhante ao dizer que as mudanças na organização dos mercados financeiros em diversos países, que culminaram no processo conhecido como financeirização, envolveram alteração de suas “pré-condições institucionais”. O autor demonstra a existência de quatro elementos institucionais nesses mercados, relativos: (i) ao desenho dos direitos de propriedade; (ii) à estruturação das informações entre participantes e reguladores; (iii) ao funcionamento de sua regulação; (iv) aos mecanismos a serem usados nos casos de falha de algum participante. Sugere que o novo padrão de mercado foi estruturado pela emergência de novas formas de propriedades e controle, de gerenciamento de informações em mercado, de regulação dos mercados, e de regramento de falência e insolvências empresariais. A partir dessas asserções, o autor cria hipóteses normativas para serem testadas por futuros trabalhos no tema.

Como fica indicado, a institucionalidade dos mercados é um elemento central para sua conformação. “Estruturas sociais”, de fato, delineiam os padrões de interação entre estado e setor privado. Com efeito, principal achado desta literatura8 8 Entre importantes análises institucionalista de mercados, que, vale dizer, também dialogam com a economia política, estão os trabalhos de Fligstein (1996, 2001), Dobbin (1993, 1994, 2004), Carruthers e Stinchcombe (1999), Halliday (2012), Riain (2000) e Maillet (2015). está em identificar como os mercados são atravessados e moldados pela ação estatal e por questões políticas.

Mesmo essas abordagens, contudo, têm sido criticadas por não descreverem adequadamente os processos pelos quais estados criam mercados.Apensar de enunciá-las, não analisam as formas de criação, disputa e estabilização das estruturas sociais que moldam mercados.

2.3. A política do mercado como processo social

Segundo Tommaso Pardi (2015), abordagens macro-institucionalistas (que poderiam incluir autores das correntes institucionalista e de economia política) falham em três principais pontos. Primeiro, têm sido incapazes de captar a ação do estado como processo social, descrevendo-o muitas vezes como “força exógena ao mercado”.9 9 Por exemplo, Fligstein (2001: 84), argumenta explicitamente nesse sentido ao dizer que: “I propose an exogenous theory of market transformation that views the basic cause of changes in market structure as resulting from forces outside the control of producers, due either to shifts in demand, invasion by other firms, or actions of the state”. Segundo, não têm avançado análises mais acuradas sobre as múltiplas formas de ação do estado na economia, tratando, não raro, as interações entre estados e empresas como uma “caixa-preta”. Em razão disso, ações e estratégias de estados e empresas têm sido frequentemente deduzidas por meio do cotejamento ex-post entre mudanças nas estruturas de mercados e nas instituições estatais. Terceiro, essas análises têm sido insensíveis aos efeitos cumulativos de ações pontuais, nem sempre planejadas, que levam endogenamente a um processo de mudança institucional na dinâmica dos mercados (2015: 7).

Para endereçar essas questões seria necessário endogeneizar o policy making na análise dos mercados. Isto é, somente identificando o padrão institucional de atuação do estado em um dado mercado (por meio de regulação, de políticas públicas, de contratos específicos, e assim por diante) é que se poderia verificar as formas pelas quais estados, de fato, constituem mercados. Nesse mesmo sentido, o institucionalista Theodore Lowi (1964LOWI, Theodore. American Business, Public Policy Case-Studies, and Political Theory. World Politics, nº 16, 1964.; 1972) já havia argumentado que distintas políticas públicas (policies) implicam em distintos padrões de interações políticas (politics) entre estado e empresas. Sendo assim, o desenho regulatório e de política pública passa a ser central para a conformação derelações políticas e, em última instância, do próprio mercado, nos termos desta discussão. Sua famosa frase de que “policy determines politics” sintetiza a ideia. As múltiplas formas de interação e de interdependência sugerem que não haja, de fato, uma relação de exterioridade entre estados e mercados.

Além disso, seria necessário, seguindo Pardi (2015: 8-9), esmiuçar as relações estados-empresas a partir de métodos mais indutivos de pesquisa. Argumenta, assim, que ainda se faz necessário desenvolver uma lente de análise capaz de ir além da análise de markets as politics e explorar the politics of markets como um processo social subjacente ao processo de institucionalização dos mercados. Dizendo de outro modo, institucionalização de mercados deve ser analisada, não como uma estrutura estática, mas como processo social ativo (TOLBERT; ZUCKER, 1996TOLBERT, Pamela S.; Zucker, Lynn G.. The Institutionalization of Institutional Theory. Cornell University ILR School Digital Commons@ILR. 1996.).

A solução que sugere é reconstruir os múltiplos sentidos das ações e práticas sociais, de empresas e do estado, em determinado mercado, a partir dos registros documentais das interações concretas entre atores relevantes (PARDI, 2015: 11).10 10 Pardi analisa o setor automotivo britânico sob o governo Thatcher como estudo de caso, e toma como fontes documentos do Department of Industry (DoI) e do Department of Trade (DoT), além das negociações sindicais de 1981 e planos corporativos de grandes empresas do setor. A reconstrução dos sentidos das ações sociais possibilitaria à pesquisadora escapar de idealismos - isto é, da tentação de analisar instituições de mercado pelos valores de face que justificaram sua criação ou transformação - e de funcionalismos - isto é, racionalizar, a posteriori, a construção de um mercado, a partir dos resultados percebidos (PARDI, 2015: 13-14).

De fato, investigar os sentidos e entendimentos atribuídos pelos atores (seja no estado, seja no setor privado) aos processos em mercado é crucial para compreender os padrões de interação entre estado e empresas. Para compreender, contudo, o processo de estabilização institucional do mercado não basta analisar interações governos-empresas. Tais interações se dão em um ambiente social mais abrangente e não esgotam a estrutura institucional de um mercado. Essa dependerá de como um conjunto mais amplo de atores estabelecem normas e ações que formatam o funcionamento deste mercado, que frequentemente situam-se em mais de um poder no interior do estado e mesmo fora das fronteiras nacionais. Para compreender essa dinâmica, uma abordagem atenta aos mecanismos de “produção do direito” pode ser esclarecedora.

Com efeito, para que se avance na compreensão dos processos sociais concretos que constituem mercados é necessário ir além da conclusão de Polanyi de que mercados estão enraizados na sociedade. Como já foi dito por outras autoras e autores, o difundido conceito de embeddeness pode ser um instrumento analítico impreciso ao ser usado como medida quantitativa do grau de enraizamento de um mercado (KRIPPNER, 2001KRIPPNER, Greta R. The Elusive Market: Embeddedness and the Paradigm of Economic Sociology. Theory and Society 30 (6): 775-810. 2001.) ou ao não diferenciar diversas possibilidades de estruturas e arranjos de mercados (BLOCK, 2013BLOCK, Fred. Relational Work and the Law: Recapturing the Legal Realist Critique of Market Fundamentalism. Journal of Law and Society, 40: 27-48. 2013.).

O desafio analítico, para usar os termos de Beckert e Streeck (2008BECKERT, Jens; STREECK, Wolfgang. Economic Sociology and Political Economy: A Programmatic Perspective. MPIfG Working Paper 08/4. Cologne, Max Planck Institute for the Study of Societies. 2008.: 12-13) ainda é descrever os mercados a partir da noção de que “toda economia, de qualquer sociedade, é socialmente e politicamente construída e que tal construção, e reconstrução, acontece continuamente no curso do desenvolvimento social e político.” Com efeito, outra agenda - também ela polanyiana - emerge: explorar os mecanismos pelos quais os mercados são institucionalizados e podem ser descritos como instituted processes. Em suma, é preciso calibrar uma lente capaz de enxergar os processos sociais, políticos e institucionais que arquitetam mercados.

3. Institucionalizando mercados: trazendo o direito para a análise

Apesar de estar por toda parte da vida econômica, o direito permanece marginal na sociologia econômica. Ao menos é essa a conclusão de trabalhos relativamente recentes que procuram superar a ausência teórica e empírica das conexões entre direito, sociedade e economia. De fato, essa é uma empreitada que não se restringe à sociologia econômica. Partindo de tradições intelectuais distintas (ainda que em sua maioria institucionalistas), como da economia política institucional (COUTINHO, 2014, 2016; DEAKIN et al., 2015DEAKIN, Simon F. and Gindis, David and Hodgson, Geoffrey M. and Kainan, Huang and Pistor, Katharina, Legal Institutionalism: Capitalism and the Constitutive Role of Law. University of Cambridge Faculty of Law Research Paper No. 26. 2015.) e dos estudos institucionais sobre organizações (SUCHMAN, 1995; EDELMAN; SUCHMAN, 1996; 1997), autores têm enfrentado o desafio de explicitar o que há propriamente de jurídico na organização política e social da economia.11 11 Há ainda uma diversificada literatura de estudos jurídicos da regulação econômica que pode contribuir com essas reflexões, mas que não se inserem no escopo deste artigo, que procura apenas organizar os trabalhos que explicitamente articulam as literaturas de sociologia jurídica e de sociologia econômica. Apenas como exemplos (potencialmente divergentes) de trabalhos que, ao tratar da regulação jurídica de mercados, sugerem papéis do estado e do direito em sua construção, podem ser citados: Sunstein (1990, 1997); Lothian; Unger (2011); Sabel (2007); Piccioto (2017).

O chamado de Swedberg (2003SWEDBERG, Richard. The case for an Economic Sociology of Law. Theory and Society 32 (1):1-37. 2003.) para a necessidade de se desenvolver “uma análise sociológica do papel do direito na vida econômica” sintetiza os esforços que vêm sendo feito por diversos estudos (EDELMAN; STRYKER, 2004EDELMAN, Lauren; Stryker, Robin. “A Sociological Approach to Law and the Economy”. In: Neil J. Smelser & Richard Swedberg. The Handbook of Economic Sociology. PUP: New York. 2004.; STRYKER, 2003; EDELMAN et al., 1999; EDELMAN, 2004; CARRUTHERS; HALLIDAY, 2007HALLIDAY, Terence C.; CARRUTHERS, Bruce G.. The recursivity of law: Global norm making and national lawmaking in the globalization of corporate insolvency regimes. American Journal of Sociology.Vol. 112, No. 4. pp. 1135-1202.2007.; FRERICHS, 2009FRERICHS, Sabine. The Legal Constitution of Market Society: Probing the Economic Sociology of Law. Economic Sociology European Electronic Newsletter 10 (3), 20-25.2009., 2012; BLOCK, 2013BLOCK, Fred. Relational Work and the Law: Recapturing the Legal Realist Critique of Market Fundamentalism. Journal of Law and Society, 40: 27-48. 2013.; COTTERRELL, 2013COTTERRELL, R. Rethinking ‘Embeddedness’: Law, Economy, Community. Journalof Law and Society, 40: 49-67. 2013.; KOTISWARAN, 2014; PERRY-KESSARIS, 2015PERRY-KESSARIS, Amanda. Approaching the Econo-Socio-Legal (April 14, 2015). Annual Review of Law and Social Science Vol. 11, 2015.). Nas diferentes versões, um ponto interessante tem sido o esforço de identificar conexões mais ou menos explícitas entre tradições da sociologia do direito e da sociologia econômica. A mais evidente é: da mesma maneira que a última se empenha em revelar a dimensão política e institucionaldos mercados, a primeira descreve o direito operando em seu contexto social mais abrangente (FRERICHS, 2009). O diálogo entre as literaturas indica, em suma, que as interações entre direito, economia e sociedade são mais relevantes do que usualmente se reconhece.

Meu argumento é que uma abordagem sociojurídica dos mercados pode oferecer uma lente capaz de detalhar os processos de institucionalização de mercados e ser profundamente esclarecedoras de dimensões vistas usualmente como opacas. Ao endogeneizar a criação, interpretação e aplicação do direito à ação e à organização econômica esse tipo de abordagem pode especificar como mercados são concretamente construídos a partir de regras jurídicas, acordos políticos, ideias econômicas e culturais.

Uma análise dos processos sociais de mercados exige um tratamento mais realista também do próprio direito. Como estudos sociojurídicos argumentam há tempos, por direito não se pode tomar apenas os textos de leis, regulamentos, decretos formais, mas também o modo como estes são aplicados em situações concretas, além de considerar ideias, princípios e rituais relacionados ao direito que permeiam atores privados. “Direito em ação” torna-se o foco desse tipo de análise. Pesquisas passam a vasculhar como o direito é interpretado, mobilizado, ignorado e/ou implementado por indivíduos em situações concretas. Chamarei de “produção do direito” esse amplo processo de criação e implementação de normas jurídicas.

Como argumentam Halliday e Carruthers (2007HALLIDAY, Terence C.; CARRUTHERS, Bruce G.. The recursivity of law: Global norm making and national lawmaking in the globalization of corporate insolvency regimes. American Journal of Sociology.Vol. 112, No. 4. pp. 1135-1202.2007.: 1141-1142), é necessário, no entanto, ir além da abordagem tradicional da literatura em Law and Society que majoritariamente enfoca o fenômeno jurídico pela - importante, mas limitada - separação entre o estabelecido pelo direito formal (law in the books) e o direito em sua prática concreta (law in action). Segundo os autores, tanto a criação do direito quanto a interação dinâmica entre criação e implementação, a partir de diversas instâncias, devem voltar ao radar dos sociólogos e sociólogas do direito. Somente assim é possível voltar a explorar a economia política da produção jurídica, dando tratamento mais realista às conexões entre direito, disputas políticas e organização da economia.

Meu argumento central é que quatro principais propriedades do direito o tornam parte crucial do processo de institucionalização de um mercado - em sua criação ou transformação, vale dizer.12 12 Pistor (2013) também argumenta em sentido semelhante ao afirmar que mercados (financeiros, especificamente) são construídos por meio de instrumentos, contratos e regulação jurídicos. Transações nesses mercados dependem da existência de compromissos contratuais críveis e enforceable juridicamente, além de regulações que estabeleçam os parâmetros de atuação em mercado. Nesse sentido, em tais mercados, o direito é o responsável por desenhar as obrigações, repartir riscos e ônus, distribuir competências, viabilizar o uso do poder regulador e garantir o cumprimento da teia contratual e regulatória. O direito é visto como elemento interno ao mercado e, portanto, parte constitutiva de seu funcionamento. A abordagem que delineio neste artigo, contudo, diverge em pontos importantes da Legal Theory of Finance de Pistor, sobretudo quanto a relação entre direito e política. Para Pistor, na dinâmica dos mercados financeiros, há uma relação diferencial entre o poder vinculante que seria produzido pelo direito e o poder discricionário que seria especificamente político. Nesses termos, direito e política conectam-se como vasos comunicantes, ocupando funções distintas no exercício do poder. Na abordagem aqui apresentada, direito e política constituem-se mutuamente e não devem ser analisados como elementos externos. O interesse está em identificar como a “produção do direito” evolui ao longo do tempo e o que esse processo diz sobre a institucionalidade e sobre a conformação política de um dado mercado. Com essas lentes é possível iluminar atores relevantes, ideias econômicas, agendas e acordos políticos contingentes, ou seja, a economia política subjacente à institucionalização de um mercado.13 13 Identificar a diferença entre law in the books e law in actioné apenas uma parte dessa história. Deve-se, para tanto, partir das propriedades que indico na sequência.

A primeira propriedade liga-se ao fato de que o direito confere legitimidade à ação estatal, sendo parte central de qualquer projeto político. O fenômeno jurídico está, portanto, intimamente ligado às disputas políticas de uma sociedade. Sua relação com poder, contudo, vai além de sua “aura de autoridade”, como parece sugerir Pistor (2019PISTOR, Katharina, The Code of Capital: How the Law Creates Wealth and Inequality. Princeton University Press. 2019.). O processo de criação, interpretação e implementação do direito é, de fato, altamente politizado, no sentido de que estabelece o desenho jurídico prevalente, bem como os ganhadores e perdedores de uma nova arquitetura institucional. Conforme Edelman e Stryker (2004EDELMAN, Lauren; Stryker, Robin. “A Sociological Approach to Law and the Economy”. In: Neil J. Smelser & Richard Swedberg. The Handbook of Economic Sociology. PUP: New York. 2004.: 531-535), formulando a abordagem de “sociologia do direito e da economia”, as controvérsias sobre a interpretação do direito estão entrelaçadas a disputas políticas.

A dinâmica política molda quais construções do direito são produzidas e se tornam institucionalizadas, bem como quem delas se beneficia. A institucionalização de um mercado passa justamente pelo processo de disputar e estabilizar certa conformação jurídico-institucional. Nesse sentido, Stryker (2003STRYKER, Robin. Mind the Gap: Law, Institutional Analysis and Socioeconomics. Socio-Economic Review, Vol. 1, pp. 335-367, 2003.) diz que os campos jurídico e econômico se conectam muitas vezes a partir da dimensão política.14 14 Stryker (2003) define política de maneira ampla como a mobilização e contra mobilização de recursos em conflitos baseados em interesses, em normas e valores, e visões cognitivas (cognitive-based), sejam os conflitos dentro da esfera política ou não. Apesar de não enfatizar explicitamente que acordos e negociações são parte da política, a definição auxilia uma abordagem abrangente sobre processos políticos. Assim, a forma e o conteúdo do direito são ativamente construídos e mobilizados como recursos de poder político, tornando-se tanto o meio, quanto o resultado do embate político (EDELMAN; STRYKER, 2004EDELMAN, Lauren; Stryker, Robin. “A Sociological Approach to Law and the Economy”. In: Neil J. Smelser & Richard Swedberg. The Handbook of Economic Sociology. PUP: New York. 2004.: 533).15 15 Isso fica evidente em mercados regulados, por exemplo, como o de derivados do petróleo, em que a existência ou não de uma política explícita de preços - estabelecida juridicamente - produz imediatos efeitos distributivos deste mercado na sociedade (concentradores ou redistributivos). Sendo assim, conjuntamente a argumentos econômicos e políticos para se criar ou não tal política e como fazê-la, atores sociais elaboram e disputam argumentos jurídicos sobre competências, vedações, objetivos da regulação e assim por diante. Essa dinâmica, contudo, pode ser visto em outros tipos de mercado. Por exemplo, novas empresas de base tecnológica que procuram criar mercados ou ingressar em mercados consolidados têm ativamente construído interpretações jurídicas para contornar normas trabalhistas, regulatórias, tributárias, e outras, de forma a viabilizar um novo modelo de negócios. A reação a isso, de cunho político, tem sido formulada também pela linguagem jurídica. É nesse sentido que divergências políticas sobre o desenho do mercado não acontecem fora do direito em um ambiente a-institucional, mas a partir dele. Por um lado, como sugere Stryker (2003: 351), o valor do direito como recurso político não deriva automaticamente de normas formais, mas é construído socialmente por interpretação e disputas políticas. Por outro, contudo, deve-se ficar claro que a forma jurídica não é irrelevante. Como argumentam Carruthers e Halliday (2007HALLIDAY, Terence C.; CARRUTHERS, Bruce G.. The recursivity of law: Global norm making and national lawmaking in the globalization of corporate insolvency regimes. American Journal of Sociology.Vol. 112, No. 4. pp. 1135-1202.2007.: 1143), o fato de o direito ser primeiramente estabelecido como dispositivo constitucional, como lei, como regulamento, como inovação jurisprudencial, ou qualquer outra forma, determina como será implementado e compreendido, quais agentes o mobilizarão, e quais as suas potenciais funções. Além disso, as características formais do direito influenciam sua legitimidade, visto que diferentes formas jurídicas se conectam a diferentes instâncias de poder.16 16 Sobre este ponto, pode-se pensar na disputa jurídica em torno da interpretação do parágrafo 3º do art. 192 da Constituição Federal brasileira, que estabelecia um teto de 12% para as taxas de “juros reais” e que, se produzisse efeitos, afetaria severamente o modelo de negócios bancários no país. Além da justificativa econômica e do arranjo político para barrar a vigência do texto constitucional, foi necessária uma interpretação jurídica criativa pelo, então, Consultor Geral da República, Saulo Ramos, feita em parecer, de que o dispositivo constitucional não seria autoaplicável. A interpretação foi chancelada pelo Supremo Tribunal Federal, de modo que o parágrafo do texto constitucional não foi, de fato, aplicado até a sua revogação. Enfim, o tipo normativo em disputa, neste caso, determinou as instituições e os atores mobilizados na disputa, que, ao cabo, foi crucial para o funcionamento do mercado bancário brasileiro de 1988 em diante. Sobre o episódio veja Veiga da Rocha (2004).

A segunda propriedade do direito é ser, frequentemente, taken for granted (ou tomado como um dado, em tradução livre) e dessa forma naturalizar algumas formas institucionais que deveriam ser vistas como contingentes. Nesse processo, o direito se torna um pressuposto da ação política e econômica e torna natural o uso de certos conceitos e interpretações relevantes para a organização de um mercado. Edelman e Stryker (2004EDELMAN, Lauren; Stryker, Robin. “A Sociological Approach to Law and the Economy”. In: Neil J. Smelser & Richard Swedberg. The Handbook of Economic Sociology. PUP: New York. 2004.), chamam esse processo de “institucional”,17 17 Evito o termo, uma vez que todos os processos que descrevo são parte da construção institucional promovida pelo direito. As autoras evidenciaram a dimensão estabilizadora das instituições e o termo se justifica na chave analítica em que debatem. Para os propósitos do presente artigo, será substituído pela propriedade do direito de ser “tomado com um dado”. que envolve a produção e aceitação de construções particulares do direito e seu compliance. Essa propriedade do direito explica a sedimentação e incorporação de certas estruturas que, de tão pressupostas, parecem naturais e racionais.

Uma vez que certas ideias e práticas jurídicas “são construídas, interpretadas e institucionalizadas por atores econômicos (...), o direito tende tanto a influenciar ideias de racionalidade quanto a se tornar permeável à lógica capitalista e empresarial” (2004: 532). Nesse sentido, o direito auxilia na naturalização de certas ideias econômicas e políticas e, ao ter alguns sentidos de suas regras e instituições taken-for-granted, o direito se incorpora à própria lógica do campo econômico.18 18 Miola (2016), por exemplo, argumenta que ideias econômicas neoliberais podem se tornar concretas também a partir da interpretação e implementação de categorias e dispositivos jurídicos da regulação concorrencial. No caso brasileiro, a aplicação do direito da concorrência serviu, desde meados nos anos 1990, para legitimar a concentração de poder em mercado, o que convergia com certos interesses políticos e econômicos em detrimento de outros.

A partir dessas duas primeiras propriedades, a racionalidade econômica é construída conjuntamente à racionalidade jurídica, uma vez que o direito é (i) mobilizado politicamente como recurso na ação e na organização econômica, e (ii) incorporado entre os pressupostos da atividade econômica (STRYKER, 2003STRYKER, Robin. Mind the Gap: Law, Institutional Analysis and Socioeconomics. Socio-Economic Review, Vol. 1, pp. 335-367, 2003.; EDELMAN; STRYKER, 2004EDELMAN, Lauren; Stryker, Robin. “A Sociological Approach to Law and the Economy”. In: Neil J. Smelser & Richard Swedberg. The Handbook of Economic Sociology. PUP: New York. 2004.; PERRY-KESSARIS, 2015PERRY-KESSARIS, Amanda. Approaching the Econo-Socio-Legal (April 14, 2015). Annual Review of Law and Social Science Vol. 11, 2015.). Dito de outro modo, não apenas por ser naturalizado, mas por ser disputado e mobilizado como recurso, em certo contexto, o direito é parte central da fabricação de sentido institucional de mercados. Compreender como o direito foi construído, interpretado e mobilizado por diferentes atores é parte do desafio de compreender a institucionalização de certo mercado.

A terceira propriedade liga-se ao fato de que a produção do direito assume, em muitos momentos, uma forma híbrida. Isto é, o direito é produzido em uma “parceria público-privada” visto que sua interpretação e compliance depende em boa medida da ação de atores privados.19 19 Por exemplo, Major (2012) e Underhill e Zhang (2008) argumentam que a arquitetura do sistema financeiro internacional caminhou no sentido justamente de conferir maiores poderes a atores privados para interpretarem e implementarem dispositivos regulatórios a que deveriam se submeter. A aplicação de novos padrões da regulação bancária centrou-se basicamente em análises e modelos internos aos bancos sobre nível de capital e risco de seus ativos, o que serviu para empoderá-los diante de reguladores públicos. Trabalhos como Edelman (2004EDELMAN, Lauren; Stryker, Robin. “A Sociological Approach to Law and the Economy”. In: Neil J. Smelser & Richard Swedberg. The Handbook of Economic Sociology. PUP: New York. 2004.) e Edelman et al. (1999) argumentam que o direito é, de fato, endogenamente construído pela atividade de atores tanto privados quanto públicos. Para as autoras, a interação desses atores com normas jurídicas não se dá como “resposta” diante de algo que lhes é externo. Antes disso, atores interpretam as normas e lhes dão sentido próprio, que será endossado ou não por órgãos estatais. A endogeneidade advém do fato de que o sentido do direito é construído dentro do próprio campo social e econômico que procura regular (EDELMAN, 2004EDELMAN, Lauren; Stryker, Robin. “A Sociological Approach to Law and the Economy”. In: Neil J. Smelser & Richard Swedberg. The Handbook of Economic Sociology. PUP: New York. 2004.: 189).

Essa dinâmica decorre, em última instância, do fato de que o direito está aberto a interpretações e contestações sociais. Segundo Edelman et al. (1999EDELMAN, Lauren B., et al. The Endogeneity of Legal Regulation: Grievance Procedures as Rational Myth. American Journal of Sociology, vol. 105, no. 2, 1999.: 407), disposições jurídicas que regulam empresas são especialmente abertas à "construção social", visto que o lobby corporativo usualmente obtém sucesso em suavizar a regulação que afronta seus interesses, produzindo assim mandatos mais amplos e vagos ao regulador. Nessas condições, "organizações participam ativamente construindo o sentido de compliance". A própria noção do que seria uma “resposta” racional a certa regra jurídica é, na verdade, construída socialmente. Edelman (2004) conclui que a própria noção de “racionalidade” econômica, tomada como natural por economistas, é construída, por meio de interação social, conjuntamente à racionalidade jurídica.

Nesse sentido, empresas, organizações e indivíduos ao mesmo tempo em que respondem a uma norma jurídica (isto é, procuram se adequar a suas prescrições da forma mais adequada segundo seus interesses contextuais), constroem essa mesma norma que os regula (isto é, avançam um caminho específico para interpretação do direito). De outro ângulo, a prevalência de certas interpretações entre atores privados as torna mais aptas à chancela pelo judiciário ou outro poder do estado, conferindo maior legitimidade e mesmo ganhos materiais aos agentes privados que as especificaram (EDELMAN et al., 1999EDELMAN, Lauren B., et al. The Endogeneity of Legal Regulation: Grievance Procedures as Rational Myth. American Journal of Sociology, vol. 105, no. 2, 1999.: 411). Essa relação de mão dupla torna a produção do direito público-privada, híbrida.20 20 Edelman (2004) ilustra esse ponto analisando a criação de procedimentos internos em empresas nos Estados Unidos para registro de queixas sobre violações de direitos, que se deu inicialmente como interpretação privada de normas e princípios de direitos civis naquele país. Posteriormente, os procedimentos empresariais foram chancelados pelo judiciário como boas práticas, conferindo legitimidade e vantagem econômica de mercado para as empresas pioneiras. Em um momento seguinte, argumenta a autora, tais procedimentos foram normalizados como as “práticas mais eficientes” de organização empresarial em mercado, pois reduziriam o número de casos judiciais e seriam provas (em eventual caso judicial) do tratamento não discriminatório dado pela empresa aos funcionários. Com efeito, neste caso, noções de eficiência e boas práticas que influenciaram o funcionamento do mercado passaram também por uma construção jurídica do que era legítimo, o que foi feito a partir da produção público-privado das categorias e práticas do direito. A quarta propriedade do direito pode ser descrita pelo processo de recursividade, descrito por Carruthers e Halliday (1998CARRUTHERS, Bruce G.; HALLIDAY, Terence C. Rescuing Business: The Making of Corporate Bankruptcy Law in England and the United States, Oxford, Clarendon. 1998., 2007). A produção do direito não está circunscrita às fronteiras nacionais, mas depende da atuação de entidades internacionais ou transnacionais. Sobretudo em mercados criados ou transformados a partir do processo de globalização, o contexto global é crítico, uma vez que padrões normativos globais - que contribuirão para sua institucionalização -crescentemente influenciam processos jurídicos domésticos.

Os autores argumentam que instituições globais, como o FMI, o Banco Mundial, as Nações Unidas, entre outras, têm construído “uma arquitetura financeira global, tendo o direito como sua principal fundação” (2007: 1136). Essa empreitada global vem repercutindo em diversas áreas jurídicas nacionais,21 21 Os autores, obviamente, não apresentam uma lista de temas jurídicos afetados, mas dão exemplos das mais diversas áreas como, por exemplo, falência, contratos privados, regulação financeira, contratos de concessão, direito internacional privado. de modo que não se pode compreender as mudanças do direito sem referência às interações entre a produção jurídica doméstica e global.22 22 O ponto é ilustrado pelos autores, como estudo de caso, pela incorporação por países de regras e instituições padronizadas internacionalmente relativas a situações de falência privada. Sendo regras de falência uma das pré-condições institucionais para o funcionamento de mercados (CARRUTHERS, 2015), essa difusão normativa forjou novas oportunidades de investimento, favoreceu certas empresas, enfim, moldou o funcionamento de mercados em diferentes países.

Carruthers e Halliday (2007HALLIDAY, Terence C.; CARRUTHERS, Bruce G.. The recursivity of law: Global norm making and national lawmaking in the globalization of corporate insolvency regimes. American Journal of Sociology.Vol. 112, No. 4. pp. 1135-1202.2007.: 1138) argumentam que a “globalização do direito” pode ser expressa em três ciclos: no nível nacional, por meio de ciclos recursivos de criação de leis e de sua implementação; no nível global, por meio de ciclos iterativos de criação de normas por diferentes organismos internacionais; e na intersecção entre os dois níveis, em que experiências nacionais influenciam a criação de normas globais ao mesmo tempo em que essas últimas constrangem a criação de leis.23 23 Carruthers e Halliday (2007) indicam que a atenção aos ciclos de recursividade ilumina, entre outras coisas, a influência de atores jurídicos no processo de implementação criativa do direito, além do papel de múltiplas instituições (nacionais e internacionais) que moldam, a partir de sua atuação, o funcionamento do direito. Nesse sentido, sua abordagem não está distante da noção de “endogeneidade do direito”, de Edelman et al. (1999) e Edelman (2004), apesar de apontar para outras dimensões da produção do direito. Segundo os autores (2007: 1149-1153), os mecanismos pelos quais os ciclos de recursividade se manifestam são: (i) a indeterminação do direito, que abre oportunidades para múltiplas aplicações das normas e para seu redirecionamento em sentidos inesperados e não antecipados inicialmente; (ii) as contradições internas ao direito, sobretudo diante de uma produção descentralizada de leis e normas, que viabilizam a mobilização seletiva do direito e explicam sua contingência política; (iii)as disputas de diagnósticos e propostas em torno de reformas jurídicas, que conduzem a um descompasso entre normas internacionais e leis nacionais ou entre as últimas e sua implementação; além do (iv) descasamento entre atores que criam normas e aqueles que de fato as interpretam e implementam, o que se torna fonte de mudança jurídica.

Todos esses mecanismos ajudam a explicar que a influência internacional na produção do direito nem sempre se dá por meio da imposição. Antes disso, o processo de recursividade evidencia uma via de mão dupla, em que muitas vezes persuasão e sugestão de modelos para atores domésticos são meios de influência mais presentes em determinada situação que a chantagem ou coerção - que também existem e são frequentes. Nesse cenário, é relevante analisar o papel dos especialistas e profissionais do direito uma vez que, frequentemente, são encarregados de consultas e aconselhamentos em processos de implementação e reformas jurídicas (2007: 1189).

Exemplo disso pode ser dado pela incorporação doméstica de regras e princípios de regulação bancária formuladas pelo Comitê de Basiléia de Supervisão Bancária, no âmbito do Bank for International Settlements, composto por autoridades regulatórias de diversos países. Apesar de criados e implementados nacionalmente, categorias jurídicas, desenhos institucionais e justificativas econômicas da regulação bancária têm sido construídos em interação contínua entre atores nacionais e internacionais. Em outras palavras, a dinâmica de funcionamento de mercados bancários de diversos países - suas barreiras a entrada em mercado, seus parâmetros de competição, os tipos de produtos à venda, a organização interna de seus participantes, entre outras dimensões - tem se moldado também a partir de consensos técnicos globais, econômicos e jurídicos, envolvidos na definição dos parâmetros de sua regulação (CARRUTHERS; BABB; HALLIDAY, 2001HALL, Peter. A.; SOSKICE, David. W. Varieties of Capitalism: The Institutional Foundations of Comparative Advantage. Oxford University Press, Oxford, UK. 2001.; MAJOR, 2012MAJOR, Aaron. Neoliberalism and the new international financial architecture, Review of International Political Economy, 19:4, 536-561, 2012.).

Com efeito, o direito é produzido em uma dinâmica complexa que extrapola fronteiras nacionais. No tocante à institucionalização de mercados, somente ao se descrever a dimensão global da produção do direito é possível identificar a interação entre atores globais e domésticos - que, vale dizer, pode ser de contestação ou cooperação. Por exemplo, o processo de internacionalização e abertura de alguns mercados, que ocorreu em países periféricos ao longo dos anos de 1990 e 2000 e que modificou toda a institucionalidade desses mercados, pode ser mais bem compreendido apenas se o fenômeno jurídico for devidamente explicado.

Para localizar a multiplicidade de atores e espaços de produção do direito, o argumento de Shaffer (2009SHAFFER, Gregory C., How Business Shapes Law: A Socio-Legal Framework (June 26, 2009). Connecticut Law Review, Vol. 42, p. 147, 2009.), com alguma adaptação,24 24 Shaffer (2009) apresenta o que chamo de “arenas” como “interações institucionais” pelas quais o direito seria moldado pelas atividades de empresas. Essa divisão é esclarecedora para análises interessadas na construção de mercados, pois situa os âmbitos de produção do direito, ainda que vejam a relação entre direito e empresas (ou mercados) como de influência recíproca. pode ser útil ao indicar as três principais arenas de construção simultânea de produção do direito e, portanto, de institucionalização de mercados: (i) arenas públicas: em que o direito é criado, interpretado e implementado a partir do legislativo, da administração pública e do judiciário; (ii) arenas privadas: em que empresas, organizações e indivíduos criam resoluções privadas dos conflitos e normatização interna, interpretando construtivamente regras estatais; (iii) arenas internacionais: em que regras e padrões globais são produzidos e posteriormente incorporados internamente pelos atores domésticos, a partir do processo de recursividade.

Essas arenas, no entanto, não devem ser vistas isoladamente, pois interagem reciprocamente e podem ser compreendidas apenas se analisadas em suas conexões. A partir de sua interação, o direito é produzido ao mesmo tempo em que mercados são institucionalizados. De todo modo, essa separação heurística de arenas joga luz à complexidade e à fragmentação da construção institucional dos mercados. A abordagem aqui proposta pode ser sintetizada na seguinte Tabela 1, a seguir.

Tabela 1
Institucionalizando mercados: uma síntese da abordagem sociojurídica

Em suma, produzido em diferentes arenas, a partir de processos políticos - de disputas e naturalização de sentidos -, por atores privados e públicos, o direito possui o condão de influenciar estratégias de ação, moldar preferências, canalizar o exercício do poder político, conferir ou retirar recursos de atores em mercado. Em poucas palavras, constitui parte central da institucionalização de mercados. Revelando tais dimensões, pesquisas sociojurídicas podem abrir a caixa preta das relações estado-empresas iluminando the politics of markets.

4. Considerações finais

A institucionalização dos mercados deve ser escrutinada como processo social dinâmico e contingente. Olhando para como o direito é produzido, esse é o argumento central, é possível endogeneizar o policymaking à análise da construção de mercados, como sugere Pardi (2015).

Apesar de parecer mais evidente para alguns mercados - mercados regulados ou que impliquem em conflitos distributivos mais agudos, como mercado financeiro, mercado de derivados do petróleo, mercado de energia elétrica, e assim por diante - entendo que a abordagem aqui apresentada seja esclarecedora para muitos outros mercados. Isso porque o direito não apenas facilita e regula, mas estrutura relações em mercados. Isto é, cria categorias elementares para a atividade econômica e torna possível a estabilização de expectativas futuras em torno de acordos privados.

Processos de naturalização de sentidos normativos e de disputa conflitiva entre ideias, agendas políticas e interesses acontecem também por meio do direito. A institucionalidade é o resultado não da espontaneidade de atores racionais e egoístas, mas da somatória das relações sociais conflitivas que se dão a partir de tais processos. Uma abordagem sociojurídica ilumina os meandros dos mecanismos sociais que sustentam que um mercado tenha certo desenho e não outros possíveis. Descrevê-los é parte da tarefa crítica de desnaturalizar estruturas dadas como etéreas.

Além disso, essa abordagem ilumina a fragmentação das interações entre estados e mercados e a multiplicidade de processos que as moldam. O estado não é um ente monolítico e sua atuação em mercados deve ser percebida como parte da construção (igualmente fragmentada) de seu poder e legitimidade, sendo o direito parte fundamental deste processo. Com efeito, ao buscar descrever a institucionalização de mercados de modo mais realista, apresenta-se também uma lente mais acurada para ver o próprio fenômeno jurídico, ainda marginalizado em análises sociológicas.

Como a institucionalidade de certo mercado tem sido desenhada por normas formais, mas também por entendimentos informais e práticas concretas dos atores envolvidos? Quais e como as arenas estatais têm moldado tal mercado e como são acessadas por diferentes atores públicos e privados? Como a institucionalidade existente foi construída a partir de processos políticos de conflito e naturalização de ideias e categorias específicas, inclusive jurídicas? Como expressa um compromisso entre diferentes agendas, racionalidades e força política dos atores envolvidos? Essas são algumas questões que emergem da abordagem aqui proposta.

Mercados são instituições que alocam recursos sociais, sendo também responsáveis por distribuir de modo mais ou menos igualitário a riqueza em uma sociedade. Evidenciar sua institucionalidade auxilia a tarefa de compreender, criticar e, eventualmente, alterar seu funcionamento, se socialmente indesejável. No atual contexto global,a abordagem aqui apresentada podecontribuir na empreitada crucial de dissecar as dinâmicas políticas, econômicas e jurídicas - ainda opacas -de instituições que alimentam desigualdades.

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  • 1
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Agradeço aos coordenadores e participantes do Grupo de Trabalho em “Sociologia Econômica”, do 19º Congresso Brasileiro de Sociologia com quem debati uma primeira versão deste trabalho. Agradeço também às/aos revisoras/res às cegasdesta revista pelos comentários e sugestões. Erros remanescentes são, obviamente, de minha exclusiva responsabilidade.
  • 2
    Uso o termo sugerido por Edelman e Stryker (2004) que me parece sintetizar melhor os esforços nesse campo.
  • 3
    Sobre isso, ver os capítulos 14 a 16 de Polanyi (2001).
  • 4
    É verdade que Polanyi (2001) revela uma posição cética sobre esta reação que pode ocorrer a partir de diferentes perspectivas do espectro político - e, no limite, partir tanto de posições fascistas quanto de posições socialistas - e causar danos iguais ou maiores à sociedade.
  • 5
    Para uma análise sobre o achado de Polanyi sobre a “economia sempre enraizada”, ver Block (2003). Para uma versão crítica e alternativa sobre o conceito de embeddedness, ver Krippner (2017).
  • 6
    Segundo o autor, existem ao menos três grandes vertentes: o institucionalismo da escolha racional, mais ligada às abordagens econômicas; o institucionalismo das organizações, mais ligada às abordagens sociológicas; e o institucionalismo histórico, ligado às análises da ciência política e da economia política. Não faz parte do escopo deste artigo esmiuçar cada uma das vertentes.
  • 7
    Bruce Carruthers (2015) argumenta em sentido semelhante ao dizer que as mudanças na organização dos mercados financeiros em diversos países, que culminaram no processo conhecido como financeirização, envolveram alteração de suas “pré-condições institucionais”. O autor demonstra a existência de quatro elementos institucionais nesses mercados, relativos: (i) ao desenho dos direitos de propriedade; (ii) à estruturação das informações entre participantes e reguladores; (iii) ao funcionamento de sua regulação; (iv) aos mecanismos a serem usados nos casos de falha de algum participante. Sugere que o novo padrão de mercado foi estruturado pela emergência de novas formas de propriedades e controle, de gerenciamento de informações em mercado, de regulação dos mercados, e de regramento de falência e insolvências empresariais.
  • 8
    Entre importantes análises institucionalista de mercados, que, vale dizer, também dialogam com a economia política, estão os trabalhos de Fligstein (1996, 2001), Dobbin (1993, 1994, 2004), Carruthers e Stinchcombe (1999), Halliday (2012), Riain (2000) e Maillet (2015).
  • 9
    Por exemplo, Fligstein (2001: 84), argumenta explicitamente nesse sentido ao dizer que: “I propose an exogenous theory of market transformation that views the basic cause of changes in market structure as resulting from forces outside the control of producers, due either to shifts in demand, invasion by other firms, or actions of the state”.
  • 10
    Pardi analisa o setor automotivo britânico sob o governo Thatcher como estudo de caso, e toma como fontes documentos do Department of Industry (DoI) e do Department of Trade (DoT), além das negociações sindicais de 1981 e planos corporativos de grandes empresas do setor.
  • 11
    Há ainda uma diversificada literatura de estudos jurídicos da regulação econômica que pode contribuir com essas reflexões, mas que não se inserem no escopo deste artigo, que procura apenas organizar os trabalhos que explicitamente articulam as literaturas de sociologia jurídica e de sociologia econômica. Apenas como exemplos (potencialmente divergentes) de trabalhos que, ao tratar da regulação jurídica de mercados, sugerem papéis do estado e do direito em sua construção, podem ser citados: Sunstein (1990, 1997); Lothian; Unger (2011); Sabel (2007); Piccioto (2017).
  • 12
    Pistor (2013) também argumenta em sentido semelhante ao afirmar que mercados (financeiros, especificamente) são construídos por meio de instrumentos, contratos e regulação jurídicos. Transações nesses mercados dependem da existência de compromissos contratuais críveis e enforceable juridicamente, além de regulações que estabeleçam os parâmetros de atuação em mercado. Nesse sentido, em tais mercados, o direito é o responsável por desenhar as obrigações, repartir riscos e ônus, distribuir competências, viabilizar o uso do poder regulador e garantir o cumprimento da teia contratual e regulatória. O direito é visto como elemento interno ao mercado e, portanto, parte constitutiva de seu funcionamento. A abordagem que delineio neste artigo, contudo, diverge em pontos importantes da Legal Theory of Finance de Pistor, sobretudo quanto a relação entre direito e política. Para Pistor, na dinâmica dos mercados financeiros, há uma relação diferencial entre o poder vinculante que seria produzido pelo direito e o poder discricionário que seria especificamente político. Nesses termos, direito e política conectam-se como vasos comunicantes, ocupando funções distintas no exercício do poder. Na abordagem aqui apresentada, direito e política constituem-se mutuamente e não devem ser analisados como elementos externos.
  • 13
    Identificar a diferença entre law in the books e law in actioné apenas uma parte dessa história.
  • 14
    Stryker (2003) define política de maneira ampla como a mobilização e contra mobilização de recursos em conflitos baseados em interesses, em normas e valores, e visões cognitivas (cognitive-based), sejam os conflitos dentro da esfera política ou não. Apesar de não enfatizar explicitamente que acordos e negociações são parte da política, a definição auxilia uma abordagem abrangente sobre processos políticos.
  • 15
    Isso fica evidente em mercados regulados, por exemplo, como o de derivados do petróleo, em que a existência ou não de uma política explícita de preços - estabelecida juridicamente - produz imediatos efeitos distributivos deste mercado na sociedade (concentradores ou redistributivos). Sendo assim, conjuntamente a argumentos econômicos e políticos para se criar ou não tal política e como fazê-la, atores sociais elaboram e disputam argumentos jurídicos sobre competências, vedações, objetivos da regulação e assim por diante. Essa dinâmica, contudo, pode ser visto em outros tipos de mercado. Por exemplo, novas empresas de base tecnológica que procuram criar mercados ou ingressar em mercados consolidados têm ativamente construído interpretações jurídicas para contornar normas trabalhistas, regulatórias, tributárias, e outras, de forma a viabilizar um novo modelo de negócios. A reação a isso, de cunho político, tem sido formulada também pela linguagem jurídica. É nesse sentido que divergências políticas sobre o desenho do mercado não acontecem fora do direito em um ambiente a-institucional, mas a partir dele.
  • 16
    Sobre este ponto, pode-se pensar na disputa jurídica em torno da interpretação do parágrafo 3º do art. 192 da Constituição Federal brasileira, que estabelecia um teto de 12% para as taxas de “juros reais” e que, se produzisse efeitos, afetaria severamente o modelo de negócios bancários no país. Além da justificativa econômica e do arranjo político para barrar a vigência do texto constitucional, foi necessária uma interpretação jurídica criativa pelo, então, Consultor Geral da República, Saulo Ramos, feita em parecer, de que o dispositivo constitucional não seria autoaplicável. A interpretação foi chancelada pelo Supremo Tribunal Federal, de modo que o parágrafo do texto constitucional não foi, de fato, aplicado até a sua revogação. Enfim, o tipo normativo em disputa, neste caso, determinou as instituições e os atores mobilizados na disputa, que, ao cabo, foi crucial para o funcionamento do mercado bancário brasileiro de 1988 em diante. Sobre o episódio veja Veiga da Rocha (2004).
  • 17
    Evito o termo, uma vez que todos os processos que descrevo são parte da construção institucional promovida pelo direito. As autoras evidenciaram a dimensão estabilizadora das instituições e o termo se justifica na chave analítica em que debatem. Para os propósitos do presente artigo, será substituído pela propriedade do direito de ser “tomado com um dado”.
  • 18
    Miola (2016), por exemplo, argumenta que ideias econômicas neoliberais podem se tornar concretas também a partir da interpretação e implementação de categorias e dispositivos jurídicos da regulação concorrencial. No caso brasileiro, a aplicação do direito da concorrência serviu, desde meados nos anos 1990, para legitimar a concentração de poder em mercado, o que convergia com certos interesses políticos e econômicos em detrimento de outros.
  • 19
    Por exemplo, Major (2012) e Underhill e Zhang (2008) argumentam que a arquitetura do sistema financeiro internacional caminhou no sentido justamente de conferir maiores poderes a atores privados para interpretarem e implementarem dispositivos regulatórios a que deveriam se submeter. A aplicação de novos padrões da regulação bancária centrou-se basicamente em análises e modelos internos aos bancos sobre nível de capital e risco de seus ativos, o que serviu para empoderá-los diante de reguladores públicos.
  • 20
    Edelman (2004) ilustra esse ponto analisando a criação de procedimentos internos em empresas nos Estados Unidos para registro de queixas sobre violações de direitos, que se deu inicialmente como interpretação privada de normas e princípios de direitos civis naquele país. Posteriormente, os procedimentos empresariais foram chancelados pelo judiciário como boas práticas, conferindo legitimidade e vantagem econômica de mercado para as empresas pioneiras. Em um momento seguinte, argumenta a autora, tais procedimentos foram normalizados como as “práticas mais eficientes” de organização empresarial em mercado, pois reduziriam o número de casos judiciais e seriam provas (em eventual caso judicial) do tratamento não discriminatório dado pela empresa aos funcionários. Com efeito, neste caso, noções de eficiência e boas práticas que influenciaram o funcionamento do mercado passaram também por uma construção jurídica do que era legítimo, o que foi feito a partir da produção público-privado das categorias e práticas do direito.
  • 21
    Os autores, obviamente, não apresentam uma lista de temas jurídicos afetados, mas dão exemplos das mais diversas áreas como, por exemplo, falência, contratos privados, regulação financeira, contratos de concessão, direito internacional privado.
  • 22
    O ponto é ilustrado pelos autores, como estudo de caso, pela incorporação por países de regras e instituições padronizadas internacionalmente relativas a situações de falência privada. Sendo regras de falência uma das pré-condições institucionais para o funcionamento de mercados (CARRUTHERS, 2015), essa difusão normativa forjou novas oportunidades de investimento, favoreceu certas empresas, enfim, moldou o funcionamento de mercados em diferentes países.
  • 23
    Carruthers e Halliday (2007) indicam que a atenção aos ciclos de recursividade ilumina, entre outras coisas, a influência de atores jurídicos no processo de implementação criativa do direito, além do papel de múltiplas instituições (nacionais e internacionais) que moldam, a partir de sua atuação, o funcionamento do direito. Nesse sentido, sua abordagem não está distante da noção de “endogeneidade do direito”, de Edelman et al. (1999) e Edelman (2004), apesar de apontar para outras dimensões da produção do direito.
  • 24
    Shaffer (2009) apresenta o que chamo de “arenas” como “interações institucionais” pelas quais o direito seria moldado pelas atividades de empresas. Essa divisão é esclarecedora para análises interessadas na construção de mercados, pois situa os âmbitos de produção do direito, ainda que vejam a relação entre direito e empresas (ou mercados) como de influência recíproca.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Mar 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2021

Histórico

  • Recebido
    16 Nov 2019
  • Aceito
    21 Abr 2020
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