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Prisioneiras do sofrimento: percepção de mulheres sobre a violência praticada por parceiros íntimos

RESUMO

Objetivo:

descrever as percepções de mulheres — presas ou parceiras de homens presos —que vivenciam/vivenciaram violência por parte do parceiro íntimo e como enfrentam essa situação.

Método:

estudo descritivo-exploratório, de abordagem qualitativa, realizado com 21 mulheres. Dados empíricos coletados entre março e agosto de 2018, mediante entrevista semiestruturada audiogravada, foram submetidos à análise de conteúdo temática.

Resultados:

as mulheres relataram vivência de diferentes formas de violência, o que desencadeou sofrimento e comprometimento negativo em suas vidas, muito além do ato em si, sobretudo pelas marcas emocionais e físicas e suas consequências. Também percebem que enfrentar a violência é responsabilidade individual, vivida no contraponto entre o desejo de superá-la e a passividade.

Considerações finais:

a violência de parceiro íntimo foi revelada pelas mulheres de modo singular, como vivência solitária, com consequências permanentes nos âmbitos físico, emocional, patrimonial, sexual e moral e os recursos internos e externos limitados, dificultam enfrentá-la.

Descritores:
Violência; Saúde da Mulher; Percepção; Violência de Gênero; Assistência Integral à Saúde

ABSTRACT

Objective:

to describe the perceptions of women, prisoners or partners of imprisoned men who experience/experienced intimate partner violence, and how they cope with this situation.

Method:

a descriptive exploratory study with a qualitative approach conducted with 21 women. Empirical data collected between March and August 2018, through audio-recorded semi-structured interviews, were submitted to thematic content analysis.

Results:

women reported experiencing different forms of violence, which triggered suffering and negative commitment in their lives, far beyond the act itself, especially by the emotional and physical marks and their consequences. They also realize that coping with violence is individual responsibility, lived in the counterpoint between the desire to overcome it and passivity.

Final considerations:

intimate partner violence was uniquely revealed by women as a solitary experience, with permanent consequences in the physical, emotional, patrimonial, sexual and moral spheres, and limited internal and external resources make it difficult to cope with it.

Descriptors:
Violence; Women’s Health; Perception; Gender-Based Violence; Comprehensive Health Care

RESUMEN

Objetivo:

describir como las percepciones de las mujeres, presas o parejas de hombres arrestados, que experimentan/experimentan la violencia de pareja y cómo enfrentan esta situación.

Método:

un estudio descriptivo exploratorio, con un enfoque cualitativo, realizado con 21 mujeres. Los artículos de datos del año hasta 2015, que leen audio semiestructurado, para el análisis de un ejemplo del software.

Resultados:

las mujeres reportan una experiencia de diferentes formas de violencia, que desencadena y reaparece en sus vidas, mucho más allá del acto en sí, en sus vidas emocionales y físicas y sus consecuencias. También se dio cuenta de que se trata de una responsabilidad individual, viva, no hay contrapunto entre el deseo de superarlo y una pasividad.

Consideraciones finales:

la violencia de la pareja íntima fue revelada de manera única por las mujeres como una experiencia solitaria, con consecuencias permanentes en las esferas física, emocional, patrimonial, sexual y moral, y los recursos internos y externos limitados dificultan la superación.

Descriptores:
Violencia; Salud de la Mujer; Percepción; Violencia de Género; Atención Integral de Salud

INTRODUÇÃO

Esta comunicação aborda o tema violência impingida às mulheres por seus parceiros. Esta é, na literatura científica, parte do que se denomina violência por parceiro íntimo (VPI). A VPI pode ocorrer em diferentes momentos do ciclo de vida dos envolvidos e atingir relações entre homens, entre mulheres e entre homens e mulheres. Além disso, ela pode atingir diferentes dimensões da vida - patrimonial, moral, psicológica, sexual e física (11 Ministério da Saúde (BR). Diretrizes nacionais do feminicídio, investigar, processar e julgar com perspectiva de gênero as mortes violentas de mulheres [Internet]. 2016 [cited 2018 Oct 19]. Available from: http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2016/04/diretrizes_feminicidio.pdf
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).

Diante da necessidade de enfrentá-la, o agravo tem desafiado permanentemente os profissionais de vários campos: da educação, segurança, justiça, atenção à saúde e outros. As equipes de saúde, particularmente, são instigadas a contribuir para identificar o problema, a prevenção dos fatores de risco relacionados e a atuação em seu enfrentamento (22 Trigueiro TH, Labronici LM, Merighi MAB, Raimondo ML. The process of resilience in women who are victims of domestic violence: a qualitative approach. Cogitare Enferm. 2014;19(3):437-43. doi: 10.5380/ce.v19i3.34726
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), com vistas à recuperação e promoção da saúde das vítimas.

As mulheres têm sido muito afetadas por essa forma de violência advinda de seus companheiros. Embora em grande parte do mundo e do Brasil a VPI seja considerada crime e violação dos direitos humanos, isso não tem impedido que cotidianamente muitas mulheres sejam vítimas (33 Carneiro JB, Gomes NP, Estrela FM, Santana JD, Mota RS, Erdmann AL. Domestic violence: repercussions for women and children. Esc Anna Nery . 2017;21(4):1-7. doi: 10.1590/2177-9465-EAN-2016-0346
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). Segundo a Organização Mundial da Saúde (44 World Health Organization. Responding to Intimate Partner Violence and Sexual Violence Against Women [Internet]. Policy Guideline: WHO; 2013; [cited 2018 nov 20]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/85240/9789241548595_eng.pdf;jsessionid=8C2BDC05DFD67A0D8217C117B67B5230?sequence=1
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), entre 15% e 71% das mais de 1,2 bilhões de mulheres no mundo já foram vítimas de abusos perpetrados por parceiros íntimos (PI) em algum momento da vida. Nos Estados Unidos, por exemplo, estima-se que 21% das mulheres sofreram agressão física e/ou sexual pelo PI (55 Gonzalez FR, Benuto LT, Casas JB. Prevalence of Interpersonal Violence Among Latinas: a systematic review. Trauma Violence Abuse. 2018;1-14. doi: 10.1177/1524838018806507
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). No Brasil, entre 2003 e 2013, o número de mulheres vítimas fatais de violência passou de 3.937 para 4.762, o que significou um aumento de 21,0% nessa década, correspondente a 13 feminicídios diários (66 Waiselfisz JJ. Mapa da violência 2015: homicídio de mulheres no Brasil[Internet]. 2015 [cited 2018 Oct 13]. Brasília (DF). Available from: http://www.mapadaviolencia.org.br/pdf2015/MapaViolencia_2015_mulheres.pdf
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).

A relevância dessa forma de violência, além de sua gravidade e crescimento quantitativo, se evidencia em suas consequências traumáticas, as quais afetam as múltiplas dimensões da vida das vítimas (22 Trigueiro TH, Labronici LM, Merighi MAB, Raimondo ML. The process of resilience in women who are victims of domestic violence: a qualitative approach. Cogitare Enferm. 2014;19(3):437-43. doi: 10.5380/ce.v19i3.34726
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,44 World Health Organization. Responding to Intimate Partner Violence and Sexual Violence Against Women [Internet]. Policy Guideline: WHO; 2013; [cited 2018 nov 20]. Available from: http://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/85240/9789241548595_eng.pdf;jsessionid=8C2BDC05DFD67A0D8217C117B67B5230?sequence=1
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). Estudos têm mostrado que a VPI afeta as mulheres nas suas vidas cotidianas, nas suas relações sociais e em suas saúdes físicas e mentais, além de produzir mudanças indesejadas em seus comportamentos, sentimentos, percepções (33 Carneiro JB, Gomes NP, Estrela FM, Santana JD, Mota RS, Erdmann AL. Domestic violence: repercussions for women and children. Esc Anna Nery . 2017;21(4):1-7. doi: 10.1590/2177-9465-EAN-2016-0346
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,77 Martín-Baena D, Montero-Piñar I, Escribà-Agüir V, Vives-Cases C. Violence against young women attending primary care services in Spain: prevalence and health consequences. Fam Pract. 2015;32(4):381-6. doi: 10.1093/fampra/cmv017
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-88 Zancan N, Wassermann V, Lima GQ. Domestic violence from the perception of battered women. Pensando Fam [Internet]. 2013 [cited 2018 Nov 23];17(1):63-76. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-494X2013000100007&lng=pt&nrm=iso
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) e até mesmo podendo levar à morte.

Muitas sociedades têm afirmado a relevância desse problema e investido em seu enfrentamento por meio de diferentes instituições, agentes, políticas, recursos e estratégias, a partir da assunção de uma perspectiva emancipatória que considera a diversidade dos processos de socialização de homens e de mulheres e contrapõe-se à naturalização das desigualdades entre os sexos. Contudo, o evento da VPI ainda é fortemente naturalizado, visto e tratado como questão de natureza privada, pertinente às relações íntimas entre casais (99 Almeida LR, Silva ATMC, Machado LS. The object, the purpose and the instruments of healthcare work processes in attending to genderbased violence in a primary care service. Interface . 2014; (18) 48:47-60. doi: 10.1590/1807-57622014.0560
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), e isso certamente influi na forma com que as mulheres o vivenciam, percebem-no e se posicionam diante dele.

De modo geral, ainda há muito a se compreender e a se fazer em relação à problemática da violência a partir de uma perspectiva emancipatória de gênero, de modo que as mulheres violentadas consigam se perceber vítimas de seus agressores para que enfrentem o medo e exijam recursos sociais que propiciem o rompimento do ciclo da violência e para que deles se utilizem. Isto é, há muito a fazer para que haja participação tanto da sociedade quanto das próprias mulheres no enfrentamento do problema, considerando-se que a ampliação do protagonismo destas, como uma das estratégias de rompimento do ciclo, se sustenta, em especial, em medidas, estratégias e recursos sociais que possam ampará-las e na mudança da forma de se verem na relação com seus companheiros e de se posicionarem frente a hierarquias construídas.

É relevante, portanto, ampliar a compreensão, a partir de uma perspectiva sociocultural, de como a violência é vivida e percebida pelas mulheres que a sofrem. Isso sem homogeneizá-las, pois elas se inserem em diferentes contextos, possuem histórias de vida variadas, além de serem vítimas de distintos agressores.

Nessa direção, tomada a compreensão de gênero, entende-se que a violência não é igualmente percebida ou vivida por toda mulher, ou seja, o gênero se relaciona com outros elementos como idade e condições familiares, sociais, econômicas e culturais, sem existir um caráter universalizante, mas sim socialmente estruturado no modo como esses elementos se associam ou não em suas vidas (1010 Dantas-Berger SM, Giffin K. Violence in conjugal relations: concealing and taking sexual violence for granted. Cad. Saúde Pública. 2005;21(2):417-425. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2005000200008
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).

Dito isto, uma pesquisa de revisão sobre a VPI revela que, por causa da sua magnitude e do seu impacto nas sociedades e na vida e saúde de muitas mulheres, o número de estudos científicos tem aumentado (1111 Silva LEL, Oliveira MLC. Violence against women: systematic review of the Brazilian scientific literature within the period from 2009 to 2013. Ciênc Saúde Colet . 2015;20(11):3523-3532. doi: 10.1590/1413-812320152011.11302014
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). Contudo, esses estudos têm se concentrado, sobretudo, naquelas mulheres que recorrem aos serviços de saúde por meio de uma abordagem genérica do problema (1111 Silva LEL, Oliveira MLC. Violence against women: systematic review of the Brazilian scientific literature within the period from 2009 to 2013. Ciênc Saúde Colet . 2015;20(11):3523-3532. doi: 10.1590/1413-812320152011.11302014
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). Todas as formas de violência, incluindo a VPI contra as mulheres, atingem diferentes classes sociais, etnias, raças, faixas etárias, estados civis, escolaridade e regiões (1212 Presidência da República (BR). Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres. Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres[Internet]. 2011 [cited 2018 Nov 20]. Available from: https://www12.senado.leg.br/institucional/omv/entenda-a-violencia/pdfs/politica-nacional-de-enfrentamento-a-violencia-contra-as-mulheres
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), além de outras especificidades de vida daquelas. Assim, as autoras supõem que existem muitas peculiaridades a serem reveladas em torno desse problema, e que, inclusive, quanto mais vulneráveis forem essas mulheres, mais severamente a violência repercutirá em suas vidas. De modo que, até o momento, considera-se não haver um conhecimento suficientemente amplo e profundo sobre esse problema, devido à sua complexidade e à sua dinâmica peculiar entre os vários grupos/sujeitos sociais.

Isso posto, novos estudos científicos sobre a VPI devem considerar especificidades vividas pelas mulheres em seus diversos contextos e histórias de vida, relacionando-as ao modo como se expressam e reforçam e/ou interferem no fenômeno, selecionando pessoas/grupos e situações prioritários.

Neste estudo, busca-se revelar vivências e percepções de mulheres sobre a violência sofrida, tendo por agressor o próprio companheiro. Assim, optou-se por mulheres parceiras de pessoas em privação de liberdade, ou elas mesmas em privação de liberdade. A justificativa se baseia no fato de que considerou-se tanto a inexistência de estudos nesse âmbito quanto a vulnerabilidade por elas enfrentada, em especial pelo forte estigma e preconceito vivenciado (1313 Federici JF, Humbelino TM, Santos IA. Mulher de preso: expressões da violência de gênero. In: II Seminário nacional de Serviço social, Trabalho e Políticas Sociais. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. [Internet] 2017 [cited 2018 Oct 19]. Available from: https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/180054/101_00534.pdf?sequence=1&isAllowed=y
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), pela precariedade da sua situação social, e pela vivência de um relacionamento conjugal permeado pelo medo (1313 Federici JF, Humbelino TM, Santos IA. Mulher de preso: expressões da violência de gênero. In: II Seminário nacional de Serviço social, Trabalho e Políticas Sociais. Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis. [Internet] 2017 [cited 2018 Oct 19]. Available from: https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/180054/101_00534.pdf?sequence=1&isAllowed=y
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).

Teoricamente, entende-se que os relatos das mulheres não reconstroem a realidade da violência vivida. Porém, eles exprimem o que para elas tem importância, as suas interpretações e explicações sobre a questão, e como nela se posicionam. Isso como produto do seu olhar direcionado ao vivido, instruído pelo contexto sociocultural e sua trajetória de vida (1414 Chauí M. Convite à filosofia. Editora Ática, São Paulo; 2000.).

O problema da VPI tem muitos ângulos e é multicausal. Contudo, encontra-se estreitamente relacionado às desigualdades existentes nas relações sociais entre homens e mulheres, construídas e reconstruídas na interface dos âmbitos público e privado, em decorrência da opressão de um gênero sobre o outro (1515 Martins LCA, Silva EB, Costa MC, Colomé ICS, Fontana DGR, Jahn AC. Violence against women: reception in the family health strategy. Cienc Cuid Saude. 2016;15(3):507-514. doi: 10.4025/cienccuidsaude.v15i3.31422
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). Há um importante componente sociocultural de gênero imerso nessa problemática.

OBJETIVO

Descrever as percepções de mulheres — presas ou parceiras de homens presos — que vivenciam/vivenciaram violência por parte do parceiro íntimo e como enfrentam essa situação.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Este estudo é parte da dissertação intitulada “Violência por parceiro íntimo em mulheres de apenados”, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá (UEM). As participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), em duas vias, e para lhes garantir o anonimato estão identificadas com a letra “D” (Depoente), seguida de número arábico, indicativo da ordem de realização das entrevistas (D1; D2...).

Tipo de estudo e referencial metodológico

Estudo descritivo-exploratório, de abordagem qualitativa, baseado, teoricamente, na compreensão de gênero (1616 Giffin K. Poverty, inequality, and equity in health: considerations based on a transversal gender perspective. Cad Saúde Pública . 2002;18(Suppl):103-12. doi: 10.1590/S0102-311X2002000700011
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).

Fonte de dados e cenário do estudo

Estudo realizado em Maringá, PR, com 21 mulheres selecionadas por conveniência, sendo seis companheiras de presidiários e 15 em privação de liberdade. Em todos os casos, os respectivos parceiros estavam ou já estiveram presos, por outras razões que não a violência contra a mulher. Ainda segundo os critérios de inclusão, as mulheres deveriam ter 18 anos ou mais e sofrer ou ter sofrido violência por PI. As seis primeiras foram abordadas na coleta de dados da etapa quantitativa da dissertação, que objetivou identificar a prevalência e os fatores associados à violência por PI em mulheres de presos, realizado com 136 mulheres que aguardavam o horário de visita na Penitenciária Estadual de Maringá (PEM). Foram convidadas as mulheres que haviam vivenciado a VPI e que tivessem disposição para falar sobre o assunto. As entrevistas foram agendadas e realizadas em seus domicílios. Foram excluídas as mulheres que alegaram impossibilidade de agendamento da entrevista após cinco tentativas.

Diante da dificuldade de acessar mulheres com disposição para falar sobre o assunto, optou-se por abordar outras em situação carcerária, dada a possibilidade de seus companheiros terem estado ou estarem presos. Dessa forma, outras 15 mulheres foram abordadas na 9ª Subdivisão Policial de Maringá. Elas foram informadas sobre o estudo por meio de carta-convite, distribuída pelas agentes carcerárias, contendo a seguinte informação: “Se você já sofreu VPI, se seu companheiro está ou já foi preso e se você quer conversar a respeito, avise a carcereira para agendar sua entrevista”. A instituição permitiu que as entrevistas fossem realizadas em três dias da semana, no período vespertino. Foram feitas 14 visitas à instituição, realizando-se as entrevistas em sala reservada, nas dependências da delegacia. As participantes foram incluídas até que o material obtido fosse julgado suficiente para o aprofundamento do objeto em estudo, conforme preconizado em pesquisa qualitativa (1717 Nascimento LCN, Souza TV, Oliveira ICS, Moraes JRMM, Aguiar RCB, Silva LF. Theoretical saturation in qualitative research: An experience report in interview with schoolchildren. Rev Bras Enferm . 2018;71(1):228-33. doi: 10.1590/0034-7167-2016-0616
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).

Procedimentos metodológicos, coleta e organização dos dados

A coleta dos dados ocorreu entre março e agosto de 2018, mediante entrevistas semiestruturadas audiogravadas, após consentimento das mulheres, com duração média de 30 a 60 minutos, e foram realizadas pela primeira autora, guiadas pela questão: “Conte-me como foi para você ter sofrido VPI?” Quando necessário foram inseridas questões de apoio: “Como e quando as violências começaram? Como você agia depois de um episódio de violência? Como você se sentia diante disso? Qual sua percepção sobre a violência sofrida? O que mudou em sua vida após o ocorrido? Como você se sente hoje em relação a isso?”. A técnica de entrevista semiestruturada permitiu explorar as questões de interesse e a livre expressão das mulheres sobre elas, com riqueza de informações. As entrevistas foram transcritas na íntegra em momento próximo à sua realização, o que permitiu agregar informações sobre as reações não verbais das participantes ao tratarem do assunto.

Análise dos dados

Realizou-se a análise de conteúdo, modalidade temática, das três etapas propostas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos dados (1818 Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2011.). Inicialmente, fez-se exaustiva leitura dos registros, visando a familiarização com os relatos das mulheres. Na sequência, selecionou-se o conteúdo de interesse de acordo com o objeto e objetivo da pesquisa - na forma de unidades de registro. Por fim, essas unidades foram organizadas e classificadas, identificando-se os temas e categorias relevantes a partir de interpretações dos elementos explícitos e implícitos nos registros, confrontos com a literatura sobre a temática e inferências (1717 Nascimento LCN, Souza TV, Oliveira ICS, Moraes JRMM, Aguiar RCB, Silva LF. Theoretical saturation in qualitative research: An experience report in interview with schoolchildren. Rev Bras Enferm . 2018;71(1):228-33. doi: 10.1590/0034-7167-2016-0616
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). Da análise emergiram duas categorias centrais: a violência como sofrimento permanente pelo ato e as suas consequências e o rompimento da violência manifestado no contraponto entre desejo e passividade.

RESULTADOS

As mulheres tinham idade entre 21 e 58 anos. Majoritariamente, eram de cor branca, possuíam escolaridade fundamental incompleta e tinham, em média, dois filhos. Em relação ao estado civil, 11 eram amasiadas ou casadas e 10 eram separadas dos companheiros agressores. As situações de violência sofrida ocorreram independentemente de os parceiros encontrarem-se ou não presos. As mulheres com parceiros revelaram que estes continuavam a submetê-las a violências diversas, pois as controlavam diretamente ou, se presos, por intermédio de familiares ou amigos. Por sua vez, a maioria das que estavam presas relataram que seu envolvimento com a criminalidade ocorreu por imposição do parceiro.

Violência como sofrimento permanente: pelo ato e suas consequências

As mulheres mencionaram que os parceiros as judiavam, agrediam física e verbalmente, destruíam as suas coisas, lhes faziam exigências, submetendo-as a inúmeros controles. Também mostraram como suas vidas foram e/ou se encontravam comprometidas.

Ao relatarem as diferentes formas de violência vivida, as mulheres deram destaque à agressão verbal e corporal, à privação alimentar e financeira, à restrição da liberdade de ir e vir, à destruição de bens materiais compartilhados e à determinação do que podiam ou não fazer, além de imposição de comportamentos e práticas a serem adotadas (por coerção e controle). Frente aos danos sofridos fizeram menção ao comprometimento físico, psicológico, patrimonial e moral de suas vidas, pois a violência do parceiro resultou em lesões, sofrimentos psíquicos, quase morte, perda material, de autonomia, de segurança financeira e afastamento do convívio com familiares.

Além desses aspectos abordados explicitamente, seus relatos mostraram o que para elas tornava a violência ainda mais cruel: a permanência da violência para além do ato em si e o fato de a violência ser vivida como uma experiência solitária, embora muitas vezes outras pessoas tivessem ciência das ocorrências.

Assim, para as mulheres em estudo, o que tornava a violência mais cruel era o fato de essa situação não ocorrer somente em espaços reservados, já que muitas vezes acontecia na presença de filhos, família e vizinhos. Nessas situações, ao se tornar visível a outros, a violência foi manifestada como agravada.

Ele judiou muito de mim, e o pior que quase tudo isso era na frente da família dele. (D4)

Isso foi o que mais me marcou, bateu em mim e na minha mãe, os vizinhos todos olhando [...] Ele jogando todas as coisas pra fora, foi horrível. (D14)

Das consequências físicas da violência, as mulheres relataram, sobretudo, aquelas que permaneceram visíveis, para elas e para os outros, na forma de cicatrizes ou marcas permanentes, derivadas de lesões e fraturas ocorridas principalmente na região da cabeça e pescoço, ainda que não só. Essas cicatrizes faziam-nas relembrar o ato da violência sofrida.

Olha quantas marcas eu tenho [mostrando cicatrizes], tenho marca para todo lado, no rosto, no corpo inteiro, quase me matou. Todas essas marcas que tenho foi ele que fez. (D10)

[...] essa falha aqui, na sobrancelha, foi ele que deu um murro e cortou, sabe? (D17)

Esse nervo aqui do meio [do nariz] não tenho, tive que fazer a cirurgia de reconstrução. Não tem como esquecer as três vezes que ele quebrou o meu nariz, não tem como esquecer! (D7)

As cicatrizes referidas eram, além de físicas, psicológicas, e evidenciavam a dimensão e a importância do sofrimento psíquico vivido. As faces invisíveis desse sofrimento foram qualificadas na dificuldade de dormir, no choro frequente, na depressão, na desconfiança e descrédito do amor, no sentimento de infelicidade, tentativa de suicídio, e mesmo na recusa da gravidez e filho.

Fiquei depressiva, hoje sou uma pessoa que chora por qualquer coisa, desacreditei da vida, não acredito mais em amor de verdade, sempre estou desconfiada de alguma coisa. Antes de conhecer ele eu era feliz, era sorridente, toda hora estava brincando, hoje não faço mais isso, se passa uma violência na televisão eu já estou chorando, já fico preocupada, sabe? Não é igual era antes, não mudou nada para o bom, só para ruim. (D8)

Depois de toda violência, ele me mandou embora e colocou outra mulher no meu lugar [...]. Entrei em depressão, emagreci bastante na minha gravidez, não queria a neném. Quando ela nasceu, nossa! Entrei em depressão pós-parto porque ela era a cara dele, igualzinha, então nunca dei um banho na minha filha, eu sentia raiva dela por causa dele. (D19)

Já tentei me matar, tomei muitos remédios, passei mal, fui parar no hospital. Não aguentava mais, cheguei em um ponto que não dava mais não, não pensei nem nas crianças, na hora estava com tanta raiva, fui lá e tomei todos os remédios. (D14)

Outro sinal de sofrimento psicológico relatado que também rememorava a violência foi a presença contínua de medo das ações violentas do parceiro, pois as agressões, por serem rotineiras, eram aguardadas, e, assim, antecipadas simbolicamente. Além disso, as mulheres também declararam reviver a violência sofrida. A violência de seus parceiros não era esquecida, e tinham não só o registro emocional do ato em si, mas também da participação do agressor, por meio da lembrança de sua voz e do dito.

[...] porque eu sabia que quando ele chegasse, ia me bater [...]. Já tinha virado rotina, eu já sabia que ele ia chegar e ia me bater (D7).

Não é medo, eu fiquei traumatizada! Quando olhava para ele, já via ele me batendo, porque ele batia em mim sem precisão, sem eu fazer nada (D4).

Já se passaram seis anos e não esqueço. Cada vez que lembro, parece que foi hoje, parece que ouço a voz dele falando (D7).

Embora a violência padecida ocorresse muitas vezes sob o olhar de outros, era manifestada como uma experiência solitária, pois vinha acompanhada pela “impossibilidade” da ajuda ou apoio de outros e da recusa de ajuda por parte destes, mesmo para a superação do vivido.

Ele me segurou pelos cabelos e me bateu na frente de todo mundo, no dia do meu aniversário, todo mundo olhando [...] e quem iria ajudar? Ele só andava armado (D7).

Quando ele começava a me bater a minha mãe via. Quando eu não queria sair pra fora de casa, ele quebrava tudo, os vizinhos eram todos testemunhas, viam ele me agredindo (D11).

Porque para eu me livrar dele, eu tinha que me virar sozinha, né? Então eu ia aguentando (D17).

Outros dois aspectos que chamaram a atenção nos relatos foram: 1) o fato de a violência exporem essas mulheres a outros problemas de vida e saúde; e 2) a inserção também da mulher em situação de ilegalidade.

Alguns dos agressores, com o intuito de manter a companheira sob controle e domínio, determinavam os comportamentos que elas deveriam adotar, muitas vezes colocando em risco sua saúde, ao violar direitos sexuais e reprodutivos, à medida que as impediam de sair de casa, e/ou de procurar serviços de saúde, e/ou as obrigavam a usar substâncias químicas ilícitas.

Com seis meses de gravidez eu não tinha nenhuma roupinha de bebê para o meu filho, não sabia o que era, se era menina ou menino, ele não deixava... eu não tinha pré-natal. Ele falava que eu só ia ficar sabendo quando nascesse, se fosse uma gravidez de risco, eu não sabia de nada (D15).

Queria que eu usasse droga, forçava [...] deixava passar fome, passava mal, trancada, eu grávida de cinco meses, minha menina pesava 60 gramas! Ele arrumou um monte de remédio e queria que eu tomasse para abortar. Dizia: “eu não quero ter filho, ainda mais se for menina, eu quero se for menino!” (D2).

Assim, em relação ao ato de abortar, uma depoente relatou que carregava consigo sentimento de culpa pela atitude tomada, em decorrência do medo, da dor e do sofrimento.

Eu tenho uma culpa muito grande porque quando estava grávida de cinco meses, eu abortei. Tinha medo de ter uma menina e passar por tudo que eu passei. Ver ela sofrer o que eu sofria, apanhar do marido igual apanhei.... Hoje tenho uma culpa, isso me dói muito, nunca vai sair de mim, entendeu? [...]. Se hoje eu sou toda errada, foi por toda a violência que eu sofri (D10).

Outros prejuízos incluíram a perda de bens materiais, da chance de inserção no mercado de trabalho e o afastamento da família. Todos esses danos resultaram em sentimentos negativos e em perdas de qualidade de vida das mulheres, que comumente perduram:

Ele quebrou todinha a minha casa, não tenho nada, o que tenho agora é porque as pessoas me deram, ele acabou com tudo. (D14)

Ele me proibiu de ter contato até com a minha mãe, com a minha irmã, me afastou da minha família [...]. Eu comecei a brigar com a minha mãe por causa dele. (D17)

Ele não quis que eu terminasse os estudos e acabou que não terminei mesmo. (D20)

A violência mantinha-se apesar da prisão dos parceiros, pois, nessa situação, muitas vezes elas eram forçadas por eles a transportar drogas e celulares para a prisão escondidos em suas partes intimas, que além de colocar a mulher em uma situação de ilegalidade também gerava problemas físicos em seu corpo.

Fiquei um ano e 11 meses visitando ele na cadeia, não mudou, ele queria que eu levasse droga pra ele na cadeia e celular, eu levei, levava toda semana. Uma semana que eu não levei, porque eu estava com muita dor, acho que já estava me fazendo mal, porque eu enrolava o celular em papel carbono pra não apitar, sabe? Estava saindo um líquido, um cheiro muito ruim lá embaixo [região íntima]. (D7)

O espancamento também ocorria na prisão, quando ela não se submetia às ordenas do parceiro:

[...] eu entrei lá dentro e falei pra ele que não tinha levado [droga e celular], que eu estava com muita dor, ele me bateu lá dentro! Daí eu vi que ele não queria eu, queria o que eu levava. (D7)

A violência contra a mulher também tinha uma extensão fora da cadeia, sendo comandada pelo preso e exercida pela família deste. A mulher, muitas vezes, se via controlada pela família do agressor, que frequentemente usava de meios para protegê-lo, em uma tentativa de não agravar a sua situação penal, ainda que isso limitasse o cuidado à mulher ou agravasse a sua situação de saúde.

[...] a mãe dele veio com uma fralda [após a agressão], e eu disse: “Vamos para o hospital”. Ela disse: “Não, hospital não! A gente cuida aqui em casa mesmo!”. Ela acobertava ele, não queria que ninguém soubesse, para proteger ele. (D4)

A mãe dele jogou um monte de pó de café na minha cabeça, falou que era para estancar o sangue [após a agressão], não deixavam ir no hospital por que dava problema para ele. (D7)

Rompimento da violência: contraponto entre desejo e passividade

Algumas mulheres não deixavam de ter esperanças de que houvesse uma mudança no comportamento violento do parceiro, fazendo ou não algo para que isso acontecesse (internando-o ou deixando tudo sob o comando do parceiro), vendo-se em situação limite e/ou desejando intensamente não mais sofrer.

Eu pensava assim, bom, ele vai melhorar, ele vai sarar, e aquilo foi passando. Arrumei um internamento para ele, mas só ficou 30 dias [...] voltou pior, as agressões aumentaram! (D4)

[...] não conseguia me desvincular e tinha esperança que ele mudasse. (D13)

Eu ia internar ele, eu já tinha falado pra mãe dele que já não aguentava mais aquela vida. (D17)

Eu falava, agora vai ser diferente, mas foi até pior, porque tudo que ele queria fazer, ele fez e eu deixava. Às vezes, a mulher não quer mais sofrer isso, mas mesmo assim não consegue. (D19)

Para suportar a violência sofrida, sem saber que caminho seguir ou que decisões tomar para sair da situação, as participantes usavam algumas estratégias, como o uso de medicamentos para dormir e drogas para não sentir dor:

Teve um tempo que pra eu aguentar era só na base da droga, eu cheirava muito. A cocaína bem dizer é um anestésico. [...] eu não ia sentir tanto quanto sã. Aí eu cheirava bastante. (D7)

Eu tomava os remédios e ficava o dia inteiro dormindo. Só acordava, ia no banheiro e voltava dormir. Então essa era a vida sabe, só dormir, dormir, dormir. [...] me tornei dependente de medicação, me sentia mal, mas não tinha forças para fazer as coisas, tomar uma atitude. (D20)

Por conta do receio de romper o relacionamento, perdoavam o parceiro sucessivas vezes e permaneciam com ele. Não se viam com forças para sair da situação, não sabiam o que fazer ou para aonde ir:

Eu perdoava ele, mesmo ele me xingando, me batendo, depois eu perdoava [...]. (D17)

Eu perdoava por não saber o que fazer, para onde ir, sabe? (D17)

Nem todas as mulheres permaneceram na situação de violência. Algumas revelaram a superação do vivido, demonstrando resiliência. Para elas, o importante para o rompimento ou limitação da violência passava pela mudança de seu posicionamento, pela perda do medo, do não perdão ao parceiro, da imposição de limites; além do cansaço com a situação.

Acho que tudo que aconteceu mudou meus pensamentos, a minha vida, o meu jeito de pensar. Eu que tenho que não querer, porque quem fica machucada sou eu. Porque se eles batem uma vez, a gente perdoa, ele vai bater a segunda vez, a terceira [...]. (D17)

Perdi o medo, a gente deixa de ser besta, a gente cansa. (D18)

Hoje eu sei que desde o primeiro tapa, já deveria ter dado um limite. Não deixo mais me agredir, nem com palavras, nem com agressão, então hoje eu me considero forte. (D20)

Superei, demorou um pouco, só que superei. Tudo tem seu tempo, mas não quero passar de novo pelo que passei. (D19)

De forma geral, as mulheres não fizeram referências à necessidade de suporte por parte de instituições, familiares ou outros de uma rede de apoio para enfrentarem a violência, não os reconhecendo como corresponsáveis nessa tarefa. Assim, o enfrentamento da violência é entendido como responsabilidade individual da pessoa agredida, dependente de seus próprios recursos e da interpretação de um limite para a condição vivenciada por elas, individualmente.

DISCUSSÃO

As mulheres reconheciam a VPI e tinham consciência tanto das agressões em atos quanto das consequências em suas vidas. A VPI era traduzida por elas como maus-tratos recebidos, danos emocionais, marcas físicas em seus corpos, limitações em suas vidas e expropriação da sua autonomia, vividas com muito sofrimento, sendo o agressor o seu parceiro íntimo, independentemente de ele estar ou não com a sua liberdade restrita.

O ato de violência, para elas, quando exposto ao olhar de terceiros era um agravante da situação, possivelmente em decorrência da humilhação e depreciação pública sofrida com a mesma, semelhante ao que foi identificado em um estudo que analisou narrativas femininas sobre relações conjugais violentas, em que o sentimento de vergonha, culpa ou embaraço foi experienciado, independentemente da manifestação de avaliação crítica por parte dos outros (1919 Dourado SM, Noronha CV. The marked face: The multiple implications of female victimization in loving relationships. Physis . 2014;24(2):623-643. doi: 10.1590/S0103-73312014000200016
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). Além disso, sentiam-se expostas permanentemente através das marcas “visíveis” e indeléveis da agressão física registradas em seus corpos/face, fazendo-as relembrar o vivido. O mesmo também ocorria na esfera emocional e simbólica, por meio de marcas “invisíveis” (1919 Dourado SM, Noronha CV. The marked face: The multiple implications of female victimization in loving relationships. Physis . 2014;24(2):623-643. doi: 10.1590/S0103-73312014000200016
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).

Estudo realizado em Salvador, BA, com mulheres que recorreram à Delegacia Especial de Atendimento à Mulher por violência de seus parceiros, também identificou que, na situação de violência, as marcas físicas visíveis somaram-se às marcas emocionais invisíveis, sendo que ambas reverberam na subjetividade e nas relações sociais das vitimadas. O estudo ainda destacou que as marcas faciais constituíam um recurso a mais do poder masculino exercido contra elas, por ser aplicado em uma área corporal de grande visibilidade e valor simbólico em nossa cultura (2020 Dourado SM, Noronha CV. Visible and invisible marks: Facial injuries suffered by women as the result of acts of domestic violence. Ciênc Saúde Colet . 2015; 20(9):2911-2920. doi: 10.1590/1413-81232015209.19012014
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).

As marcas físicas encontravam-se vinculadas à permanência da situação e dos atos de violência. Além disso, o registro simbólico do ocorrido, o medo e a insegurança gerados foram constantes na vida das mulheres. Particularmente, a sensação da eminência de uma “nova” agressão gerava intranquilidade nessas mulheres, e dada a rotina de agressões, e antevendo um novo ato violento, o sofrimento se antecipava e se mantinha. Nesse cenário, a sobreposição de “violências” e a sua permanência situavam as mulheres em situações limítrofes de vulnerabilidade e constante sofrimento.

Nesses relatos, evidencia-se que as mulheres se encontravam e/ou se viam sozinhas no enfrentamento da VPI. No ato em si, isso se associava à postura assumida por terceiros: a de “expectadores”. Pode-se pressupor que essa prática se respalde no medo de também sofrer possível violência (especialmente ao se reconhecer o envolvimento do agressor com a criminalidade e o uso de armas). No entanto, também pode estar associada à ideia cultural construída de que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”, ou de que a “mulher que apanha deve ter feito por merecer”.

No rompimento do ciclo da violência, diante de uma possível ou imaginada separação do companheiro, as mulheres deste estudo também se sentiram solitárias, não reconhecendo instâncias e recursos de apoio social, atribuindo apenas a si os esforços e as atitudes para abandonar esse cenário. Assim, especificaram a superação do problema como sendo de ordem individual.

Tal perspectiva assenta-se, em especial, no fato de a violência contra a mulher não ser amplamente valorizada como fenômeno coletivo e social e a ser enfrentado nesse âmbito, o que favorece a sua invisibilidade e permanência na esfera do privado (99 Almeida LR, Silva ATMC, Machado LS. The object, the purpose and the instruments of healthcare work processes in attending to genderbased violence in a primary care service. Interface . 2014; (18) 48:47-60. doi: 10.1590/1807-57622014.0560
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). No entanto, a partir de uma perspectiva de gênero, considera-se a produção desse tipo de violência contra a mulher assentada sob uma organização hierárquica de domínio masculino, em relações historicamente delimitadas e culturalmente legitimadas por desigualdades entre homens e mulheres construídas e naturalizadas ao longo da história (99 Almeida LR, Silva ATMC, Machado LS. The object, the purpose and the instruments of healthcare work processes in attending to genderbased violence in a primary care service. Interface . 2014; (18) 48:47-60. doi: 10.1590/1807-57622014.0560
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).

Enquanto fenômeno social, a violência de gênero viola os direitos humanos das mulheres, incluindo os seus direitos sexuais e reprodutivos. Tal violência parece expressar relações de iniquidade entre homens e mulheres, nas quais - pela vantagem biológica de sua força física - o homem tem sido beneficiado. A mulher é exposta a agressões físicas e/ou psicológicas, em espaço público e/ou privado, com consequências em diferentes âmbitos de sua vida, incluindo à sua saúde física e mental (99 Almeida LR, Silva ATMC, Machado LS. The object, the purpose and the instruments of healthcare work processes in attending to genderbased violence in a primary care service. Interface . 2014; (18) 48:47-60. doi: 10.1590/1807-57622014.0560
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).

Nessa direção, no que se refere às consequências da VPI, as mulheres deste estudo destacaram prioritariamente as de ordem física e emocional, embora em seus relatos seja possível identificar outras, como as patrimoniais. Agressões físicas e verbais, restrição da liberdade de ir e vir e imposições do parceiro foram reveladas como as principais formas de violência sofrida, cujas consequências e marcas se perpetuavam. Dentre as não claramente percebidas pelas mulheres, a pesquisa também permitiu identificar consequências de ordem legal ou jurídica, relacionadas ao uso de drogas ilícitas e à ação de transporte de objetos proibidos para o parceiro preso, como drogas e celulares, o que se revela um aspecto peculiar da população estudada.

Esse aspecto peculiar foi referido pelos dois grupos de mulheres e esteve presente, por exemplo, quando familiares do agressor limitavam as alternativas de cuidados após episódios de violência no âmbito domiciliar. Isso era feito para proteger o agressor, que já vivia em inconformidade com a justiça. Assim, além de não poderem contar com a família do parceiro, muitas vezes essas mulheres foram impedidas de contatar com os próprios familiares, o que também dificultou com que recebessem os cuidados e o apoio que necessitavam.

As implicações da violência na saúde das mulheres se mostraram contundentes, pois se constatou a vulnerabilidade a vários problemas de ordem biológica, emocional, patrimonial, sexual e moral, abarcando, inclusive, o impedimento de acesso a serviços de saúde após o ato de violência até a realização de acompanhamento pré-natal. Estes impedimentos, conforme a Lei Maria da Penha (11 Ministério da Saúde (BR). Diretrizes nacionais do feminicídio, investigar, processar e julgar com perspectiva de gênero as mortes violentas de mulheres [Internet]. 2016 [cited 2018 Oct 19]. Available from: http://www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2016/04/diretrizes_feminicidio.pdf
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), além de configurar-se como conduta de violência sexual, por limitar e/ou anular os direitos sexuais e reprodutivos mediante coação e/ou manipulação, podem repercutir na saúde não só da mulher, mas também da criança, no caso de uma gravidez. Um estudo realizado na Bahia, que investigou os significados atribuídos por mulheres às repercussões da violência conjugal, apontou o comprometimento da saúde física e mental e das relações sociais em consequência do isolamento e da não qualificação para o mercado de trabalho (33 Carneiro JB, Gomes NP, Estrela FM, Santana JD, Mota RS, Erdmann AL. Domestic violence: repercussions for women and children. Esc Anna Nery . 2017;21(4):1-7. doi: 10.1590/2177-9465-EAN-2016-0346
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).

Pelas amplas consequências da violência — no curto e no longo prazo —, como as encontradas no presente estudo - os abortos clandestinos; o rompimento de vínculos afetivos familiares; a perda de bens materiais; o abandono escolar; a diminuição das chances de inserção no mercado de trabalho e os impedimentos de cuidado da própria saúde - avulta-se a necessidade social de romper com o ciclo de violência. Pelo comprometimento dessas diversas áreas da vida da mulher, há a necessidade de articulação dos diferentes setores e agentes sociais para o enfrentamento da questão da VPI.

O reconhecimento da violência sofrida e de suas consequências pelas mulheres deste estudo, além da manifestação da vivência de um sofrer continuado, vivido muitas vezes no limite, desencadeou nelas o desejo de não mais viver essa situação, de superá-la para que suas filhas, no futuro, não vivenciassem situação semelhante. Mas esse desejo nem sempre foi concretizado, pois entre elas se manifestou fortemente o relato de imobilidade ou passividade, a incapacidade de negociar com o parceiro, certa negação da violência sofrida, a submissão e o apego ao parceiro, a dificuldade de pedir e localizar ajuda, dentre outros aspectos.

Nesse sentido, algumas delas se apoiaram na expectativa de mudança comportamental do parceiro e viram uma alternativa no perdão. Ainda que inicialmente proposto como estratégia conciliatória, o perdão, às vezes, ancorou-se em uma relação de dependência econômica e emocional do companheiro e/ou representou a negação da situação vivida com sua consequente perpetuação.

Em um contexto de dificuldade de superação no qual, muitas vezes, essas mulheres sentindo-se incapazes e solitárias, expuseram no limite a sua vida e saúde, o que lhes pareceu possível para “amortecer” a dor, fazendo uso de drogas, da ingestão de medicamentos para dormir, e mesmo a tentativa de suicídio por meio dessas substâncias. Estudo misto desenvolvido nos Estados Unidos evidenciou relatos de ideação suicida e tentativa de suicídio entre mulheres vítimas de VPI. Além disso, 34% das mulheres relataram tomar regularmente vários medicamentos para proteger sua saúde mental e física. A pesquisa mostrou que estresse, tristeza, depressão e infelicidade estavam presentes na vida de grande parte das mulheres abusadas (2121 Karakurt G, Smith D, Whiting J. Impact of intimate partner violence on women's mental health. J Fam Violence. 2014;29(7):693-702. doi: 10.1007/s10896-014-9633-2
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).

A posição passiva da mulher assumida na situação de violência decorre, muitas vezes, do medo. Nesse sentido, uma pesquisa realizada com mulheres localizadas em ONG e no Centro de Referência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência da Grande Florianópolis constatou que as vítimas recorrem à estratégia do silêncio e da obediência para evitar que as agressões fossem ainda piores (2222 Martins VM, Bartilotti CB. "Acabou comigo como pessoa": A caracterização da violência doméstica a partir da percepção de mulheres violentadas. Cad Pesq Interdisc Cienc Hum. 2015;16(108):41-61. doi: 10.5007/1984-8951.2015v16n108p41
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). Ainda, o medo e a insegurança expressos provêm do fato de as mulheres não saberem o que poderia desencadear a fúria do agressor. Assim, o medo faz com que a vítima se omita de qualquer atitude de proteção, o que, por sua vez, impede que o ciclo da violência seja rompido (88 Zancan N, Wassermann V, Lima GQ. Domestic violence from the perception of battered women. Pensando Fam [Internet]. 2013 [cited 2018 Nov 23];17(1):63-76. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-494X2013000100007&lng=pt&nrm=iso
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,2222 Martins VM, Bartilotti CB. "Acabou comigo como pessoa": A caracterização da violência doméstica a partir da percepção de mulheres violentadas. Cad Pesq Interdisc Cienc Hum. 2015;16(108):41-61. doi: 10.5007/1984-8951.2015v16n108p41
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), gerando passividade e baixa autoestima na mulher.

Estudo fenomenológico realizado com mulheres vítimas de violência conjugal desvelou que o fato delas continuarem convivendo com o agressor emana da destruição de sua autoimagem corporal, o que, por sua vez, reduz a capacidade de enfrentamento por se sentirem ameaçadas, inferiorizadas e inseguras (2323 Ferraz MIR, Labronici LM. Fragmentos de corporeidades femininas vítimas de violência conjugal: uma aproximação fenomenológica. Texto Contexto Enferm. 2015;24(3):842-849. doi: 10.1590/0104-07072015003030014
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). Destarte, a falta de apoio de diferentes instituições à mulher e sua família também colabora para a perpetuação da violência. Sob esse aspecto, estudo revelou que a família constitui uma das principais bases de apoio e sua ausência dificulta a ruptura do ciclo de violência, acarretando sofrimento maior para a mulher, pois interfere negativamente no seu processo de empoderamento para que possa sair do ciclo de violência e iniciar vida nova(2424 Gomes NP, Diniz NMF, Reis LA, Erdmann AL. Rede social para o enfrentamento da violência conjugal: representações de mulheres que vivenciam o agravo. Texto Contexto Enferm. 2015;24(2):316-24. doi: 10.1590/0104-07072015002140012
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).

Nesta mesma direção, pesquisa realizada em São Paulo revelou que o medo, as agressões físicas e morais e as represálias do agressor influenciaram mulheres a se anularem e bloquearam, muitas vezes, sua decisão de romper com o cotidiano violento, o que também as levou ao desconhecimento de seus direitos e à falta de informação. Porém, o amparo da família e/ou amigos foi apontado como fator essencial para que pudessem tomar decisões, como denunciar o agressor e procurar apoio (2525 Oliveira PP, Viegas SMF, Santos WJ, Silveira EAA, Elias SC. Women victims of domestic violence: a phenomenological approach. Texto Contexto Enferm. 2015;24(1):196-203. doi: 10.1590/0104-07072015002900013
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).

Do mesmo modo, estudo evidenciou que o fato de as mulheres se isolarem ou permanecerem dependentes dos parceiros agressores estava relacionado a fatores do meio social. Os grupos que compõem a rede de contatos das vítimas podem ser indiferentes, apáticos ou insensíveis diante da vulnerabilidade da mulher, ou, por outro lado, têm o poder de fortalecer laços, promovendo auxílio em suas demandas sociais e, especificamente, emocionais e materiais, em serviços ou informações (2626 Netto LA, Moura MAV, Queiroz ABA, Leite FMC, Silva GF. Isolation of women in situation of violence by intimate partner: a social network condition. Esc Anna Nery . 2017;21(1):e20170007. doi: 10.5935/1414-8145.20170007
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).

Ainda que no presente estudo grande parte das mulheres tenha se mostrado passiva ou incapaz de enfrentar o problema, encontrou-se as que se mobilizaram de algum modo para romper com a situação de violência. Dentre as iniciativas, houve desde esforços para a mudança comportamental do companheiro até investimentos em si mesmas. Nesse sentido, as mulheres enfrentaram, com resiliência, o medo sentido, mudaram a maneira de pensar acerca do perdão em relação ao parceiro, negociaram com ele, valoraram as próprias vontades e impuseram limites dentro do relacionamento amoroso.

Pesquisa realizada com mulheres portuguesas constatou que o processo de entrada e saída da mulher em relações de VPI é longo, não linear e constituído por quatro fases: 1) a entrada - momento em que a mulher enamora-se e fica aprisionada; 2) a manutenção - quando a mulher silencia, consente e permanece na relação; 3) a decisão de saída - momento em que ela enfrenta o problema e, por fim, o 4) de (re)equilíbrio - fase na qual a mulher (re)encontra-se com uma nova vida (2727 Leitão MNC. Women survivors of intimate partner violence: the difficult transition to autonomy. Rev Esc Enferm USP . 2014;48(Esp):07-15. doi: 10.1590/S0080-623420140000600002
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).

Assim, destaca-se a necessidade de preparo dos profissionais para lidarem de forma sensível e eficaz com o problema junto àquelas que precisam de apoio, quer o busquem ou não. Isto se assenta também em outros estudos, nos quais depoimentos de mulheres igualmente indicam que a violência vivenciada por elas tem repercussão em seu processo de saúde-doença (33 Carneiro JB, Gomes NP, Estrela FM, Santana JD, Mota RS, Erdmann AL. Domestic violence: repercussions for women and children. Esc Anna Nery . 2017;21(4):1-7. doi: 10.1590/2177-9465-EAN-2016-0346
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,2020 Dourado SM, Noronha CV. Visible and invisible marks: Facial injuries suffered by women as the result of acts of domestic violence. Ciênc Saúde Colet . 2015; 20(9):2911-2920. doi: 10.1590/1413-81232015209.19012014
https://doi.org/10.1590/1413-81232015209...
).

Particularmente na área da saúde, a violência contra a mulher é comumente invisibilizada nos serviços, mediante a atribuição de um caráter privado e íntimo ao fenômeno. No entanto, para que se enfrente esse problema, em uma perspectiva integral e resolutiva, se faz necessário: 1) o desenvolvimento de um trabalho que valorize o processo saúde-doença na sua interface sociocultural; 2) a mobilização de estratégias de busca, identificação e valorização dos casos de violência contra a mulher, por meio do registro e da notificação dos casos; 3) um trabalho em equipe integrado, com a disposição de uma rede de serviços que se articule e se comunique e 4) o estabelecimento de relações interpessoais entre profissional e usuária, com o estreitamento de vínculos e o reconhecimento da escuta e da orientação (99 Almeida LR, Silva ATMC, Machado LS. The object, the purpose and the instruments of healthcare work processes in attending to genderbased violence in a primary care service. Interface . 2014; (18) 48:47-60. doi: 10.1590/1807-57622014.0560
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).

Especificamente, o profissional enfermeiro, na condição de membro da equipe de saúde, pode atuar de forma significativa no processo de enfrentamento da violência, por meio de estratégias de acolhimento que coloquem a vítima como figura central nas ações de cuidado direcionadas ao problema, a fim de (re)definir seu destino, mantendo condições de sigilo e respeito aos seus direitos, pois essa é uma situação em que a mulher se sente envergonhada e estigmatizada (2828 Barros LA, Albuquerque MCS, Gomes NP, Riscado JLS, Araújo BRO, Magalhães JRF. The (un)receptive experiences of female rape victims who seek healthcare services. Rev Esc Enferm USP . 2015;49(2):193-200. doi: 10.1590/S0080-623420150000200002
https://doi.org/10.1590/S0080-6234201500...
). O enfermeiro pode também contribuir para o desenvolvimento de uma prática científica e humana que valorize, compreenda e considere as experiências e percepções das mulheres, os seus desejos e valores na relação com o seu contexto de vida, respaldando-se em valores éticos que salvaguardem os direitos humanos das mulheres e a equidade entre os gêneros.

Por fim, é fundamental que os serviços de saúde estejam articulados a uma rede de proteção que envolva diferentes setores da sociedade — o judiciário, a segurança pública e a assistência social — pois apenas com políticas públicas e estratégias de ação integradas, continuadas e em rede, será possível reduzir esse importante problema de saúde pública (2929 Moraes CL, Oliveira AG, Reichenheim ME, Gama SGN, Leal MC. Prevalence of physical intimate partner violence in the first six months after childbirth in the city of Rio de Janeiro, Brazil. Cad Saúde Pública . 2017;33(8): e00141116. doi: 10.1590/0102-311x00141116
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).

Limitações do estudo

Uma possível limitação do estudo refere-se ao não aprofundamento sobre o contexto de vulnerabilidade e às diferentes estratégias de enfrentamento vivenciadas pelas mulheres, isso porque este estudo circunscreveu-se à percepção de mulheres com companheiros presos.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

Conhecer os diversos contextos que envolvem a violência por parceiro íntimo pode subsidiar o planejamento de ações pautadas em uma relação empática e acolhedora, especialmente no âmbito do setor saúde, além de sensibilizar os profissionais quanto à importância de saberem reconhecer os sinais velados da violência e apoiarem a mulher a enfrentá-la e romper com o ciclo de violência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As mulheres deste estudo mostraram-se vítimas das várias faces da violência de seus parceiros, que muitas vezes ocorria na presença de terceiros, expondo-as e humilhando-as ainda mais. Além disso, os parceiros colocavam em risco a saúde delas, por meio de ações que visavam coibi-las ou obrigá-las a praticar certos atos prejudiciais não somente ao seu bem-estar, mas à qualidade de suas vidas. Após sofrer violência, as mulheres eram impedidas de procurar serviços de saúde, quando não pelo parceiro, pela família dele, com o intuito de protegê-lo das consequências legais, dado o seu envolvimento com a criminalidade e a penalização em curso. A violência vivida gerou danos de ordem física, psicológica, além de traumas danos e sentimentos negativos em suas vidas.

Ressalta-se a necessidade de atenção às mulheres envolvidas no contexto da criminalidade, por considerá-las mais sujeitas ao estigma, à rejeição e ao sentimento de inferioridade que lhes é impingido cotidianamente, o que lhes gera maior vulnerabilidade social. Além disso, essas mulheres procuram menos os serviços de saúde, estão mais suscetíveis aos diversos tipos de violência e muitas vezes são tratadas com discriminação e indiferença pela sociedade e pelos serviços que deveriam acolhê-las e ofertar-lhes apoio e cuidado, favorecendo-lhes o rompimento do permanente sofrimento vivido.

Sugerem-se novos estudos sobre a temática junto às mulheres que vivem em situação similar às desta pesquisa, visando aprofundar conhecimentos e práticas sobre as estratégias de assistência que elas necessitam, além de saber mais sobre as experiências e os problemas por elas vividos, que muitas vezes se apresentam de forma velada na atenção à saúde.

  • FOMENTO
    Este estudo foi financiado pela Bolsa de Pós-graduação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES), concedida à primeira autora.

REFERENCES

Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Aparecida Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Hugo Fernandes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2019
  • Aceito
    12 Out 2019
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