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Relações familiares da rede social de jovens homossexuais masculinos

RESUMO

Objetivo:

Avaliar as relações familiares da rede social de jovens homossexuais masculinos.

Método:

Trata-se de estudo qualitativo, descritivo, exploratório, ancorado no referencial teórico Rede Social, com 20 homossexuais masculinos, selecionados por meio da técnica Snowball, mediante entrevista com roteiro semiestruturado. Realizou-se a análise dos dados pelo software IRaMuTeQ, pela análise de similitude.

Resultados:

Configurou-se a rede social primária nos elementos: 1) Laços afetivos familiares: o centro da rede social; 2) Relação vinculativa da família e religiosidade.

Considerações finais:

Avaliou-se que a rede social primária está ancorada às relações de socialização e solidariedade fragilizadas; e que dimensão social está alicerçada ao conservadorismo, sexismo e violência. Ao se tratar deste tema, contribui-se com a visibilidade da dinâmica familiar dos jovens homossexuais, visto que representa o núcleo central e primeira experiência interpessoal para aprendizagem que determinarão o desenvolvimento e capacidade de lidar com as adversidades.

Descritores:
Cuidados de Enfermagem; Enfermagem Familiar; Poder Familiar; Apoio Social; Homossexualidade Masculina

ABSTRACT

Objective:

To evaluate the family relationships in the social network for young male homosexuals.

Methods:

this is a qualitative, descriptive, exploratory study anchored in the theoretical framework Social Network and including 20 male homosexuals selected by the Snowball technique through semi-structured script interview. The IRaMuTeQ software was analyzed by Similitude Analysis.

Results:

the primary social network was configured in the elements: 1 – Family affective ties: the center of the social network, 2 - Binding family relationship and religiosity.

Final considerations:

it was evaluated that the primary social network has been rooted to fragile relationships of socialization and solidarity, and that the social dimension is also rooted on conservatism, sexism/bigotry, and violence. When it comes to address this issue creates the contribution to the visibility of the homosexual youth family dynamics, since it represents the central core and first learning experience that will determine the development and ability to deal with adversities.

Descriptors:
Nursing Care; Family Nursing; Parenting; Social Support; Male Homosexuality

RESUMEN

Objetivo:

Evaluar las relaciones familiares de la red social de jóvenes homosexuales masculinos.

Método:

Se trata de estudio cualitativo, descriptivo, exploratorio, basado en el referencial teórico Red Social, con 20 homosexuales masculinos, seleccionados por medio de la técnica Snowball, mediante entrevista con guión semiestructurado. Se ha realizado el análisis de los datos por el software IRaMuTeQ, por el análisis de similitud.

Resultados:

Se ha configurado la red social primaria en los elementos: 1) Vínculos afectivos familiares: el centro de la red social; 2) Relación vinculante de la familia y religiosidad.

Consideraciones finales:

Se evaluó que la red social primaria está basada a las relaciones de socialización y solidaridad debilitadas; y que dimensión social está basada al conservadurismo, sexismo y violencia. Al tratarse de este tema, se contribuye con la visibilidad de la dinámica familiar de los jóvenes homosexuales, puesto que representa el núcleo central y primera experiencia interpersonal para aprendizaje que determinarán el desarrollo y capacidad de lidiar con las adversidades.

Descriptores:
Cuidados de Enfermería; Enfermería Familiar; Poder Familiar; Apoyo Social; Homosexualidad Masculina

INTRODUÇÃO

Reivindica-se o direito ao relacionamento homossexual, expresso em sentimentos afetivos e sexualidade, e à visibilidade dos direitos à saúde, trabalho, educação e dignidade humana para o apoio social. Os movimentos sociais e as paradas da diversidade representam a dinâmica de ocupação dos espaços de participação social para a contestação da violência estrutural dos que se encontram excluídos e à margem da sociedade(11 Silva MAD. Numa tarde qualquer: uma antropologia da Parada da Diversidade em Cuiabá e da cultura LGBT no Brasil contemporâneo. Rev Bagoas [Internet]; 2016 [cited 2018 Sep 12];10(15):101-30. Available from: https://periodicos.ufrn.br/bagoas/article/view/9891/8363
https://periodicos.ufrn.br/bagoas/articl...
).

As limitações para o apoio social dos homossexuais iniciam-se na falta de suporte familiar. Isso guarda raízes na construção da família fundada no patriarcado, com a perpetuação do modelo heteronormativo nas relações familiares. Cultua-se o machismo e a homofobia, por meio da determinação do gênero pelo comportamento másculo no ideário social do ser “homem”, sobretudo em determinadas crenças religiosas(22 Oliveira JC, Santana TC. Ditadura e homossexualidades no Brasil. Rev Bras Hist Ciên Soc[Internet]. 2016[cited 2018 Sep 12];8(15):300-304. Available from: https://www.rbhcs.com/rbhcs/article/view/387/263
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).

Todavia, a família tem a função de promover laços afetivos para o empoderamento e cuidado, bem como relação vinculativa para proteção e transição à vida adulta(33 Sanicola L. As dinâmicas de rede e o trabalho social. 2ª ed. São Paulo: Editora Veras; 2015.). Considera-se que as dificuldades de aceitação e o processo de “sair do armário” estão associados ao contexto de repressão da família por meio de agressões físicas, psíquicas e morais, no intuito de “corrigir o desvio de comportamento”; no entanto, as relações familiares homofóbicas impactam a saúde física e psíquica do adolescente, podendo, em alguns casos, ter como desfecho o suicídio dos jovens homossexuais masculinos(44 Ministério da Saúde (BR). Atenção integral à saúde do adolescente: questões da prática assistencial para médicos [Internet]. UNA-SUS/UFMA, Maranhão; 2017[citado 2018 Sep 14]. Available from: https://ares.unasus.gov.br/acervo/handle/ARES/7791
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).

É preciso ressaltar o preparo da enfermagem em promover a visibilidade homossexual masculina, considerando-se relevante, para esse processo, o acolhimento e cuidado à família, por meio de ações de educação em saúde. Nessa linha, importa desvelar tabus e reflexões quanto ao processo formativo dos enfermeiros, com vistas ao cuidado inclusivo, qualificado e ético a essas pessoas(55 Silva MML, Frutuozo JFF, Feijó MR, Valerio NI, Chaves UH. Família e orientação sexual: dificuldades na aceitação da homossexualidade masculina. Temas Psicol [Internet]; 2015 [cited 2018 Sep 13];23(3):677-92. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v23n3/v23n3a12.pdf
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). A família é compreendida como principal elemento da rede social dos jovens homossexuais; assim, vale destacar a atuação multiprofissional da saúde para atuar com a família no apoio à juventude homossexual(66 Nietsche EA, Tassinari TT, Ramos TK, Beltrame G, Salbego C, Cassenote L. Formação do enfermeiro para o cuidado à população homossexual e bissexual: percepção do discente. Rev Baiana Enferm [Internet]; 2018 [cited 2018 Sep 13];32(25174):1-11. Available from: https://portalseer.ufba.br/index.php/enfermagem/article/viewFile/25174/16483
https://portalseer.ufba.br/index.php/enf...
).

Deve-se ancorar a dinâmica de atuação à rede social na exploração e intervenções em níveis substancialmente distintos, mas complementares: os laços afetivos, as interações, a organização estrutural e as dimensões relacionais e simbólicas(33 Sanicola L. As dinâmicas de rede e o trabalho social. 2ª ed. São Paulo: Editora Veras; 2015.). Nesse sentido, é necessária a atuação do enfermeiro na promoção da saúde dos jovens homossexuais masculinos, com ênfase na família, visto que essas relações envolvem comunicação e trocas afetivas associadas aos aspectos culturais que são determinantes para construção da autonomia e responsabilização coletiva ao cuidado integral.

Sendo assim, definiu-se a seguinte questão norteadora: Quais as relações familiares da rede social dos jovens homossexuais masculinos?

OBJETIVO

Avaliar as relações familiares da rede social de jovens homossexuais masculinos.

MÉTODO

Aspectos éticos

Os dados foram extraídos de uma dissertação desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Enfermagem da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)(77 Freitas NO. Representações Sociais sobre HIV/AIDS de Jovens Homossexuais Masculinos: implicações nas práticas de prevenção[Dissertação]. Universidade Federal de Pernambuco; 2016. 182 p.), cujo projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Pernambuco e se encontra em conformidade com a Resolução nº 466/2012, sob a ótica do indivíduo e das coletividades, pautada nos referenciais da bioética, que visa assegurar os direitos e deveres dos participantes, comunidade científica e Estado. Foi preservado o anonimato dos participantes uma vez que foram identificados por nomes fictícios.

Tipo de estudo

Estudo qualitativo, descritivo e exploratório, fundamentado no referencial teórico Rede Social. Seguiu-se o pressuposto de que todo ser humano nasce em determinada rede, a qual, ao longo da vida, o condiciona às expressões de socialização. A família foi tomada como a dimensão central da rede social, que se revelou por laços afetivos e relacionais, a partir de tensões polarizadas de apoio e contenção, de modo que foram evidenciadas as relações familiares na dinâmica das ações da saúde com vistas ao cuidado integral(88 Minayo MCS, (Org.). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. 29ª ed. Petrópolis: Vozes; 2015.).

Procedimentos metodológicos

Cenário do estudo

Desenvolveu-se o estudo na cidade do Recife, capital de Pernambuco (PE), Brasil, em locais públicos (universidade, praças); privados (lanchonetes, local de trabalho) e residência dos jovens homossexuais masculinos. Foi considerada a escolha dos participantes por datas, horários e locais para a realização da entrevista, de tal maneira que foi proporcionado maior conforto, liberdade para as verbalizações e expressões no momento da entrevista.

Fonte de dados

Participaram do estudo 20 jovens homossexuais masculinos, que residiam na cidade do Recife, (PE), Brasil. Foram considerados jovens aqueles com a faixa etária dos 18 aos 24 anos de idade(99 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Proteger e cuidar da saúde de adolescentes na atenção básica [Internet]. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2017 [cited 2018 Mar 10]. Available from: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/publicacoes/saude_adolecentes.pdf
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). Incluíram-se os participantes de forma progressiva, pela saturação das respostas, decorrente do aprofundamento e abrangência das verbalizações aos questionamentos propostos(1010 Minayo MCS. Amostragem e saturação em pesquisa qualitativa: consensos e controvérsias. Rev Pesqui Qualitat [Internet]; 2017 [cited 2017 Dec 15] 5(7):1-12. Available from: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4111455/mod_resource/content/1/Minayosaturacao.pdf
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). Foram excluídos os que não responderam aos contatos realizados por telefone ou endereço eletrônico. Para a seleção da amostra, utilizou-se a técnica em cadeia Snowball(1111 Sampierre RH, Collado CF, Lucio MPB. Metodologia de Pesquisa. 5ª ed. Porto Alegre: Penso; 2013. p.401-412.), variante da amostra por conveniência.

Coleta e organização dos dados

Coletaram-se os dados no período de fevereiro a agosto de 2016, mediante entrevistas com roteiro semiestruturado, composto por duas instruções norteadoras: 1) Fale-me sobre você e sua família (laços afetivos, educação e cuidado, associados a identidade de gênero e apoio do núcleo familiar); 2) Fale-me sobre suas relações sociais (relação vinculativa da família, transição e proteção, associadas à identidade de gênero e suporte da família nas relações com as redes sociais secundárias). Foram realizados 20 encontros para a realização das entrevistas, que tiveram duração média de quatro horas. Gravaram-se os relatos, transcritos na íntegra no mesmo dia após a coleta e submetidos à análise.

Obteve-se o recrutamento dos participantes por meio da amostragem em cadeia de referência (Snowball). Essa técnica foi escolhida pela necessidade em reunir a população de interesse, pouco conhecida ou de difícil identificação. Realizou-se o recrutamento por intermédio de indicação das pessoas pertencentes ao mesmo grupo da população estudada, que reuniam características semelhantes e de interesse para a pesquisa. Iniciou-se com a seleção das pessoas “sementes” para proceder à indicação dos demais participantes que compuseram a amostra(1111 Sampierre RH, Collado CF, Lucio MPB. Metodologia de Pesquisa. 5ª ed. Porto Alegre: Penso; 2013. p.401-412.).

Os jovens que se autoidentificaram homossexuais masculinos, denominados de “sementes”, indicaram os outros. De acordo com as etapas preconizadas pela técnica Snowball, primeiramente foi feito o contato com a coordenadora do GEMA (Núcleo Feminista de Pesquisas em Gênero e Masculinidades); na ocasião, apresentou-se o convite para contribuírem como lócus de pesquisa. Representaram-se por cada nível de recrutamento ou “onda” as indicações de cada indivíduo entrevistado, o qual, ao término da entrevista, era convidado a indicar outros possíveis participantes.

Análise de dados

O corpus da pesquisa foi analisado mediante a técnica de análise lexical, com o auxílio do software Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (IRaMuTeQ). Nos estudos qualitativos, trata-se de uma importante ferramenta de análise, de acesso gratuito, que viabiliza o rigor metodológico e a apresentação dos resultados de forma ilustrativa; além disso, permite, apoiando-se em técnicas estatísticas de apresentação dos vocábulos mais significativos, melhor interpretação dos resultados. Foi obtida a análise do corpus textual dos dados referentes às entrevistas, por meio do método da análise de similitude, que se baseia na indicação de conexidade. Assim, esse método possibilitou a visualização gráfica da coocorrência para o conjunto de palavras que compõem o corpus e originou uma rede de associações estaticamente significativas(1212 Camargo BV, Justo AM. IRaMuTeQ: um software gratuito para análise de dados textuais. Temas Psicol [Internet]; 2013 [cited 2018 Mar 3] 21(2):513-8. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v21n2/v21n2a16.pdf
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).

Validade e confiabilidade/Rigor

O rigor metodológico foi obtido por meio de encontros regulares para reuniões dos membros da equipe envolvidos na pesquisa. Debateram-se técnicas de amostragem, contexto do estudo, produção, análise e interpretação dos dados qualitativos à luz do referencial teórico. Foi realizada a transcrição das entrevistas gravadas em aparelho digital, na íntegra, no mesmo dia após cada coleta, e se discutiu a saturação dos resultados. Utilizou-se o método para a análise dos dados alicerçado na categorização dos resultados, congruente com a metodologia realista crítica e com a epistemologia construtivista. Conduziram-se a conduta e a descrição deste estudo em concordância com os Critérios Consolidados para Relatórios de Estudos Qualitativos (Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research [COREQ])(1313 Maxwell JA, Miller B. Real and virtual relationship in qualitative data analysis. In: Maxwell JA. A realist approach for qualitative research. Los Angeles: SAGE Publications; 2012.-1414 Booth A, Hannes K, Harden A, Noyes J, Harris J. COREQ (Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Studies). In: Moher D, Altman D, Schulz K, Simera I, Wager E, editors. Guidelines for reporting health research: a user’s manual. Oxford: John Wiley & Sons; 2014.).

RESULTADOS

O estudo contou com a participação de 20 jovens homossexuais masculinos com as seguintes características: idade – em média, 22 anos; escolaridade – 2 possuíam ensino médio, enquanto os demais (18), ensino superior incompleto; ocupação – 7 não possuíam nenhum labor, enquanto 13 tinham vínculo empregatício; constituição familiar – moravam com os pais e irmãos (10), pai e mãe (3), mãe e irmãos (6) e sozinho (1); tipo de relacionamento – 16 referiram possuir relacionamento estável, e 4 responderam que não.

A seguir, tem-se o corpus textual analisado (Figura 1) — as relações entre as palavras verbalizadas por jovens homossexuais masculinos sobre suas relações familiares. Na análise de similitude, evidenciam-se as conexões entre as palavras, com destaque às expressões mais relevantes que embasam os elementos da cultura e cotidiano por pensamentos e opiniões que determinam o senso comum do grupo estudado.

Figura 1
Árvore ilustrativa da análise de similitude das verbalizações dos jovens homossexuais masculinos para o estímulo indutor “Fale-me sobre suas relações familiares”, Recife, Pernambuco, Brasil, 2016

Obteve-se a estrutura do corpus textual em função das variáveis descritas na ilustração apresentada acima. A análise de similitude resultou na construção da árvore de coocorrência, que demonstra as associações entre os vocábulos mais frequentes, baseando-se nas palavras expressas pelos jovens homossexuais masculinos acerca das relações familiares (apoio e contenção). Estes foram os termos mais frequentes: “não, saber, perguntar, muito, preconceituoso, achar, querer, família, pai, gay, errado, igreja, falar, mãe, homossexual, doutrina”. A submissão dos dados empíricos à interpretação possibilita correlacionar as evidências empíricas às conexões entre as expressões mais frequentes à luz do referencial Rede Social. Isso objetiva analisar os aspectos afetivos e relacionais das relações familiares dos jovens homossexuais masculinos, associados à identidade de gênero, a fim de destacar os Laços afetivos familiares: o centro da rede social e; Relação vinculativa da família e religiosidade.

DISCUSSÃO

O compartilhamento das dificuldades foi o principal recurso para a transformação dos conflitos dos jovens e superação da individualização, a partir das relações de apoio. O conhecimento da dinâmica da rede social tornou-se um importante recurso de análise dos vínculos afetivos e relacionais pelos profissionais da saúde para atuação qualificada. São intervenções de saúde efetivas, que irão requerer tanto o apoio da rede social para o cuidado, educação, proteção e transição dos jovens à vida adulta quanto o exercício profissional da equipe de saúde abdicado de preconceitos no acolhimento à diversidade humana(33 Sanicola L. As dinâmicas de rede e o trabalho social. 2ª ed. São Paulo: Editora Veras; 2015.).

Laços afetivos familiares: o centro da rede social

Os laços afetivos familiares são o centro da rede social para a educação e cuidado do indivíduo, que se constitui como aporte para o enfrentamento das dificuldades e desafios impostos pela sociedade. A família é compreendida como a principal fonte de apoio e o primeiro núcleo social para a construção afetiva e formativa do indivíduo. Sabe-se que o desequilíbrio entre os laços afetivos pode resultar em instabilidade emocional para todos os membros familiares, com relevante impacto individual, familiar e social(33 Sanicola L. As dinâmicas de rede e o trabalho social. 2ª ed. São Paulo: Editora Veras; 2015.).

Pode-se vincular a falta de aceitação familiar do homossexual masculino ao medo da rejeição e dos atos homofóbicos provocados pela sociedade. O preconceito social está ligado à representação da homossexualidade como uma doença, também considerada perversão sexual nos dogmas religiosos desde os primórdios da sociedade. Assim, são perpetuados a violência e o binarismo de gênero, visto que se escondem as “chaves dos armários”, a fim de modelar “corpos dóceis”, com base na retórica da normatividade e biopoder sobre os sujeitos sociais(1515 Silva LV, Barbosa BRSN. Sobrevivência no armário: dores do silêncio LGBT em uma sociedade de religiosidade heteronormativa. Est Relig [Internet]; 2016 [cited 2018 Sep 14];30(3):129-154. Available from: https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/ER/article/view/6309/5485
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-1616 Foucault M. Curso no College de France (1975-1976). 2ª ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes 2010.).

A juventude é um período de descobertas e consolidação da personalidade com maior expectativa quanto a aceitação social. O “sair do armário” exige do jovem homossexual preparo para os desafios gerados pelo modelo social heteronormativo e pela homofobia — desafios, estes, que podem emergir dentro das relações familiares fragilizadas devido ao preconceito. Tal processo pode ser identificado no seguinte relato:

Pra minha família, como a gente usa no meio LGBT, eu ainda estou no armário, minha família é bastante preconceituosa, eu me relaciono com eles muito bem, mas porque eles não sabem, na verdade, eu acho que eles desconfiam, mas não tem certeza, eles já falaram que se descobrir alguma coisa, tiverem uma prova concreta vão me expulsar de casa. (Marco)

Percebe-se o relacionamento intrafamiliar fragilizado devido aos constantes conflitos dos jovens homossexuais com seus pais. Nas verbalizações, nota-se que a figura materna assume posicionamento mais complacente, comparada às condutas paternas:

O convívio é fácil com minha mãe e minhas irmãs, é meio complicado com meu pai, sempre foi. O convívio com meu pai não é tão próximo, ele tem ideias diferentes de pensamentos, ele é uma pessoa muito difícil [...] recentemente ele parou de falar comigo quando descobriu a minha sexualidade. (Fernando)

Sobre minha sexualidade a família sabe, meu pai disse que preferia ter um filho drogado, um ladrão, tudo, mas não queria isso na família dele. Por ele ser de antigamente, ele não aceita, mas, depois, ele teve que engolir. Ligaram lá pra casa e alguém falou [...] Minha mãe ficou doente um mês, aí meu pai ficava colocando a culpa em mim. (Netinho)

Era a hora de falar com minha mãe primeiro, aí eu chamei ela para conversar no meu quarto, cheguei e falei a situação, chorei muito, ela meio que deduziu o que seria, aí ela chegou e perguntou se eu era homossexual, eu falei ‘sim’; ela falou que isso não iria mudar em nada a minha relação com eles, com ela pelo menos não iria mudar em nada, que eu não ficasse com medo. (Ney)

É mostrado o contexto de violência perpetrada pela família, assim como em estudo semelhante, derivada das posturas patriarcais, sexistas e heteronormativas. Das falas, emergiram as fragilidades das relações familiares no cuidado e educação dos jovens no enfrentamento à homofobia, — ao contrário, houve repúdio à identidade de gênero e desfecho de expulsão destes do núcleo familiar. A figura paterna foi associada à não aceitação dos sentimentos e desejos do filho homossexual, ao passo que a figura materna, a laços de maior proximidade e acolhimento(1717 Braga IF, Oliveira WA, Silva JL, Mello FCM, Silva MAI. Violência familiar contra adolescentes e jovens gays e lésbicas: um estudo qualitativo. Rev Bras Enferm [Internet]; 2018 [cited 2018 Sep 14];71(3):1295-303. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v71s3/pt_0034-7167-reben-71-s3-1220.pdf
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).

Estudo realizado nos Estados Unidos da América acerca da internalização da homofobia e dos processos de suporte familiar com pessoas LGBT problematizou a maior susceptibilidade às doenças psicossomáticas e mentais (depressão, ansiedade e risco de suicídio) nessas pessoas, em comparação com os heterossexuais, visto que a exposição aos eventos estressores (experiência homofóbica, estigma, não revelação da orientação sexual e negligência) implica aumento do grau de vulnerabilidade ao adoecimento e diminuição da qualidade de vida, que possuem origem na falta de apoio social(1818 Puckett JA, Woodward EN, Mereish EH, Pantalone DW. Parental rejection following sexual orientation disclosure: impact on internalized homophobia, social support, and mental health. LGBT Health [Internet]; 2015 [cited 2018 Sep 16];2(3):265-9. Available from: http://online.liebertpub.com/doi/10.1089/lgbt.2013.0024
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).

Destaca-se a opressão vivenciada no âmbito familiar por meio das exigências da família extensa para que o jovem vivencie relacionamento heterossexual. Durante as entrevistas, foram observadas as expressões de insatisfação do jovem homossexual masculino ao relatar:

Estou com 24 anos e faz um tempão que eu não levo ninguém no ambiente familiar, aí fica aquela cobrança, sempre quando eles chegam lá em casa, perguntam cadê à namorada, cadê a namorada. É chato, é obrigatório o menino ter uma namorada, aí já tem algo de errado pra eles, aí eles falam, eu digo: ‘não sei, não quero’. Agora um dia eu vou estourar e vou dizer, se começar a perguntar muito eu vou dizer, não quero porque eu sou gay. (Leonardo)

Família boa é família longe, todos são longe só tem uma que é perto, e a gente já brigou bastante porque ela gosta de se meter na vida dos outros e ela sempre procurava algo de mim pra dizer a minha mãe [...] até fui expulso de casa por causa disso, por causa de uma pequena suspeita. (Leonardo)

Foram percebidas fragilidades ou rompimento do vínculo do jovem homossexual com sua rede familiar. Por vezes, essas pessoas evitam reuniões familiares e assuntos ou fatos que evidenciem o relacionamento homossexual. Estudo realizado com jovens LGBT em Nova York revelou a necessidade de avaliar tanto os riscos à rejeição e falta moradia que são exacerbados a partir dos conflitos familiares relacionados à orientação sexual quanto os impactos físicos e emocionais para a expressão da identidade de gênero(1919 Castellanos HD. The Role of Institutional Placement, Family Conflict, and Homosexuality in Homelessness Pathways Among Latino LGBT Youth in New York City. J Homosexual [Internet]; 2015 [cited 2018 Sep 17];18(34):601-632. Avalable form: https://doi.org/10.1080/00918369.2015.1111108
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).

O enfermeiro detém protagonismo no incentivo à liberdade de expressão dos jovens homossexuais masculinos, visto que esse profissional possui laços de proximidade com a dimensão central da rede social desses jovens, a família, sobretudo na Atenção Primária à Saúde. No entanto, criam-se expectativas quanto à atuação da Enfermagem para resolução dos “problemas” que podem emergir de maneira distinta sobre a representação da homossexualidade sob a ótica do jovem e de sua família, o que demanda cuidados às especificidades de ambos.

Relação vinculativa da família e religiosidade

A relação vinculativa da família é algo que se constitui desde o nascimento, sob a composição que não se pode escolher. Os relacionamentos são pautados na cultura, valores, recursos e funções, visto que se reitera o bem comum entre os membros familiares para o enfrentamento microssômico (individual) e macrossômico (social), visando à proteção e transição alcançando autonomia(33 Sanicola L. As dinâmicas de rede e o trabalho social. 2ª ed. São Paulo: Editora Veras; 2015.).

A constituição familiar foi estabelecida segundo a composição por um casal heterossexual e seus filhos; assim, a sociedade estruturou a família nuclear, e qualquer outra forma divergente dessa constituição não é aceita pela normalidade formulada pelo ideário social. Nas gerações subsequentes, almeja-se a realização de sonhos e projetos de vida com base nos laços afetivos oriundos do casamento heterossexual.

A prática de esconder os fatos familiares considerados “vergonhosos” para a sociedade é um ato comum em determinas culturas. Na China, Índia e países do Oriente Médio, por exemplo, alguns jovens homossexuais optam por “casamento heterossexual nominal” com uma mulher, no entanto o relacionamento pode ser visto pelos amigos, vizinhos ou pais como fracassado, devido à falta de filhos e pouca interação do casal(2020 Choi SYP, Luo M. Performative family: homosexuality, marriage and intergenerational dynamics in China. British J Sociol [Internet]; 2016 [cited 2018 Sep 17];67(2):260-80. Available from: https://doi.org/10.1111/1468-4446.12196
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). Nesse sentido, revela-se a imposição familiar para o relacionamento heterossexual de forma direta ou indiretamente:

Quando o filho e filha tem 20 anos e não tem namorado ou namorada ou não está casado já diz logo, meu filho é gay, eu tenho certeza que minha mãe solta muita indireta, quando tu casar a sua, quando tu vai começar a arrumar namorada, tu vai querer ser pai não, e eu sou bem sincero e digo: ‘se não der pra mim ser pai, eu adoto e viro pai do mesmo jeito’. (Leonardo)

Namorei duas vezes com menina, mas eu nunca gostei. Teve um momento da minha vida que eu não quis me relacionar com homem, mas isso não fez com que eu deixasse de gostar, simplesmente foi uma decisão que eu tomei e, quando eu percebi que nada mudava, não adianta ficar me escondendo, escondendo quem eu sou, de quem eu gosto, ser infeliz, eu já estava ficando depressivo por causa disso. (Alessandro)

A homossexualidade é considerada ato pecaminoso e impuro, e essa representação pode ser percebida no cotidiano das relações sociais, que possui por base o modelo heteronormativo; assim, identifica-se a homofobia por meio de relatos dos vizinhos homossexuais que constituem a rede social secundária dos jovens:

Fiquei muito assustado até porque a minha família tinha uma repressão, eu tinha exemplo de pessoas na rua de vizinhos que eram gays e eu ouvia o que eles falavam, mas assim já na adolescência eu sou uma pessoa decidida, não é porque eles acham isso, que eu não possa ser. (Paulo)

No entanto, contestam-se os limites da família na compreensão e reprodução das categorias relativas ao sexo construídas por pressupostos heteronormativos. Pela força física e psicológica, opera-se a ideologia do pensamento normativo, ancorada no binarismo de gênero e dogmas religiosos, que são materializados no conservadorismo social, no retrocesso político e na violência(2121 Butler J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro (RJ): Civilização Brasileira, 2017.). Os jovens questionam a doutrina religiosa, as relações familiares e o poder de “Deus” para a possível reversão da identidade homossexual:

Eu tentei antes ter um relacionamento heterossexual porque eu cresci numa família religiosa, aí eu não queria isso pra mim, mas depois que eu vi que eu me distanciei por conta da religião, pra eu seguir eu tenho que seguir de acordo com que as coisas regi, não adianta eu tá lá dentro e não fazer como a doutrina pede. (Gustavo)

Eu tive relacionamento com mulher porque eu achava que era coisa da minha cabeça [...] na época eu ia pra Igreja com ela, Deus vai tirar isso de mim, e hoje eu digo para meus amigos que tentam se esconder por trás de religião: ‘Ainda que você se relacione com mulher, você sempre vai gostar de homem’. (Alessandro)

Em estudo semelhante, revelaram-se os impactos dos discursos religiosos acerca da homossexualidade. Nos trechos da Bíblia, foram evidenciados elementos opressores da identidade de gênero homossexual que repercute no convívio social e nos espaços políticos; assim, expõe-se a contradição quanto à laicidade do Estado(2222 Mesquita DT, Perucchi J. Não Apenas Em Nome De Deus: Discursos Religiosos Sobre Homossexualidade. Psicol Soc [Internet]; 2016 [cited 2018 Sep 15];28(1):105-14. Available from: http://www.scielo.br/pdf/psoc/v28n1/1807-0310-psoc-28-01-00105.pdf
http://www.scielo.br/pdf/psoc/v28n1/1807...
).

Estimula-se a opressão dos jovens homossexuais masculinos no núcleo familiar, apoiando-se em preceitos religiosos e heteronormativos, como forma de “proteção” para evitar a homofobia. Considera-se que as atitudes homossexuais causam constrangimentos aos seus familiares. O determinismo familiar culmina em isolamento social, baixa autoestima, transtornos depressivos, comportamentos autodestruitivos, com risco de suicídio desses jovens.

Foi constatado que, a cada 19 horas, uma pessoa LGBT é barbaramente assassinada ou comete suicídio no Brasil devido a “LGBTfobia”(2323 Mott L, Michels E, Paulinho. Pessoas LGBT Mortas No Brasil. 7ª ed. Bahia: Editora Grupo Gay Da Bahia - GGB; 2017.). Nas verbalizações, um dos entrevistados relatou a tentativa de cometer suicídio devido à opressão e rejeição familiar; esse fato também foi referido em outros estudos realizados com pessoas homossexuais(1717 Braga IF, Oliveira WA, Silva JL, Mello FCM, Silva MAI. Violência familiar contra adolescentes e jovens gays e lésbicas: um estudo qualitativo. Rev Bras Enferm [Internet]; 2018 [cited 2018 Sep 14];71(3):1295-303. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v71s3/pt_0034-7167-reben-71-s3-1220.pdf
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-1818 Puckett JA, Woodward EN, Mereish EH, Pantalone DW. Parental rejection following sexual orientation disclosure: impact on internalized homophobia, social support, and mental health. LGBT Health [Internet]; 2015 [cited 2018 Sep 16];2(3):265-9. Available from: http://online.liebertpub.com/doi/10.1089/lgbt.2013.0024
http://online.liebertpub.com/doi/10.1089...
). Sabe-se que a juventude é o período de descobrimento; assim, as fragilidades nos vínculos familiares nessa fase da vida podem culminar em depressão grave e tentativas de suicídio:

Eu tentei me suicidar, eu entrei e fiquei uma hora e pouca em coma mais voltei rápido, tive parada cardíaca, foi a partir desse tempo que eles passaram a me dar mais atenção e me considerar como filho. (Theodoro)

O modelo heteronormativo é imposto por meio de atos violentos, que podem ser sutis (o olhar que oprime e renega) ou evidentes (agressões de natureza física, psíquica e institucional). Em estudo realizado na Espanha com pessoas homossexuais, foram revelados preconceito e discriminação, que, ao se apresentarem de forma sutil, constante e inerente às relações sociais de homofobia, afetam substancialmente a qualidade de vida dessas pessoas mais do que os atos de discriminação considerados agressivos e pontuais. No entanto, relatou-se o apoio das redes sociais como importante mecanismo de enfrentamento à homofobia e proteção na redução dos efeitos do estresse produzido pela discriminação, sobretudo no período da juventude(2424 Molero F, Ferrero PS, Apodaca MJFR, Pallejá EM, Garín DP. Subtle and blatant perceived discrimination and well-being in lesbians and gay men in Spain: the role of social support. Psicothema [Internet]; 2017 [cited 2018 Sep 17];29(4):475-81. Available from: http://www.psicothema.com/pdf/4423.pdf
http://www.psicothema.com/pdf/4423.pdf...
).

No tocante às emergentes demandas por proteção, o Brasil se destaca como o país com maior quantitativos de crimes, comparado aos 13 países do Oriente e África onde é regularizada a pena de morte contra pessoas LGBT(2323 Mott L, Michels E, Paulinho. Pessoas LGBT Mortas No Brasil. 7ª ed. Bahia: Editora Grupo Gay Da Bahia - GGB; 2017.). Diante do contexto de opressão, os homossexuais masculinos lutam por visibilidade e garantia dos direitos humanos básicos, para manutenção da vida e liberdade de expressão dos sentimentos e desejos. Ressalta-se, além do aporte familiar, a importância das relações de amizades no processo de aceitabilidade e respeito à diversidade:

Mas aí, essa relação afetiva não deu certo, mas aí eu acabei conhecendo a pessoa, os amigos, e aquilo me inseriu no meio e aí eu me vi mais confortável, mais feliz, mas assim não era muito retração, por exemplo, meus amigos de infância, hoje em dia, a maioria, são homossexuais, entendeu, eu acho que tipo, foi melhor, esclareceu mais, fiquei mais tranquilo. (Allen)

Devem-se reconhecer as fragilidades e potencialidades da rede social, que inclui sobretudo família, amigos, comunidade, trabalho e escola, no embate entre o novo e o conservador, quanto à conquista dos direitos LGBT. Nesse sentido, é necessária a execução de ações com base no Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos das pessoas LGBT, partindo das diretrizes: inserção da temática dos novos arranjos familiares; promoção diversidade sexual; enfrentamento do estigma e preconceito nos serviços públicos; apoio às pesquisas; reformulação de currículos e práticas adotadas no ambiente escolar; e rede nacional de enfrentamento à homofobia em parceria com a sociedade civil(2525 Minayo MCS, Silva RA. Homossexuais: entre as conquistas e a força conservadora dos preconceitos. Rev Educ Emancip [Internet]; 2017 [cited 2018 Sep 17];10(4):32-57. Available from: http://dx.doi.org/10.18764/2358-4319.v10n4p32-57
http://dx.doi.org/10.18764/2358-4319.v10...
).

Nos EUA, há um abrupto aumento das pesquisas que enfatizam as demandas e disparidades dos serviços de saúde na atenção integral às pessoas homossexuais. Isso vai ao encontro da emergente necessidade por ações em saúde diante da escassez de educação cultural e treinamento para o preparo dos profissionais da saúde, com destaque os enfermeiros, focalizando avaliação clínica e cuidados de saúde específicos para as pessoas LGBT. Devem-se aumentar os esforços para apoiar as necessidades de saúde LGBT nos currículos de graduação e pós-graduação em Enfermagem de forma efetiva(2626 Bonvicini KA. LGBT healthcare disparities: what progress have we made? Patient Educ Couns, 2017; 5695(5):2357-61. doi: 10.1016/j.pec.2017.06.003
https://doi.org/10.1016/j.pec.2017.06.00...
). É preciso priorizar o diálogo aberto por parte dos profissionais da saúde, pautado na compreensão da rede social e acolhimento ao sofrimento, possibilitando uma relação de troca de saberes, descobertas e fuga ao silêncio imposto pela normatividade(2727 Pinto AGA, Jorge MSB, Marinho MNASB, Vidal ECF, Aquino OS, Vidal ECF. Experiences in the Family Health Strategy: demands and vulnerabilities in the territory. Rev Bras Enferm. 2017; 70(5):920-27. doi: 10.1590/0034-7167-2015-0033
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2015-0...
).

Limitações do estudo

A problemática elencada neste estudo compreende contexto social, histórico e assistencial da saúde alicerçado no conservadorismo, preconceito e estigmas, visto que o ideário social foi formado por preceitos morais de origem heteronormativa. Isso instiga tabus sociais e julgamentos que podem ter dificultado a verbalização e colaboração dos jovens homossexuais masculinos.

Contribuições para a área da Enfermagem, Saúde ou Política Pública

A enfermagem é a ciência do cuidar, produtora de sentidos no elo das práticas educacionais e assistências da saúde. Há um compartilhamento com a rede social da responsabilização da emancipação dos sujeitos sociais, sobretudo os que vivem em contexto de vulnerabilidade. Isso mostra a importância da implementação da Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais e da promoção de um contexto de respeito à diversidade, de combate à homofobia, preconizado pelo programa Brasil sem Homofobia.

Faz-se necessário incorporar a temática “Relações familiares e redes sociais dos homossexuais” no currículo da Enfermagem, já que a sensibilização do enfermeiro por meio de frequentes capacitações e formação qualificada irá viabilizar a tomada de decisões no campo assistencial da saúde. A história da homossexualidade, o contexto de vulnerabilidade e a singularidade do jovem homossexual são importantes esferas à serem consideradas na construção de estratégias de educação em saúde voltadas às intervenções de rede, contextualizadas aos elementos que a compõem (família, amigos, vizinhos, escola, trabalho e comunidade), como garantia à saúde prevista na Constituição Federal Brasileira.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste estudo, foram avaliadas as relações familiares da primeira experiência de socialização da rede social primária dos jovens homossexuais masculinos; esta esteve alicerçada em tabus sociais, baixo grau de conhecimento dos familiares sobre identidade de gênero e falta de apoio. Na relação do jovem homossexual, foi percebido o conservadorismo religioso, sexismo e violência perpetrada, elementos opressores da diversidade e liberdade de expressão homossexual.

Foram identificadas fragilidades nas relações afetivas e vinculativas dos familiares dos jovens homossexuais, marcadas pelo medo e rejeição paterna, além do risco ao suicídio e exposição às situações de violências em todos os espaços de convívio social, o que pode interferir na saúde física, mental, na qualidade e na própria manutenção da vida, tendo em vista o contexto de vulnerabilidade social. Das falas, emergiu o despreparo da rede familiar na oferta de acolhimento, cuidado, educação e proteção para a transição do jovem homossexual à vida adulta.

Ficou evidente a necessidade de atenção integral à saúde dos jovens homossexuais na prática assistencial e nas pesquisas desenvolvidas pela enfermagem, com base na incorporação do Plano Nacional de Promoção da Cidadania e Direitos Humanos das pessoas LGBT, a fim de proporcionar a efetivação do direito à saúde sem a distinção de identidade de gênero, raça/etnia e orientação sexual nas ações de educação em saúde com ênfase na família.

  • FOMENTO
    Coordenação de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Italo Rodolfo Silva

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Set 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    18 Out 2018
  • Aceito
    26 Abr 2020
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