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PROJETO DE CRIAÇÃO DE UM CURSO DE ENFERMAGEM EM UMA UNIVERSIDADE

Em 1976 estabeleceram-se os primeiros contatos entre a administração da Universidade Federal de São Carlos e nos, a fim de estudarmos a elaboração de um projeto para criação de um Curso de Enfermagem. Era preocupação do Reitor implantar uma área de saúde na Universidade e a criação do Curso de Enfermagem seria o primeiro passo.

Para nós, convidados a participar de tão importante projeto, a preocupação principal foi tentarmos fazer um levantamento sócio-econômico-cultural e de assistência à saúde na cidade, para termos condições de elaborar um programa curricular que atendesse as necessidades da comunidade, visando o homem no ecossistema.

A cidade de São Carlos, no Estado de São Paulo, dista da Capital 230 km com aproximadamente 120.000 habitantes, possui uma Universidade Federal; um Campus Universitário Estadual - USP; algumas Faculdades particulares (Direito, Estudos Sociais, Administração de Empresas etc.), perfazendo um total de quase 10.000 estudantes de nível superior. É uma das cidades do interior de São Paulo, que possui um grande parque industrial, capaz de gerar cerca de vinte mil colocações no mercado de trabalho.

Um clima comparado as medias de temperatura das cidades européias mais meridionais, é considerado como um dos melhores do Estado, uma altitude variável, devido à sua localização em uma serra, encontrando-se locais com até 950 metros de altitude.

Na área da saúde, a cidade de São Carlos conta com dois hospitais, somando 318 leitos; um Pronto-Socorro Municipal para atendimentos noturnos; um Distrito Sanitário; um Centro de Saúde I; um Instituto Adolfo Lutz e varias creches mantidas pela Prefeitura.

Em um levantamento feito por López de La Peña, em sua tese de doutoramento sobre Enfermeiros de Saúde Pública (1971), ela refere "existe uma total ausência de sistema de enfermagem moderna em qualquer de suas instituições, impedindo o estabelecimento da possível influencia que os órgãos oficiais tenham sobre a evolução de seu nível de saúde. Este, provavelmente vem evoluindo independentemente dos recursos assistenciais de saúde existentes na cidade. Com maior probabilidade poderia ser mais substancial se os Serviços de Saúde Pública fossem mais dinâmicos e contassem com quadros profissionais mais completos" (pág. 51). Mais adiante ela comenta "em São Carlos, onde o profissional de enfermagem é inexistente, a sociedade sente a necessidade de suas funções e reclama sua atuação, principalmente a nível executivo, nos atendimentos diretos à população, possivelmente por desconhecer outras funções afins do profissional e as vantagens de uma direção adequada da equipe de enfermagem" (pág. 91).

Em uma revista publicada sobre a cidade de São Carlos, em 1976, eram palavras textuais em uma página: "Não há enfermeiras de nível Universitário nas instituições de saúde da cidade".

Em fins de 1976, a cidade já contava com duas enfermeiras, uma no Centro de Saúde e outra em um hospital mais moderno, recém-construído; parece-nos entretanto, que a atuação destes dois profissionais como que se perdia na falta de um esquema moderno de assistência de enfermagem.

Em maio de 1976, por solicitação do Reitor, fizemos um mini-projeto que foi encaminhado ao Conselho de Curadores da Universidade, para aprovação do Curso de Enfermagem. Neste documento foram feitas considerações sobre a Enfermagem no Brasil e principalmente sobre a situação de enfermagem em São Carlos, admitindo que a Universidade estaria muito interessada na criação do referido Curso.

Em 30 de agosto de 1976, a Sociedade Médica de São Carlos enviava um oficio ao Conselho de Curadores da Universidade, em que inicialmente dizia: "Os médicos de São Carlos, congregados na Sociedade Médica de São Carlos, considerando que desde maio do corrente ano, foi solicitada a criação de uma Escola Superior de Enfermagem na Universidade Federal de São Carlos, com processo em tramitação desde esta data no seu Colendo Conselho de Curadores, tendo como relator do mesmo o Dr. Ernesto Pereira Lopes, vem mui respeitosamente ressaltar aos Digníssimos Membros do Conselho e em particular ao relator do processo, a importância que tal medida terá como fator de melhoria no padrão de atendimento médico-hospitalar no município e região...", terminando com a assinatura de um grande número de médicos.

Em 17-9-76, através de parecer favorável do Conselheiro Dr. Ernesto Pereira Lopes, o Conselho de Curadores da Universidade, aprovava por unanimidade a implantação do Curso de Enfermagem.

Enquanto aguardávamos a aprovação do Conselho de Curadores, foi realizado, com o apoio do Centro de Educação e Ciências Humanas, da Universidade, sinopse de sondagem de interesse nas áreas de Biologia e Ciências da Saúde, entre 313 alunos dos 2.ºs e 3.ºs anos do 2.º grau, em colégios públicos, autarquias e particulares, mostrando que, do total de alunos sondados 78% mostravam-se interessados em cursos dessas áreas. Especialmente a Enfermagem obteve um percentual que se aproximaria dos 35%.

Deve-se ressaltar que o Curso de Ciências Biológicas existe na Universidade desde o inicio desta, ou seja, há oito anos.

Já que era quase total o desconhecimento da atuação do profissional de Enfermagem em São Carlos, os resultados obtidos levaram-nos a considerar a influencia de Escolas de Enfermagem próximo a São Carlos, tais como: Ribeirão Preto, 95 km; Campinas, 130 km; São Paulo, 230 km.

Com a aprovação do Conselho de Curadores, procuramos acelerar o projeto para enviá-lo ao M.E.C. no que fomos muito orientados pelo Grupo Setorial de Saúde do Departamento de Assuntos Universitários - DAU, nas pessoas das enfermeiras Dr.ª Ligia Palm e Prof.ª Luiza Teixeira Costa.

O Curso de Enfermagem foi criado em dezembro de 1976, e em Janeiro de 1977, realizou-se um exame vestibular especial com a inscrição de 474 candidatos para o preenchimento de 30 vagas existentes, numa proporção de 15,8 para cada vaga.

Foi proposta uma estrutura curricular de quatro anos sem habilitações, visando o preparo do enfermeiro geral, com maior ampliação dos conhecimentos básicos de Enfermagem, atendendo deste modo as necessidade do mercado de trabalho, principalmente local e regional.

Na programação curricular elaborada foi dado um destaque todo especial à Saúde Comunitária, para que o nosso aluno pudesse, através de uma atuação maior de Saúde Pública, aprender que o enfermeiro tem uma tarefa muito importante a desempenhar junto à comunidade, não só aplicando os conhecimentos recebidos, mas principalmente interagindo com o individuo e família, levando até eles a conscientização de que são partes integrantes no desenvolvimento de qualquer sistema de saúde.

O nosso aluno, após o Ciclo Básico, entrará gradativamente em módulos de ensino, com as seguintes colocações: o 1.º módulo é o conhecimento do homem e o ecossistema (parte deste módulo começa já no Ciclo Básico com algumas disciplinas, como: Sociologia da Saúde, Saneamento e outras); o 2.º módulo é o homem declarado doente, suas necessidades e a sua interação com a comunidade em que vive. Neste módulo é desenvolvido também programa materno-infantil comunitário; o 3.º módulo compreende o homem em um processo patológico maior, agudo ou crônico, que o segrega da comunidade, levando-o à hospitalização.

O conhecimento anterior do homem no ecossistema, faz com que o aluno continue a vê-lo como parte integrante do sistema de saúde; e no 4º módulo o aluno já com uma aplicação maior de conhecimentos, volta à comunidade, participando dos programas de saúde existentes, elaborando programas novos de assistência comunitária, com treinamento e supervisão. É uma espécie de reciclagem programada.

Dentro de uma rede industrial como encontramos em São Carlos, não podemos esquecer que as necessidades locais variam um pouco em relação ao tradicional programa, levando-nos a considerar como atuação curricular o atendimento a este contingente populacional.

Complementando o preparo do Enfermeiro, foi proposto ao longo dos quatro últimos semestres do Curso, a ministração das disciplinas que compreendem a programação curricular de Licenciatura em Enfermagem, a fim de lhe dar direito de lecionar no ensino de 2.º grau, disciplinas e atividades práticas da área de enfermagem e saúde.

Este programa curricular inicialmente adotado, poderá sofrer alterações, uma vez que estamos desenvolvendo atualmente o terceiro semestre do Curso.

O intercâmbio de atividades de ensino que existe entre os Departamentos da Universidade, possibilitou ao Curso de Enfermagem iniciar as suas atividades curriculares em marco de 1977, solicitando algumas disciplinas básicas dos Departamentos de Biologia, Química, Estatística e Educação. O Centro de Educação e Ciências Humanas recebeu maior carga de disciplinas, em virtude da programação de Licenciatura em Enfermagem que será toda ministrada naquele Centro, sendo que a disciplina de Prática de Ensino será ministrada por um dos nossos docentes enfermeiros, que já se encontra cursando Pós-Graduação à nível de Mestrado, na área de Educação.

A Santa Casa local, onde se desenvolverá o nosso campo de trabalho hospitalar, está construindo em área anexa, a nova Santa Casa, num projeto arrojado que já se encontra em fase de acabamento, na qual estamos montando o Laboratório de Enfermagem, numa área de aproximadamente 400 metros, construída especialmente para o Curso de Enfermagem, em convenio firmado entre a Santa Casa e a Universidade. Neste convenio tornamos a nos a responsabilidade da reorganização do Serviço de Enfermagem e supervisão posterior, num intercambio de trabalho entre enfermeiros da Santa Casa e os docentes de Enfermagem. Devemos ressaltar que a Mesa Administrativa da Santa Casa é atuante, vendo com orgulho, interesse e carinho, aquele nosocômio se transformando em hospital-escola.

O Centro de Ciências Biológicas e da Saúde, da Universidade, contava estatutariamente com o Departamento de Ciências da Saúde, que com a criação do Curso de Enfermagem foi ativado. Este Departamento receberá agora no 2.º semestre do ano, mais dois novos Cursos: Fisioterapia e Terapia Ocupacional.

Queremos ressaltar que a chefia deste Departamento está a cargo de uma enfermeira. A meta que desejamos alcançar é que à proporção do aumento quantitativo e qualitativo de docentes de enfermagem, venha a nossa possibilidade de Departamentalização do Curso de Enfermagem.

O vestibular para toda a Universidade neste ano de 1978, será no mês de julho, portanto a Enfermagem terá o seu segundo vestibular que contou em 1.ªopção com 668 candidatos inscritos para 30 vagas oferecidas, numa proporção de 22,2 candidatos para uma vaga. Em 2.ª e 3.ª opção também podemos contar com 274 e 366 inscritos. Foi um dos Cursos com maior número de candidatos.

Para esclarecer à população qual o papel de um curso desta natureza na cidade e região, foi feito um programa de divulgação junto as sociedades de classes, colégios e órgãos oficiais, com palestras, entrevistas e artigos nos jornais e rádios.

Aproveitando as comemorações da Semana da Enfermagem, tanto em 1977 como no ano em curso, foram desenvolvidas atividades de programação comunitária, fora do Campus Universitário com o objetivo maior de congregar o povo da cidade.

O Conselho de Saúde da Comunidade de São Carlos, em março de 1977 elegeu como membro do Conselho, um professor do Curso de Enfermagem.

As solicitações para palestras, participação em Cursos sobre Saúde, atuação em programas comunitários e o interesse e carinho que temos recebido, leva-nos a acreditar que, apenas passados 18 meses, a Enfermagem está colocada frente a uma comunidade, com o destaque maior de um curso superior que irá dar a São Carlos a colocação de uma cidade que possuirá um sistema de saúde adequado às necessidades da população, já que em outros ângulos de desenvolvimento, tais como, econômico-financeiros, infra-estrutura de serviços públicos, mesmo indicadores sociais, a cidade recebeu lugar de destaque entre os municípios mais cotados do Estado de São Paulo.

Como recomendação trazemos a nossa própria experiência de um projeto de criação de um Curso de Enfermagem, com a filosofia de um programa curricular de atuação comunitária, aproveitando tanto quanto possível os recursos que a comunidade oferece, proporcionando deste modo ao aluno a vivencia de uma integração e interação do homem e seus recursos de saúde no ecossistema.

  • SANTOS, M.L.C. - Projeto de criação de um curso de enfermagem em uma universidade. Rev. Bras. Enf.; DF. 31 : 537-541, 1978.
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    Tema Livre apresentado no XXX CBEn, em julho de 1978.

BIBLIOGRAFIA

  • PEÑA, J. L. - A Enfermeira de Saúde Pública. São Paulo, 1971. (Tese de Doutoramento) - Departamento Prática de Saúde Pública - Faculdade de Saúde Pública - USP.
  • II SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO DE ENFERMAGEM, Ribeirão Preto - São Paulo, 1970. Escola de Enfermagem da USP.
  • BRASIL, Presidência da República - Ministério do Planejamento e Coordenação Geral - Metas e Bases para a Ação do Governo. Rio de Janeiro, IBGE - 1971.
  • BRASIL, Presidência da República - Ministério da Saúde - Programa de Saúde Materno-Infantil. Coordenação da Proteção Materno-Infantil da Secretaria de Assistência Médica. Brasília, 1974.
  • BRASIL, Presidência da República - Ministério da Educação e Cultura - Currículos Mínimos dos Cursos de Nível Superior. Departamento de Documestação e Divulgação. Brasília, 1974.
  • BRASIL, Conselho Federal de Educação. Parecer n.º 163/72 - Currículo Mínimo dos Cursos de Enfermagem e Obstetrícia. Brasília, 28-1-72.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 1978
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