Evidências sobre uma Epistemologia de Administração em Enfermagem

RESUMO

Objetivo:

Refletir criticamente sobre os aspectos epistemológicos da construção do saber sobre Administração em Enfermagem no Brasil.

Métodos:

Trata-se de um artigo de reflexão teórica que tem por objeto a apreciação dos aspectos epistemológicos da construção do saber sobre Administração em Enfermagem.

Resultados:

O conhecimento sobre Administração em Enfermagem tem um longo caminho a trilhar, pois seu repertório epistemológico ainda é tímido. Além disso, a falta de distinção desse saber na comunicação de produtos de pesquisa subestima a produção sobre Administração em Enfermagem, pois esses produtos aparecem diluídos em outras áreas da Enfermagem (assistência, pesquisa e ensino).

Considerações finais:

Em razão das reflexões, ressalta-se a necessidade de novas evidências científicas cuja formulação de perguntas de pesquisa possa contribuir para o delineamento de fenômenos que distingam a Administração em Enfermagem como área de conhecimento em pesquisa.

Descritores:
Enfermagem; Pesquisa em Administração de Enfermagem; Enfermagem Baseada em Evidências; Bases de Conhecimento; Epistemologia

ABSTRACT

Objective:

Reflecting critically on the epistemological aspects of the of knowledge construction on Nursing Administration in Brazil.

Methods:

This is an article of theoretical reflection that aims to assess the epistemological aspects of the construction of knowledge about Nursing Administration.

Results:

The knowledge about Nursing Administration has a long way to go, as its epistemological repertoire is still timid. In addition, the lack of distinction of this knowledge in the communication of research products underestimates the production on Nursing Administration, as these products appear diluted in other areas of Nursing (care, research, and teaching).

Final considerations:

Due to the reflections, the need for new scientific evidence is highlighted, whose formulation of research questions can contribute to the delineation of phenomena that distinguish Nursing Administration as an area of research knowledge.

Descriptors:
Nursing; Nursing Administration Research; Evidence-Based Nursing; Knowledge Bases; Espistemology

RESUMEN

Objetivo:

reflexionar críticamente sobre los aspectos epistemológicos de la construcción del conocimiento sobre Administración en al ámbito de la Enfermería en Brasil.

Métodos:

Este es un artículo de reflexión teórica que tiene como objetivo evaluar los aspectos epistemológicos de la construcción del conocimiento sobre Administración en Enfermería.

Resultados:

El conocimiento sobre la Administración en Enfermería tiene un largo camino por recorrer, ya que su repertorio epistemológico aún es tímido. Además, la falta de distinción de este conocimiento en la comunicación de los productos de investigación subestima la producción sobre Administración en Enfermería, ya que estos productos parecen diluidos en otras áreas de la Enfermería (cuidado, investigación y enseñanza).

Consideraciones finales:

debido a las reflexiones, se destaca la necesidad de nuevas pruebas científicas, cuya formulación de preguntas de investigación puede contribuir a la delimitación de fenómenos que distinguen a la Administración en Enfermería como un área de conocimiento de investigación.

Descriptores:
Enfermería; Investigación en Administración de Enfermería; Enfermería Basada en la Evidencia; Bases del Conocimiento; Espistemología

INTRODUÇÃO

A Administração em Enfermagem (AE) percorreu importante caminho em suas transformações ao longo da história, tendo nas contribuições sociais de Florence Nightingale as primícias fundamentais de sua identidade científica⁽¹⁾.

Embora o marco de referência sobre o início das práticas de AE seja comumente atribuído à Florence Nightingale, é preciso fazer menção às Irmãs de Caridade da Companhia de São Vicente de Paulo de Paris (fundada em 1633), com quem Florence alicerçou seu estilo de pensamento sobre AE, isso quando estagiou no Hôtel Dieu, ocasião em que fez primorosas reflexões sobre o modelo de gestão ali praticado: direção e reorganização do hospital; individualização dos leitos; divisão do trabalho; controle do tempo; criação de regulamentos e atribuições no trabalho; supervisão e direção de todos os cuidados prestados no hospital^(2-3).

Sendo assim, não demorou para que Florence revelasse ao mundo o estilo de pensamento gerencial da Enfermagem moderna (modelo Nightingaleano)⁽³⁾, estabelecido mediante publicação do livro "Notas sobre questões que afetam a saúde, eficiência e administração hospitalar do exército britânico" (1858), contendo, dentre outras coisas, relatórios estatísticos sobre os resultados da gestão de um hospital militar, na ocasião da Guerra da Criméia (1854). Certamente a primeira evidência internacional sobre uma epistemologia de AE⁽¹⁾.

No Brasil, os antecedentes epistemológicos sobre a prática de AE fazem menção às produções que datam de 1947 publicadas na revista "Anais de Enfermagem" [Revista Brasileira de Enfermagem], entretanto eram traduções de artigos em inglês e não configurariam identidade própria para integrar as evidências de uma epistemologia de AE propriamente brasileira⁽⁴⁾.

Não obstante, existem outras evidências históricas sobre AE no Brasil e no mundo, o objeto desta produção científica está circunscrito aos aspectos epistemológicos da construção do 'saber sobre AE' no Brasil, cuja solidez depende especialmente da formação de comunidades científicas que sustentem o processo de construção desse conhecimento.

OBJETIVO

Refletir criticamente sobre os aspectos epistemológicos da construção do saber sobre Administração em Enfermagem no Brasil.

COMUNIDADE CIENTÍFICA DE ENFERMAGEM E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A EPISTEMOLOGIA DA ADMINISTRAÇÃO EM ENFERMAGEM

Não há dúvidas sobre a importância do corpo docente para os programas de pós-graduação brasileiros. Esse elemento desempenha papel fundamental tanto na formação de recursos humanos para a comunidade científica com titulação de mestrado e doutorado, quanto no desenvolvimento de produtos de pesquisa que atendam às necessidades de conhecimento manifestas pela Enfermagem.

De acordo com cientistas da História da Enfermagem⁽⁵⁾, o processo de formação da comunidade científica de enfermagem no Brasil passou por cinco gerações de pesquisadores enfermeiros, a saber: geração dos pioneiros (1950-1960), geração dos autodidatas (1960-1970), geração dos acadêmicos (1970-1980), geração dos grupos de pesquisa com produção científica sistemática (1990-2000) e geração dos pesquisadores/líderes de grupos de pesquisa com produção científica internacional (2000 em diante). Considerando o cenário científico atual, possivelmente estamos na vigência da sexta geração de pesquisadores enfermeiros, sendo a geração dos inovadores tecnológicos.

No tocante à AE, as primeiras pesquisas de pós-graduação na área surgiram da geração dos pesquisadores autodidatas da Enfermagem e tratavam sobre Bases Ideológicas e Teóricas da AE, cujo pioneirismo é da tese de cátedra defendida por Glete de Alcântara em 1963⁽⁶⁾. Embora seja importante demarcar seu espaço social, a AE carece consolidar sua identidade na academia, pois ainda que o discurso acadêmico enalteça esse processo de trabalho, seu histórico de frequência e produtividade não sustenta essa convicção, que parece ficar restrita ao domínio ideológico^(4,6-7).

Os sintomas dessa desnutrição científica também são sentidos pela comunidade científica internacional dedicada à AE e, de modo geral, refletem negativamente sobre o desenvolvimento dos processos de trabalho administrativo de enfermeiros que tendem a utilizar a pesquisa aplicada como mecanismo de prática avançada na solução de problemas gerenciais^(8-9).

No tocante ao objeto da presente reflexão não poderia ser diferente, já que o conjunto de referências nela citados evidencia, com razão, a situação desse panorama científico no Brasil, haja vista a concentração de produções antigas e polarizadas em poucos estudiosos, o que pode limitar a apresentação de formulações mais aprofundadas sobre epistemologia da AE. Todavia esse risco deve ser assumido pelos autores ao considerar essas lacunas como oportunidades para a Enfermagem.

Então, qual seria o aspecto pelo qual a AE não tem despertado com suficiência o interesse dos pesquisadores para a realização de investigações científicas inovadoras? Certamente não existem formulações precisas e cartesianas para algo tão complexo, mas as apreciações adiante podem indicar alguns caminhos.

Ao que tudo indica, esse fenômeno pode estar vinculado tanto à tímida interação entre enfermeiros que compartilham do mesmo estilo de pensamento sobre a AE⁽³⁾, quanto à carência de políticas científicas que estimulem a produção de pesquisas em grupos e em rede, o que parece se confirmar diante do diminuto número de linhas e grupos de pesquisa dedicados ao estudo da AE que, além de não acompanhar o avanço dos programas de pós-graduação, configuram menos de um décimo do total de grupos de pesquisa que congregam a comunidade científica de enfermagem^(6-7).

Certamente a interação social interpesquisadores não seria a única variável importante a ser tratada nesse fenômeno e também o fomento a espaços de discussão intelectual entre especialistas em AE, para provocar a proposição de programas de desenvolvimento de práticas avançadas de AE que, dentre outras soluções, venha estreitar as relações internacionais e de colaboração entre centros de pesquisa e programas de pós-graduação em AE^(7-8).

Esse fenômeno pode ser explicado segundo os pressupostos sobre coletivo de pensamento, que vislumbra a ciência como produto da cooperação entre diferentes grupos e seus estilos de pensamento⁽³⁾⁾ e, sustentado segundo os atributos formadores da comunidade científica de enfermagem, que são caracterizados pela "sucessão de grupos geracionais, cada qual inserido em determinado tempo e espaço e que, pelos vínculos concretos que mantêm entre seus membros, apresentam similaridades quanto à sua formação e a produção científica, compartilhando um destino histórico e social comum"⁽⁵⁾.

Fazendo uma análise da AE, nesse mesmo prisma, parece que ainda é necessário trilhar longos caminhos até o aparecimento de gerações de cientistas dedicados ao estudo dessa temática. Isso pode ser ilustrado a partir de estudo bibliométrico cujo resultado evidenciou que, dentre 245 diferentes cientistas que orientaram produtos de pesquisa sobre AE nas titulações de mestrado e doutorado identificados em cinco décadas, somente 2,9% eram orientadores regulares de pesquisas sobre AE em relação aos demais, sendo que 57,1% só orientaram um único produto de pesquisa nessa área⁽¹⁰⁾.

Em observação curiosa ao currículo Lattes de cada um dos 245 orientadores disponível no site do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), no mesmo estudo observou-se que os orientadores transitaram tanto na produção de pesquisas que envolvem o Processo de Trabalho Administrar em Enfermagem, quanto na produção de pesquisas que envolvem os demais Processos de Trabalho da Enfermagem (assistir, pesquisar, ensinar e participar politicamente)⁽¹⁰⁾.

Destaque-se ainda que muitos produtos de pesquisa cujo objeto de estudo tratava sobre AE, frequentemente apareceram vinculados à outras áreas da Enfermagem, o que provavelmente interferiria em análises bibliométricas sobre produções do conhecimento relacionadas. Nota-se uma lacuna que carece atenção dos cientistas da Enfermagem⁽¹⁰⁾.

Essa vinculação aos processos de cuidado parece resultar das tentativas de minimizar a visão dicotômica sobre gerência e assistência, sustentada por concepção ideológica que reverbera a divisão social do trabalho da Enfermagem (lady nurse e nurse), segundo Nightingale. E os pressupostos das teorias clássica e burocrática da administração, que ainda considera o Processo de Trabalho Administrar em Enfermagem distante do cuidado direto e tecnicista, quando na verdade seu produto é proporcionar condições para o cuidado se efetivar com eficiência e eficácia^(1-2,9). Essa dicotomia tende à declinar sob paradigmas de pensamento complexo e com enfermeiros ocupando postos de trabalho do organograma estratégico das organizações de saúde, cuja experimentação de processos gerenciais executivos configura potenciais oportunidades para formulação de novas hipóteses sobre AE^(9,11).

Outro quesito que merece atenção, e que pode ser considerada uma vulnerabilidade na construção do conhecimento sobre AE, parece ser a carência de sucessões de cientistas dedicados a essa área. A isso se faz pertinente revisitar a afirmação de Tilghman nas reflexões de Nassi-Calò sobre a comunicação científica em teses e dissertações destacando que, "[...] a única forma de avaliar os egressos de um programa de pós-graduação é saber se se tornaram cientistas de sucesso. Se forem bem sucedidos, foi feito um bom trabalho, caso contrário, não"⁽¹²⁾.

Nessa mesma linha de pensamento, dentre os 596 egressos de programas de pós-graduação identificados no estudo bibliométrico mencionado⁽¹⁰⁾, apenas 50 (8,4%) prosseguiram como orientadores na área de AE, mas, de fato, apenas quatro (0,5%) parecem ter tido sucesso no desenvolvimento de produtos de pesquisa vinculados às temáticas estudadas com seus orientadores, o que pode sinalizar fragilidades em cultivar o conhecimento sobre AE e, consequentemente, a construção de seu repertório epistêmico.

Salvo o ponto de vista epistemológico, lacunas no conhecimento representam oportunidade aos que anseiam comunicar resultados de pesquisas sobre AE, porém seu êxito depende da apresentação de evidências que são fundamentas em sofisticados desenhos de pesquisa, inclusive aqueles dedicados ao teste de hipóteses. Tendo em vista que a prevalência do repertório científico disponível é de estudos descritivos que deram sua parcela de contribuição à AE, pois indicaram saturação de métodos pouco variados^(7,10).

ASPECTOS EPISTEMOLÓGICOS DA ADMINISTRAÇÃO EM ENFERMAGEM

Ao fazer paralelo entre a progressão do conhecimento sobre Enfermagem e AE não é difícil perceber, pelos fenômenos apresentados, que esta perdura em "momento de transição entre o emprego de princípios da administração como questão central da área e algumas iniciativas de processo de desenvolvimento de teorias de gerenciamento/gestão do cuidado de enfermagem"⁽⁷⁾.

No entanto, convém destacar que ao consultar a produção científica brasileira da área, ainda se percebe a existência de carência linguística acerca da produção de conceitos sobre este saber, algo indispensável ao entendimento de fenômenos do Administrar em Enfermagem.

Esta lacuna é tão evidente que epistemóloga da Enfermagem brasileira declarou a necessidade de repetidas experimentações de metodologia epistemológica na análise da produção do conhecimento de Enfermagem, enfatizando que:

o cultivo da construção científica carece de exercícios de validação, o que só se consegue em campo de experimentação e sob requerimentos de provas ou de contraprovas. Nem sempre mudar a nomenclatura e a terminologia significa que as coisas mudam. A pesquisa e a construção científica sim, podem mudar muita coisa, podem abalar concepções antigas e podem revelar pelo menos "o invisível no visível"⁽¹³⁾.

De fato, busca minuciosa em todas as bases de dados disponíveis demonstrou que, salvo iniciativas isoladas para apresentar alguma configuração do conhecimento sobre AE^(14-15), nada mais versa no cenário internacional sobre epistemologia nesse campo do saber, a não ser por breve reflexão alertando sobre a necessidade de fortalecimento das relações internacionais entre centros de pesquisa sobre AE pautada em justificativa epistemológica que só confirma essa invisibilidade⁽⁸⁾.

Diante da imperiosa necessidade de impulsionar o conhecimento científico sobre AE - até que se consiga repertório epistêmico capaz de designar suas próprias formulações teóricas - seu olhar teórico compartilha de outros saberes, tendo em vista as formulações conceituais que deem conta do Processo de Trabalho Administrar em Enfermagem.

Em publicação de 1988⁽¹⁶⁾, epistemólogas da Enfermagem internacional definiram epistemologia da enfermagem como sendo o estudo da origem do seu conhecimento, estruturas e métodos; padrões de conhecimento criados e utilizados por seus pares; bem como critérios utilizados para a validação de seu conhecimento. Nessa perspectiva, a epistemologia da AE tem como objeto de investigação o 'saber sobre AE', que pode ser compreendido quando focalizado no plano da construção do conhecimento científico sobre esse saber.

No domínio epistemológico, o saber sobre Enfermagem no Brasil começou a tomar forma no contexto dos programas de pós-graduação em Enfermagem criados na década de 1970, progredindo seu repertório de conhecimento ao longo das três primeiras gerações de cientistas da Enfermagem, até alcançar sua soberania como área de conhecimento junto ao CNPq e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), respectivamente em 1986 e 2007⁽⁵⁾.

Por sua vez, o 'saber sobre AE' no Brasil apresenta suas raízes na geração de pesquisadoras autodidatas da Enfermagem⁽⁵⁾, a partir da tese de cátedra de Glete de Alcântara, já citada, sobre 'Mercado de Trabalho e Áreas de Atuação'⁽⁶⁾, potencialmente, o recorte inicial para discussão epistemológicas sobre o Administrar em Enfermagem.

A partir de então, outros produtos de pesquisa sobre AE foram surgindo ao longo das demais gerações de cientistas da Enfermagem brasileira, até que se dispusesse de repertório científico capaz de principiar reflexões sobre a epistemologia do conhecimento nessa área.

Considerando os pressupostos da epistemologia de enfermagem, a primeira contribuição sobre epistemologia da AE no Brasil que analisou "padrões de conhecimento criados"⁽¹⁶⁾, está evidenciada nas "linhas de pesquisa e prioridades de enfermagem"⁽¹⁷⁾, com distinção desse saber na linha "Gerenciamento dos Serviços de Saúde e de Enfermagem" que envolve estudos sobre teorias e princípios ideológicos e filosóficos da administração em saúde e enfermagem, bem como o gerenciamento da estrutura, do processo e dos resultados do cuidar em saúde e enfermagem.

A propósito, ao retomar o assunto sobre as "linhas de pesquisa e prioridades de enfermagem" em outro produto de pesquisa⁽¹³⁾, uma epistemóloga da Enfermagem brasileira declarou ter encontrado, no grupo de trabalho sobre linhas de pesquisa, dificuldades quanto ao significado da categoria "Organizacional", na qual está contida a linha sobre "Gerenciamento dos Serviços de Saúde e de Enfermagem", demonstrando complexidade na sintonia dos padrões da AE no plano epistemológico.

Embora o 'saber sobre AE' já tivesse sua distinção dentre os produtos de conhecimento da Enfermagem, a epistemóloga supracitada exortou os pesquisadores sobre a necessidade de submeter as linhas de pesquisa à experimentação, "posto que o propósito não é o alcance da verdade, apenas os resultados confiáveis, e até que se disponha de respostas oriundas do cultivo das linhas de pesquisa"⁽¹⁷⁾.

Em busca dessas "respostas oriundas do cultivo das linhas de pesquisa" e ancorado nas fundamentações sobre construtos epistemológicos da "relação sujeito-objeto" apresentados pela epistemóloga em evidência⁽¹⁷⁾, apreciou-se 34 volumes do "Catálogo de Teses e Dissertações", disponíveis no Centro de Estudos e Pesquisas em Enfermagem (CEPEn) da Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn), que visam identificar "padrões de conhecimento criados"^(6,16).

Esta apreciação sobre a experimentação e cultivo do 'saber sobre AE' por enfermeiros brasileiros no contexto da pós-graduação strictu sensu iluminou reflexões sobre a configuração científica das bases de conhecimento produzidas em pouco mais de meio século (1963-2016) de pesquisas. Revelando, desse modo, evidências sobre as primícias de uma epistemologia de AE capaz de representar, até então, o estado da arte dessa produção e sustentar seus próprios conceitos, conforme demonstrado na perspectiva esquemática da Figura 1.

Figura 1
Perspectiva Epistemologica da Construcao do Saber sobre Administracao em Enfermagem no Brasil, Sao Paulo, 2020s

A representação esquemática da Figura 1 expressa a construção do 'saber sobre AE' no Brasil delineada segundo os pressupostos da epistemologia de AE em três domínios assim configurados: 'Repertório de Conhecimento', 'Apreciação Teórica' e 'Enunciação das Unidades de Conhecimento'⁽¹⁶⁾.

O domínio 'Repertório de Conhecimento' retrata o contexto da primeira distinção epistemológica da AE no Brasil, sendo mediante enunciação do conceito "Gerenciamento dos Serviços de Saúde e de Enfermagem", natureza identitária e diferenças em relação aos outros conceitos da mesma árvore⁽¹⁷⁾. A partir dessa ontologia, a AE brasileira passou dispor de objeto de referência para declarar formulações de pesquisa com a consciência desse conceito na constrição de seu repertório de saber⁽¹⁶⁾.

Já o domínio 'Apreciação Teórica' reapresenta o mecanismo empregado na identificação de fenômenos oriundos do 'saber sobre AE', que deve acontecer em uma relação sujeito-objeto, pois do ponto de vista da pesquisa científica:

o conhecimento surge das tentativas do Sujeito (consciência cognoscente) para definir o Objeto (coisas ou ideias) ou, segundo seus propósitos, para que possa nomear os aspectos objetivos (fatos ou fenômenos) de seu interesse. A natureza do conhecimento depende da relação entre os dois elementos. A função do Sujeito consiste em apreender o Objeto ou, melhor dizer, o que dele resulta. A função do Objeto consiste em ser apreendido pelo Sujeito. Todavia, como é da natureza do conhecimento que os dois elementos permaneçam separados, então, admite-se como pressuposto que, no plano do conhecimento, o Sujeito apreende uma imagem do Objeto. Assim, em sua condição de 'imagem', o material gnoseológico parece como que ocupando uma terceira esfera (a da 'imagem') intermediando as duas já referidas. E sendo que a esfera da 'imagem' propicia uma possível aproximação entre os dois elementos (Sujeito e Objeto), entende-se que o resultado do conhecimento corresponde, efetivamente, a uma verdade aproximada⁽¹³⁾.

Considerando que a epistemologia da AE tem como objeto de exploração o 'saber sobre AE', e que na epistemologia a concepção de verdade se traduz em linguagem e terminologia, o grande desafio da presente reflexão é tornar a imagem desse objeto presente aos sentidos e compreensível à inteligência humana, como se pretendeu fazer com a apresentação do domínio 'Enunciação das Unidades de Conhecimento'. Esse domínio integra a "Estrutura do Conhecimento sobre Administração em Enfermagem" que é composta por três grandes grupos de representação da AE hierarquicamente constituídos, "Bases Ideológicas e Teóricas", "Métodos de Intervenção" e "Práticas de Administração de Recursos". Estes por sua vez, concentram suas respectivas "Unidades de Conhecimento" segundo a pertinência epistemológica identificada nos fenômenos observados.

Do ponto de vista epistemológico as unidades de conhecimento configuram perfil identitário sobre como os fenômenos do Administrar em Enfermagem poderão ser (re)conhecidos ou associados a novos fenômenos, ou ainda ao invés de se configurar como respostas sobre os fenômenos, se configurar como objetos de questionamento sobre a AE.

Contribuições para a área da Enfermagem

Fazendo referência aos pressupostos epistemológicos da Enfermagem - padrões de conhecimento criados e utilizados por seus pares⁽¹⁶⁾ - a representação epistemológica do 'saber sobre AE', apresentada na Figura 1, reflete o universo do conhecimento sobre o Administrar em Enfermagem construído ao longo de mais de meio século de pesquisas, cuja concepção se dava quase sempre de modo reativo ao cenário social vivenciado e, portanto, em sentido coletivo, constituinte das fundações ontológicas e epistemológicas dessa área⁽¹⁰⁾.

Para esse feito, obviamente, a principal contribuição desta reflexão é que, na esfera de imagem, a distinção das unidades de conhecimento do 'saber sobre AE' tenha efeito como base de pensamento para contemplar o Administrar em Enfermagem e, quem sabe, futuramente construir novas evidências epistemológicas que possam direcionar a proposição de teorias sobre os fenômenos do Administrar em Enfermagem.

Limitações do estudo

A escassez de produtividade científica regular, pouco diversificada e concentrada em raros estudiosos, apresenta-se como a variável que pode limitar a apresentação de formulações mais aprofundadas sobre o objeto desta reflexão.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sem dúvida avançamos em atividades de pesquisa com núcleos e grupos de pesquisadores engajados no cultivo de linhas de pesquisa sobre a AE, mas ainda carecemos do apoio de conhecimento mais aprofundado e da eficácia de resultados de pesquisa que se expressem por evidências robustas e por transformações nas práticas de AE.

Certamente a configuração do 'saber sobre AE' produzirá algum efeito, que seja a compreensão e o alcance epistemológico desse saber ou do pensamento crítico sobre o Administrar em Enfermagem, além de constituir objeto de apreciação para futuras reflexões.

Afinal, o objetivo de toda ciência é coordenar as nossas experiências e elevá-las a um sistema lógico e explicável e, certamente, a uma imersão epistemológica no 'saber sobre AE' que apresente uma descrição dos termos do esquema arquétipo desse saber e que pode dizer melhor sobre o que se pensa ser a AE, sob o olhar dos cientistas da enfermagem brasileira.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  30 Set 2020
• Data do Fascículo
  2020

Histórico

• Recebido
  26 Jun 2019
• Aceito
  14 Jun 2020