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Enfermagem e Dados: Empoderando líderes de enfermagem para a ciência de “Big Data”

Enfermeiros e líderes de enfermagem que conduzem análises usando grandes conjuntos de dados com o objetivo de melhorar os resultados populacionais necessitam conhecimento mais abrangente e habilidades aprimoradas em ciência de dados. As competências na informática em enfermagem, não apenas destinadas para enfermeiros da área, mas também para líderes de enfermagem, precisam extrapolar o treinamento formal atual para um modelo fundamentado em competências, incluindo educação e prática. Poucos esforços foram realizados para avançar na compreensão da enfermagem e na multiplicidade de habilidades necessárias para o uso de dados visando aplicações clínicas em cenários do mundo real. Abaixo são apresentados alguns conceitos e iniciativas atuais para abordar, informar e discutir direções futuras sobre a ciência de “Big Data” na enfermagem.

Ciência de “Big Data”

Embora o termo “Big Data” tenha sido usado e seja um conceito bem aceito na área da enfermagem, é necessário ir além deste conceito para as aplicações da ciência de dados. O conceito de “Big Data” foi definido por diversos autores, que descreveram os diversos “Vs” que compõem sua definição. Com o passar dos anos, mais “Vs” foram incorporados; no entanto, os conceitos básicos incluem Volume, Velocidade, Variedade, Veracidade e Valor, cujos detalhes podem ser encontrados na literatura(11 Topaz M, Pruinelli L. Big Data and Nursing: Implications for the Future. Stud Health Technol Inform[Internet]. 2017[cited 2021 May 30];232:165-71. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28106594/
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). Por outro lado, a ciência de dados tem uma definição mais abrangente, incluindo todos os processos em torno do uso do termo “Big Data”. Esta é definida como um “campo com um amplo escopo, abrangendo abordagens para geração, caracterização, gerenciamento, armazenamento, análise, visualização, integração e uso de grandes conjuntos de dados heterogêneos com relevância para a saúde da população”(11 Topaz M, Pruinelli L. Big Data and Nursing: Implications for the Future. Stud Health Technol Inform[Internet]. 2017[cited 2021 May 30];232:165-71. Available from: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/28106594/
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). Melhores práticas para a realização de pesquisas e iniciativas em ciência de dados foram definidas por várias instituições, como o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos (NIH - https://datascience.nih.gov/), National Institute of Nursing Research (NINR)(22 Cashion AK, Grady PA. The National Institutes of Health. National Institutes of Nursing Research intramural research program and the development of the National Institutes of Health Symptom Science Model. Nurs Outlook. 2015;63(4):484-7. https://doi.org/10.1016/j.outlook.2015.03.001
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). Globalmente, a Iniciativa the Dados Européia (EUDAT - https://eudat.eu/european-data-initiative) e as redes de apoio brasileiras GO FAIR Brasil e Portal Brasileiro de Dados Abertos(33 Sales L, Henning P, Veiga V, Costa MM, Sayão LF, Santos LS, et al. GO FAIR Brazil: a challenge for Brazilian Data Science. Data Intelligence. 2020;2(1-2):238-45. https://doi.org/10.1162/dint_a_00046
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) têm o objetivo comum de tornar o uso dos dados possíveis e disponível para todos e o compartilhamento seguro deles. Essas instituições estabeleceram as bases para direções promissoras no desenvolvimento da força de trabalho e nas novas parcerias para o avanço do campo da ciência de dados e seu uso.

Iniciativas da ciência de dados na enfermagem

Várias organizações nos Estados Unidos que se beneficiariam da ciência e da análise de “Big Data” estão buscando iniciativas para melhorar os resultados de saúde, por exemplo a Iniciativa da Medicina Personalizada (PMI - https://www.pmi.gov/), o Modelo de Ciência Baseado em Sintomas (SSM)22 Cashion AK, Grady PA. The National Institutes of Health. National Institutes of Nursing Research intramural research program and the development of the National Institutes of Health Symptom Science Model. Nurs Outlook. 2015;63(4):484-7. https://doi.org/10.1016/j.outlook.2015.03.001
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e a iniciativa Conhecimento de Enfermagem: Ciência de “Big Data” (NKBDS) (z.umn.edu/bigdata). A NKBDS apontou que é necessário “extrair as informações significativas oriundas de “Big Data” para transformar o cuidado em saúde, melhorando os processos de cuidados e operações clínicas, a qualidade da assistência, o custo-benefício, a segurança do paciente e seus resultados”. Sob esta iniciativa, o Grupo de Trabalho da Ciência de Dados e Análise Clínica desenvolveu um roteiro/estrutura para capacitar líderes enfermeiros no uso da Ciência de Dados(44 Pruinelli L, Johnson SG, Fesenmaier B, Winden TJ, Coviak C, Delaney CW. An Applied Healthcare Data Science Roadmap for nursing leaders: a workshop development, conceptualization, and application. Comput Inform Nurs. 2020;38(10):484-9. https://doi.org/10.1097/CIN.0000000000000607
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). Este trabalho é um compromisso contínuo para avançar na compreensão da Ciência de Dados, onde membros de todo o mundo participam de discussões, aprendizagem prática e aplicações do roteiro/estrutura baseado no ciclo de vida dos dados.

O que todas essas iniciativas têm em comum é a adoção de técnicas da ciência de dados para identificar populações que se beneficiariam de intervenções para a busca de melhores resultados em saúde. No entanto, muitos líderes enfermeiros, com ou sem habilidade em informática, e líderes da saúde carecem de um maior entendimento sobre os conceitos e recursos disponíveis para conduzir projetos analíticos em mundo real que teriam o potencial de melhorar as condições e resultados de saúde. Embora já existam algumas iniciativas teóricas focadas em um roteiro da ciência de dados (ou seja, a NKBDS), poucos roteiros/estruturas usam grandes conjuntos de dados. Tampouco, estes estão disponíveis e suficientemente práticos para serem adotados e replicados por líderes de enfermagem que trabalham na prática clínica. Um exemplo é o recém mencionado Roteiro de Aplicação da Ciência de Dados para Líderes de Enfermagem (44 Pruinelli L, Johnson SG, Fesenmaier B, Winden TJ, Coviak C, Delaney CW. An Applied Healthcare Data Science Roadmap for nursing leaders: a workshop development, conceptualization, and application. Comput Inform Nurs. 2020;38(10):484-9. https://doi.org/10.1097/CIN.0000000000000607
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). Essa estrutura (ou roteiro) foi construída com o objetivo de instrumentalizar os enfermeiros no uso de princípios e ferramentas da ciência de dados para orientar a tomada de decisão. Prevê-se que esta estrutura possa ser adotada e utilizada por enfermeiros líderes no processo contínuo de atendimento para abordar questões críticas da saúde e da população.

Educação de Enfermagem em “Ciência de Dados”

Ao desenvolver um currículo da ciência de dados, vários aspectos precisam ser considerados. Há uma falta de recursos educacionais, desde livros a professores treinados, sobre ciência de dados para aplicações clínicas que incorporem uma abordagem holística (ou centrada no paciente) para a saúde. Muitos livros didáticos foram recentemente publicados, mas pecam em abordar todos os aspectos decisivos sobre o ciclo de vida de dados em projetos da ciência de dados em saúde. Como resultado, há uma maior necessidade de docentes com conhecimento e experiência na aplicação de tais metodologias. Com a combinação de livros apropriados e treinamento adicional do corpo docente, seria possível fornecer um currículo abrangente sobre o uso e a aplicação da ciência de dados. No entanto, esses princípios não têm tradicionalmente usado para dados de enfermagem, da família, ou de cuidados contínuos para melhoria de resultados dos pacientes(55 Brennan PF, Bakken S. Nursing needs big data and big data needs nursing. J Nurs Scholarsh. 2015;47(5):477-84. https://doi.org/10.1111/jnu.12159
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-66 Zhu R, Han S, Su Y, Zhang C, Yu Q, Duan Z. The application of big data and the development of nursing science: a discussion paper. Int J Nurs Sci. 2019;6(2):229-34. https://doi.org/10.1016/j.ijnss.2019.03.001
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). Tampouco os enfermeiros têm usado amplamente esses princípios, que dependem fortemente do conhecimento da computação, para implementar estudos e projetos derivados de dados em pesquisa, educação e prática, a fim de melhorar os resultados dos pacientes. Com base na condição atual do campo da ciência de dados em enfermagem, o primeiro passo é desenvolver metodologias para capacitar ainda mais os enfermeiros e líderes de enfermagem no uso desses princípios, visando, em última instância, construir uma comunidade de enfermeiros focada em projetos da ciência de dados que se beneficiem de múltiplos e complexos tipos de dados para melhorar a saúde da população e construir intervenções para cada paciente, individualmente, no cuidado continuado.

Várias universidades desenvolveram currículos focados e servem como exemplos em educação da ciência de dados, incluindo a obrigatoriedade desses cursos, especificamente para alunos de graduação em informática de enfermagem. Recentemente, várias entidades de ensino superior como a Escola de Enfermagem da Universidade de Minnesota, (https://www.nursing.umn.edu/), o programa do Instituto Nacional de Saúde “Big Data” para Conhecimento, (https://commonfund.nih.gov/bd2k), a Universidade de San Diego (https://www.sandiego.edu/nursing/) e a Escola de Enfermagem da Columbia (https://www.nursing.columbia.edu/) atualizaram seu currículo para atender a essa necessidade.

Pesquisa de enfermagem em “Ciência de Dados”

A adoção global de registros eletrônicos de saúde, o uso crescente da ciência de dados e abordagens analíticas avançadas, bem como o surgimento de vários incentivos nacionais e internacionais, estabeleceram o ritmo para a aplicação da descoberta do conhecimento e aprendizado de técnicas empregadas na análise de grandes conjuntos de dados de saúde. Existem poucos estudos que se beneficiam desses dados com o objetivo de personalizar o tratamento de pacientes, utilizando uma ampla variedade de preditores para antecipar, e até mesmo prevenir, o desenvolvimento de certas condições de saúde (77 Schaefer GO, Tai ES, Sun S. Precision Medicine and Big Data: The Application of an Ethics Framework for Big Data in Health and Research. Asian Bioeth Rev. 2019;11(3):275-88. https://doi.org/10.1007/s41649-019-00094-2
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). Entretanto, é necessário ir além da investigação de comorbidades centradas na doença e avançar para uma abordagem holística da saúde focada no paciente.

Isso permitirá que os pesquisadores adotem a ciência de dados para descobrir novas direções para os principais problemas de saúde da população, como a pandemia do COVID-19. A inclusão de outros determinantes de saúde, como ambientais, econômicos, educacionais, geográficos e de qualidade de vida, são alguns exemplos de dados disponíveis e prontos para serem usados na pesquisa em ciência de “Big Data” na enfermagem.

Finalizando, embora muitos avanços tenham sido feitos e as promessas sejam exponenciais para a enfermagem na prestação de cuidados e melhores resultados para os pacientes baseados na ciência de dados, algumas precauções também devem ser consideradas e reconhecidas. O surgimento da Inteligência Artificial (IA) em aplicações de saúde levanta preocupações sobre o uso de tais abordagens “inteligentes” no manejamento do cuidado da saúde. Se desenvolvidas e aplicadas de forma responsável, as tecnologias da IA têm o potencial de apoiar a prática de enfermagem baseada em evidências por meio do fornecimento de percepções cognitivas e suporte à decisão clínica na particularidade do cuidado. O objetivo final possibilitaria construir ferramentas para a prestação de cuidados habilitadas para IA promovendo a compreensão das condições do paciente e melhoraria da tomada de decisão clínica (88 Nyrup R, Ronquillo C, Bakken S, Beduschi A, Cato K, Chu C, et al. Artificial intelligence in nursing: priorities and opportunities from an international invitational think-tank of the Nursing and Artificial Intelligence Leadership Collaborative. J Adv Nurs. 2021. https://doi.org/10.17863/CAM.66238
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). Mas isso só será possível quando pesquisadores e desenvolvedores de IA adotarem uma abordagem de IA responsável e trabalharem em conjunto com prestadores de cuidados. O aprendizado de máquina, especialmente técnicas e métodos de aprendizagem profunda, do inglês “deep-learning”, é capaz de modelar (e aprender evolutivamente) a complexidade multifacetada das condições que os pacientes apresentam ao longo do tempo. Entretanto, modelos da IA precisam ser construídos de forma segura, ética e centrada no ser humano. Com isso, esses modelos também poderiam ser aplicados para examinar as complexas relações temporais oriundas de condições de saúde e como elas influenciam a progressão dela, para então, servir com uma ferramenta auxiliar na prestação de cuidados. No entanto, a tecnologia habilitada para IA precisa ser justa no sentido de que deve ser imparcial, e inclusive, diminuir as diferenças oriundas da disparidade de saúde já existentes entre pacientes, atendimento e resultados.

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2021
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