Modelo multinível na identificação de fatores de risco comportamentais e estruturais ao HIV: revisão integrativa

RESUMO

Objetivos:

investigar estudos que adotaram o modelo de análise multinível na identificação de fatores de risco comportamentais e estruturais, que estão associados a infecção pelo HIV.

Métodos:

revisão integrativa da literatura com estudos disponíveis na íntegra, obtidos nas bases EMBASE, CINAHL, Pubmed e Scopus, cujos descritores selecionados foram os termos constantes: “HIV”, “multilevel analysis”, “behavior”.

Resultados:

a pesquisa resultou em 236 artigos. Destes, dez artigos compuseram a amostra. Desvantagem econômica, características de vizinhança, instabilidade habitacional, encarceramento, sexo transacional, múltiplos parceiros, abuso de substâncias e idade da primeira relação sexual foram classificados como fatores de risco estruturais e comportamentais ao HIV. Redução da desvantagem socioeconômica, fornecimento de estabilidade habitacional e uso de preservativos foram associados a fatores de proteção à exposição ao HIV.

Conclusões:

com a aplicabilidade do modelo multinível nos estudos de investigação de fatores de risco, foi possível identificar os elementos estruturais e comportamentais de risco ao HIV.

Descritores:
HIV; Análise Multinível; Comportamento; Risco; Modelos Estruturais.

ABSTRACT

Objectives:

to investigate studies that adopted the multilevel analysis model to identify behavioral and structural risk factors associated with HIV infection.

Methods:

an integrative review of the literature with studies available in full, obtained from EMBASE, CINAHL, Pubmed, and Scopus, whose selected descriptors were the indexed terms: “HIV”, “multilevel analysis” and “behavior”.

Results:

the search resulted in 236 studies. Out of these, ten studies comprised the sample. Economic disadvantage, neighborhood characteristics, housing instability, incarceration, transactional sex, multiple partners, substance abuse, and age at first intercourse were classified as structural and behavioral risk factors for HIV. Reduced socioeconomic disadvantage, provision of housing stability, and condom use were associated with protective factors for HIV exposure.

Conclusions:

by applying the multilevel model in risk factor research studies, it was possible to identify the structural and behavioral elements of HIV risk.

Descriptors:
HIV; Multilevel Analysis; Behavior; Risk; Models Structural.

RESUMEN

Objetivos:

investigar estudios que adoptaron el modelo del análisis multinivel para identificar los factores de riesgo comportamentales y estructurales asociados al VIH.

Método:

es una revisión bibliográfica integradora con estudios disponibles en su totalidad, obtenidos de las bases de datos EMBASE, CINAHL, Pubmed y Scopus, cuyos descriptores fueron los términos: “HIV”, “multilevel analysis”, “behavior”.

Resultados:

diez artículos, de los 236 encontrados, formaron parte de la muestra. Desventajas económicas, características del vecindario, inestabilidad habitacional, encarcelamiento, sexo transaccional, parejas múltiples, abuso de sustancias y edad de la primera relación sexual se destacaron como factores de riesgo estructurales y comportamentales del VIH. La reducción de desventajas socioeconómicas, la provisión de estabilidad habitacional y el uso de preservativos están asociados a la protección contra el VIH.

Conclusiones:

al aplicar el modelo multinivel en los estudios de investigación de los factores de riesgo, fue posible identificar los elementos estructurales y comportamentales del riesgo del VIH.

Descriptores:
VIH; Análisis Multinivel; Comportamiento; Riesgo; Modelos Estructurales.

INTRODUÇÃO

Em 2020, 37,7 milhões de pessoas viviam com o Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV) em todo o mundo. Destes, 36 milhões eram adultos e 1,7 milhões eram crianças (0-14 anos). Ainda que se observe o declínio de 31% na taxa de incidência nos últimos dez anos, 1,5 milhão de pessoas contraíram o vírus no último ano(¹).

Especificamente no Brasil, entre 2007 e junho de 2020, foram notificados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) 237.551 novos casos, sendo 69,4% em homens e 30,6% em mulheres. No tocante às faixas etárias, observou-se maior distribuição de infecções pelo HIV entre 20 a 34 anos (52,7%). Quanto aos dados da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Aids), em 2019, os adultos jovens de 20 a 29 anos foram a população mais atingida(²).

O cenário epidemiológico ainda reflete as disparidades que encontram subjacentes à infecção pelo HIV. Fatores que abordam o nível contextual, estrutural e comportamental, bem como elementos que elucidam e fortaleçam o entendimento de bases de desfecho ao HIV, necessitam ser examinados(³).

Comportamentos e fatores estruturais podem ser associados a condição institucional em que o indivíduo é socialmente organizado. Tendo em vista que não são somente determinados por instintos, o envolvimento em comportamentos sexuais de alto risco pode ser determinado pelas características da comunidade em que o indivíduo é inserido(⁴).

A complexidade que envolve o entendimento dos determinantes do comportamento sexual de risco para a infecção pelo HIV são exemplificáveis por envolver níveis multifatoriais, complexos e cruzados, que em sua maioria são carregados de experiências individuais e sociais múltiplas. O estudo de coorte realizado na África do Sul forneceu evidências quanto a probabilidade de infecção pelo HIV estar relacionada aos fatores de gênero, comportamental, social, comunicação e prevalência de HIV no território(⁴-⁵).

No contexto atual de ações de prevenção e controle ao HIV, percebem-se mecanismos enfáticos ao eixo comportamental do indivíduo, gerando intervenções pontuais e com pouca focalização nos aspectos de cunho estrutural. Deve-se considerar os fatores associados a mudanças substanciais no âmbito familiar, comunidade, sociedade e políticas públicas para que os esforços de prevenção e controle do HIV sejam efetivos(⁶-⁷). Estudo aponta que a prevalência elevada ao HIV está relacionada a dificuldade ao acesso dos serviços, limitações nas ações de prevenção e fragilidade em suporte estrutural dos indivíduos e da comunidade(⁸).

O conhecimento coordenado de múltiplos níveis comportamentais e estruturais são essenciais na elaboração de intervenções efetivas para redução dos avanços da epidemia do HIV(⁴-⁵,⁹). Modelos multiníveis são caracterizados pela produção de resultados com efeitos significativos em cada nível de estudo, com elaboração de fundamentamos específicos para melhor planejamento das intervenções, além de fornecer subsídios no tocante a evidências que expliquem a necessidade de levar em conta o contexto ou cenário social em que os fenômenos acontecem(⁴,¹⁰-¹¹).

A associação de indivíduos na mesma comunidade ou país, bem como os efeitos de atributos individuais e características de contexto social, são possíveis com a aplicabilidade do modelo, além do desenvolvimento coordenado de abordagens, portanto, não são características de um único campo do conhecimento(¹⁰-¹¹). Nesse contexto, o estudo da articulação de níveis que levam em consideração os preceitos associados à estrutura e ao comportamento predispostos a infecção pelo HIV se faz necessário para as abordagens multifatoriais de enfretamento a epidemia desta doença. Dessa forma, associar o contexto social do indivíduo com tais pontuações ecológicas reflete em melhor compreensão dos fatores associados ao HIV(⁴,¹²).

Com ressalva para as tendências epidemiológicas apresentadas, observa-se que níveis bem estabelecidos de risco podem quantificar os efeitos das abordagens atuais implementadas nos serviços de saúde, com conhecimento de novas abordagens e fatores de modelagem que são associados a compreensão mais ampla dos mecanismos que impactam na transmissão do HIV(³,⁷,¹²).

OBJETIVOS

Investigar estudos que adotaram o modelo de análise multinível na identificação de fatores de risco comportamentais e estruturais associados a infecção pelo HIV.

MÉTODOS

Trata-se de uma Revisão Integrativa da Literatura (RIL), cuja utilização aponta para as melhores evidências sobre a intervenção analisada, caracterizando-se como um método científico que permite a instrumentalização de seus achados de forma pragmática e baseada em evidência(¹³). Para sua operacionalização foram cumpridas as seguintes etapas: identificação do tema e seleção da questão de pesquisa para a elaboração da revisão integrativa; seleção das bases de dados; especificação de critérios de inclusão e exclusão de artigos (seleção da amostra); definição das informações a serem extraídas dos artigos selecionados (categorização dos estudos); avaliação dos estudos incluídos na revisão integrativa (análise dos resultados); interpretação dos resultados; apresentação da revisão (síntese do conhecimento)(¹⁴-¹⁵).

A questão de pesquisa foi estruturada a partir do protocolo de estratégia PICOS, que representa um acrômio: Participantes, Intervenção, Comparação, Outcome (desfecho) e Study design (tipo do estudo), considerando-se: P - jovens e adultos; I - análise multinível; C - comportamental e estrutural; O - HIV; S - metanálise de múltiplos estudos controlados; individual com delineamento experimental ou quase-experimental; séries temporais ou caso-controle; pesquisa descritiva correlacional(¹⁴-¹⁵). Dessa forma, a seguinte questão foi formulada: a utilização do modelo de análise multinível possibilita a identificação de fatores de risco comportamentais e estruturais para infecção pelo HIV?

A pesquisa eletrônica foi realizada nas bases de dados durante os meses de maio e junho de 2021, através dos portais: EMBASE, Cumulative Index to Nursing and Allied Health Literature (CINAHL), National Library of Medicine and National Institutes of health (PubMed) e Scopus. Para assegurar as etapas criteriosas de busca, os descritores selecionados foram os termos constantes no Acrônimo de Medical Subject Headings (MeSH): “HIV”, “multilevel analysis” e “behavior”. Para combinar blocos da pesquisa e/ou conceitos distintos, o operador AND foi utilizado(¹⁶). O processo de busca da revisão seguiu as recomendações do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analysis (PRISMA)(¹⁷), conforme Figura 1.

Figura 1
Fluxograma PRISMA com descrição de busca e seleção dos artigos no presente estudo adaptado(¹⁷)

Foram observados os seguintes critérios de inclusão para seleção de amostra: artigos publicados em português, inglês e espanhol; completos e disponíveis na íntegra; com intervenções associadas ao objeto de estudo e tipos de estudos descritos na etapa “study design” da estratégia PICOS; publicados no período compreendido entre janeiro de 2010 e dezembro de 2020. Ressalta-se que o período foi selecionado devido disponibilidade de publicações sobre a questão da pesquisa(¹⁴-¹⁵,¹⁷).

Foram excluídas dissertações/teses, editoriais, opinião de especialistas, cartas ao editor, estudos de caso e nível, relatório de casos ou dado obtido, opinião de autoridades respeitáveis baseada na competência clínica ou opinião de comitês de especialistas, incluindo interpretações de informações não baseadas em pesquisas e artigos em outras línguas.

Na triagem inicial de resumos, títulos e remoção de estudos duplicados foi utilizada a ferramenta Rayyan, a qual auxilia na automação da revisão, mantendo a ocultação entre os revisores, incorporando alto nível de usabilidade(¹⁸). Já o software EndNote foi utilizado para gestão de referências(¹⁶). Objetivando garantir transparência, clareza e rastreabilidade do processo de seleção e, consequentemente, evitar vieses de seleção, três pesquisadores atuaram de forma independente, sendo assim, foram avaliadas as evidências para cada eixo da estratégia PICOS, associados a cada recomendação possível, chegando a um consenso sobre as seleções. Desacordos e conflitos foram resolvidos por intermédio de seleções contínuas e através de revisão das recomendações para fornecer precisão/qualificação incluídas na questão de pesquisa original(¹⁶,¹⁸-¹⁹).

A pesquisa resultou em 236 artigos, dos quais 105 foram excluídos por apresentarem duplicações. Então, seguiu para a leitura seletiva dos títulos e resumos, que resultaram em 131 artigos. Destes, 97 estudos foram excluídos por não responderem a estratégia PICOS e, por fim, 34 artigos foram selecionados. Na última fase, os 34 estudos pré-selecionados foram lidos na íntegra, elencando os achados das pesquisas com a avaliação do conteúdo e sua relevância na contribuição na etapa Outcome (desfecho) para compreensão do fenômeno estudado, resultando na inclusão de 10 artigos provenientes das bases: EMBASE (seis), PubMed (dois) e CINAHL (dois)(¹⁵).

Após leitura dos artigos incluídos, para análise dos resultados elaborou-se um instrumento de coleta de dados contendo as seguintes variáveis: título do artigo, autores, local e ano do estudo, periódico, objetivos, tipo de estudo, faixa etária da população estudada, delineamento da pesquisa, elementos do modelo multinível e resultados/desfechos(¹⁴,¹⁶).

Para categorização e apresentação dos dados, os resultados foram apresentados descritivamente por meio de um quadro-síntese, com o propósito de destacar informações relevantes dos estudos selecionados e do modelo multinível associado com a infecção pelo HIV. Os fatores de risco evidenciados nos textos selecionados foram agrupados na categoria “fatores de risco ao HIV” (Quadro 1).

Quadro 1
Quadro-síntese com distribuição dos estudos selecionados, conforme título, ano, país, delineamento, faixa etária, modelo multinível e fatores de risco ao HIV, 2010-2020

Título/nº do estudo	Ano/país	Delineamento/população	Elementos modelo multinível	Fatores de risco ao HIV
A multilevel analysis of the determinants of high-risk sexual behaviour in Sub-Saharan Africa (E1) (4)	2012 África Subsaariana	Estudo transversal (n=144.983); com mulheres de 15 a 49 anos e homens de 15 a 54/59 anos	Fatores relacionados de nível micro e macro sobre envolvimento em comportamentos sexuais de alto risco a exposição sexual	Envolvimento com múltiplos parceiros sexuais; início precoce de atividade sexual; exposição a mídia
A qualitative study of young men who have sex with men and multilevel factors related to hiv risks in Malaysia (E2) (21)	2018 Malásia	Estudo qualitativo (n=24); com jovens entre 18-25 anos	Explorado os domínios de múltiplos níveis: percepção e aceitação pela família, amigos e a sociedade como homens que fazem sexo com homens; papel de gênero; relacionamentos; uso de preservativo; HIV e teste HIV	Falta de educação sexual adequada em escolas; dificuldade em comprar preservativos; falta de testes de fácil acesso e sigilo em clínicas de testagem; incapacidade em conciliar sexualidade com origens culturais e religiosas; homofobia social
A Multilevel Analysis of Neighborhood Socioeconomic Disadvantage and Transactional Sex with Casual Partners Among Young Men Who Have Sex with Men Living in Metro Detroit(E3) (22)	2016 EUA	Estudo transversal (n= 319), com jovens de 18 a 29 anos	Nível 1: sexo transacional com parceiro casual; teste e status de HIV; uso de substâncias; características demográficas. Nível 2: desvantagem econômica do bairro e vizinhança	Jovens vivendo em grande desvantagem socioeconômica; envolvimento em transsexo ativo com parceiros casuais; vizinhança socioeconômica está associada a comportamentos de risco ao HIV
Relationships between neighbourhood characteristics and current STI status among HIV-infected and HIV-uninfected women living in the Southern USA: a cross-sectional multilevel analysis (E4) (23)	2017 EUA	Estudo de coorte (n=737) com mulheres entre 25 e 60 anos	Associações entre as características da vizinhança; associações através da análise do Socioecológico; Estrutura e análise multinível controlado	Nível de área com maior desordem social (maior crime violento, moradias vagas, pobreza, prevalência de IST); nível de área em desvantagem social (mais pontos de venda de álcool, moradias ocupadas por locatários)
Social disequilibrium and the risk of HIV acquisition: a multilevel study in Rural KwaZulu-Natal Province, South Africa (E5) (5)	2017 África do Sul	Estudo de Coorte (n= 17.376), com homens de 15 a 54 anos e mulheres de 15 a 49 anos	Modelos de sobrevivência multinível para examinar os determinantes sociais, prevalência do HIV e determinantes individuais	Pontos de acesso com maior intensidade de migração de bairros, entre os homens; nas mulheres, intensidade superior de migração de vizinhança, jovens, início sexual, contracepção, circuncisão e determinantes sociais; características da vizinhança são atribuíveis ao risco de HIV
Spatial patterns and associated factors of HIV Seropositivity among adults in Ethiopia from EDHS 2016: a spatial and multilevel Analysis (E6) (24)	2020 Etiópia	Estudo transversal (n= 25.774) com adultos de 15 a 59 anos	Análise de heterogeneidade espacial, e logística multinível, para identificar fatores associados ao HIV	Local de residência foi associado com soropositividade para o HIV; idade elevada; sexo individual; indivíduos expostos a altos níveis de exposição na mídia; residência urbana; menor tamanho da família
Sex ratio, poverty, and concurrent partnerships among men and women in the United States: a multilevel analysis (E7) (25)	2013 Estados Unidos	Estudo transversal (n= 12.571) jovens e adultos entre 15 à 44 anos	Análise de simultaneidade nos últimos 12 meses, em relação à proporção de sexo do Condado (entre os participantes raciais e étnicos do grupo); porcentagem na pobreza (entre o grupo racial e étnico do entrevistado); taxa de crimes violentos	Idade da primeira relação sexual e abuso de substâncias foram associados à simultaneidade; padrões de rede sexual, como parcerias simultâneas são determinantes críticos da propagação do HIV na população; homens negros com uma proporção sexual baixa e altas taxas de encarceramento tinham mais probabilidade de ter vários parceiros
Structural Efects on HIV Risk Among Youth: A Multi‑level Analysis (E8) (26)	2018 Colômbia	Estudo Transversal (n= 1.793) com jovens de 12 a 24 anos.	Confirmar associações entre: status HIV; desvantagem da comunidade concentrada; estigma estrutural de HIV, estigma estrutural sexual e de minoria de gênero; apoio comunitário aos jovens; estruturas de oportunidades de vizinhança; estigma de HIV antecipado; relações sexuais de risco para o HIV	Desvantagem da comunidade concentrada; residir em um estado com falhas em conferir proteções legais a práticas sexuais; as minorias de gênero na participação de jovens em atividades pró-sociais
The relationship between economic deprivation, housing instability and transactional sex among women in North Carolina (HPTN 064) (E9) (27)	2019 Estados Unidos	Estudo de coorte (n= 2.099) com mulheres entre 18 e 44 anos	Relação entre área e medidas de nível individual e sexo transacional; a relação entre sexo transacional como uma exposição e características relacionadas ao risco de HIV	O aumento do sexo transacional foi associado à insegurança alimentar, instabilidade habitacional, abuso de substâncias e encarceramento do parceiro; parceiro em encarceramento foi associado ao risco para HIV
A multilevel analysis of the determinants and cross-national variations of HIV seropositivity in sub-Saharan Africa: Evidence from the DHS (E10) (10)	2011 África Subsaariana	Estudo transversal (n= 174.592), com jovens e adultos entre 15 e 44 anos	Aplicado modelos de regressão logística multinível para explorar individual, regional, contextual e países, são níveis de fatores associados ao risco de soropositividade para o HIV	Fatores socioeconômicos ligados ao sexo transacional e vulnerabilidade; mulheres com 30 anos; ensino fundamental; baixa exposição à mídia; famílias chefiadas por mulheres

Nos artigos selecionados, os apontamentos dos elementos essenciais para a representação dos fatores comportamentais e estruturais associados ao risco de infecção pelo HIV foram apresentados por meio do agrupamento dos estudos em duas categorias: fatores de risco estruturais e comportamentais; fatores de proteção estruturais e comportamentais(²⁰). Optou-se pela inclusão dos achados associados a menor exposição ao HIV, para melhor representação dos resultados/desfechos (Quadro 2 e 3). Essas categorias foram produzidas a partir da síntese de cada estudo incluído na revisão integrativa(¹³-¹⁴,²⁰).

Quadro 2
Fatores de risco ao HIV apontados nos estudos da categoria fatores de risco estruturais e comportamentais.

Fatores de risco estruturais	Fatores de risco comportamentais
Desvantagem socioeconômica(10,22) e Desordem social(23,26)	Sexo transacional(10,22,27)
Características de vizinhança(5,22-23)	Múltiplos parceiros(5,25)
Exposição a mídia(4,24)	Abuso de substância(23,25)
Falta de educação sexual(21), dificuldade em comprar preservativos(21)	Acessibilidade a preservativos(21)
Falta de testes(21)	Idade da primeira relação sexual(23,25)
Migração(5)	Circuncisão(5)
Instabilidade habitacional(24,27)	Sexo individual(24)
Encarceramento(25,27)	Falta de proteções legais a práticas sexuais(26)

Quadro 3
Fatores de proteção a exposição ao HIV apontados nos estudos da categoria fatores de proteção estruturais e comportamentais

Fatores de proteção estruturais	Fatores de proteção comportamentais
Acessibilidade a testes voluntários(4,21)	Uso de preservativos(2,26)
Financiamento de Órgãos não-governamentais(21)	Autonomia individual e atitudes as práticas sexuais(4)
Reduzir desvantagem socioeconômica e fornecer estabilidade habitacional(22,27)	Opções alternativas ao sexo transacional(22)
Explorar bairros vulneráveis(23)	Temporalidade nas relações(23)
Explorar mecanismos entre conexões sociais e aquisição do HIV(5)	Maior uso de recursos da saúde(26)
Apoio da comunidade, engajamento em atividades comunitárias(26)	Intervenções comportamentais(25)

RESULTADOS

A partir da análise dos textos selecionados, o Quadro 1 apresenta os resultados referentes ao título, ano, país, delineamento, faixa etária estudada, elementos utilizados para aplicação do modelo multinível e fatores de risco ao HIV. No que se refere ao ano de publicação dos estudos, dois artigos foram publicados em 2018 e dois em 2017. Ademais, observou-se um estudo a cada ano, distribuídos nos anos de 2011, 2012, 2013, 2016, 2019 e 2020.

Os periódicos estrangeiros concentraram 100% das publicações, destacando-se a Revista Aids and behavior, editora de dois artigos. Os demais periódicos - Journal of Biosocial Science, Behavioral Medicine, STI Online First, J Acquir Immune Defic Syndr, BMC Infectious Diseases, Annals of Epidemiology, Health & Place - publicaram um artigo. Quanto aos aspectos metodológicos, dez estudos utilizaram a abordagem quantitativa e um empregou a abordagem qualitativa. Dentre os estudos quantitativos, seis utilizaram o delineamento transversal e três o desenho de coorte.

Dentre as localidades onde as investigações foram realizadas, destacou-se o Estados Unidos da América (EUA) com quatro publicações, seguido pela região da África Subsaariana (duas) e uma publicação referente aos países da Malásia, África do Sul, Etiópia e Colômbia. Posto isso, observa-se que tanto os países desenvolvidos, em desenvolvimento e subdesenvolvidos estão se apropriando do conhecimento de fatores multifatoriais que interferem direta e indiretamente, como fatores de proteção ou de risco na transmissão do HIV, o que tende a favorecer a elaboração de políticas públicas mais tangíveis com a realidade e com as necessidades locais.

Fatores de risco estruturais e comportamentais

Nesta categoria foram descritos os principais fatores de risco associados a infecção ao HIV, categorizados segundo elementos estruturais e comportamentais do indivíduo(²⁰). Quanto aos elementos estruturais: desvantagem econômica(¹⁰,²²), desordem social(²³,²⁶), características de vizinhança(⁵,²²-²³), instabilidade habitacional(²⁴,²⁷) e encarceramento(²⁵,²⁷) representaram maior distribuição nas sínteses dos estudos incluídos. Frente aos fatores comportamentais, os estudos apontaram como fatores de risco: sexo transacional(¹⁰,²²,²⁷), múltiplos parceiros(⁵,²⁵), abuso de substâncias(²³,²⁵) e idade da primeira relação sexual(²³,²⁵). Foram utilizados os 10 estudos: E1, E2, E3, E4, E5, E6, E7, E8, E9 e E10, conforme representado no Quadro 2.

Fatores de proteção estruturais e comportamentais

Nesta categoria foram descritos os principais fatores de proteção de exposição ao HIV, segundo elementos estruturais e comportamentais do indivíduo(²⁰). Conforme síntese dos estudos selecionados: acessibilidade a testes voluntários(⁴,²¹), redução da desvantagem socioeconômica e fornecimento de estabilidade habitacional(²²,²⁷) foram os achados mais frequentes associados aos elementos estruturais. Quanto aos elementos comportamentais: o uso de preservativos(²,²⁶) foi descrito nos estudos como principal fator de proteção ao HIV. Foram utilizados oito estudos: E1, E2, E3, E4, E5, E7, E8 e E9, conforme representado no Quadro 3.

DISCUSSÃO

Os estudos selecionados apontam o crescimento, nos últimos dez anos, de pesquisas com ênfase em fatores de risco na população jovem. Dados corroboram que jovens ainda apresentam riscos inerentes a exposição ao HIV, quanto à fatores de vulnerabilidade social, econômica e comportamentos de riscos. Observa-se escassez em estudos nacionais, ressaltando fragilidade em conhecimento de práticas e atitudes, bem como contexto estrutural associado a infecção pelo HIV no Brasil, realizados a luz da análise multinível(¹,¹⁹).

Ressalta-se que circunstâncias socioestruturais são frequentemente associadas a comportamentos de risco e propagação epidêmica(²⁸). Os estudos agrupados na categoria fatores de risco estruturais e comportamentais sinalizam desordens e desvantagens socioeconômicas como fatores estruturais presentes na associação de risco. Estudo observacional realizado na Colômbia evidenciou associações significativas entre a prevalências de HIV (n=2283) por autorrelato relacionadas a infraestrutura sanitária, qualidade em habitações, educação e acesso aos serviços de saúde, também foram destacados maior presença de infecção em jovens e, especialmente, em homens com idade produtiva(²⁹).

Na região Sul do Brasil, outra pesquisa identificou aumento da incidência de HIV em populações pobres, nas quais há elevada frequência de famílias monoparentais chefiadas por mulheres, com desvantagens socioeconômicas e estruturais que apontam a pobreza e gênero como fatores associados a feminização do HIV(³⁰).

Outro aspecto relevante ao desfecho do estudo foi relacionado às características de vizinhança. Investigação realizada em 20 países da África Subsaariana mostra que pelo fato de jovens se apresentarem menos geograficamente móveis em comparação aos adultos, com permanência mais evidente em suas proximidades habitacionais, e geralmente em mesma rede social de convívio, isso os tornam excepcionalmente vulneráveis às relações sociais e comportamentais, acarretando influências orais de risco transmitidas pela comunidade(⁴).

No tocante as influências, observa-se a relação da exposição à mídia como fator de risco nas categorias. O estudo de investigação de práticas e comportamentos de risco na região Sul do Brasil pontuou a influência das mídias sociais e seu impacto na sexualidade como consequente maior proporção de utilização das mesmas para encontros sexuais desprotegidos(³¹). Distintamente, outro estudo apontou que, em dez cidades brasileiras, no tocante a percepção de riscos e a facilidade de transmissão de HIV, as informações providas por meio da mídia, de familiares e de Organizações não-governamentais (ONGs) obtiveram impacto na proteção de risco sexual(³²).

Ademais, no contexto de disparidades sociais, o processo de migração pode ser associado. Uma análise teórico-conceitual sobre fluxos migratórios evidenciou que o acesso à serviços de saúde, bem como a desvantagem e a exclusão social são relacionados como preditores ao seguimento migratório e à maior exposição de risco. Os resultados dessas correlações são associados à vulnerabilidade ao HIV(²⁸).

Associações com encarceramento corroboram com estudo na região Centro-oeste do Brasil, que investigou a base populacional de presidiários, na qual foi observado desfecho de HIV com histórico de encarceramento anterior, sendo mais evidente no sexo masculino(³³). Semelhante a dados pontuados na região Nordeste do mesmo país, onde indivíduos soropositivos em encarceramento eram predominantemente solteiros, separados, viúvos, com idade média de 31,3 anos e Afro-americanos(³⁴). Pesquisas abordam o encarceramento como condição desfavorável de vulnerabilidade social, com evidências de aumento na incidência nas prisões do Oriente Médio, no Norte da África e associações de situação semelhante no Pacífico e Ásia(³⁵-³⁶).

No que se refere a fatores comportamentais, estudo de coorte conduzido na região Norte da Uganda evidenciou que o sexo transacional esteve associado ao maior risco de infecção pelo HIV(³⁷).

Frente a exposição de risco, múltiplas parcerias são fatores que apresentam maior associação a transmissões sexuais elevadas. A pesquisa internacional realizada com mulheres verificou que o risco de contrair HIV pode ser maior em uma parceria que envolve a simultaneidade(³⁸), corroborando o dado de estudo nacional realizado com jovens, que mostrou significância estatística em relação ao comportamento de risco comparando sexo e número de parceiros(³⁹).

O abuso de substâncias foi apontado em análise de proporção de risco com meninas afro-americanas utilizando modelo multivariado, no qual o grupo com maior exposição foi associado a maior probabilidade de múltiplas parcerias, como: elevado uso de álcool e outras drogas, baixa frequência no uso de preservativos e história de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST’s), isso quando comparado a grupos classificados como menor risco(⁴⁰).

A idade da primeira relação sexual foi destacada como fator de risco à infecção pelo HIV, em pesquisa conduzida na região Sudeste do Brasil, que investigou a percepção de jovens no tocante a práticas sexuais(⁴¹), bem como em outra pesquisa brasileira, que associou o HIV à idade média de 13,6 anos no caso de meninos e 14,6 anos no caso de meninas(⁴²). No que concerne o comportamento de risco e preditores, outra investigação demonstrou que pessoas que iniciaram a vida sexual precocemente tiveram maior probabilidade de não usar preservativo na última relação(⁴³).

Na categoria fatores de proteção estruturais e comportamentais foram ressaltadas as práticas, atitudes, hábitos e rotinas associados a menor exposição ao HIV(¹²). Observou-se que a acessibilidade a testes voluntários como fator protetor ao HIV e o acesso universal a triagem sorológica incluindo HIV são componentes associados a prevenção e redução na cadeia de transmissão. Dados de estudo Europeu com oferta de testes em serviços de urgência associou a menor propensão de aceitabilidade de testes com jovens que se percebiam com risco reduzido de contrair HIV ou que tivessem sido testados anteriormente(⁴⁴).

A redução de desvantagem socioeconômica e habitação estável correlatam com estudo no qual as restrições econômicas são relacionadas à limitação de busca por cuidados clínicos de HIV, portanto, trata-se de preditor de proteção o apoio e o acesso ao desenvolvimento de meios de subsistência para o fortalecimento econômico(⁴⁵). As condições socioeconômicas desfavoráveis podem ser influenciadas por um desnível de conhecimento sobre HIV e aids, acometendo principalmente pessoas com menor nível de educação e classe social(³²). Estudo de adesão a Profilaxia Pré-exposição (PrEP) reafirmam que ser transexual, jovem e ter menor nível socioeconômico aumentaram as chances de baixa adesão profilaxia(⁴⁶).

Ressalta-se que a habitação estável pode ser uma estratégia eficaz em âmbito internacional para reduzir os comportamentos de risco associados ao HIV, a garantia de moradia habitacional e fixa permeia sobre os preceitos de fornecer adequação com impacto não apenas em prevenção, mas também em diminuição da morbidade por HIV, aids e várias outras doenças crônicas(⁴⁷).

Estudo Brasileiro de base populacional enfatiza as desigualdades socioeconômicas e culturais, bem como o racismo institucional associado à alta vulnerabilidade ao HIV em mulheres negras, visto que o comportamento mais seguro está associado à distribuição de recursos econômicos, culturais e pressões sociais, as quais ainda permanecem com redistribuição inadequada e incoerente conforme avaliação desigual de gênero, dentre outros fatores(⁴⁸).

Vale ressaltar que o apoio comunitário como rede de atenção vinculado com os serviços de saúde e as instituições comunitárias permite o acesso às estratégias de cuidado. Neste contexto, evidências associam que as intervenções estruturais necessitam de participação e de mobilização comunitária(⁴⁹).

A adesão ao uso do preservativo como intervenção comportamental ainda perpassa por desafios diários para obtenção de maiores impactos nos seguimentos populacionais(¹,⁴⁹). Observou-se, em estudo conduzido em região Nordeste do Brasil, que a não adesão ao preservativo envolve dimensões emocionais, afetivas e sociais como a confiança no parceiro e na negociação do uso, com evidências de dispensar utilização nas relações sexuais com parceiros fixos(⁵⁰).

Atitudes frente a negociação do uso do preservativo também são associados a autonomia frente às relações sexuais, representando fator associado à menor exposição de risco frente ao HIV. Corroborando com estudos nos quais o número de parceiros é associado frequentemente ao comportamento sexual de risco. Todavia, pesquisas mostram que manter relações sexuais seguras é mais importante do que a associação com número de parcerias sexuais(³⁹,⁵⁰).

Padrões sexuais são associados a menor exposição, como corrobora a pesquisa realizada com jovens que constatou que comportamentos sexuais têm tendência a um padrão quando associado ao uso de preservativo na primeira e na última relação sexual. Logo, 71,4% dos jovens entrevistados que referiram utilizar preservativo na primeira relação sexual, ratificaram utilização na última relação sexual(³⁹).

Outros fatores apontados no estudo devem ser enfatizados pelos serviços de saúde para desenvolvimento de abordagens específicas e para melhor percepção do indivíduo quanto a exposição de risco. Observa-se que o modelo multinível trouxe a representação de aspectos comportamentais e estruturais que são importantes para compreensão da diversidade de necessidades e de demandas que devem ser traduzidas em intervenções de cunho comportamental e estrutural na redução de risco ao HIV.

Limitações do Estudo

Destaca-se a escassez de estudos na literatura nacional que envolvam o modelo multinível na identificação de elementos estruturais e comportamentais para elegibilidade da amostra, o que limitou a discussão dos dados na comparação dos achados em jovens e adultos brasileiros.

Contribuições para a Área

O efeito do conhecimento de fatores de riscos pelos profissionais de Enfermagem e de Saúde poderá levar a melhor aplicabilidade de estratégias, com ênfase em medidas comportamentais e estruturais. A criação de propostas mediante aos fatores de proteção e aos fatores de risco ao HIV podem estimular abordagens específicas, fornecendo suporte e fomentando a percepção de exposição de risco ao HIV.

O estudo ainda pode contribuir na realização de pesquisas no Brasil, com enfoque em modelo multiníveis, para melhor representatividade da amostra e, consequentemente, resultados aplicáveis conforme contexto de risco comportamental e/ou estrutural inerentes ao indivíduo.

CONCLUSÕES

A aplicabilidade do modelo multinível nos estudos de investigação de fatores de risco permitiu identificar os elementos estruturais e comportamentais associados à infecção pelo HIV. Desvantagem econômica, características de vizinhança, encarceramento e instabilidade habitacional foram classificados como fatores de risco estruturais. Sexo transacional, múltiplos parceiros, abuso de substâncias e idade da primeira relação sexual foram considerados como fatores de risco comportamentais ao HIV. Redução da desvantagem socioeconômica, fornecimento de estabilidade habitacional e uso de preservativos foram associados a fatores de proteção a exposição ao HIV.

Tais aspectos devem ser considerados para produção do cuidado, que atenda as singularidades conforme elementos estruturais e comportamentais envoltos no aumento da vulnerabilidade dos jovens e dos adultos na infecção pelo HIV.

A pesquisa aponta a importância de desenvolvimento de intervenções diferenciadas pela equipe de saúde, direcionadas a incrementar a proteção de risco ao HIV. Os dados encontrados neste estudo evidenciam que atitudes e práticas de risco não são limitadas, bem como não devem ser vistas de forma isolada. Nessa perspectiva, torna-se fundamental a atuação dos profissionais de Enfermagem e de Saúde na implementação de intervenções que envolvam a estrutura social do indivíduo, assim como práticas comportamentais devem possuir potencial de investigação a ser explorado.

• FOMENTO
  Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado da Paraíba - FAPESQ.TC12/2021.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Álvaro Sousa

EDITOR ASSOCIADO: Ana Cristina Silva

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  16 Dez 2022
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  23 Dez 2021
• Aceito
  21 Ago 2022