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Mulheres em situação de violência sexual: potencialidades e fragilidades da rede intersetorial

RESUMO

Objetivos:

identificar potencialidades e fragilidades da rede intersetorial à mulher em situação de violência sexual, na perspectiva da Bioética de Intervenção e da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos.

Métodos:

estudo qualitativo, realizado com membros da equipe multiprofissional que atuam nos serviços intersetoriais de atendimento à mulher em situação de violência sexual (munícipio no Sul do Brasil). Amostra intencional, totalizando 30 profissionais. A técnica de coleta foi a entrevista semiestruturada, de janeiro a abril de 2016. Entrevistas analisadas pela análise temática.

Resultados:

emergiram duas categorias: potencialidades e fragilidades relacionadas a rede intersetorial. Potencialidades confirmam a importância da rede intersetorial articulada, fragilidades, como falta de fluxo organizado e desarticulação dos serviços, resultam na revitimização da mulher e fragmentação do cuidado.

Considerações Finais:

necessário articular os serviços e qualificar os profissionais. A Bioética de Intervenção e a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos fomentam discussões que contribuem no modo de organizar e sustentar a rede intersetorial.

Descritores:
Violência Contra a Mulher; Delitos Sexuais; Equipe de Assistência ao Paciente; Colaboração Intersetorial; Bioética

ABSTRACT

Objectives:

to identify potentialities and weaknesses of the intersectoral network for women in situations of sexual violence, from the perspective of Intervention Bioethics and the Universal Declaration on Bioethics and Human Rights.

Methods:

qualitative study conducted with multidisciplinary team members who work in intersectoral care services for women subject to sexual violence. It was held in a municipality in southern Brazil. An intentional sample, totaling 30 professionals. Semi-structured interview was used from January to April 2016. Interviews were analyzed by Thematic Analysis.

Results:

two categories emerged: potentialities and weaknesses related to the intersectoral network. Potentialities confirm the importance of the articulated intersectoral network; weaknesses such as lack of organized flow and disarticulation of services result in women revictimization and care fragmentation.

Final Considerations:

it is necessary to articulate services and qualify professionals. The Intervention Bioethics and the Universal Declaration on Bioethics and Human Rights foster discussions that contribute to how to organize and sustain the intersectoral network.

Descriptors:
Violence Against Women; Sex Offenses; Patient Care Team; Intersectoral Collaboration; Bioethics

RESUMEN

Objetivos:

identificar las potencialidades y debilidades de la red intersectorial para mujeres em situaciones de violencia sexual, desde la perspectiva de la Intervención Bioética y la Declaración Universal de Bioética y Derechos Humanos.

Métodos:

este es un estudio cualitativo realizado con miembros del equipo multiprofesional que trabajan em servicios de atención intersectorial para mujeres em situaciones de violencia sexual (municipio em el sur de Brasil). La muestra fue intencional, totalizando 30 profesionales. La técnica de recolección fue la entrevista semiestructurada, de enero a abril de 2016. Las entrevistas fueron analizadas por análisis temático.

Resultados:

surgieron dos categorías: potencialidades y debilidades relacionadas con la red intersectorial. Las potencialidades confirman la importancia de la red intersectorial articulada, las debilidades, como la falta de flujo organizado y la desarticulación de los servicios, dan como resultado la revictimización de las mujeres y la fragmentación de la atención.

Consideraciones Finales:

es necesario articular los servicios y calificar a los profesionales. La Intervención Bioética y la Declaración Universal de Bioética y Derechos Humanos fomentan debates que contribuyen a cómo organizar y mantener la red intersectorial.

Descriptores:
Violencia Contra la Mujer; Delitos Sexuales; Grupo de Atención al Paciente; Colaboración Intersectorial; Bioética

INTRODUÇÃO

A integralidade e a rede intersetorial instituída e articulada são potencialidades no cuidado à mulher em situação de violência sexual(11 World Health Organization (WHO). Strengthening health systems to respond to women subjected to intimate partner violence or sexual violence: a manual for health managers [Internet]. Geneva; 2017 [cited 2018 Mar 27]. Available from: http://www.who.int/reproductivehealth/publications/violence/vaw-health-systems-manual/en//
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-22 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes: Norma Técnica [Internet]. Brasília; 2012 [cited 2018 Mar 29]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/prevencao_agravo_violencia_sexual_mulheres_3ed.pdf
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). Dentre os requisitos mínimos, na resposta a situações de violência contra mulher, destacam-se as políticas públicas e os protocolos; o apoio dos gestores e os recursos financeiros; a atenção integral e a colaboração intersetorial(33 Organización Mundial De La Salud (OMS). Resumen: Respuesta a la violencia de pareja y a la violencia sexual contra las mujeres. Directrices de la OMS para la práctica clínica y las políticas[Internet].Washington; 2014 [cited 2018 Mar 27]. Available from: http://www.who.int/reproductivehealth/publications/violence/rhr1310/es/
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).

Nacionalmente, salienta-se a Rede de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, que inclui a Rede de Atendimento, compreendendo o atendimento integral dos diferentes serviços, como os da assistência social, da justiça, da segurança pública e da saúde à mulher em situação de violência(44 Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres (BR), Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República. Rede de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres [Internet]. Brasília; 2011 [cited 2018 Mar 23]. Available from: http://www.spm.gov.br/sobre/publicacoes/publicacoes/2011/politica-nacional
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). Relacionada particularmente à violência sexual, a Portaria MS/GM no 485 de 1º de abril de 2014, que redefine o funcionamento do Serviço de Atenção às Pessoas em Situação de Violência Sexual no âmbito do SUS(55 Ministério da Saúde (BR), Gabinete do Ministro. Portaria nº 485, de 1º de abril de 2014. Redefine o funcionamento do Serviço de Atenção às Pessoas em Situação de Violência Sexual no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) [Internet]. Brasília; 2014 [cited 2018 Mar 23]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/prt0485_01_04_2014.html
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), no artigo 2º dessa Portaria, salienta que

o Serviço de Atenção às Pessoas em Situação de Violência Sexual no âmbito do SUS integra as redes intersetoriais de enfrentamento da violência contra mulheres, homens, crianças, adolescentes e pessoas idosas e tem como funções precípuas preservar a vida, ofertar atenção integral em saúde e fomentar o cuidado em rede(55 Ministério da Saúde (BR), Gabinete do Ministro. Portaria nº 485, de 1º de abril de 2014. Redefine o funcionamento do Serviço de Atenção às Pessoas em Situação de Violência Sexual no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) [Internet]. Brasília; 2014 [cited 2018 Mar 23]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2014/prt0485_01_04_2014.html
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).

A importância da atuação dos serviços de saúde na rede intersetorial é enfatizada em um dos recentes documentos publicados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que apresenta um manual destinado a gestores de saúde no sentido de fortalecer os serviços de saúde na atenção às mulheres em situação de violência de gênero perpetrada pelo parceiro íntimo ou pela violência sexual(11 World Health Organization (WHO). Strengthening health systems to respond to women subjected to intimate partner violence or sexual violence: a manual for health managers [Internet]. Geneva; 2017 [cited 2018 Mar 27]. Available from: http://www.who.int/reproductivehealth/publications/violence/vaw-health-systems-manual/en//
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). O manual sinaliza, entre outros pontos, os serviços de saúde como facilitadores às mulheres no acesso aos demais serviços da rede intersetorial; o respeito pelos direitos humanos das mulheres, um dos princípios fundamentais que orientam o cuidado; e os benefícios da rede intersetorial construída e articulada(11 World Health Organization (WHO). Strengthening health systems to respond to women subjected to intimate partner violence or sexual violence: a manual for health managers [Internet]. Geneva; 2017 [cited 2018 Mar 27]. Available from: http://www.who.int/reproductivehealth/publications/violence/vaw-health-systems-manual/en//
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).

No contexto do profissional de saúde, a realidade mostra inconformidades entre o prescrito nas normas e a concretização no cotidiano do atendimento em situações de violência. Estudos sinalizam fragilidades na rede intersetorial como: desarticulação dos serviços e desconhecimento da rede(66 García-Moreno C, Hegarty K, d'Oliveira, AFL, Koziol-McLain J, Colombini M, Feder G. The health-systems response to violence against women. Lancet [Internet]. 2015[cited 2018 Sep 19];385(9977): 1567-79. Available from: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(14)61837-7
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(14)61...
-77 Arboit J, Padoin SMM, Vieira LB, Paula CC, Costa MC, Cortes LF. Health care for women in situations of violence: discoordination of network professionals. Rev Esc Enferm USP[Internet]. 2017[cited 2018 Sep 27];51; e03207. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S1980-220X2016013603207
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); necessidade de a rede ser construída e fortalecida(88 Albuquerque Netto L, Moura MAV, Araújo CLF, Souza MHN, Silva GF. Social support networks for women in situations of violence by an intimate partner. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2017[cited 2018 Sep 29]; 26 (2): e07120015. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072017007120015
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-99 Costa MC, Silva EB, Soares JSF, Borth LC, Honnef F. Rural women and violence situation: access and accessibility limits to the healthcare network. Rev Gaúcha Enferm [Internet]. 2017 [cited 2017 Sep 27];38(2):e59553. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1983- 1447.2017.02.59553
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); ausência de protocolos(1010 Silva EB, Padoin SMM, Vianna LAC. Women in situations of violence: limits of assistance. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2015 [cited 2018 Sep 27];20(1):249-58. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v20n1/pt_1413-8123-csc-20-01-00249.pdf
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); instrumentalização do profissional incipiente(1111 Bezerra JF, Silva RM, Cavalcanti LF, Nascimento JL, Vieira LJES, Moreira GAR. Conceitos, causas e repercussões da violência sexual contra a mulher na ótica de profissionais de saúde. Rev Bras Promoç Saúde [Internet]. 2016 [cited 2018 Sep 27]; 29(1):51-59. Available from: http://periodicos.unifor.br/RBPS/article/view/4186/pdf
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-1212 Vieira LJES, Silva ACF, Moreira GAR, Cavalcanti LF, Silva RM. Protocolos na atenção à saúde de mulheres em situação de violência sexual sob a ótica de profissionais de saúde. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2016 [cited 2018 Sep 27];21(12):3957-65. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152112.15362015
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); e dificuldade de acesso à rede(99 Costa MC, Silva EB, Soares JSF, Borth LC, Honnef F. Rural women and violence situation: access and accessibility limits to the healthcare network. Rev Gaúcha Enferm [Internet]. 2017 [cited 2017 Sep 27];38(2):e59553. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1983- 1447.2017.02.59553
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). Quando a rede intersetorial está organizada e articulada, é um potencial no atendimento(88 Albuquerque Netto L, Moura MAV, Araújo CLF, Souza MHN, Silva GF. Social support networks for women in situations of violence by an intimate partner. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2017[cited 2018 Sep 29]; 26 (2): e07120015. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072017007120015
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,1313 Cortes LF; Padoin SMM; Kinalski DDF. Instruments for articulating the network of attention to women in situation of violence: collective construction. Rev Gaúcha Enferm [Internet]. 2016 [cited 2018 Sep 27];37(esp): e2016-0056. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2016.esp.2016-0056
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).

Estudos internacionais ressaltam a necessidade e a importância de uma resposta integrada, da formação dos profissionais e do fortalecimento multissetorial para coordenar e fornecer recursos às pessoas atingidas pela violência(1414 Dawson AJ , Rossiter C , Doab A , Romero B , Fitzpatrick L , Fry M. The emergency department response to women experiencing intimate partner violence: insights from interviews with clinicians in Australia. Academic Emergency Medicine [Internet]. 2019 [cited 2019 Jul 10]. Available from: http://dx.doi.org/10.1111/acem.13721
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-1515 Stewart DE, Aviles R, Guedes A, Riazantseva E, MacMillan H. Latin American and Caribbean countries' baseline clinical and policy guidelines for responding to intimate partner violence and sexual violence against women. BMC Public Health [Internet]. 2015 [cited 2019 Jul 10];15:665. Available from: http://dx.doi.org/10.1186/s12889-015-1994-9
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), bem como protocolos de tratamento padronizados(1616 Vrees RA. Evaluation and Management of Female Victims of Sexual Assault. Obstet Gynecol Surv [Internet].2017 [cited 2019 Jul 10];72(1). Available from: http://dx.doi.org/10.1097/OGX.0000000000000390
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). Estas evidências remetem à magnitude da violência sexual, que incide em sofrimentos à mulher e consequências psicológicas, físicas, riscos de Infeções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), entre outras(1111 Bezerra JF, Silva RM, Cavalcanti LF, Nascimento JL, Vieira LJES, Moreira GAR. Conceitos, causas e repercussões da violência sexual contra a mulher na ótica de profissionais de saúde. Rev Bras Promoç Saúde [Internet]. 2016 [cited 2018 Sep 27]; 29(1):51-59. Available from: http://periodicos.unifor.br/RBPS/article/view/4186/pdf
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). Logo, faz-se indispensável a articulação da rede para fornecer suporte técnico e integral no atendimento à mulher.

Neste estudo, a Bioética de Intervenção (BI) e a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (DUBDH) contribuem para a reflexão da temática da rede intersetorial à mulher em situação de violência sexual. Esta discussão ocorre pelo fato de a violência ser um fenômeno complexo e cercado por múltiplas causas, demandando um conjunto de ações e setores no atendimento e enfrentamento(1717 Lettiere A, Nakano AMS. Rede de atenção à mulher em situação de violência: os desafios da transversalidade do cuidado. Rev Eletr Enf [Internet]. 2015[cited 2018 Sep 29];17(4):01-08. Available from: http://dx.doi.org/10.5216/ree.v17i4.32977
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), além de uma questão de saúde pública(22 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes: Norma Técnica [Internet]. Brasília; 2012 [cited 2018 Mar 29]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/prevencao_agravo_violencia_sexual_mulheres_3ed.pdf
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).

A BI surge como uma das alternativas à bioética principialista, defendendo políticas e decisões que beneficiem o maior número de pessoas, no maior espaço de tempo e com as melhores consequências. Em 2005, a aprovação da DUBDH amplia a agenda bioética da área biomédica e biotecnológica para a área social, sanitária e ambiental, confirmando o caráter pluralista da bioética(1818 Garrafa V, Martorell LB, Nascimento WF. Críticas ao principialismo em bioética: perspectivas desde o norte e desde o sul. Saúde Soc [Internet]. 2016[cited 2018 Mar 29];25(2):442-51. Available from: http://www.revistas.usp.br/sausoc/article/view/118312/115858
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).

A BI possibilita discussões acerca dos dilemas éticos, da promoção da justiça, proteção e equidade(1919 Garrafa V, Porto D. Verbete: Bioética de intervención. In: Tealdi JC (Org.). Diccionario latinoamericano de bioética [Internet]. Bogotá; 2008 [cited 2018 Mar 27]. Available from: http://unesdoc.unesco.org/images/0016/001618/161848s.pdf
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-2020 Feitosa SF, Nascimento WF. A bioética de intervenção no contexto do pensamento latino-americano contemporâneo. Rev Bioét [Internet]. 2015[cited 2018 Sep 20];23(2):277-84. Available from: http://www.scielo.br/pdf/bioet/v23n2/en_1983-8034-bioet-23-2-0277.pdf
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). A DUBDH contém em seu texto princípios fundamentais da bioética, como o direito à saúde, a dignidade humana e os direitos humanos. Embora seja dirigida aos Estados, a DUBDH pode também orientar decisões ou práticas de indivíduos, grupos, instituições públicas ou privadas em situações pertinentes(2121 Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (UNESCO). Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humano [Internet]. UNESCO; 2005 [cited 2018 Mar 10]. Available from: http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001461/146180por.pdf.
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).

Apesar da existência de estudos acerca da rede intersetorial e do cuidado à mulher em situação de violência sexual, nossa propositiva é olhar as potencialidades e fragilidades da rede intersetorial envolvendo a discussão da bioética. São escassos os estudos que tratam dessa reflexão.

OBJETIVOS

Identificar potencialidades e fragilidades da rede intersetorial à mulher em situação de violência sexual, na perspectiva da Bioética de Intervenção (BI) e da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (DUBDH).

MÉTODOS

Aspectos éticos

Os dados foram coletados pela pesquisadora após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEPSH/UFSC). Aos participantes que aceitaram participar das entrevistas, foi entregue o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), em duas vias, explicando os objetivos do estudo e esclarecendo eventuais dúvidas.

Tipo de estudo

Estudo exploratório-descritivo de abordagem qualitativa.

Cenário do estudo

Estudo realizado com membros da equipe multiprofissional que atuam nos serviços intersetoriais de atendimento à mulher em situação de violência sexual em um munícipio localizado na região Norte do Rio Grande do Sul (RS), sendo: dois hospitais, Secretaria Municipal de Saúde (SMS) que coordena o Serviço de Atendimento Especializado (SAE), Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Estratégia Saúde da Família (ESF); Secretaria de Cidadania e Assistência Social (SEMCAS), que coordena o Centro de Referência Especializada em Assistência Social (CREAS) e a Casa Abrigo; Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM); Ministério Público; e o projeto de extensão da Universidade de Passo Fundo (UPF): Clínica de Estudos, Prevenção, Intervenção e Acompanhamento à Violência (CEPAVI).

Os locais selecionados consideraram os serviços do município em que as mulheres em situação de violência sexual têm a possibilidade de buscar atendimento. A coordenadora da Vigilância das Doenças e Agravos Não Transmissíveis (DANTs) da 6ª Coordenadoria Regional de Saúde (CRS) do RS e a coordenadora da Vigilância em Saúde do município foram as informantes-chave do estudo, informando os locais para as entrevistas. Na escolha das UBS e ESF, utilizaram-se como critério de intencionalidade: as duas UBS e ESF indicadas pelo Núcleo de Vigilância Epidemiológica do município com maior número de notificação de casos de violência sexual. O acesso a esse dado ocorreu através do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).

Fonte de dados

Os participantes do estudo foram membros da equipe multiprofissional que atuam nos serviços intersetoriais de atendimento à mulher em situação de violência sexual no munícipio em estudo. A amostra foi composta intencionalmente, totalizando 30 profissionais. A seleção dos participantes para a entrevista foi realizada de acordo com os critérios de inclusão: profissionais de formação superior ou técnica, que tenham atendido ou atendem mulheres em situação de violência sexual, independente de idade, sexo, horário de trabalho e tempo de atuação. Os critérios de exclusão foram: profissionais que estavam de férias ou afastados legalmente por algum tipo de licença.

Coleta e organização dos dados

A coleta de dados ocorreu no período de janeiro a abril de 2016. A técnica utilizada para a coleta foi a entrevista semiestruturada. Das entrevistas individuais, 23 foram gravadas após o consentimento do participante, e 7 manuscritas, devido à não autorização da gravação pelos participantes.

No decorrer das entrevistas, surgiram, por parte de algumas falas dos participantes da pesquisa, os seguintes serviços: o Departamento Médico Legal (DML) e o Projeto Projur Mulher: prestação jurídica a mulheres em situação de violência doméstica e familiar (projeto de extensão da UPF). Foi solicitada a autorização para entrevista e, após autorização, a execução da mesma.

O contato com os participantes indicados foi realizado via telefone, com posterior agendamento da data e horário para a entrevista, conforme disponibilidade do participante, no local de trabalho e garantindo a privacidade. A ordem do processo de coleta de dados foi flexível e de acordo com a situação de cada local e das possibilidades apresentadas pelos participantes.

Os participantes foram identificados com a letra P (profissional), seguido da letra inicial da área de atuação: S-Saúde (hospitalar e saúde pública) e PAP-Proteção ou Apoio Psicossocial (profissionais que atuam na área da justiça, segurança pública, assistência social, assistência psicológica); e de um número (conforme a ordem da realização das entrevistas), assegurando o anonimato.

Análise dos dados

Após a transcrição das entrevistas na íntegra, foi realizada a validação das entrevistas pelos participantes. Para auxiliar na organização dos dados, foi utilizado o software Atlas.ti® 7.5.6 (Qualitative Research and Solutions). Como técnica de análise do material, utilizou-se a análise temática(2222 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14. ed. São Paulo: Hucitec, 2014. 407p.). Essa técnica consiste em três etapas: primeira etapa (pré-análise); segunda etapa (exploração do material) e terceira etapa (tratamento dos resultados obtidos e interpretação).

RESULTADOS

Participaram do estudo 11 enfermeiras/os, seis psicólogas/os, cinco médicas/os, três advogadas/os e três assistentes social, e outras profissões, dois participantes. Referente à área de atuação, 12 profissionais de saúde atuam na área hospitalar e 10 profissionais na saúde pública. Na área de proteção, ou apoio psicossocial, participaram 8 profissionais. O tempo de serviço variou de um ano a 25 anos ou mais, sendo 28 profissionais com formação de ensino superior e dois de formação técnica.

A partir da análise do material, os resultados do estudo foram divididos em duas categorias: potencialidades e fragilidades da rede intersetorial à mulher em situação de violência sexual. Estes resultados foram organizados no software Atlas.ti® 7.5.6. A Figura 1 apresenta as potencialidades, e a Figura 2 apresenta as fragilidades da rede intersetorial.

Figura 1
Potencialidades da rede intersetorial
Figura 2
Fragilidades da rede intersetorial

Potencialidades

As falas relatam como potencialidades da rede intersetorial: a presença de grupos de apoio - que estabelecem vínculos com as mulheres em situação de violência sexual; serviços-abrangência de serviços especializados e não especializados na assistência, especialmente nas primeiras 72 horas e no que diz respeito ao protocolo de medicações e exames; empenho profissional - apesar das dificuldades, há a busca de proceder com os encaminhamentos pertinentes; e a equipe multidisciplinar -de forma a contemplar a integralidade do cuidado.

As falas a seguir elucidam algumas das potencialidades encontradas:

No momento que ela vem é atendida, recebe a medicação necessária, faz os exames necessários, é chamado perito, é investigado, é cuidado. (PS20)

Acho que os grupos são uma potencialidade. As visitas domiciliares também são potencialidades no nosso trabalho, que também aproxima. (PS6)

O município conta com a DEAM e hospital, que presta atendimento de ponta nas questões de saúde vinculadas a esse tipo de situação. (PPAP1)

Fragilidades

Acerca das fragilidades, sobressaem, nos resultados, as questões relacionadas ao fluxo e à desarticulação- incipiente articulação entre os serviços; instrumentalização e falta de profissionais - frágil preparo dos profissionais no atendimento e carência de algumas categorias profissionais.

Outras questões se referem à(s)/ao(s): informação - o profissional desconhece serviços e o fluxo; comunicação - escassa troca de informações entre os setores; estrutura física - inadequados ambientes; acesso à rede - dificuldades para acessar os serviços; revitimização - percurso da mulher entre os serviços desarticulados; ausência de protocolos - falta de protocolos em alguns serviços e entre os setores para fluxo de atendimento; resistências - barreiras impostas pelos profissionais para atender casos de violência sexual.

Algumas das situações apontadas estão ilustradas nas falas a seguir:

Como o nome está dizendo REDE, deveria ser toda ela interligada, conectada para que a prestação dos serviços profissionais que compõem a rede fosse adequada. O que nós temos hoje, no meu ponto de vista, existem vários órgãos encarregados que atuam na questão da violência sexual, mas nós não estamos interligados. (PPAP30)

Há resistência para esse tipo de atendimento, porque ele ocupa tempo, eu não vou saber perguntar. Enfim, estou cheia de serviço, tenho outras coisas que são prioritárias, ouço isso dos colegas! (PS24)

Acho que não existe aquele fluxo, não existe uma interligação entre todas as instituições que trabalham com isso. Se tentou fazer, se tentou organizar, mas, em algum lugar, ainda acabava parando [...]. Percebo que às vezes é bem difícil esse acesso à rede. [...] Às vezes, eles nos encaminham e elas acabam não vindo, se perde esse encaminhamento ou porque não têm recursos para vir nos procurar, às vezes recursos financeiros, às vezes ela não tem até um suporte emocional para vir. Eu diria que as dificuldades são realmente a questão primeira dela poder ter acesso, porque às vezes elas não conseguem chegar, ou se deslocar até aqui. (PPAP8)

Se como profissional tem que ligar para vários lugares para saber aonde encaminhar, imagina a usuária batendo de porta em porta. É uma dificuldade. Eu acho que não se consegue trabalhar de uma forma harmoniosa, sabendo bem certinho: essa paciente eu posso encaminhar para tais e tais lugares. (PS4)

Tu se apresenta como alguém que vai escutar ela, tu vai ouvir essa pessoa como uma fonte de suporte e, muitas vezes, tu não está nem tendo o suporte necessário para atender essa mulher vítima de violência. Nós, profissionais, muitas vezes, não estamos capacitados para atender essas mulheres vítimas de violência. (PS3)

Ressalta-se a identificação de mais fragilidades do que potencialidades na rede intersetorial à mulher em situação de violência sexual.

DISCUSSÃO

Na discussão das potencialidades e fragilidades da rede intersetorial, a análise inferida relaciona as categorias que emergiram do material e a aproximação com alguns elementos da BI e da DUBDH. Da BI, destacamos o acesso aos serviços, políticas públicas e dimensão social, visto a proposta de a BI considerar o lugar a partir do qual são avaliados os conflitos bioéticos, assim, questões da área da saúde precisam ser articuladas com a avaliação das condições sociais(2020 Feitosa SF, Nascimento WF. A bioética de intervenção no contexto do pensamento latino-americano contemporâneo. Rev Bioét [Internet]. 2015[cited 2018 Sep 20];23(2):277-84. Available from: http://www.scielo.br/pdf/bioet/v23n2/en_1983-8034-bioet-23-2-0277.pdf
http://www.scielo.br/pdf/bioet/v23n2/en_...
). Da DUBDH, ressalta-se o objetivo de contribuir para o respeito pela dignidade humana e a proteção dos direitos humanos, como o princípio da dignidade humana e direitos humanos e a promoção de saúde(2121 Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (UNESCO). Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humano [Internet]. UNESCO; 2005 [cited 2018 Mar 10]. Available from: http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001461/146180por.pdf.
http://unesdoc.unesco.org/images/0014/00...
).

Na categoria das potencialidades, a menção de grupos de apoio revela a importância de estabelecer vínculos. O vínculo, um dos benefícios da rede intersetorial construída e articulada, favorece à mulher, que sofreu violência sexual, o seguimento e o acompanhamento no cuidado, e também a encoraja a revelar situações de violência. Nesse sentido, um estudo que analisou a rede social e os tipos de apoio às mulheres em situação de violência pelo parceiro íntimo identifica vínculos fortes entre as mulheres e a rede secundária (no estudo, definida como a rede constituída por instituições oficiais), como o acolhimento e a atenção resolutiva(88 Albuquerque Netto L, Moura MAV, Araújo CLF, Souza MHN, Silva GF. Social support networks for women in situations of violence by an intimate partner. Texto Contexto Enferm [Internet]. 2017[cited 2018 Sep 29]; 26 (2): e07120015. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072017007120015
http://dx.doi.org/10.1590/0104-070720170...
).

A presença dos serviços, alguns especializados, como a DEAM e outros não especializados, como hospitais gerais, mas que são referências no atendimento à mulher em situação de violência sexual, emergem no contexto do município como potencialidades. Dentre os pontos destacados, há a aplicação do protocolo de exames e medicamentos, em que a agilidade da efetivação desse protocolo é fundamental para evitar ISTs e outras consequências da violência sexual(22 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes: Norma Técnica [Internet]. Brasília; 2012 [cited 2018 Mar 29]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/prevencao_agravo_violencia_sexual_mulheres_3ed.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
). A realização de exames físico e ginecológico, testes sorológicos, coleta de vestígios, assistência farmacêutica e acompanhamento multiprofissional é um meio eficaz de aplicação da legislação, diretrizes e políticas públicas, como demostrou um estudo realizado em um Serviço de Atendimento à Mulher Vítima de Violência no Piauí, com o objetivo de avaliar políticas públicas, legislação de proteção à mulher e atendimentos de saúde às vítimas de violência sexual(2323 Pinto LSS, Oliveira IMP, Pinto ESS, Leite CBC, Melo AN, Deus, MCBR. Women's protection public policies: evaluation of health care for victims of sexual violence. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2017 [cited 2018 Sep 27];22(5):1501-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v22n5/en_1413-8123-csc-22-05-1501.pdf
http://www.scielo.br/pdf/csc/v22n5/en_14...
).

O empenho profissional diz respeito ao potencial dos profissionais na rede intersetorial de se sobrepor às dificuldades encontradas, como a falta de algumas categorias de profissionais e a estrutura física para realizar o cuidado e os encaminhamentos necessários nas situações de violência sexual. Em um contexto rural, um estudo acerca do acesso e acessibilidade à rede de atenção ressalta a potencialidade dos profissionais de enfermagem no acolhimento e promoção da articulação dos serviços da rede(99 Costa MC, Silva EB, Soares JSF, Borth LC, Honnef F. Rural women and violence situation: access and accessibility limits to the healthcare network. Rev Gaúcha Enferm [Internet]. 2017 [cited 2017 Sep 27];38(2):e59553. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1983- 1447.2017.02.59553
http://dx.doi.org/10.1590/1983- 1447.201...
). Uma revisão sistemática da literatura sinaliza como potencial os profissionais de saúde que, para além do cuidado, atuam como gateway para outros serviços de apoio(2424 Lanthier S, Du Mont J, Mason R. Responding to delayed disclosure of sexual assault in health settings: a systematic review. Trauma Violence Abuse [Internet]. 2016 [cited 2018 Sep 27];19(3):251-65. Available from: http://dx.doi.org/10.1177/1524838016659484
http://dx.doi.org/10.1177/15248380166594...
).

A equipe multidisciplinar constitui outra potencialidade nas situações de violência sexual. Embora mencionada como uma potencialidade, o trabalho em equipe necessita ser fortalecido. É um dos requisitos descritos nos documentos da OMS(33 Organización Mundial De La Salud (OMS). Resumen: Respuesta a la violencia de pareja y a la violencia sexual contra las mujeres. Directrices de la OMS para la práctica clínica y las políticas[Internet].Washington; 2014 [cited 2018 Mar 27]. Available from: http://www.who.int/reproductivehealth/publications/violence/rhr1310/es/
http://www.who.int/reproductivehealth/pu...
) e nacional(22 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes: Norma Técnica [Internet]. Brasília; 2012 [cited 2018 Mar 29]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/prevencao_agravo_violencia_sexual_mulheres_3ed.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
); qualificando e proporcionando o cuidado integral à mulher. Para tanto, faz-se necessário a articulação dos diferentes saberes para trabalhar de forma conjunta e centrada(99 Costa MC, Silva EB, Soares JSF, Borth LC, Honnef F. Rural women and violence situation: access and accessibility limits to the healthcare network. Rev Gaúcha Enferm [Internet]. 2017 [cited 2017 Sep 27];38(2):e59553. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1983- 1447.2017.02.59553
http://dx.doi.org/10.1590/1983- 1447.201...
,2525 Zijlstra E, Lo Fo Wong S, Teerling A, Hutschemaekers G, Lagro-Janssen A. Challenges in interprofessional collaboration: experiences of care providers and policymakers in a newly set-up Dutch assault centre. Scand J Caring Sci [Internet]. 2017 [cited 2018 Sep 27];32(1):138-46. Available from: http://dx.doi.org/10.1111/scs.12439
http://dx.doi.org/10.1111/scs.12439...
).

No contexto deste estudo, a rede intersetorial tem potencialidades ainda que incompletas e incipientes, visando obter o cuidado integral em situação de violência sexual, considerando as dimensões e situações que envolvem a mulher. Assim, relaciona-se com a ótica da BI e DUBDH, em que questões da área da saúde precisam ser articuladas com as condições sociais da pessoa(2020 Feitosa SF, Nascimento WF. A bioética de intervenção no contexto do pensamento latino-americano contemporâneo. Rev Bioét [Internet]. 2015[cited 2018 Sep 20];23(2):277-84. Available from: http://www.scielo.br/pdf/bioet/v23n2/en_1983-8034-bioet-23-2-0277.pdf
http://www.scielo.br/pdf/bioet/v23n2/en_...
), contemplando o princípio da dignidade humana e direitos humanos, e transcendendo as questões biomédicas e biotecnológicas(2121 Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (UNESCO). Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humano [Internet]. UNESCO; 2005 [cited 2018 Mar 10]. Available from: http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001461/146180por.pdf.
http://unesdoc.unesco.org/images/0014/00...
,2626 Garrafa V. Proteção e acesso à saúde com um bem social. In: Hellmann F, et al. Bioética e saúde coletiva: perspectivas e desafios contemporâneos. Florianópolis: DIOESC, 2012.).

A categoria das fragilidades emerge como maior evidência do que a categoria das potencialidades; com destaque para o fluxo e a instrumentalização. Os profissionais relatam a falta de fluxo organizado, e apesar da existência de serviços, que são potencialidades no município, sobressai a desarticulação entre estes. Questões relacionadas a articulação no atendimento em situações de violência são sinalizadas também em outros contextos nacionais(77 Arboit J, Padoin SMM, Vieira LB, Paula CC, Costa MC, Cortes LF. Health care for women in situations of violence: discoordination of network professionals. Rev Esc Enferm USP[Internet]. 2017[cited 2018 Sep 27];51; e03207. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S1980-220X2016013603207
http://dx.doi.org/10.1590/S1980-220X2016...
,1010 Silva EB, Padoin SMM, Vianna LAC. Women in situations of violence: limits of assistance. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2015 [cited 2018 Sep 27];20(1):249-58. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v20n1/pt_1413-8123-csc-20-01-00249.pdf
http://www.scielo.br/pdf/csc/v20n1/pt_14...
,1717 Lettiere A, Nakano AMS. Rede de atenção à mulher em situação de violência: os desafios da transversalidade do cuidado. Rev Eletr Enf [Internet]. 2015[cited 2018 Sep 29];17(4):01-08. Available from: http://dx.doi.org/10.5216/ree.v17i4.32977
http://dx.doi.org/10.5216/ree.v17i4.3297...
,2727 Menezes PRM, Lima IS, Correia CM, Souza SS, Erdmann AL, Gomes NP. Process of dealing with violence against women: intersectoral coordination and full attention. Saúde Soc [Internet]. 2014 [cited 2018 Sep 27];23(3):778-86. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902014000300004
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902014...
-2828 Borth LC, Costa MC, Silva EB, Fontana DGR, Arboit J. Network to combat violence against rural women: articulation and communication of services. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018 [cited 2018 Sep 27];71(3):1287-94. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0044
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017...
). Internacionalmente, um estudo em cinco países também destaca a necessidade de protocolos e articulação entre os serviços da rede, como resposta efetiva no enfrentamento da violência contra a mulher(66 García-Moreno C, Hegarty K, d'Oliveira, AFL, Koziol-McLain J, Colombini M, Feder G. The health-systems response to violence against women. Lancet [Internet]. 2015[cited 2018 Sep 19];385(9977): 1567-79. Available from: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(14)61837-7
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(14)61...
).

Salienta-se a menção, em algumas falas, da existência de fluxo institucional, mas no âmbito do município, ocorrem informações incipientes, inferindo-se a ausência de fluxograma implementado e a desarticulação entre os serviços da rede intersetorial.

Ressalta-se a relação entre a revitimização da mulher com a falta de fluxo e a desarticulação dos serviços, em que a mulher precisa recontar o fato da violência em diversos serviços ou profissionais que procura(77 Arboit J, Padoin SMM, Vieira LB, Paula CC, Costa MC, Cortes LF. Health care for women in situations of violence: discoordination of network professionals. Rev Esc Enferm USP[Internet]. 2017[cited 2018 Sep 27];51; e03207. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S1980-220X2016013603207
http://dx.doi.org/10.1590/S1980-220X2016...
). Nesse sentido, a articulação e a organização do fluxo, bem como o conhecimento dos serviços que existem no município para realizar os encaminhamentos, possibilita ao profissional clareza e melhor direcionamento do que fazer nas situações de violência sexual, podendo evitar o sofrimento e exposição da mulher à outras violências.

A instrumentalização frágil é outra questão que emerge. O despreparo do profissional por conta de lacunas em sua formação acerca da temática, por processos de qualificação incipientes, tem consequências negativas, como abordagem inadequada e práticas preconceituosas, revitimizando a mulher(99 Costa MC, Silva EB, Soares JSF, Borth LC, Honnef F. Rural women and violence situation: access and accessibility limits to the healthcare network. Rev Gaúcha Enferm [Internet]. 2017 [cited 2017 Sep 27];38(2):e59553. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1983- 1447.2017.02.59553
http://dx.doi.org/10.1590/1983- 1447.201...
,1111 Bezerra JF, Silva RM, Cavalcanti LF, Nascimento JL, Vieira LJES, Moreira GAR. Conceitos, causas e repercussões da violência sexual contra a mulher na ótica de profissionais de saúde. Rev Bras Promoç Saúde [Internet]. 2016 [cited 2018 Sep 27]; 29(1):51-59. Available from: http://periodicos.unifor.br/RBPS/article/view/4186/pdf
http://periodicos.unifor.br/RBPS/article...
-1212 Vieira LJES, Silva ACF, Moreira GAR, Cavalcanti LF, Silva RM. Protocolos na atenção à saúde de mulheres em situação de violência sexual sob a ótica de profissionais de saúde. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2016 [cited 2018 Sep 27];21(12):3957-65. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152112.15362015
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320152...
). Assim, a formação e qualificação dos profissionais é fundamental para melhorar o cuidado(66 García-Moreno C, Hegarty K, d'Oliveira, AFL, Koziol-McLain J, Colombini M, Feder G. The health-systems response to violence against women. Lancet [Internet]. 2015[cited 2018 Sep 19];385(9977): 1567-79. Available from: https://doi.org/10.1016/S0140-6736(14)61837-7
https://doi.org/10.1016/S0140-6736(14)61...
,1010 Silva EB, Padoin SMM, Vianna LAC. Women in situations of violence: limits of assistance. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2015 [cited 2018 Sep 27];20(1):249-58. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v20n1/pt_1413-8123-csc-20-01-00249.pdf
http://www.scielo.br/pdf/csc/v20n1/pt_14...
,1414 Dawson AJ , Rossiter C , Doab A , Romero B , Fitzpatrick L , Fry M. The emergency department response to women experiencing intimate partner violence: insights from interviews with clinicians in Australia. Academic Emergency Medicine [Internet]. 2019 [cited 2019 Jul 10]. Available from: http://dx.doi.org/10.1111/acem.13721
http://dx.doi.org/10.1111/acem.13721...
-1515 Stewart DE, Aviles R, Guedes A, Riazantseva E, MacMillan H. Latin American and Caribbean countries' baseline clinical and policy guidelines for responding to intimate partner violence and sexual violence against women. BMC Public Health [Internet]. 2015 [cited 2019 Jul 10];15:665. Available from: http://dx.doi.org/10.1186/s12889-015-1994-9
http://dx.doi.org/10.1186/s12889-015-199...
).

Estes processos incipientes na formação e dificuldades pessoais do profissional podem estar associados à resistência de alguns profissionais em casos de violência sexual. A violência requer um cuidado para além do físico, envolvendo outras dimensões da pessoa. Isso pode ser um desafio e gerar a resistência para atender a mulher. Nesse sentido, um estudo sinaliza que há profissionais com uma prática na escuta que não inclui a dimensão subjetiva e social da mulher(1010 Silva EB, Padoin SMM, Vianna LAC. Women in situations of violence: limits of assistance. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2015 [cited 2018 Sep 27];20(1):249-58. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v20n1/pt_1413-8123-csc-20-01-00249.pdf
http://www.scielo.br/pdf/csc/v20n1/pt_14...
).

A falta de algumas categorias de profissionais é outra fragilidade. Esse aspecto remete aos gestores públicos e serviços na busca de resolução dessa necessidade. O insuficiente quantitativo de recursos humanos incide na demora do atendimento(2929 Barros LA, Albuquerque MCS, Gomes NP, Riscado JLS, Araújo BRO, Magalhães JRF. The (un)receptive experiences of female rape victims who seek healthcare services. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2015 [cited 2018 Sep 27];49(2):193-200. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342015000020000
http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342015...
). A espera por agendamentos, especialmente especializados, é outro fator ligado a falta de profissionais, podendo causar a desistência da mulher no seguimento e acompanhamento, comprometendo a integralidade do cuidado.

A ausência de protocolo é relatada pelos profissionais em alguns serviços e no âmbito do município. Protocolos proporcionam a padronização no cuidado(1616 Vrees RA. Evaluation and Management of Female Victims of Sexual Assault. Obstet Gynecol Surv [Internet].2017 [cited 2019 Jul 10];72(1). Available from: http://dx.doi.org/10.1097/OGX.0000000000000390
http://dx.doi.org/10.1097/OGX.0000000000...
). No entanto, se por um lado é um instrumento que auxilia na organização das ações intersetoriais na rede, por outro a utilização de ações fixas e únicas também podem restringir a prática efetiva no atendimento, por conta da complexidade da violência demandar soluções plurais(1010 Silva EB, Padoin SMM, Vianna LAC. Women in situations of violence: limits of assistance. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2015 [cited 2018 Sep 27];20(1):249-58. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v20n1/pt_1413-8123-csc-20-01-00249.pdf
http://www.scielo.br/pdf/csc/v20n1/pt_14...
).

Outra questão que emerge é a informação, que diz respeito ao desconhecimento dos profissionais acerca do fluxo e do conjunto de serviços disponíveis no município para os encaminhamentos, comprometendo a agilidade e qualidade do cuidado. Para uma rede intersetorial potente, faz-se necessário o conhecimento dos serviços envolvidos e a comunicação entre os profissionais. Conhecer os serviços possibilita a integralidade, por meio de encaminhamentos adequados e relacionados às necessidades da mulher(2727 Menezes PRM, Lima IS, Correia CM, Souza SS, Erdmann AL, Gomes NP. Process of dealing with violence against women: intersectoral coordination and full attention. Saúde Soc [Internet]. 2014 [cited 2018 Sep 27];23(3):778-86. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902014000300004
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902014...
-2828 Borth LC, Costa MC, Silva EB, Fontana DGR, Arboit J. Network to combat violence against rural women: articulation and communication of services. Rev Bras Enferm [Internet]. 2018 [cited 2018 Sep 27];71(3):1287-94. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0044
http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2017...
). Sobre a comunicação, esta é fundamental para a articulação da rede, que necessita além do diálogo entre os serviços, comunicação e interação entre os profissionais(1313 Cortes LF; Padoin SMM; Kinalski DDF. Instruments for articulating the network of attention to women in situation of violence: collective construction. Rev Gaúcha Enferm [Internet]. 2016 [cited 2018 Sep 27];37(esp): e2016-0056. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2016.esp.2016-0056
http://dx.doi.org/10.1590/1983-1447.2016...
).

Acerca da estrutura física, os documentos recomendam espaços acolhedores e com estrutura apropriada(22 Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes: Norma Técnica [Internet]. Brasília; 2012 [cited 2018 Mar 29]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/prevencao_agravo_violencia_sexual_mulheres_3ed.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
-33 Organización Mundial De La Salud (OMS). Resumen: Respuesta a la violencia de pareja y a la violencia sexual contra las mujeres. Directrices de la OMS para la práctica clínica y las políticas[Internet].Washington; 2014 [cited 2018 Mar 27]. Available from: http://www.who.int/reproductivehealth/publications/violence/rhr1310/es/
http://www.who.int/reproductivehealth/pu...
). Entretanto, a estrutura inadequada como a falta de espaço físico para abordagem da mulher com privacidade é uma fragilidade encontrada pelos profissionais e vivenciada pela mulher(2929 Barros LA, Albuquerque MCS, Gomes NP, Riscado JLS, Araújo BRO, Magalhães JRF. The (un)receptive experiences of female rape victims who seek healthcare services. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2015 [cited 2018 Sep 27];49(2):193-200. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342015000020000
http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342015...
).Quanto à questão do acesso à rede, dificuldades decorrentes da logística, informação e outros elementos fragilizam o acesso aos serviços da rede. A dificuldade de acesso aos serviços por determinados grupos é demonstrada em um estudo com pessoas sobreviventes da violência sexual que vivem na pobreza, analisando os desafios e experiências na obtenção da assistência. Identificou que a acessibilidade à informação, o treinamento para profissionais podem assegurar serviços acessíveis e que atendam às necessidades de sobreviventes de violência sexual(3030 Sit V, Stermac L. Improving formal support after sexual assault: recommendations from survivors living in poverty in Canada. J Interpers Violence [Internet] 2017[cited 2018 Apr 16];1(886260517744761). Available from: http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/0886260517744761
http://journals.sagepub.com/doi/10.1177/...
).

O acesso e a integralidade do cuidado encontram-se incipientes diante das fragilidades da rede intersetorial. Na perspectiva da BI, que discorre acerca das desigualdades sociais, como a falta de acesso a saúde e a responsabilidade do Estado na defesa das populações mais vulneráveis, há deficiências em políticas públicas(2020 Feitosa SF, Nascimento WF. A bioética de intervenção no contexto do pensamento latino-americano contemporâneo. Rev Bioét [Internet]. 2015[cited 2018 Sep 20];23(2):277-84. Available from: http://www.scielo.br/pdf/bioet/v23n2/en_1983-8034-bioet-23-2-0277.pdf
http://www.scielo.br/pdf/bioet/v23n2/en_...

21 Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (UNESCO). Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humano [Internet]. UNESCO; 2005 [cited 2018 Mar 10]. Available from: http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001461/146180por.pdf.
http://unesdoc.unesco.org/images/0014/00...

22 Minayo MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 14. ed. São Paulo: Hucitec, 2014. 407p.

23 Pinto LSS, Oliveira IMP, Pinto ESS, Leite CBC, Melo AN, Deus, MCBR. Women's protection public policies: evaluation of health care for victims of sexual violence. Ciênc Saúde Coletiva [Internet]. 2017 [cited 2018 Sep 27];22(5):1501-8. Available from: http://www.scielo.br/pdf/csc/v22n5/en_1413-8123-csc-22-05-1501.pdf
http://www.scielo.br/pdf/csc/v22n5/en_14...

24 Lanthier S, Du Mont J, Mason R. Responding to delayed disclosure of sexual assault in health settings: a systematic review. Trauma Violence Abuse [Internet]. 2016 [cited 2018 Sep 27];19(3):251-65. Available from: http://dx.doi.org/10.1177/1524838016659484
http://dx.doi.org/10.1177/15248380166594...

25 Zijlstra E, Lo Fo Wong S, Teerling A, Hutschemaekers G, Lagro-Janssen A. Challenges in interprofessional collaboration: experiences of care providers and policymakers in a newly set-up Dutch assault centre. Scand J Caring Sci [Internet]. 2017 [cited 2018 Sep 27];32(1):138-46. Available from: http://dx.doi.org/10.1111/scs.12439
http://dx.doi.org/10.1111/scs.12439...

26 Garrafa V. Proteção e acesso à saúde com um bem social. In: Hellmann F, et al. Bioética e saúde coletiva: perspectivas e desafios contemporâneos. Florianópolis: DIOESC, 2012.

27 Menezes PRM, Lima IS, Correia CM, Souza SS, Erdmann AL, Gomes NP. Process of dealing with violence against women: intersectoral coordination and full attention. Saúde Soc [Internet]. 2014 [cited 2018 Sep 27];23(3):778-86. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-12902014000300004
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http://unesdoc.unesco.org/images/0014/00...
).

A efetivação de políticas públicas é um meio para superar fragilidades na rede. Nessa direção, um estudo ressalta a importância da DUBDH em fornecer ferramentas teórico-normativas, proporcionando contribuições reflexivas e prescritivas sobre o contexto de desigualdade, especialmente em saúde. Mostra que o princípio da justiça da DUBDH pede que os Estados e as instituições internacionais adotem políticas destinadas a reconfigurar a distribuição de recursos(3232 Parizi RRC, Albuquerque A. Desigualdade, bioética e Direitos Humanos. Rev Bioét[Internet]. 2015 [cited 2018 Sep 27];23(2):227-37. Available from: http://dx.doi.org/10.1590/1983-80422015232061
http://dx.doi.org/10.1590/1983-804220152...
).

Limitações do estudo

Ainda que a presente investigação contemple um pertinente quantitativo de membros da equipe multiprofissional que atuam nos serviços intersetoriais de atendimento à mulher em situação de violência sexual, identifica-se como limitação do estudo o aspecto da pesquisa ser localizada, o que precisa ser considerado na reprodução e divulgação dos resultados.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou política pública

O cuidado à mulher em situação de violência sexual, na perspectiva da rede, caracteriza um avanço na assistência. Portanto, este estudo contribui na exploração do fenômeno - rede intersetorial - a partir da ótica dos profissionais, fornecendo elementos para uma proposta de articulação e sustentabilidade da rede à mulher em situação de violência sexual.

É preponderante identificar o contexto local com suas potencialidades e fragilidades para a partir da realidade, propor melhorias e ações que possibilitem efetivar o prescrito nos documentos norteadores. A articulação dos serviços e o fluxo implementado, profissionais instrumentalizados e suficientes, possibilitam à mulher em situação de violência sexual o acesso aos serviços, a integralidade do cuidado e, por consequência, asseguram seus direitos e sua dignidade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo identificou potencialidades que confirmam a importância da rede intersetorial instituída e articulada, e fragilidades, principalmente a falta de fluxo organizado e a desarticulação dos serviços, incidindo em questões como a revitimização da mulher e na fragmentação do cuidado. A realidade do município, na ótica dos profissionais, sinaliza um caminho a percorrer na busca de superar as lacunas da rede intersetorial, articulando os serviços, qualificando os profissionais e na alocação de recursos financeiros e humanos para responder a complexidade da violência sexual.

A BI e a DUBDH apontam para a importância das políticas públicas na concretização do que é recomendado nos documentos internacionais e nacionais em defesa dos direitos humanos e da dignidade da pessoa. Fornecem subsídios e fomentam discussões que contribuem no modo de organizar e sustentar a rede intersetorial, tendo presente que a integralidade do cuidado à mulher em situação de violência sexual necessita considerar o contexto que a envolve e a realidade da rede no município.

  • FOMENTO
    O trabalho contou com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Cristina Parada

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    23 Mar 2019
  • Aceito
    14 Set 2019
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