As intervenções cirúrgicas em pacientes de idade avançada foram muito tempo vistas com pessimismo. A velhice representava um obstáculo intransponível e desanimador à terapêutica cirúrgica. Os fenômenos próprios da senilidade eram encarados como entidades mórbidas, para os quais a ciência era impotente.
Com os progressos da geriatria, causa e conseqüência do aumento crescente da população idosa, sobretudo em países desenvolvidos, as pesquisas recentes para o prolongamento da vida útil do homem e a consciência da possibilidade da participação efetiva do homem idoso na vida comunitária, abrem uma dimensão nova para grande número de indivíduos, antes relegados à marginalidade, à dependência e à caridade familiar e comunitária.
O enfoque se desloca da senilidade como doença para considerá-la desgaste fisiológico, não só possível de ser estacionado, mas regressível e, sobretudo, prevenível.
Diante destas novas aberturas, as entidades mórbidas do velho, que exigem tratamento cirúrgico perdem, pouco a pouco, suas características assustadoras.
Paralelo a este processo, os avanços dos meios de diagnóstico, da cirurgia, da anestesia, dos recursos terapêuticos, assim como o surgimento de metodologias que permitem identificar as necessidades peculiares, não só aos indivíduos de certa faixa etária, mas sobretudo, às individualidades têm reduzido consideravelmente a mortalidade operatória em geriatria.
Convém entretanto, atentarmos para a nossa realidade. Nossa experiência cotidiana evidencia que a grande maioria de pacientes geriátricos admitida em nossos serviços cirúrgicos é carente desde a infância. As subcondições de vida, evidentemente, repercutem através dos anos, determinando fenômenos degenerativos precoces. Por esta razão, de pouco valor é a idade cronológica de um paciente. Mais importante é atentar para a sua idade fisiológica. Tentamos neste trabalho, levantar os principais problemas do paciente geriátrico face à cirurgia. Não tivemos em nenhum momento, a ingenuidade de tentar esgotar o assunto ou de fornecer soluções prontas. Desacreditamos em princípio, de listas de cuidados ou receitas que possam ser aplicadas à massa de indivíduos, pois entendemos que homens não são réplicas uns dos outros.
A forma aqui usada para a abordagem do problema é a Instrução Programada. Acreditamos que ela se presta à apresentação do tema com a objetividade que desejamos. A fragmentação do assunto apresentado, num encadeamento lógico e gradativo facilita a apreensão dos conceitos. O leitor participa ativamente, daquilo que lê através do estímulo-resposta que cada quadro oferece. A leitura torna-se mais atrativa porque cria a tensão para dar a resposta certa e a verificação dos resultados é imediata. Como a leitura exige participação, você observará que após cada informação contida dentro de um quadro segue-se, logo abaixo, afirmativas incompletas. Para completá-las, basta preencher os espaços em branco, com a palavra ou palavras que faltam e que, via de regra, estão expressas no quadro. Você observará ainda, que após cada lacuna existe um número. Este número corresponde ao da resposta, que pode ser conferida na última página. Entretanto, é conveniente que você só confira as respostas ao terminar todo o programa. Feito isto, você deve procurar responder ao pequeno teste. Assim, você mesmo avaliará o quanto reteve do assunto. Procure trabalhar dentro do seu próprio ritmo. Não se apresse. Analise com atenção as suas respostas.
OBJETIVOS GERAIS
Com o presente trabalho pretendemos que o leitor:
1 - Perceba alguns problemas mais comuns do paciente geriátrico face à cirurgia e dimensione a assistência de enfermagem exigida por estes pacientes;
2 - Atente para os problemas do paciente geriátrico diante de situações práticas a fim de:
a) identificar os problemas;
b) identificar as circunstâncias predisponentes para o surgimento destes problemas;
c) elaborar estratégias para a profilaxia;
d) elaborar assistência de enfermagem na vigência destes problemas.
OBJETIVOS ESPECÍFICOS
Ao final do programa o leitor deverá ser capaz de:
1 - Diante dos dados de uma situação concreta prever, pelo menos, três complicações pós-operatórias a que o paciente em questão estará predisposto;
2 - Enumerar, pelo menos, três causas dos "déficits" renais do paciente idoso;
3 - Citar as causas de distúrbios emocionais do paciente geriátrico;
4 - Identificar, pelo menos, quatro causas dos "déficits" respiratórios do paciente geriátrico.
QUADRO 1
1 - Considera-se que o processo de envelhecimento começa no momento em que é rompido o equilíbrio entre o anabolismo e o catabolismo, com predominância deste segundo fenômeno.
O paciente idoso exige maior assistência, tanto no pré como trans e pós-operatório. Ele apresenta menor reserva funcional pela atrofia celular, pela degeneração e descamação tissular. É importante observar que as manifestações patológicas no velho são, geralmente, atípicas e apresentam-se quase sempre associadas. Comumente a família atribui as queixas do velho à idade. Este fato concorre para o agravamento dos distúrbios emocionais, muito freqüentes, nesta faixa etária, acompanhados de uma sensação de inutilidade.
QUADRO 2
O paciente geriátrico pode ser portador de alterações cardiocirculatõrias sintomáticas ou insidiosas, sendo as mais comuns as determinadas pela arte-ríosclerose, pela hipertensão arterial e pelas insuficiências cardíacas.
QUADRO 3
As complicações tromboembólicas são mais incidentes nessa faixa etária e devem ser prevenidas pelo exercício físico moderado, mas freqüente. A permanência prolongada no leito, as desidratações e as infecções favorecem a instalação de complicações tromboembólicas.
QUADRO 4
A avaliação do risco cirúrgico na cirurgia geriátrica, deve enfocar o paciente como um todo e atender para os vários sistemas em involução. O eletrocardiograma é um exame que deve ser incluído na rotina pré-operatória do paciente geriátrico, mas convém lembrar que ele é apenas um dos meios de avaliação e o exame cardiológico não deve ser subestimado. A verificação criteriosa dos dados vitais pelo menos, duas vezes ao dia, nos fornecerá dados importantes que confrontados com os níveis normais para aquele paciente específico, orientará a assistência de enfermagem e a terapêutica. Devemos lembrar que a hipertensão arterial pode levar à isquemia de órgãos nobres e é um risco potencial para o enfarte do miocárdio. Por outro lado, cuidados especiais devem ser observados durante a anestesia geral, epidural e raquidiana, assim como no emprego de barbitúricos, bloqueadores adrenérgicos e hipotensores de modo geral, pois o velho vive no limiar de compensação.
QUADRO 5
As anemias são freqüentemente encontradas no paciente geriátrico. Suas causas principais são a atrofia da medula óssea, com diminuição da eritropoiese. Um número menor que o normal de eritrócitos é lançado na corrente sangüínea. Há, portanto, uma diminuição da capacidade do tecido hematopoiético para responder aos estímulos adequados. Outra causa é a diminuição da resistência dos eritrócitos. Ocorre uma diminuição da vida média desses glóbulos, sem aumento compensador da eritropoiese. Associados a estes dois fatores, encontram-se as anemias carenciais por deficiência alimentar ou má absorção do ferro, de vitamina B12 e de ácido fólico. Uma dieta balanceada e o suprimento de sais minerais e vitaminas deve fazer parte da terapêutica pré-operatória.
QUADRO 6
A correção volêmica deve ser outra preocupação constante no preparo pré-operatório do paciente geriátrico, porque o velho é um desidratado crônico. Na senilidade o volume de água total corresponde a mais ou menos 52%, do qual 27% é da água intracelular e 25% extracelular. Devido a este pequeno volume líquido o velho se desidrata com facilidade e é dificilmente reidratado. Tem ainda, contra si a função renal deficiente. A reidratação parenteral terá de ser criteriosa, pois o velho superidrata-se com facilidade e a hipervolemia desencadeará a insuficiência cardíaca e o edema pulmonar. A pressão venosa central sempre deve ser monitorizada quando houver necessidade de grandes infusões parenterais no pós-operatório. A ingestão de adequado volume de líquidos por via oral é sempre mais vantajosa e menos arriscada que a parenteral, devendo perfazer cerca de 1.500 ml diários. Por sua vez, uma hipovolemia não corrigida no pré-operatório pode predispor a quedas tensionais quando houver maior solicitação do organismo, como ocorre no ato cirúrgico. As conseqüências podem ser graves, como o choque e a isquemia renal e cerebral. A cirurgia deve realizar-se quando as taxas de volemia estiverem próximas da normalidade, ou sejam: 76 ml/Kg de peso corporal para o homem e 64,6 ml/Kg para a mulher senis.
QUADRO 7
Ocorre na senilidade maior fragilidade da musculatura laringo-traqueal e as bronquites crônicas determinam espessamento das secreções. O reflexo da tosse é diminuído predispondo o paciente a atelectasias e infecções. A redução do tecido elástico alveolar é um fator que merece atenção durante a anestesia e durante a ventilação pós-operatória. Os exercícios respiratórios, sobretudo os expiratórios para eliminar o excessivo CO2, sempre retido por estes pacientes, observadas as características individuais, devem ser instituídos no pré-operatório. O uso de fluidificantes das secreções brônquicas, através de vaporizações e nebulizações associados à hidratação adequada, são de grande valia. A atropina é formalmente contra-indicada para estes pacientes. Ela tem ação inibidora do reflexo vagai, dificultando os movimentos respiratórios, que no velho são predominantemente diafragmáticos.
QUADRO 8
A função renal no velho é também diminuída. Podemos dizer que existem subanormalidades funcionais. Este fato se deve à diminuição progressiva de néfrons, ao espessamento da cápsula renal e à atrofia do epitélio tubular. Podem coexistir problemas tromboembólicos, tais como a embolia de pequenas artérias renais. Ocorre um progressivo aumento do nitrogênio ureico, o que faz considerar normal uma taxa de uréia entre 60 e 80 mg% nesses pacientes. A glicemia pode atingir taxas mais elevadas, em torno de 150 mg%. Os níveis de K são mais baixos, podendo a sua administração na tentativa de "normalizá-lo", desenvolver hiperpotassemia. Por sua vez, o Na é mais elevado e as tentativas para baixá-lo podem levar o paciente à desidratação. O controle do volume e densidade urinários de 24 horas no pré-operatório, fornecerá dados importantes para a avaliação da função renal confrontada no pós-operatório. O exame de urina a glicosúria, associado à glicemia e à dosagem de uréia são indispensáveis. O prostatismo é encontrado com grande freqüência, devido a hipertrofias e carcinomas. Considera-se que 50 ml de urina residual é indicativo de anormalidades.
QUADRO 9
O paciente geriátrico é, em geral, um desnutrido. A desnutrição senil ocorre por má absorção do tubo gastrintestinal ou pela pequena ou inadequada ingestão de alimentos. São causas coadjuvantes da hipovitaminose e da hipoproteinemia.
QUADRO 10
A inapetência pode estar presente pela diminuição das papilas do paladar e pela pequena produção de enzimas digestivas. Por isso, a dieta do paciente senil deve ter boa aparência e bom paladar para estimular o apetite. A mastigação deve ser levada em conta e os alimentos devem ser de fáceis mastigação e digestão.
QUADRO 11
A obesidade é outro fator importante na cirurgia geriátrica, pelas dificuldades que ela acarreta ao ato cirúrgico e pela predisposição a complicações pós-operatórias, tais como infecções da ferida operatória, dificuldade de cicatrização, problemas respiratórios e tromboembólicos.
QUADRO 12
Os problemas emocionais no velho são muito freqüentes. A instabilidade emocional pode ter origem em patologias cerebrais ou ser causada pela desadaptação ao ambiente hospitalar e pelo afastamento da família. O profissional de enfermagem que atende o paciente geriátrico deve distinguir as atitudes de intimidade vulgar, do respeito carinhoso evitando gracejos que possam irritar ou ridicularizar o paciente, sempre tendo em vista sua labilidade emocional e susceptibilidade. Nunca se deve prometer resultados irreais a esses pacientes. As respostas e as informações devem ser dadas com honestidade a fim de situar a expectativa do paciente dentro da realidade e evitar fantasias. O isolamento é talvez o fator mais determinante da depressão do velho. Drogas tranqüilizantes e antidepressivas são adjuvantes úteis no cuidado desses pacientes. Todavia, reações adversas devem ser observadas. Alguns minutos de atenção gastos com esses pacientes podem diminuir a ansiedade e aumentar-lhes a auto-estima. Atividades grupais podem ser organizadas e estimuladas pela enfermagem. As atividades criativas são úteis tanto para pacientes apáticos como para ansiosos. As matérias-primas usadas deverão ser de fácil acesso dos pacientes, sem toxicidade e de baixo custo. Os horários para essas atividades jamais deverão ser rígidos. A assistência de enfermagem objetivará a melhor adaptação do paciente ao ambiente hospitalar aumentando sua independência, o desenvolvimento de um clima de solidariedade e o sentimento de participação na vida comunitária.
-
REZENDE, A.L.M. - O paciente geriátrico face à cirurgia. Rev. Bras. Enf.; DF, 28:38-47, 1976.
RESPOSTAS
1. menor
2. atrofia
3. degeneração
4. descamação
5. atípicas
6. associadas
7. distúrbios emocionais
8. inutilidade
9. hipertensão
10. arteriosclerose
11. insuficiências
12. tromboembólica
13., 14. desidratação, infecções
15. eletrocardiograma
16. exame cardiológico
17. confrontação
18., 19. assistência de Enfermagem terapêutica
20. anestesia
21., 22., 23. geral, epidural, raquidiana
24., 25. barbitúricos, bloqueadores adrenérgicos
26. hipotensores
27. medula óssea.
28. eritropoiese
29. estímulos
30. resistência
31., 32., 33. ferro, vitamina B12, ácido fólico
34. balanceada
35., 36. sais minerais, vitaminas
37. quedas tensionais
38. choque
39. isquemia
40. 76 ml
41. 64,6 ml.
42. super-hidratação
43., 44. insuficiência cardíaca, edema pulmonar
45. vantajosa
46. arriscada
47. 1.500
48. pressão venosa central
49. frágil
50. espessas
51. reflexo da tosse
52. elástico alveolar
53. expiratórios
54. fluidificantes
55. hidratação
56. pré-operatório
57. inibidora do reflexo vagai
58. diafragmáticos
59. diminuída
60. diminui
61. espessada
62. atrofiado
63. embolia
64. aumentada
65., 66. 60, 80
67. 150
68. baixos
69. elevados
70. volume
71. densidade
72. prostatismo
73. 50 ml.
74. má absorção
75., 76. pequena, inadequada
77., 78. hipovitaminose hipoproteinemia
79. diminuição
80. enzimas
81. aparência
82. paladar
83., 84. mastigaveis digeriveis
85. dificulta
86. infecções
87. cicatrização
88., 89. respiratórios tromboembólicos
90. instabilidade
91. desadaptação
92. isolamento
93. auto-estima
94. grupais
95., 96. apáticos, ansiosos
97., 98., 99. fácil acesso, sem toxicidade, baixo custo
100. flexíveis
101. solidariedade
102. participação
103. adaptação
104. honestas
105. realidade
106. fantasias.
TESTE DO TEXTO PROGRAMADO1. Uma paciente de 75 anos, apresenta um volume urinário de 500 ml diários e uma taxa de proteínas totais de 4 g/100 ml de sangue. É tabagista e encontra-se numa fase depressiva, passando a maior parte do tempo acamada. Você pode prever pelo menos 3 complicações pós-operatórias a que este paciente está sujeito?
2. Cite 3 causas de diminuição da função renal do paciente geriátrico.
a -
b -
c -
3. Cite 3 causas dos distúrbios emocionais do paciente geriátrico.
a -
b -
c -
4. O paciente idoso, em geral, apresenta "déficit" respiratório devido a:
- atrofia da mucosa nasal;
- hipertrofia da mucosa nasal;
- musculatura laringo-traqueal hipertônica;
- musculatura laringo-traqueal frágil;
- deformidades anatômicas da caixa torácica
- espessamento das secreções brônquicas;
- tecido alveolar escasso;
- tecido alveolar reduzido;
- atividade ciliar aumentada;
- atividade ciliar diminuída.
5. As carências nutritivas do paciente geriátrico são causadas, principalmente por:
a) má absorção do tubo gastrintestinal
b) diminuição das papilas do paladar
c) ingestão inadequada de alimentos
d) gula e obesidade
e) diminuição do peristaltismo.
BILIOGRAFIA
-
1CLOWES, G.H.A. Problemas especiais no paciente idoso. In: Colégio Americano de Cirurgiões Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1969. p. 239-50.
-
2FALK, M.A. Tipos de assistência a pacientes geriátricos, Clínica Geral São Paulo, 5 (7): 104-10, ago. 1971.
-
3FERREIRA, A. B. Geriatria e gerontotologia - temas de insuficiência coronária. Jornal Brasileiro de Medicina, Rio de Janeiro, 28 (3): 33-40 mar. 1975.
-
4FERREIRA, J. B., BARBOSA, H., AMANCIO, A. Controle clinico do paciente cirúrgico geriátrico. In: BARBOSA, H. et alli Controle clínico do paciente cirúrgico Rio de Janeiro, Atheneu S.A. 1969, p. 633-63.
-
5JEGATHESAN, S. & WHITEHILL, J.L. Implicações da cirurgia em pacientes geriátricos. Clínica Geral, São Paulo, 6 (7): p. 100-10, ago., 1972.
-
6SENTEM, M. Hospital geriátrico. Revista Paulista de Hospitais, São Paulo, 22 (9): 417-20, set. 1974.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Jan-Mar 1976