Intervenção multiprofissional e telenfermagem no tratamento de obesos na pandemia de COVID-19: ensaio clínico pragmático

RESUMO

Objetivos:

analisar os efeitos de uma intervenção remota multiprofissional e da telenfermagem no tratamento da obesidade.

Métodos:

ensaio clínico pragmático de intervenção, realizado com adultos obesos. A intervenção remota multiprofissional com enfermeiro ocorreu durante 16 semanas mediante um aplicativo de mensagens. Analisaram-se variáveis de composição corporal, hemodinâmicas e laboratoriais, realizando a comparação dos resultados obtidos com o grupo que participou de intervenção multiprofissional presencial sem enfermeiro. A análise dos efeitos da intervenção foi feita comparando os grupos de intervenção e os momentos por meio do teste ANOVA para medidas repetidas.

Resultados:

o Grupo 1 obteve significância nas variáveis: porcentagem de gordura corporal (p = 0,008); glicemia (p = 0,014); insulina (p = 0,001); circunferência abdominal e de cintura; e colesterol HDL (p = 0,000).

Conclusões:

os efeitos da intervenção remota multiprofissional e da telenfermagem diminuíram significativamente as variáveis de risco para a síndrome metabólica no tratamento da obesidade.

Descritores:
Manejo da Obesidade; Telenfermagem; Telemonitoramento; Equipe de Assistência ao Paciente; Atenção Primária à Saúde

ABSTRACT

Objectives:

to analyze the effects of a multiprofessional remote intervention and telenursing in the treatment of obesity.

Methods:

pragmatic clinical trial of intervention, conducted with obese adults. The multiprofessional remote intervention with a nurse occurred for 16 weeks through a messaging application. The application analyzed body composition, hemodynamic and laboratory variables, comparing the results obtained with the group that participated in face-to-face multiprofessional intervention without a nurse. The study investigated the effects of the intervention comparing the intervention groups and the moments through the ANOVA test for repeated measures.

Results:

Group 1 obtained significance in the variables: percentage of body fat (p = 0.008); blood glucose (p = 0.014); insulin (p = 0.001); abdominal and waist circumference; and HDL cholesterol (p = 0.000).

Conclusions:

the effects of multiprofessional remote intervention and telenursing significantly decreased the risk variables for metabolic syndrome in the treatment of obesity.

Descriptors:
Obesity Management; Telenursing; Telemonitoring; Patient Care Team; Primary Health Care

RESUMEN

Objetivos:

analizar efectos de una intervención remota multiprofesional y teleenfermería en el tratamiento de la obesidad.

Métodos:

ensayo clínico pragmático de intervención, realizado con adultos obesos. La intervención remota multiprofesional con enfermero ocurrió durante 16 semanas mediante un aplicativo de mensajes. Analizadas variables de composición corporal, hemodinámicas y laboratoriales, realizando comparación de resultados obtenidos con el grupo que participó de intervención multiprofesional presencial sin enfermero. Análisis de efectos de la intervención fue hecha comparando los grupos de intervención y los momentos por medio del test ANOVA para medidas repetidas.

Resultados:

el Grupo 1 obtuvo significación en las variables: porcentaje de gordura corporal (p = 0,008); glucemia (p = 0,014); insulina (p = 0,001); circunferencia abdominal y de cintura; y colesterol HDL (p = 0,000).

Conclusiones:

los efectos de la intervención remota multiprofesional y teleenfermería disminuyeron significativamente las variables de riesgo para la síndrome metabólica en el tratamiento de la obesidad.

Descriptores:
Manejo de la Obesidad; Teleenfermería; Telemonitorización; Grupo de Atención al Paciente; Atención Primaria de Salud

INTRODUÇÃO

O mundo encontra-se em situação de pandemia de COVID-19, uma doença infecciosa que afeta seres humanos, sendo causada pelo novo coronavírus, denominado SARS-CoV-2. Esse vírus era desconhecido antes do início do surto em Wuhan, na China, em dezembro de 2019(¹).

Dentre os fatores de risco para desenvolvimento da forma grave da doença e óbito, a obesidade tem merecido papel de destaque. Estudo realizado em 181 países com 4.670.832 casos de COVID-19 e 311.384 mortes observou que a obesidade é o principal fator de risco modificável associado à infecção por SARS-CoV-2(²).

O enfrentamento da obesidade se caracteriza pela necessidade de uma abordagem multiprofissional e transdisciplinar, uma vez que se trata de um agravo multifatorial, recidivante e muitas vezes silencioso que contribui para outras condições crônicas(³-⁴). Nos últimos anos, os programas de intervenção multiprofissionais, incluindo exercícios físicos, aconselhamento nutricional, psicológico e clínico, mostraram-se muito eficazes para o controle do peso e controle de comorbidades relacionadas à obesidade(⁵).

Nesse sentido, destaca-se que, entre os membros da equipe multiprofissional de saúde, o enfermeiro tem papel fundamental, podendo implementar programas para avaliação e monitoramento de problemas crônicos de saúde e ajudar as pessoas (p.ex., obesas) a autogerenciarem seus problemas de saúde(⁶). Apesar disso, uma pesquisa que realizou uma revisão sistemática das publicações acerca do tratamento multiprofissional da obesidade no Brasil(⁷) demonstrou que 17 dos 26 estudos selecionados envolveram a mais ampla gama de campos da saúde (educação física, nutrição, psicologia e medicina), porém, entre todos os estudos analisados, apenas um relatou a participação do profissional enfermeiro.

Diante da necessidade repentina de distanciamento social, é essencial para a saúde da população em geral não interromper ou não alterar totalmente o estilo de vida das pessoas durante esse período e manter um estilo de vida ativo em casa(⁸). Nesse contexto, explicita-se que, para a atuação da enfermagem, sobretudo neste período de distanciamento social, tem-se disponível a telenfermagem, que trata da interação enfermeiros-profissional de saúde, enfermeiros-enfermeiros ou enfermeiros-pacientes, sendo realizada por meio de dispositivos que superem as barreiras da distância e do tempo(⁹).

É preciso salientar que, no Brasil, ainda é incipiente o estudo sobre a telenfermagem, e a maioria das pesquisas que utiliza essa tecnologia foi realizada em países desenvolvidos como Alemanha, Estados Unidos da América, Espanha e Inglaterra(¹⁰).

Por ser uma doença complexa, a obesidade necessita da definição de estratégias de atendimento para essa população, estratégias que demandam uma estrutura integrada, equitativa e abrangente com abordagem centrada na pessoa. As recomendações são para ação imediata em todo o espectro da obesidade, desde a prevenção ao tratamento no contexto da COVID-19. Entre elas, está a de que o tratamento desse mal deve ser acessível a todas as pessoas acometidas e que, para tal, devem ser desenvolvidas novas estratégias de tratamento, inclusive por telemedicina(¹¹).

Tendo em vista a necessidade de tratamento de indivíduos com obesidade de forma contínua e integral, este estudo oferta retorno imediato à população atendida, pois as ações desenvolvidas realizam diagnóstico precoce e tratamento multiprofissional imediato aos participantes. Além disso, se eficaz, o método poderá ser replicado para o tratamento da obesidade em outros locais.

OBJETIVOS

Analisar os efeitos de uma intervenção remota multiprofissional e da telenfermagem no tratamento da obesidade.

MÉTODOS

Aspectos éticos

O estudo tem aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa conforme a Resolução 466/2012 e 510/2016; e do Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos (REBEC), plataforma do Ministério da Saúde.

Desenho do estudo

Trata-se de um Ensaio Clínico Pragmático de intervenção, realizado e descrito com base no referencial CONSORT 2010(¹²). Este estudo faz parte do projeto guarda-chuva intitulado “Eficácia de um programa multiprofissional na avaliação de fatores de risco cardiometabólico e tratamento da obesidade abdominal em dois municípios do noroeste do Paraná”.

Período do estudo

A pesquisa foi divulgada por meio das redes sociais, mídias impressas e faladas e unidades básicas de saúde (UBS) durante os meses de setembro e outubro de 2019. Na divulgação, foram informados os telefones, e-mail, site e endereço do Centro de Pesquisa da Universidade deste estudo. E os interessados que entraram em contato foram informados sobre a triagem inicial para avaliação dos participantes do estudo, realizada no período de 04 a 08 de novembro de 2019.

As avaliações de pré-intervenção aconteceram no mês de fevereiro de 2020, sendo que a intervenção ocorreu no período de março a junho de 2020.

Local do estudo

O estudo foi desenvolvido com a população do município de Paranavaí e Maringá, estado do Paraná, Brasil.

População

Indivíduos adultos obesos(¹³) com circunferência de cintura ≥ 88 cm para mulheres ou ≥ 102 cm para homens(¹⁴).

Critérios de inclusão e exclusão

Os critérios de inclusão foram: indivíduos residentes no município de estudo, portadores de telefone celular com acesso ao aplicativo WhatsApp^®, com disponibilidade para as avaliações e participação na intervenção.

Já os critérios de exclusão foram: cirurgia bariátrica prévia; transtorno alimentar referido; indivíduos com mobilidade reduzida ou prejudicada. Como critérios de descontinuidade, foram consideradas a não participação nas atividades do grupo por sete dias seguidos e/ou a informação da desistência pelo participante.

Após a análise inicial dos parâmetros antropométricos e de composição corporal dos interessados, o critério de elegibilidade foi estar com IMC ≥ 30.

Protocolo do estudo

Protocolo e instrumentos comuns para os dois grupos de intervenção

Os participantes foram avaliados antes e após as 16 semanas por meio da realização de medidas antropométricas e composição corporal: altura (m); massa corporal (kg); índice de massa corporal (kg/m²); massa corporal magra (kg); massa de gordura (kg); porcentagem de gordura corporal; índice de massa magra (kg/m²); índice de massa de gordura (kg/m²); razão magra para gordura (kg/kg). Além disso, foram realizadas avaliações laboratoriais para a determinação de parâmetros bioquímicos (glicemia, insulinemia, hemoglobina glicada, colesterol total, HDL-c, LDL c, triglicérides e proteína C-reativa ultrassensível).

Para medição da altura, o avaliador posicionou o avaliado de costas para o estadiômetro (no centro e encostando no equipamento). Ao sinal do avaliador, o sujeito realizou uma inspiração profunda seguida de uma expiração; e, ao final desta, foi tomada a medida.

Para medir da circunferência de cintura (CC) e de abdome (CA), os participantes foram orientados a manter a região da cintura livre de roupas e a permanecer em pé, descalço, com a blusa levantada, os braços flexionados e cruzados em frente ao tórax, pés afastados, abdome relaxado e respirando normalmente. Foi utilizada uma fita métrica não flexível diretamente sobre a pele. Para a CC, a medição foi realizada na região entre a última costela e a crista ilíaca, sendo a leitura feita no momento da expiração, tendo como parâmetro o valor de ≥ 88 cm para mulheres e ≥ 102 cm para homens(¹⁴).

A massa corporal (kg) foi avaliada por meio de um aparelho de bioimpedância octapolar multifrequencial para análise da altura (m); massa corporal (kg); índice de massa corporal (kg/m²); massa corporal magra (kg); massa de gordura (kg); porcentagem de gordura corporal; índice de massa magra (kg/m²); índice de massa de gordura (kg/m²); razão magra para gordura (kg/kg).

Os participantes foram orientados a urinar cerca de 30 minutos antes da avaliação, não consumir álcool nem bebidas com cafeína nas últimas 48 horas, evitar esforços físicos vigorosos ao longo das últimas 24 horas, não consumir diuréticos nos últimos sete dias, estar em jejum total por no mínimo quatro horas; e a avaliação das participantes que se encontravam no período menstrual foi remarcada para outra data(¹⁵).

Para aferição dos parâmetros hemodinâmicos (pressão arterial sistólica e pressão arterial diastólica), foi utilizado um monitor de pressão arterial automático de braço (modelo: HEM-7113, Omron^®). O participante foi orientado a permanecer sentado com as costas apoiadas no encosto da cadeira, as pernas paralelas (semiflexionadas formando um ângulo de 90°) e os pés apoiados no solo. A pressão foi aferida no braço esquerdo, com a palma da mão voltada para cima: o avaliador posicionou a braçadeira, pondo a marcação da artéria do instrumento na linha da artéria braquial(¹⁶).

A coleta do material para os exames bioquímicos foi realizada em laboratório privado, e os participantes foram orientados a realizar jejum prévio de oito horas para a coleta dos exames(¹⁷).

A coleta de dados foi realizada pela pesquisadora por meio das fichas de atendimento, sendo organizados em planilhas do programa Excel^®. A adesão ao grupo foi controlada e supervisionada pela pesquisadora por meio da participação no grupo de WhatsApp^®.

G1 - Intervenção Multiprofissional Remota com Enfermeiro

A intervenção ocorreu no município de Paranavaí. Após a divulgação do estudo, compareceram no local da triagem 118 indivíduos, que foram submetidos à avaliação dos seguintes parâmetros: massa corporal, estatura, índice de massa corporal (IMC), circunferência da cintura (CC), pressão arterial e composição corporal (bioimpedância). Com isso, os elegíveis foram convidados a realizar exames laboratoriais: glicemia, insulinemia, hemoglobina glicada, colesterol total, HDL-c, LDL-c, triglicérides e proteína C-reativa ultrassensível, de modo a permitir a verificação das prevalências de cada fator e/ou comportamento de risco.

Dos 118 indivíduos, 104 realizaram os exames laboratoriais solicitados, sendo que, 53 foram classificados com IMC igual ou superior a 30 (indicador de obesidade) e foram convidados para participar da intervenção multiprofissional, sendo que 39 aceitaram, e todos foram alocados no Grupo 1 (G1) - Intervenção Multiprofissional Remota com Enfermeiro. No decorrer da intervenção, 17 indivíduos desistiram; sendo assim, 22 indivíduos participaram da avaliação final.

O modelo de intervenção multiprofissional para o tratamento do excesso de peso e redução dos fatores de risco da síndrome metabólica, somado à intervenção de enfermagem utilizando a telenfermagem, foi realizado com os participantes por meio de orientações e intervenções de profissionais das áreas de enfermagem, educação física, psicologia e nutrição, três vezes por semana, durante 16 semanas.

As atividades foram realizadas remotamente por meio do aplicativo WhatsApp^® e organizadas da seguinte forma: em comum, às segundas, quartas e sextas-feiras, os participantes recebiam orientações de educadores físicos, mas, especificamente, também recebiam orientações psicológicas às segundas; nutricionais, às quartas; e de enfermagem, às sextas-feiras.

Os participantes foram incluídos em dois grupos do aplicativo WhatsApp^®. O primeiro recebeu o nome de “Avisos”, no qual apenas os administradores do grupo (os profissionais da equipe) tinham acesso para o envio das mensagens; esse grupo facilitou para que as orientações repassadas pela equipe multiprofissional não se perdessem entre as conversas dos participantes. O segundo grupo foi denominado “Participantes” e permitia que todos encaminhassem mensagens, possibilitando a interação entre os participantes do grupo e os profissionais.

Antes de iniciar a intervenção, os participantes foram esclarecidos sobre a dinâmica do monitoramento remoto, e as dúvidas foram esclarecidas.

Os profissionais de educação física gravaram vídeos com orientações e exemplos dos profissionais para realização de atividade física aeróbica remotamente pelos participantes, com duração de uma hora, de intensidade moderada/intensa. Esses vídeos eram enviados em dias fixos, três vezes por semana (segundas, quartas e sextas-feiras), em horário pré-definido (18h30) com os participantes.

Durante as 16 semanas, os participantes receberam orientações semanais por meio de vídeos, textos e áudios via WhatsApp^® do profissional psicólogo sobre os seguintes temas: reconhecimento corporal, percepção, estabelecimento de metas, expectativas, autoestima, amor próprio, autoconhecimento e autoavaliação, o processo de mudança, motivações, emoções e hábitos alimentares, ansiedade, reconhecimento das emoções, comer emocional, indústria alimentar.

Em relação às orientações nutricionais, durante as 16 semanas os participantes receberam orientações semanais por meio de vídeos, textos e áudios via WhatsApp^® sobre os seguintes temas: estabelecimento de metas e inquéritos nutricionais, alimentação adequada e saudável, planejamento alimentar (cardápio qualitativo), fome e saciedade, comer com atenção plena (Mindful Eating), grupos alimentares e funções dos nutrientes, planejamento de cardápio (qualitativo e quantitativo), rótulos de alimentos e dietas da moda, alimentos funcionais, comorbidades associadas ao excesso de peso e obesidade, vivência nutricional (os participantes compartilham seus menus diários no grupo de WhatsApp^®), lidando com as situações cotidianas, como continuar a alimentação saudável após a intervenção.

Quanto à intervenção do profissional enfermeiro, o processo de divulgação do estudo, a triagem, contato com os interessados, organização do grupo de intervenção, avaliações iniciais foram organizados pela enfermeira pesquisadora. Além da organização e coordenação das atividades, a intervenção de enfermagem baseou-se em orientações com foco na educação em saúde dos participantes realizadas por meio da telenfermagem.

Para a realização das orientações, foi adaptado o roteiro para monitoramento remoto de enfermagem de mulheres obesas proposto no estudo de Palmeira e colaboradores, desenvolvido originalmente para ser realizado via ligações telefônicas(¹⁸).

As orientações foram realizadas por meio do envio de cartazes on-line com orientações sobre os temas de cada semana. Além disso, o roteiro original foi adaptado para duração de 16 semanas; e foi complementado com orientações acerca das dúvidas expostas pelos participantes com foco no enfrentamento da obesidade, levantadas antes do início das intervenções e abordadas da 12ª à 15ª semana.

Sendo assim, as mensagens da primeira semana tiveram como objetivo esclarecer a proposta da telenfermagem e abordar o conceito e as causas da obesidade; a partir da segunda semana, as mensagens visavam à orientação sobre os seguintes assuntos, abordados cada um em uma semana: alimentação saudável para a saúde e controle do peso; as complicações da obesidade; a importância da atividade física; forma de preparo dos alimentos; hidratação e consumo de água; consumo de frutas e suas propriedades; hábitos saudáveis na alimentação; o risco de certas dietas e a importância do acompanhamento de um profissional de saúde; a importância do controle do peso; melhorar a autoimagem; conceito e prevenção da hipertensão arterial; conceito e prevenção da dislipidemia; a importância do controle do diabetes, seus sintomas e prevenção; apresentação da cirurgia bariátrica, seus riscos, vantagens e desvantagens; abordar o novo coronavírus e a sua relação com a obesidade; reforçar as orientações sobre a importância do controle do peso.

O grupo de WhatsApp^® serviu também como espaço para encorajamento dos participantes e esclarecimentos de eventuais dúvidas durante a intervenção.

G2 - Intervenção Multiprofissional Presencial sem Enfermeiro

Esta intervenção foi realizada no município de Maringá, onde, após a divulgação do estudo, 575 indivíduos compareceram para a triagem, sendo submetidos à avaliação dos seguintes parâmetros: massa corporal, altura, índice de massa corporal (IMC), circunferência da cintura (CC), pressão arterial e composição corporal (bioimpedância). Com isso, os elegíveis foram convidados a realizar exames laboratoriais (glicemia, insulinemia, hemoglobina glicada, colesterol total, HDL-c, LDL-c, triglicérides e proteína C-reativa ultrassensível) para verificar as prevalências de cada fator e/ou comportamento de risco.

Destes, 314 realizaram os exames laboratoriais solicitados, sendo que 94 indivíduos foram classificados com IMC igual ou superior a 30 (indicador de obesidade) e foram convidados a participar da intervenção multiprofissional. Dos 94 convidados, 53 aceitaram participar, sendo alocados no G2 - Intervenção Multiprofissional Presencial sem Enfermeiro.

As atividades realizadas com esses indivíduos foram realizadas presencialmente, sendo supervisionadas pelos profissionais de educação física, nutrição e psicologia. As orientações dadas pelos profissionais da equipe multiprofissional ao G2 foram as mesmas fornecidas ao G1 (exceto as do profissional enfermeiro), porém foram realizadas presencialmente.

Análise dos resultados e estatística

Para fins de análise da efetividade da intervenção realizada no Grupo 1, os resultados foram comparados com aqueles dos participantes do Grupo 2 (G2) - Intervenção Multiprofissional, no município do outro centro de pesquisa, cedidos pelo coordenador do projeto guarda-chuva.

A análise estatística dos dados foi efetuada por meio do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 23. A normalidade de dados foi atestada com o uso do teste de Shapiro Wilk. Para a comparação entre os grupos de treinamento e entre os momentos (pré-sessão e pós-sessão aguda ou intervenção crônica), foi utilizado o ANOVA para medidas repetidas, quando atendido o pressuposto de esfericidade de Mauchly’s, seguido da correção de Bonferroni, quando apropriado. O nível de significância estatística adotado em todas as análises foi de p ≤ 0,05.

RESULTADOS

Na intervenção G1, 22 mulheres completaram a participação, com idade média de 39 anos. Quanto à classificação do IMC, sete foram classificadas como obesidade grau I, sete como obesidade grau II e oito como obesidade grau III. No G2, 25 mulheres completaram a intervenção, com idade média de 37 anos. No que se refere à classificação do IMC, dez foram classificadas como obesidade grau I, oito como obesidade grau II e sete como obesidade grau III.

A Tabela 1 apresenta uma comparação entre os valores das variáveis de composição corporal de cada grupo antes e depois da intervenção. Já a Tabela 2 apresenta a comparação entre os valores dos parâmetros hemodinâmicos e bioquímicos de cada grupo antes e depois da intervenção.

Tabela 1
Efeito do tratamento multiprofissional de indivíduos obesos nos parâmetros de composição corporal após intervenção e comparação entre os grupos G1 (n = 22) e G2 (n = 25), Paranavaí e Maringá, Paraná, Brasil, 2020

Variáveis	PMTO - G1 (n = 22)			PMTO - G2 (n = 25)			Comparação entre os grupos (p)
	Valores iniciais	Valores após intervenção	Efeito de tempo (p)	Valores iniciais	Valores após intervenção	Efeito de tempo (p)
Idade (anos)	39,55±7,60	39,55±7,60	_	41,48±5,07	41,48±5,07	_	_
Massa corporal (kg)	101,16±22,46	99,03±23,32	0,064	108,69±19,29	103,47±18,15	0,000*	0,046*
Altura (m)	1,60,3±0,67	1,60,3±0,67	__	1,63±0,09	1,63±0,09	_	_
IMC (kg/m2)	39,19±7,34	38,31±7,55	0,069	40,84±5,83	39,14±6,06	0,000*	0,180
Massa corporal magra (kg)	47,65±8,59*,†	47,53±8,23	0,708	53,18±8,79*,†	51,99±8,14	0,001*	0,020*
% de gordura corporal	50,10±4,86	48,45±4,65	0,008*	47,28±6,21	46,19±7,63	0,119	0,092
Circ. pescoço (cm)	37,08±3,22	36,66±3,03	0,237	39,37±4,64	38,55±4,50	0,011*	0,416
Circ. abdominal (cm)	110,80±15,27*,†	101,35±12,29	0,000*	122,38±14,89*,†	115,41±16,29	0,000*	0,000*
Circ. cintura (cm)	114,23±15,67	97,79±12,73	0,000*	110,41±12,79	105,06±13,24	0,000*	0,000*
Relação cintura-quadril	124,35±13,22	122,79±14,71	0,228	125,04±13,06	121,50±14,21	0,001*	0,208

• ^*
  Pré = G1 × G2; †Pré = G1 × G2 - Post-hoc de Bonferroni ; IMC - Índice de Massa Corporal ; % - porcentagem; cm - centímetros; circ - circunferência.

Tabela 2
Efeito do tratamento multiprofissional de indivíduos obesos nos parâmetros de composição corporal após intervenção e comparação entre os grupos G1 (n = 22) e G2 (n = 25), Paranavaí e Maringá, Paraná, Brasil, 2020

Variáveis	PMTO - G1 (n = 22)			PMTO - G2 (n = 25)			Comparação entre os grupos (p)
	Valores iniciais	Valores após intervenção	Efeito de tempo (p)	Valores iniciais	Valores após intervenção	Efeito de tempo (p)
PAS mmHg	123,61±10,39	120,08±14,99	0,165	123,08±88	119,32±7,45	0,019*	0,733
PAD mmHg	87,09±8,41*,†	85,95±7,93§,||	0,470	78,12±6,50*,†	75,56±5,86c,d	0,136	0,543
SPO2	96,64±1,87*,†	97,45±0,74	0,053	95,24±2,11*,†	96,44±1,56	0,002*	0,021*
FC bpm	77,32±9,04	81,68±11,86§,||	0,086	80,44±10,34	70,68±9,45§,||	0,000*	0,000*
Glicemia (mg/dl)	103,82±35,30	92,91±25,12	0,014*	93,04±10,41	94,96±12,27	0,319	0,001*
Insulina	18,50±8,82	12,41±5,29	0,001*	22,05±9,65	17,97±10,08	0,024*	0,350
PCR-us	6,51±4,14	6,63±4,39	0,894	9,25±10,52	9,77±10,83	0,787	0,928
Colesterol total	199,09±32,73	217,05±37,18§,||	0,021*	185,32±26,97	182,48±33,86§,||	0,604	0,023*
HDL	48,73±9,74	67,77±14,67§,||	0,000*	46,24±12,33	42,60±9,47§,||	0,010*	0,000*
LDL	126±26,58*,†	120,45±30,78	0,414	109,86±26,43*,†	114,77±30,67	0,290	0,192
Triglicérides	122,82±37,08	124,32±44,70	0,898	152,48±69,75	125,44±52,90	0,033*	0,118
Hemoglobina Glicada	5,55±0,85	5,53±0,78	0,826	5,47±0,64	5,35±0,41	0,154	0,390

• ^*
  Pré = G1 × G2; †Pré = G1 × G2 § Pós = G1 × G2; || Pós = G2 × G1 - Post-hoc de Bonferroni; PAS - pressão arterial sistêmica; PAD - pressão arterial diastólica; mmHg - milímetro de mercúrio; SPO2 - saturação de oxigênio; FC - frequência cardíaca; bpm - batimentos por minuto; mg/dl - miligramas por decilitro; PCR-us - proteína C-reativa ultrassensível; HDL - lipoproteína de alta densidade; LDL - lipoproteína de baixa densidade.

DISCUSSÃO

A utilização de uma abordagem remota para o acompanhamento dos participantes apresentou resultados positivos, tornando-se uma opção de assistência à saúde da população, prestada pela equipe de saúde no cenário da Atenção Primária à Saúde (APS). Destaca-se que, para os profissionais de saúde da APS, a obesidade é uma das principais causas de doenças crônicas. Entretanto, controlar o peso com eficácia pode ser um desafio, pois a fisiopatologia que leva ao ganho de peso em indivíduos suscetíveis dificulta a perda de peso e sua manutenção, o que se torna uma barreira para profissionais da APS devido à demanda diária desse nível de atenção(¹⁹). Portanto, ferramentas que possibilitam o monitoramento remoto de atividades físicas são importantes para ampliar o acesso a orientações profissionais na APS, principalmente neste momento de distanciamento social em razão da pandemia de COVID-19(²⁰).

Sendo assim, vale ressaltar que o aconselhamento de indivíduos obesos realizado por profissionais de saúde remotamente, apesar de pouco utilizado, pode apoiar e acompanhar as mudanças de hábitos, tendo como consequência a redução do peso(²¹). Deve-se considerar que a união de intervenções baseadas na web com o apoio da enfermagem pode fornecer uma solução eficaz para a gestão do peso no contexto da APS(²²).

Ao compararmos o total de variáveis com resultados estatisticamente significantes entre os dois grupos, é preciso considerar que a intervenção realizada no G1 foi desenvolvida no início desta pandemia, que provocou mudanças abruptas no cotidiano da sociedade, em especial no grupo pesquisado, devido à necessidade do distanciamento social. Esta necessidade abrupta de realizar o distanciamento social resultou em uma mudança radical no estilo de vida da população, muitas vezes mantendo somente certo nível mínimo de atividade física e exercícios para promoção da saúde(²³), ou para tentar minimizar as consequências negativas de certas doenças(²⁴).

Comumente, as altas taxas de insucesso do controle do peso estão associadas à baixa adesão aos programas terapêuticos(²⁵-²⁶). Grande percentual de pessoas que recebem orientações de profissionais de saúde quanto às mudanças no estilo de vida, incluindo restrições alimentares, apresenta baixa adesão ao controle do peso(²⁶). A adesão ao tratamento envolve uma complexidade de vários fatores, que podem estar associados às características do usuário, à doença, aos hábitos culturais e de vida, ao tratamento, às dificuldades institucionais e à equipe de saúde(²⁶-²⁷).

Nesse cenário, deve-se ter presente que, mesmo diante das adversidades geradas pela pandemia de COVID-19, o efeito da intervenção remota multiprofissional e da telenfermagem foi positivo. Destarte, a preocupação de manter um mínimo de atividades físicas e exercícios não auxiliou no controle da obesidade, como descrito em um estudo que analisou o impacto do distanciamento social (“fique em casa”) na saúde de indivíduos obesos. Foi demonstrado que a necessidade de permanecer em casa impactou negativamente vários comportamentos de saúde relacionados à obesidade: 69,6% dos participantes relataram que suas metas de perda de peso foram mais difíceis de alcançar; houve diminuições substanciais na duração e na intensidade da atividade física (47,9%, 55,8%, respectivamente); 61,2% declararam que os hábitos de alimentação saudáveis eram mais difíceis de manter, visto que comiam mais do que o normal(²⁸).

Os resultados obtidos nesta pesquisa não corroboram esses achados de Almondoz(²⁸), pois, conforme Tabela 1, as variáveis estudadas apresentaram diferença estatística significante após a intervenção. Sendo assim, é essencial levar em consideração que, mesmo diante das mudanças impostas pela necessidade de distanciamento social, o monitoramento remoto e a telenfermagem realizados neste estudo foram capazes de promover hábitos e estilo de vida saudáveis entre os participantes, levando à melhoria de parâmetros hemodinâmicos e laboratoriais.

O manejo das pessoas com obesidade não deve se limitar à meta de redução significativa de peso e à sua manutenção ao longo do tempo; deve também contribuir para a valorização da incorporação de hábitos saudáveis e melhora das condições clínicas(¹⁸). Nesse sentido, o monitoramento remoto e a telenfermagem são ferramentas terapêuticas efetivas para educação em saúde e incentivo ao autocuidado e, quanto à obesidade, devem ser consideradas como uma opção adicional ao tratamento convencional(²⁹).

As alterações nos hábitos e estilo de vida dos participantes, estimulados pelo monitoramento multiprofissional e acompanhamento da enfermagem por meio da telenfermagem, refletiram na redução estatisticamente significante do percentual de gordura corporal. Mundialmente, esse parâmetro tem sido motivo de preocupação, visto que se trata de um fator de risco independente para doenças cardiovasculares, eventos coronarianos e mortalidade por todas as causas(³⁰-³¹).

Além da diminuição dos fatores de risco cardiovasculares mediante a modificação comportamental, intervenções baseadas em novas tecnologias emergem como ferramentas muito promissoras para os serviços da APS devido à sua alta capacidade de crescimento, baixo custo, adaptabilidade e ampla gama de aplicabilidade(³²-³³).

Um estudo que realizou o monitoramento remoto de indivíduos obesos utilizando um aplicativo celular mostrou que, após 12 meses de intervenção, foram encontrados resultados significativos na redução da adiposidade corporal e na circunferência de cintura entre as mulheres. No mesmo período, houve um aumento nos valores do IMC entre os participantes do sexo masculino(³⁴). Quando tais resultados são comparados aos obtidos no G1 deste estudo, vale destacar que as variáveis sofreram efeitos positivos com apenas 16 semanas de intervenção.

A enfermagem e a equipe de saúde sabem da importância do controle da obesidade abdominal, pois o depósito de gordura que se encontra concentrado na região abdominal está associado a um aumento exponencial no risco de morbimortalidade, visto que o padrão de distribuição de gordura corporal é o fator de risco mais significativo em processos mórbidos, mais do que a obesidade generalizada(³⁵).

Outra variável ligada diretamente com circunferência abdominal, e que neste estudo teve melhora significativa após a intervenção realizada, foi a circunferência de cintura. Sabe-se que, independentemente da idade e do sexo, uma diminuição calórica alimentar e/ou um aumento no gasto de energia por meio de exercícios estão associados a uma redução substancial na circunferência da cintura(³⁶-³⁹). Trata-se de um parâmetro importante para o controle da obesidade, visto que a gordura intra-abdominal produz certas proteínas e hormônios, como adipocina, angiotensinogênio e cortisol, que causam inflamação e estão associados a doenças cardiometabólicas, como dislipidemia, doenças coronárias e hipertensão(⁴⁰-⁴²).

Sabe-se que a obesidade é o distúrbio metabólico mais frequente no mundo e o principal fator de risco para resistência à insulina (RI) e diabetes mellitus (DM)(⁴³). A proporção de pessoas afetadas pelo DM aumentou dramaticamente nas últimas três décadas, tornando-se uma das principais causas de morte no mundo(⁴⁴). No Brasil, 7,4% dos adultos referem ter diagnóstico de DM(⁴⁵), sendo que o DM tipo 2 é a forma mais prevalente da doença, caracterizada por níveis elevados de glicose no plasma devido a deficiências de secreção de insulina e RI(¹⁷). A intervenção realizada foi capaz de baixar os níveis de glicemia e insulina dos participantes, diminuindo as chances do desenvolvimento da síndrome metabólica, da RI e do DM.

A literatura confirma, por um lado, que é comum a dificuldade de perder de peso e de manter um estilo de vida saudável; por outro lado, destaca que as enfermeiras podem atuar na linha de frente dos cuidados para prevenção e controle do excesso de peso usando nos serviços onde atuam, sobretudo na APS, o monitoramento remoto associado a encontros presenciais com os usuários(¹⁸).

Uma metanálise de 23 ensaios clínicos randomizados avaliando o efeito do monitoramento remoto nos programas de perda de peso demonstrou que o uso dessa estratégia resultou em 0,68 kg (IC 95%: 0,08, 1,29 kg) de redução de peso adicional em um período de 3 a 30 meses(⁴⁶). No entanto, a análise estratificada sugeriu que as intervenções utilizando o monitoramento remoto foram eficazes quando aplicadas em combinação com o aconselhamento pessoal (-1,93 kg; IC 95%:-2,71,-1,15 kg), em vez de substituto para isso (-0,19 kg, IC 95%:-0,87, 0,49 kg)(³³).

Neste estudo, a intervenção realizada com o profissional enfermeiro utilizando a telenfermagem ressalta a importância de estimular o autocuidado apoiado na manutenção de hábitos saudáveis em indivíduos obesos, sobretudo durante o período de distanciamento social devido à COVID-19, visto que a obesidade severa é condição clínica de agravamento do quadro infeccioso(⁴⁷).

Limitações do estudo

As limitações deste estudo foram a dificuldade dos indivíduos em aderir às intervenções remotamente, bem como a dificuldade em utilizar as ferramentas tecnológicas para o acompanhamento das atividades. Sugere-se que a intervenção com monitoramento remoto e telenfermagem seja realizada em um período pós-pandemia no cenário da APS, com indivíduos de diferentes idades, para avaliar a adesão nos diferentes grupos etários; e que seja associada às orientações presenciais.

Contribuições para área

Diante dos achados deste estudo, é preciso considerar que os indivíduos com obesidade devem estar em constante acompanhamento, já que esta é uma doença crônica. Ademais, o papel da enfermagem na equipe multiprofissional, tanto no monitoramento remoto como especificamente na telenfermagem, possibilita um cuidado integral e de qualidade pela APS; e ainda proporciona uma diminuição na demanda de atendimento nos serviços de saúde, visto que o cuidado é realizado remotamente.

CONCLUSÕES

Verificou-se que os efeitos da intervenção remota multiprofissional e da telenfermagem diminuíram significativamente as variáveis de risco para a síndrome metabólica no tratamento da obesidade.

• FOMENTO
  O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa

EDITOR ASSOCIADO: Ana Cristina Silva

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  22 Abr 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  08 Fev 2021
• Aceito
  08 Out 2021