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Sífilis gestacional e congênita: experiência de mulheres na ótica do Interacionismo Simbólico

RESUMO

Objetivos:

compreender o significado atribuído pelas mulheres ao diagnóstico de sífilis e sífilis congênita, ao tratamento e acompanhamento ambulatorial da criança.

Métodos:

estudo qualitativo conduzido com 30 mães de crianças com sífilis congênita, por meio de entrevistas semiestruturadas, audiogravadas e submetidas a Análise Temática Indutiva. Adotou-se, por referencial teórico, o Interacionismo Simbólico.

Resultados:

dois temas emergiram e revelaram que o diagnóstico materno foi permeado por choque, culpa e medo da exclusão social, além de frustração ante o insucesso em evitar a transmissão vertical. Ainda, os procedimentos clínicos dolorosos para tratamento da criança potencializaram a culpa materna, e o processo simbólico de ressignificação da doença/tratamento aconteceu com a cura da criança.

Considerações Finais:

a compreensão dos aspectos intersubjetivos envolvidos nessa experiência instrumentaliza o enfermeiro para repensar sua prática assistencial e contribui para seu maior protagonismo no contexto da sífilis.

Descritores:
Gravidez; Sífilis; Sífilis Congênita; Cuidado da Criança; Interacionismo Simbólico

ABSTRACT

Objectives:

to understand the meanings attributed by women to the diagnosis and treatment of syphilis and congenital syphilis, and to outpatient follow-up of their children.

Methods:

this is a qualitative study conducted with 30 mothers of children with congenital syphilis using audio-recorded semi-structured interviews, which were submitted to inductive thematic analysis. Symbolic interactionism was the theoretical framework considered in this study.

Results:

two themes were identified, showing the maternal diagnosis involved shock, guilt, and fear of social exclusion, in addition to frustration due to failure to prevent vertical transmission. Moreover, the painful clinical procedures for the child’s treatment enhanced maternal guilt, and the symbolic process of re-signification of the disease/treatment took place with the child’s healing.

Final Considerations:

understanding the intersubjective aspects involved in this experience helps nurses rethink their care practice and contributes to their critical role in the context of syphilis.

Descriptors:
Pregnancy; Syphilis; Syphilis, Congenital; Child Care; Symbolic Interactionism

RESUMEN

Objetivos:

comprender el significado atribuido por las mujeres al diagnóstico de sífilis y sífilis congénita, al tratamiento y seguimiento ambulatorio del niño.

Métodos:

estudio cualitativo realizado con 30 madres de niños con sífilis congénita mediante entrevistas semiestructuradas, grabadas en audio y sometidas a Análisis Temático Inductivo. Se adoptó como referencial teórico el Interaccionismo Simbólico.

Resultados:

surgieron dos temas revelando que el diagnóstico materno fue teñido por shock, culpa y miedo a la exclusión social, además de frustración frente al fracaso que no permitió evitar la transmisión vertical. También los procedimientos clínicos dolorosos para el tratamiento de los niños potenciaron la culpa maternal, y el proceso simbólico de resignificación de la enfermedad/tratamiento se dio con la cura del niño.

Consideraciones Finales:

la comprensión de los aspectos intersubjetivos involucrados en esta experiencia instrumentan al enfermero para reconsiderar su práctica asistencial y contribuye a un mayor protagonismo en el contexto de la sífilis.

Descriptores:
Embarazo; Sífilis; Sífilis Congénita; Cuidado del Niño; Interaccionismo Simbólico

INTRODUÇÃO

A sífilis em gestantes está associada a riscos para a mulher e seu concepto ocasionados pela transmissão vertical (sífilis congênita), como aborto, nascimento prematuro, morte neonatal, baixo peso ao nascer, comprometimento neurológico do neonato, incluindo atrasos cognitivos, perda de visão, distúrbios convulsivos e malformações ósseas(11 Korenromp EL, Rowley J, Alonso M, Mello MB, Wijesooriya NS, Mahiane SG, et al. Global burden of maternal and congenital syphilis and associated adverse birth outcomes-Estimates for 2016 and progress since 2012. PLOS One. 2019;14(2):e0211720. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0211720
https://doi.org/10.1371/journal.pone.021...

2 Wijesooriya NS, Rochat RW, Kamb ML, Turlapati P, Temmerman M, Broutet N, et al. Global burden of maternal and congenital syphilis in 2008 and 2012: a health systems modelling study. Lancet Glob Health. 2016;4(8):e525-33. https://doi.org/10.1016/S2214-109X(16)30135-8
https://doi.org/10.1016/S2214-109X(16)30...
-33 Padovani C, Oliveira RR, Pelloso SM. Syphilis in during pregnancy: association of maternal and perinatal characteristics in a region of southern Brazil. Rev Latino-Am Enfermagem. 2018;26:e3019. https://doi.org/10.1590/1518-8345.2305.3019
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). A sífilis congênita (SC) é uma condição evitável por meio do controle de casos de sífilis em mulheres e seus parceiros sexuais durante o planejamento familiar ou pré-natal(33 Padovani C, Oliveira RR, Pelloso SM. Syphilis in during pregnancy: association of maternal and perinatal characteristics in a region of southern Brazil. Rev Latino-Am Enfermagem. 2018;26:e3019. https://doi.org/10.1590/1518-8345.2305.3019
https://doi.org/10.1590/1518-8345.2305.3...

4 Oliveira SIM, Oliveira Saraiva COP, Franca DF, Ferreira Junior MA, de Melo Lima LH, de Souza NL. Syphilis notifications and the triggering processes for vertical transmission: a cross-sectional study. Int. J Environ Res Public Health. 2020;17(3). https://doi.org/10.3390/ijerph17030984
https://doi.org/10.3390/ijerph17030984...
-55 Leal MC, Szwarcwald CL, Almeida PVB, Aquino EML, Barreto ML, Barros F, et al. Reproductive, maternal, neonatal and child health in the 30 years since the creation of the Unified Health System (SUS). Ciênc Saúde Colet. 2018;23(6). https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.03942018
https://doi.org/10.1590/1413-81232018236...
).

No ano de 2016, estimou-se a prevalência mundial de sífilis em gestantes de 0,69%, resultando em uma taxa global de SC de 473 casos por 100.000 nascidos vivos(11 Korenromp EL, Rowley J, Alonso M, Mello MB, Wijesooriya NS, Mahiane SG, et al. Global burden of maternal and congenital syphilis and associated adverse birth outcomes-Estimates for 2016 and progress since 2012. PLOS One. 2019;14(2):e0211720. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0211720
https://doi.org/10.1371/journal.pone.021...
). No Brasil, houve considerável aumento da taxa de incidência de SC, em 2008 foram 2,0 casos por 1.000 nascidos vivos e, em 2020, registraram-se 7,7 casos por 1.000 nascidos vivos(66 Ministério da Saúde (BR). Boletim Epidemiológico Sífilis/2021[Internet]. Brasília - DF; 2021[cited 2022 Feb 20]. 51 p. Available from: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/boletins/boletins-epidemiologicos/especiais/2021/boletim_sifilis-2021_internet.pdf
https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-...
), muito distante da meta de 0,5 caso por 1.000 nascidos vivos até 2015, estabelecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS), e reforçada até 2030(77 World Health Organization(WHO). Global health sector strategy on sexually transmitted infections 2016-2021: towards ending STIs-Report[Internet]. Geneva. 2016 [cited 2022 Jan 10]. Available from: https://apps.who.int/iris/bitstream/handle/10665/246296/?sequence=1
https://apps.who.int/iris/bitstream/hand...
).

A prevenção da transmissão vertical da sífilis corrobora os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) para o período de 2016 a 2030, do qual o Brasil é signatário. Uma das metas é acabar com as mortes evitáveis de recém-nascidos (RN) e crianças menores de cinco anos(88 Organização das Nações Unidas (ONU). Transforming our world: the 2030 Agenda for Sustainable Development[Internet]. New York. 2015 [cited 2022 Jan 15]: Available from: https://sustainabledevelopment.un.org/post2015/transformingourworld
https://sustainabledevelopment.un.org/po...
). Mundialmente, o componente neonatal corresponde a 44% da mortalidade infantil(99 Liu L, Oza S, Hogan D, Perin J, Rudan I, Lawn JE, et al. Global, regional, and national causes of child mortality in 2000-13, with projections to inform post-2015 priorities: an updated systematic analysis. Lancet. 2015;385(9966):430-40. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(14)61698-6
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) e, dentre as principais causas, estão a prematuridade e a malformação congênita(1010 Veloso FCS, Kassar LML, Oliveira MJC, Lima THB, Bueno NB, Gurgel RQ, et al. Analysis of neonatal mortality risk factors in Brazil: a systematic review and meta-analysis of observational studies. J Pediatr. 2019;95(5):519-30. https://doi.org/10.1016/j.jped.2018.12.014
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), as quais podem ser consequências da SC(11 Korenromp EL, Rowley J, Alonso M, Mello MB, Wijesooriya NS, Mahiane SG, et al. Global burden of maternal and congenital syphilis and associated adverse birth outcomes-Estimates for 2016 and progress since 2012. PLOS One. 2019;14(2):e0211720. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0211720
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).

A SC é considerada um marcador de qualidade do pré-natal, uma vez que a transmissão vertical pode ser 100% evitada com diagnóstico em tempo oportuno e tratamento adequado da gestante(33 Padovani C, Oliveira RR, Pelloso SM. Syphilis in during pregnancy: association of maternal and perinatal characteristics in a region of southern Brazil. Rev Latino-Am Enfermagem. 2018;26:e3019. https://doi.org/10.1590/1518-8345.2305.3019
https://doi.org/10.1590/1518-8345.2305.3...
,55 Leal MC, Szwarcwald CL, Almeida PVB, Aquino EML, Barreto ML, Barros F, et al. Reproductive, maternal, neonatal and child health in the 30 years since the creation of the Unified Health System (SUS). Ciênc Saúde Colet. 2018;23(6). https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.03942018
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). A prevenção e o tratamento englobam questões complexas relativas ao gênero, sexualidade, infidelidade conjugal, preconceito e discriminação intrafamiliar e nos serviços de saúde(1111 Silva JN, Cabral JF, Nascimento VF, Lucietto GC, Cunha Oliveira CB, Silva RA. Impactos do diagnóstico da infecção sexualmente transmissível na vida da mulher. Enferm Foco. 2018;9(2). https://doi.org/10.21675/2357-707X.2018.v9.n2.1058
https://doi.org/10.21675/2357-707X.2018....
).

A experiência de descobrir-se com sífilis e transmitir a doença ao filho gera sentimentos de tristeza, medo, choque, culpa(1212 Guimarães MSF, Santos IMM, Silva LJ, Christoffel MM, Silva LR. Parenthood of parents of newborns hospitalized due to congenital syphilis in the light of the Transition Theory. Texto Contexto Enferm. 2018; 27(4):e1190017. https://doi.org/10.1590/0104-07072018001190017
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13 Silva JG, Gomes GC, Ribeiro JP, Nobre CMG, Nörberg PKO, Mota MS. Congenital syphilis in newborns: repercussions for the mother. Rev Enferm UERJ. 2019;27:e41031. https://doi.org/10.12957/reuerj.2019.41031
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14 Souza MHT, Beck EQ. Understanding the congenital syphilis from the maternal look. Rev Enferm UFSM. 2019; 9, e56. https://doi.org/10.5902/2179769232072
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15 Brito APA, Kimura AF. Transmissão vertical da sífilis: vivência materna durante a hospitalização para diagnóstico e tratamento de seu filho recém-nascido. Rev Paul Enferm [Internet]. 2018 [cited 2022 Feb 5];29(1-2-3):68-76. Available from: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-970762
https://pesquisa.bvsalud.org/portal/reso...

16 Araujo SR, Farias AL, Alcântara DS, Marroni SN, Borges NM, Magalhães CCRGN, Barros LCS, Brito AKL, Costa GD, Bartholomeu LMDO. Mother’s experience against congenital syphilis occurrence in his children. REAS. 2020;(42):e2760. https://doi.org/10.25248/reas.e2760.2020
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17 Siqueira MA, Rolim MAD, Ferreira Junior AR, Rocha FAA, Cavalcante MMB. Sentimentos e conhecimentos de puérperas em face da Sífilis congênita neonatal. Rev Bras Pesq Saúde[Internet]. 2017 [cited 2021 Dec 10];19(3):56-61. Available from: https://periodicos.ufes.br/rbps/article/view/19565/13126
https://periodicos.ufes.br/rbps/article/...
-1818 Lima VC, Mororó RM, Feijão DM, Frota MVV, Martins MA, Ribeiro SM. Mother’s perception of congenital syphilis in her fetus. Espac Saude [Internet]. 2016 [cited 2022 Feb 20];17(2):118-25. Available from: https://espacoparasaude.fpp.edu.br/index.php/espacosaude/article/view/292
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) que são intensificados no prolongamento da hospitalização do RN para o tratamento da doença(1313 Silva JG, Gomes GC, Ribeiro JP, Nobre CMG, Nörberg PKO, Mota MS. Congenital syphilis in newborns: repercussions for the mother. Rev Enferm UERJ. 2019;27:e41031. https://doi.org/10.12957/reuerj.2019.41031
https://doi.org/10.12957/reuerj.2019.410...
,1515 Brito APA, Kimura AF. Transmissão vertical da sífilis: vivência materna durante a hospitalização para diagnóstico e tratamento de seu filho recém-nascido. Rev Paul Enferm [Internet]. 2018 [cited 2022 Feb 5];29(1-2-3):68-76. Available from: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-970762
https://pesquisa.bvsalud.org/portal/reso...

16 Araujo SR, Farias AL, Alcântara DS, Marroni SN, Borges NM, Magalhães CCRGN, Barros LCS, Brito AKL, Costa GD, Bartholomeu LMDO. Mother’s experience against congenital syphilis occurrence in his children. REAS. 2020;(42):e2760. https://doi.org/10.25248/reas.e2760.2020
https://doi.org/10.25248/reas.e2760.2020...
-1717 Siqueira MA, Rolim MAD, Ferreira Junior AR, Rocha FAA, Cavalcante MMB. Sentimentos e conhecimentos de puérperas em face da Sífilis congênita neonatal. Rev Bras Pesq Saúde[Internet]. 2017 [cited 2021 Dec 10];19(3):56-61. Available from: https://periodicos.ufes.br/rbps/article/view/19565/13126
https://periodicos.ufes.br/rbps/article/...
). O estigma por parte dos profissionais de saúde e familiares permeia a vivência do diagnóstico de sífilis(1212 Guimarães MSF, Santos IMM, Silva LJ, Christoffel MM, Silva LR. Parenthood of parents of newborns hospitalized due to congenital syphilis in the light of the Transition Theory. Texto Contexto Enferm. 2018; 27(4):e1190017. https://doi.org/10.1590/0104-07072018001190017
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-1313 Silva JG, Gomes GC, Ribeiro JP, Nobre CMG, Nörberg PKO, Mota MS. Congenital syphilis in newborns: repercussions for the mother. Rev Enferm UERJ. 2019;27:e41031. https://doi.org/10.12957/reuerj.2019.41031
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,1515 Brito APA, Kimura AF. Transmissão vertical da sífilis: vivência materna durante a hospitalização para diagnóstico e tratamento de seu filho recém-nascido. Rev Paul Enferm [Internet]. 2018 [cited 2022 Feb 5];29(1-2-3):68-76. Available from: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-970762
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16 Araujo SR, Farias AL, Alcântara DS, Marroni SN, Borges NM, Magalhães CCRGN, Barros LCS, Brito AKL, Costa GD, Bartholomeu LMDO. Mother’s experience against congenital syphilis occurrence in his children. REAS. 2020;(42):e2760. https://doi.org/10.25248/reas.e2760.2020
https://doi.org/10.25248/reas.e2760.2020...
-1717 Siqueira MA, Rolim MAD, Ferreira Junior AR, Rocha FAA, Cavalcante MMB. Sentimentos e conhecimentos de puérperas em face da Sífilis congênita neonatal. Rev Bras Pesq Saúde[Internet]. 2017 [cited 2021 Dec 10];19(3):56-61. Available from: https://periodicos.ufes.br/rbps/article/view/19565/13126
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) e resulta em omissão da doença no seio familiar(1212 Guimarães MSF, Santos IMM, Silva LJ, Christoffel MM, Silva LR. Parenthood of parents of newborns hospitalized due to congenital syphilis in the light of the Transition Theory. Texto Contexto Enferm. 2018; 27(4):e1190017. https://doi.org/10.1590/0104-07072018001190017
https://doi.org/10.1590/0104-07072018001...
-1313 Silva JG, Gomes GC, Ribeiro JP, Nobre CMG, Nörberg PKO, Mota MS. Congenital syphilis in newborns: repercussions for the mother. Rev Enferm UERJ. 2019;27:e41031. https://doi.org/10.12957/reuerj.2019.41031
https://doi.org/10.12957/reuerj.2019.410...
,1515 Brito APA, Kimura AF. Transmissão vertical da sífilis: vivência materna durante a hospitalização para diagnóstico e tratamento de seu filho recém-nascido. Rev Paul Enferm [Internet]. 2018 [cited 2022 Feb 5];29(1-2-3):68-76. Available from: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-970762
https://pesquisa.bvsalud.org/portal/reso...

16 Araujo SR, Farias AL, Alcântara DS, Marroni SN, Borges NM, Magalhães CCRGN, Barros LCS, Brito AKL, Costa GD, Bartholomeu LMDO. Mother’s experience against congenital syphilis occurrence in his children. REAS. 2020;(42):e2760. https://doi.org/10.25248/reas.e2760.2020
https://doi.org/10.25248/reas.e2760.2020...
-1717 Siqueira MA, Rolim MAD, Ferreira Junior AR, Rocha FAA, Cavalcante MMB. Sentimentos e conhecimentos de puérperas em face da Sífilis congênita neonatal. Rev Bras Pesq Saúde[Internet]. 2017 [cited 2021 Dec 10];19(3):56-61. Available from: https://periodicos.ufes.br/rbps/article/view/19565/13126
https://periodicos.ufes.br/rbps/article/...
), o que limita a rede de apoio em um momento tão importante de construção da parentalidade(1212 Guimarães MSF, Santos IMM, Silva LJ, Christoffel MM, Silva LR. Parenthood of parents of newborns hospitalized due to congenital syphilis in the light of the Transition Theory. Texto Contexto Enferm. 2018; 27(4):e1190017. https://doi.org/10.1590/0104-07072018001190017
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).

O enfermeiro atua na prevenção da transmissão vertical, por meio da promoção da saúde e do autocuidado das mulheres e dos seus parceiros como também do pré-natal qualificado(33 Padovani C, Oliveira RR, Pelloso SM. Syphilis in during pregnancy: association of maternal and perinatal characteristics in a region of southern Brazil. Rev Latino-Am Enfermagem. 2018;26:e3019. https://doi.org/10.1590/1518-8345.2305.3019
https://doi.org/10.1590/1518-8345.2305.3...
,55 Leal MC, Szwarcwald CL, Almeida PVB, Aquino EML, Barreto ML, Barros F, et al. Reproductive, maternal, neonatal and child health in the 30 years since the creation of the Unified Health System (SUS). Ciênc Saúde Colet. 2018;23(6). https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.03942018
https://doi.org/10.1590/1413-81232018236...
,1212 Guimarães MSF, Santos IMM, Silva LJ, Christoffel MM, Silva LR. Parenthood of parents of newborns hospitalized due to congenital syphilis in the light of the Transition Theory. Texto Contexto Enferm. 2018; 27(4):e1190017. https://doi.org/10.1590/0104-07072018001190017
https://doi.org/10.1590/0104-07072018001...
,1919 Vasconcelos MIO, Oliveira KMC, Magalhães AHR, Guimarães RX, Linhares MSC, Queiroz MV, Albuquerque IMN. Sífilis na gestação: estratégias e desafios dos enfermeiros da atenção básica para o tratamento simultâneo do casal. Rev Bras Promoc Saúde. 2017;29:85-92. https://doi.org/10.5020/18061230.2016.sup.p85
https://doi.org/10.5020/18061230.2016.su...
-2020 Silva AA, Jardim MJA, Rios CTF, Fonseca LMB, Coimbra LCJ. Prenatal care of usual-risk pregnant women: potentialities and weaknesses. Rev Enferm UFSM. 2019;9:e15. https://doi.org/10.5902/2179769232336
https://doi.org/10.5902/2179769232336...
). Em âmbito hospitalar, quando ocorre o diagnóstico de SC, muitas mães ficam surpresas e chocadas, pois não esperavam que a criança fosse infectada e precisam de apoio e orientação do enfermeiro sobre diagnóstico, tratamento e cuidados em saúde, não apenas com elas mas também com o RN(1313 Silva JG, Gomes GC, Ribeiro JP, Nobre CMG, Nörberg PKO, Mota MS. Congenital syphilis in newborns: repercussions for the mother. Rev Enferm UERJ. 2019;27:e41031. https://doi.org/10.12957/reuerj.2019.41031
https://doi.org/10.12957/reuerj.2019.410...
,1515 Brito APA, Kimura AF. Transmissão vertical da sífilis: vivência materna durante a hospitalização para diagnóstico e tratamento de seu filho recém-nascido. Rev Paul Enferm [Internet]. 2018 [cited 2022 Feb 5];29(1-2-3):68-76. Available from: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-970762
https://pesquisa.bvsalud.org/portal/reso...
-1616 Araujo SR, Farias AL, Alcântara DS, Marroni SN, Borges NM, Magalhães CCRGN, Barros LCS, Brito AKL, Costa GD, Bartholomeu LMDO. Mother’s experience against congenital syphilis occurrence in his children. REAS. 2020;(42):e2760. https://doi.org/10.25248/reas.e2760.2020
https://doi.org/10.25248/reas.e2760.2020...
,1818 Lima VC, Mororó RM, Feijão DM, Frota MVV, Martins MA, Ribeiro SM. Mother’s perception of congenital syphilis in her fetus. Espac Saude [Internet]. 2016 [cited 2022 Feb 20];17(2):118-25. Available from: https://espacoparasaude.fpp.edu.br/index.php/espacosaude/article/view/292
https://espacoparasaude.fpp.edu.br/index...
).

Embora existam muitas pesquisas com foco no pré-natal e nos tratamentos tanto da sífilis durante a gestação quanto da SC, as evidências concentram-se em dados epidemiológicos(11 Korenromp EL, Rowley J, Alonso M, Mello MB, Wijesooriya NS, Mahiane SG, et al. Global burden of maternal and congenital syphilis and associated adverse birth outcomes-Estimates for 2016 and progress since 2012. PLOS One. 2019;14(2):e0211720. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0211720
https://doi.org/10.1371/journal.pone.021...

2 Wijesooriya NS, Rochat RW, Kamb ML, Turlapati P, Temmerman M, Broutet N, et al. Global burden of maternal and congenital syphilis in 2008 and 2012: a health systems modelling study. Lancet Glob Health. 2016;4(8):e525-33. https://doi.org/10.1016/S2214-109X(16)30135-8
https://doi.org/10.1016/S2214-109X(16)30...

3 Padovani C, Oliveira RR, Pelloso SM. Syphilis in during pregnancy: association of maternal and perinatal characteristics in a region of southern Brazil. Rev Latino-Am Enfermagem. 2018;26:e3019. https://doi.org/10.1590/1518-8345.2305.3019
https://doi.org/10.1590/1518-8345.2305.3...
-44 Oliveira SIM, Oliveira Saraiva COP, Franca DF, Ferreira Junior MA, de Melo Lima LH, de Souza NL. Syphilis notifications and the triggering processes for vertical transmission: a cross-sectional study. Int. J Environ Res Public Health. 2020;17(3). https://doi.org/10.3390/ijerph17030984
https://doi.org/10.3390/ijerph17030984...
,2121 Moreira KFA, Oliveira D, Alencar L, Cavalcante D, Pinheiro A, Orfão NJCE. Profile of notified cases of congenital syphilis. Cogitare Enferm. 2017;22(2):e48949. https://doi.org/10.5380/ce.v22i2.48949
https://doi.org/10.5380/ce.v22i2.48949...

22 Valentim RAM, Caldeira-Silva GJP, da Silva RD, et al. Stochastic Petri net model describing the relationship between reported maternal and congenital syphilis cases in Brazil. BMC Med Inform Decis Mak. 2022;22:40. https://doi.org/10.1186/s12911-022-01773-1
https://doi.org/10.1186/s12911-022-01773...
-2323 Dalazen CE, Souza AS, Ribeiro CJN, Santos MM, Probst LF, Theobald MR. Space-time risk cluster and time trends of congenital syphilis in Brazil: an ecological study. Trans Rev Soc Trop Med Hyg. 2022;1-10. https://doi.org/10.1093/trstmh/trac014
https://doi.org/10.1093/trstmh/trac014...
). Há uma lacuna na literatura sobre as representações simbólicas e significados que perpassam as ações e as práticas das mulheres, anteriores ao nascimento da criança, para evitar a transmissão vertical e, posteriores a ele, no acompanhamento da saúde do filho com SC. A compreensão dos aspectos intersubjetivos envolvidos nessa experiência tem potencial para instrumentalizar o cuidado de enfermagem. Nesse sentido, a questão norteadora deste estudo foi: Quais os significados atribuídos pelas mulheres ao diagnóstico de sífilis e SC, ao tratamento e ao acompanhamento ambulatorial da criança?

OBJETIVOS

Compreender o significado atribuído pelas mulheres ao diagnóstico de sífilis e SC, ao tratamento e ao acompanhamento ambulatorial da criança.

MÉTODOS

Aspectos éticos

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo e atendeu aos aspectos éticos estabelecidos pela resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. As participantes foram identificadas pela letra E, seguida de algarismo arábico.

Referencial teórico-metodológico

O referencial teórico utilizado foi o Interacionismo Simbólico (IS) visto que valoriza o significado que o fenômeno tem para o indivíduo em determinado contexto e visa compreender a dimensão mais profunda de suas ações e interações na busca por esses significados. Na perspectiva do IS, as coisas (objetos, ações humanas, instituições, ideias, atividades dos outros no cotidiano) adquirem significado para a pessoa na interação com os outros e, à medida que ela vislumbra de maneira consciente, ela reflete e pensa sobre o objeto e então, o interpreta(2424 Charon JM. Symbolic interactionism: an introduction an interpretation, an integration. 10ª ed. Boston: Prentice Hall; 2010. 256 p.).

O IS permite compreender o significado do diagnóstico, tratamento e acompanhamento ambulatorial da saúde da criança que surge na interação e define as ações das mães no processo de cuidar da criança. O símbolo (SC), o self (consciência de si), a mente (onde um sujeito entende o outro), a ação humana (processo ativo de tomada de decisão) e a interação (comunicação e interpretação) fazem com que essas mulheres construam a sua trajetória.

Tipo de estudo

Trata-se de um estudo com abordagem qualitativa fundamentado pelo IS(2424 Charon JM. Symbolic interactionism: an introduction an interpretation, an integration. 10ª ed. Boston: Prentice Hall; 2010. 256 p.) e pela análise temática indutiva(2525 Braun V, Clarke V. Using thematic analysis in psychology. Qual Res Psychol [Internet]. 2006 [cited 2021 Dec 5];3(2):77-101. Available from: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1191/1478088706qp063oa
https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1...
). A fim de qualificar a produção do estudo, foram adotadas as diretrizes do Consolidated Criteria for Reporting Qualitative Research (COREQ)(2626 Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. 2007;19(6):349-57. https://doi.org/10.1093/intqhc/mzm042
https://doi.org/10.1093/intqhc/mzm042...
).

Cenário do estudo

A pesquisa foi realizada em um município da região nordeste do Estado de São Paulo que possui ampla rede de saúde com serviços de atenção básica, alta complexidade e atenção especializada. Em 2014, foi inaugurado o Centro de Referência em Especialidades Central, que inclui o Ambulatório Municipal de Infecções Congênitas, cenário do presente estudo. O Centro de Referência atende usuários do Sistema Único de Saúde (SUS) residentes no município, com Infecções Sexualmente Transmissível (IST), Tuberculose e Hepatite Viral, possui Serviço de Atendimento Especializado (SAE) e Centro de Testagem e Acolhimento (CTA). O trabalho no Centro de Referência é articulado aos Programas Municipais de Atenção Básica, Atenção à Saúde da Mulher e Atenção à Saúde da Criança e do Adolescente. Para os neonatos com SC, o encaminhamento é feito pela equipe do Programa Floresce uma Vida, vinculado ao Programa de Atenção à Saúde da Criança e do Adolescente. A equipe realiza agendamento do primeiro atendimento do RN na atenção básica, após alta da maternidade. E, ao identificar riscos para o neonato, também são agendados atendimentos em serviços especializados, como Serviço de Estimulação Precoce (neonatos com risco para desenvolvimento) e Ambulatório Municipal de Infecções Congênitas (neonatos com SC ou expostos à sífilis materna nas maternidades). No Ambulatório, as crianças são acompanhadas em consulta mensal até 6 meses de idade e bimensal após esse período.

Fonte de dados

Foram abordadas 30 mães de crianças com SC, e todas aceitaram participar do estudo. Como critério de inclusão, a mãe deveria ter idade igual ou superior a 18 anos e a criança estar em acompanhamento no Ambulatório por, no mínimo, três meses (consultas de retorno). Esse período foi considerado, tendo em vista que o tempo de acompanhamento ambulatorial constituir-se-ia em limitador importante para a apreensão da experiência. As mães foram abordadas em sala de espera do ambulatório, nos dias de atendimento das crianças, e convidadas a participarem do estudo.

Coleta e organização dos dados

A coleta de dados ocorreu entre março e outubro de 2018, por meio de entrevistas individuais e semiestruturadas realizadas pela pesquisadora principal, com experiência em pesquisa qualitativa, em sala reservada disponibilizada pelo serviço de saúde. As entrevistas foram audiogravadas e tiveram duração de aproximadamente 40 minutos.

A questão norteadora “Conte-me como tem sido o cuidado do seu filho, desde o nascimento até este momento” conduziu a entrevista. Questões auxiliares buscaram estimular a mãe a contar sua experiência com riqueza de detalhes: ‘Como e quando se descobriu com sífilis?’; ‘Você entendia as repercussões dessa doença para o seu filho?’; Quando e como descobriu que seu filho tem SC?’; ‘Como foi o tratamento (período de internação)?’; ‘Como está sendo o acompanhamento ambulatorial?’; ‘Como você percebe e se sente em relação à SC?’.

Um diário de campo foi preenchido com anotações de observações pertinentes ao processo de entrevista, não passíveis de registro por meio da gravação (manifestações com uso de linguagem não verbal, como gestos, posturas, expressões faciais). Esses dados foram incluídos nas transcrições das entrevistas. O preenchimento ocorria ao término de cada entrevista. Todas as participantes tiveram a oportunidade de ouvir a sua entrevista, para indicar novos comentários ou corrigir informações; contudo, nenhuma apontou necessidade de inserção ou adequações.

O encerramento da coleta de dados aconteceu quando a pesquisadora alcançou o objetivo do estudo. Uma amostra qualitativa ideal reflete as múltiplas dimensões do fenômeno e busca a qualidade das ações e interações, e o que prevalece é a certeza do pesquisador de que encontrou a lógica interna do seu objeto de estudo(2727 Minayo MCS. Amostragem e saturação em pesquisa qualitativa: consensos e controvérsias. Rev Pesqui Qual [Internet]. 2017 [cited 2021 Dec 10];5(7);01-12. Available from: https://editora.sepq.org.br/index.php/rpq/article/view/82
https://editora.sepq.org.br/index.php/rp...
).

Análise dos dados

A transcrição das entrevistas na íntegra foi feita pela pesquisadora principal e validada por outro pesquisador. Após, por meio da Análise Temática Indutiva(2525 Braun V, Clarke V. Using thematic analysis in psychology. Qual Res Psychol [Internet]. 2006 [cited 2021 Dec 5];3(2):77-101. Available from: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1191/1478088706qp063oa
https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1...
), foi realizada a análise em nível latente, dirigida pelos dados e interpretada à luz do IS. A análise temática indutiva ultrapassa o conteúdo semântico dos dados e identifica as ideias, suposições e conceitualizações, e o desenvolvimento dos temas envolve trabalho interpretativo, e não apenas uma descrição dos dados(2525 Braun V, Clarke V. Using thematic analysis in psychology. Qual Res Psychol [Internet]. 2006 [cited 2021 Dec 5];3(2):77-101. Available from: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1191/1478088706qp063oa
https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1...
). Essa análise consiste em seis fases. Na fase 1, foi realizada a leitura repetida dos dados, com busca por significados e padrões; na fase 2, os códigos iniciais foram organizados; na fase 3, procurou-se por temas mediante destaque das palavras, expressões e frases que se repetiam e dos conteúdos abordados com mais ênfase, e um mapa temático inicial foi construído. O refinamento dos temas aconteceu na fase 4, na qual foi elaborado o mapa temático desenvolvido. A fase 5 é o momento de se definirem e se nomearem os temas (mapa temático final). Nessa fase, passou-se à redação da análise dos dados, com organização dos extratos de forma coerente com o texto que os acompanhava e interpretação à luz do IS e, na fase 6, definiram-se os extratos de dados representativos para cada tema e relacionaram-se análise, questão de pesquisa, literatura e referencial teórico. Da análise, elencaram-se dois temas: Diagnóstico de sífilis e transmissão da doença à criança: a vivência da mulher do choque à frustração e A ressignificação da experiência com a doença: tratamento e acompanhamento ambulatorial da criança.

RESULTADOS

A idade das participantes variou entre 18 e 38 anos (média de 28 anos), 21 eram casadas, sete divorciadas e duas solteiras; dez eram multíparas, com média de dois filhos. Em relação às crianças, 16 eram do sexo masculino e 14 do feminino, quanto à faixa etária, variou de três a 12 meses, média de cinco meses.

Tema 1: Diagnóstico de sífilis e transmissão da doença à criança: a vivência da mulher do choque à frustração

Ao receberem o diagnóstico de sífilis durante a gestação, as mulheres relacionavam a doença com o vírus da imunodeficiência humana (HIV), IST incurável, e sentiram-se chocadas, envergonhadas, culpadas e preocupadas em transmitir a doença à criança. O significado simbólico da sífilis como uma doença relacionada à promiscuidade foi agravado pelo receio de deparar-se com atitudes sociais estigmatizantes, principalmente de familiares e profissionais da saúde, e o sigilo sobre a doença foi a forma encontrada para se protegerem do preconceito e dos julgamentos.

Não, ninguém da família sabe, eu optei em não contar para ninguém [...] Um pouco é vergonha de explicar, de saber como é que foi, ah como é que tem isso? Nem minha mãe, minha irmã, ninguém sabe, só eu e meu esposo. (E13)

Porque meu pai é assim, eu tive um primo que morreu de HIV, e ele [pai] falava, ah ele ficava desprezando meu primo, e ele falava que quando a pessoa tiver, assim, só de relar pega e ele ficava maltratando bastante. Aí minha mãe falou: “nem comenta nada com seu pai” [...]. (E8)

Eu fiquei muito receosa de falar para as pessoas porque, quando as pessoas são ignorantes e não entendem nada, é igual minha mãe nessa parte, porque minha mãe é muito ignorante, é aquela pessoa que se você falar para ela que aquela pessoa tem AIDS, ela não senta nem onde a pessoa sentou pelo simples medo do contágio [...]. (E15)

Esse significado simbólico foi sendo reconstruído ao adquirirem maiores conhecimentos sobre doença, tratamento materno, cura e prevenção da transmissão vertical. Essas mulheres, como atores sociais, assumiram o papel de mães e se esforçaram para proteger sua criança. Tal esforço é um retratado de suas atitudes, durante o seu tratamento, que foram permeadas por preocupação, culpa e responsabilidade pelo bem-estar do seu bebê.

Então, no pré-natal dela [refere-se à criança] eu descobri que eu estava com sífilis, eu estava grávida de 2 meses, aí eu fiz o tratamento tudo certinho e estamos acompanhando até hoje [...]. Ele [médico da UBS] falou que se eu não tratasse, ela poderia nascer cega, surda, com algum problema físico, então eu não pensei duas vezes em poder fazer o tratamento [...]. Nossa, é uma responsabilidade muito grande, você fica muito preocupada, todos os ultrassons que você vai fazer você quer saber se deu tudo bem de verdade. (E7)

Ela [enfermeira] me explicou tudo, me acalmou, porque eu fiquei muito desesperada, sabe? Ela me explicou que tinha tratamento e que se fizesse o tratamento certinho ela [filha] poderia estar bem para o resto da vida, eu fiz na hora. (E10)

Quando eu descobri, levei um choque, eu tava nervosa e ele [médico da UBS] só falou que podia passar para a neném e, se eu não cuidasse, quem iria sofrer era a neném [...]. Aí eu tomei a Benzetacil® que tinha que tomar, fiz tudo certinho e ela [filha] tá indo bem. (E9)

Quando do diagnóstico de SC, as mulheres atribuíram o significado de falha ao seu papel parental e derrota, visto que se esforçaram durante a gestação, em vão, para evitar a transmissão vertical. A culpa, a preocupação e o medo foram acentuados pelo sentimento de frustração diante do insucesso na prevenção da SC.

Eu tinha muito medo e ficava muito preocupada e ficava rezando para não acontecer nada de grave com ele [...]. (E4)

Fiquei muito mal, eu fiquei super preocupada, porque causar em mim é uma coisa, mas nela [filha] que não tem culpa de nada, aí não, né? (E19)

Eu me senti culpada, porque, querendo ou não, eu fiz acompanhamento para que não acontecesse nada com ela, para que ela nascesse bem e, no final de tudo, não adiantou nada. Então, eu me senti culpada por ela ter esta doença, entendeu? [...] querendo ou não, a culpa foi minha. (E10)

Tema 2: A ressignificação da experiência com a doença: tratamento e acompanhamento ambulatorial da criança

As crianças do estudo, ao nascimento, permaneceram hospitalizadas, em média 10 dias, para realizarem o tratamento da SC com penicilina cristalina endovenosa. O acompanhamento da criança sendo submetida a procedimento clínico doloroso, mesmo que para sua cura, potencializou o sentimento de culpa e de frustração pela transmissão vertical.

Eu chorei, eu chorei demais, porque eu queria que desse positivo em mim, não nele, e toda vez que ele ia tomar vacina [medicamento endovenoso para tratamento], eu chorava demais [...] acordava de noite e sonhava, e pedia: “coloca em mim, mas tira dele”. Eu me senti derrotada, muito derrotada, um bebezinho tão pequenininho! (E5)

O dia, lá na maternidade, quando eu vi ela [filha] lá com a agulha recebendo [medicamento] eu chorei muito, porque eu me senti muito culpada. (E25)

[...] Eu perdi 12 dias né, que eu podia tá em casa curtindo minha filha, só no hospital, porque, a cada 6 horas, ela fazia a medicação que era na veia, aí estourava a veia e tinha que ficar furando ela, era aquele transtorno. (E28)

A ressignificação da experiência ocorreu no processo simbólico de descoberta de que as possíveis consequências da SC para o crescimento e o desenvolvimento saudável da criança seriam evitadas com seu tratamento. Mesmo que a hospitalização tenha sido difícil para as mulheres, esta significou a cura e o bem-estar do seu bebê.

Ele pegou e tomou a injeção [medicamento endovenoso] por causa da infecção, para não deixar ela prolongar, foi muito ruim ficar lá [no hospital], mas bom pra ele né? (E12)

Fiquei péssima, eu só chorava. Nos primeiros dias, na verdade, você sente muita força para poder ficar ali, mas vai dormir 5 dias de hospital, 6 dias de hospital, você não vê nada, aí que você começa no desespero. A gente só aguenta por [pausa] [...] ah eu queria muito ir embora, mas eu não poderia catar minha filha e ir embora, porque se eu fizesse isso, ela não ia se tratar. (E28)

Após a alta hospitalar, as crianças iniciaram o acompanhamento ambulatorial mensal para avaliação clínica e laboratorial. Esse acompanhamento foi uma oportunidade para as mulheres ressignificarem a doença e o tratamento durante o pré-natal e tornou-se uma conquista duplicada: a sua cura e a da criança, e o crescimento e desenvolvimento saudáveis do filho.

Tem que trazer né, pra mim estar por dentro se está tudo bem com ele, se vai atrapalhar ele nesse desenvolvimento, no crescimento, e a doutora falou que não. Igual eu fiz os dois exames de sangue nele e deu negativo, em mim também; ela falou que eu posso ficar despreocupada que, no organismo dele, nem consta. Aqui [Centro de Referência] eu tô entendendo melhor a doença [...]. (E3)

Foi ótimo, a médica... ah tudo que eu queria saber ela me explicou, a maioria das coisas quem me explicou foi ela porque ela teve mais paciência comigo [...]. Agora vamos de alta, graça a Deus. (E10)

Então, assim, do tempo que ele nasceu, ele tá fazendo os tratamentos, daí eu venho aqui [Centro de Referência]. [...] graças a Deus os exames já deram negativos, vou fazer o último para comprovar mesmo, então, graças a Deus, Deus tá dando vitória para mim e para ele também. (E12)

Aí aqui [Centro de Referência] eu fiquei mais tranquila, porque a médica sempre me falou que não precisa ficar com medo, que ela tava super bem, e ela tá, ela não apresenta nada, ela já tá curada bem dizer, todos os exames deram negativo. (E21)

DISCUSSÃO

Os dados deste estudo revelaram o significado atribuído pelas mulheres à experiência da descoberta da sífilis, da transmissão vertical da doença e do acompanhamento dos cuidados de saúde da criança, em âmbito hospitalar e ambulatorial. O referencial do IS permitiu compreender esses significados, pois considera que a descrição do comportamento humano deve ser baseada no Ato Social, que ocorre em duas dimensões: a atividade manifesta, que é o comportamento externo observável, e a atividade encoberta, que se trata da experiência interna do indivíduo(2424 Charon JM. Symbolic interactionism: an introduction an interpretation, an integration. 10ª ed. Boston: Prentice Hall; 2010. 256 p.).

Assim, para cada ato observável durante os cuidados com a saúde da criança, existe um ato encoberto e, durante esses atos, os objetos sociais do ambiente se definem e se redefinem. Nesse contexto, a mulher, como Ator social, assumiu o papel de mãe, o que determinou tanto as suas ações quanto a forma como interpretou cada momento dessa trajetória.

Ao receberem o diagnóstico de sífilis, as ações das mulheres convergiram para o significado da doença naquele momento (doença relacionada à promiscuidade) e, segundo o IS(2424 Charon JM. Symbolic interactionism: an introduction an interpretation, an integration. 10ª ed. Boston: Prentice Hall; 2010. 256 p.), essa interpretação surge em consequência das suas interações sociais, modificando-se por meio de um processo interpretativo, desenvolvido constantemente por essas mulheres ao defrontarem-se com as situações e as pessoas em seus caminhos.

O diagnóstico de IST na vida das mulheres resulta em apreensões de intensidades variadas, como medo da morte, de transmitir a doença a outras pessoas ou receio do afastamento social(1111 Silva JN, Cabral JF, Nascimento VF, Lucietto GC, Cunha Oliveira CB, Silva RA. Impactos do diagnóstico da infecção sexualmente transmissível na vida da mulher. Enferm Foco. 2018;9(2). https://doi.org/10.21675/2357-707X.2018.v9.n2.1058
https://doi.org/10.21675/2357-707X.2018....
). Na presente pesquisa, embora expressassem choque, preocupação, frustração, medo quando do diagnóstico e opção por manter sigilo sobre a doença, em comum acordo com o parceiro, elas não relacionaram a sífilis com morte, pois compreenderam que, com o tratamento correto, há cura e evita-se a transmissão vertical.

O tratamento da sífilis na gestação foi interpretado como forma de proteger a criança e evitar a transmissão vertical, com sentimento de frustração e derrota ante o insucesso desse tratamento. O prognóstico da SC está relacionado à gravidade da infecção intrauterina e ao período em que o tratamento da mulher foi realizado; assim, a precocidade do diagnóstico em gestantes e a instituição da terapêutica adequada previnem a transmissão vertical, e menos afetada será a criança(2828 Cooper JM, Sanchez PJ. Congenital syphilis. Semin Perinatol. 2018;42(3):176-84. https://doi.org/10.1053/j.semperi.2018.02.005
https://doi.org/10.1053/j.semperi.2018.0...
-2929 Ministério da Saúde (BR). Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST)[Internet]. Brasília - DF; 2020[cited 2022 Feb 20]. 249 p. Available from: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2015/protocolo-clinico-e-diretrizes-terapeuticas-para-atencao-integral-pessoas-com-infeccoes
http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2015/pr...
).

No Brasil, o tratamento preconizado para sífilis em gestante é realizado com benzilpenicilina benzatina em dose adequada ao estágio clínico da infecção e com primeira dose realizada até 30 dias antes do parto(2929 Ministério da Saúde (BR). Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST)[Internet]. Brasília - DF; 2020[cited 2022 Feb 20]. 249 p. Available from: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2015/protocolo-clinico-e-diretrizes-terapeuticas-para-atencao-integral-pessoas-com-infeccoes
http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2015/pr...
). Desse modo, a ocorrência de SC está relacionada à qualidade do pré-natal, já que a transmissão vertical é evitável mediante oferta de cuidado qualificado, somado ao diagnóstico precoce e ao tratamento apropriado(33 Padovani C, Oliveira RR, Pelloso SM. Syphilis in during pregnancy: association of maternal and perinatal characteristics in a region of southern Brazil. Rev Latino-Am Enfermagem. 2018;26:e3019. https://doi.org/10.1590/1518-8345.2305.3019
https://doi.org/10.1590/1518-8345.2305.3...
,1818 Lima VC, Mororó RM, Feijão DM, Frota MVV, Martins MA, Ribeiro SM. Mother’s perception of congenital syphilis in her fetus. Espac Saude [Internet]. 2016 [cited 2022 Feb 20];17(2):118-25. Available from: https://espacoparasaude.fpp.edu.br/index.php/espacosaude/article/view/292
https://espacoparasaude.fpp.edu.br/index...
).

Diversos fatores caracterizam um cuidado pré-natal adequado, entre eles, a idade gestacional no início do acompanhamento, o número de consultas e a realização dos exames de rotina. Evidências apontaram que lacunas nessa assistência resultaram em tratamento inadequado ou não realização para aproximadamente metade das mulheres investigadas(33 Padovani C, Oliveira RR, Pelloso SM. Syphilis in during pregnancy: association of maternal and perinatal characteristics in a region of southern Brazil. Rev Latino-Am Enfermagem. 2018;26:e3019. https://doi.org/10.1590/1518-8345.2305.3019
https://doi.org/10.1590/1518-8345.2305.3...
,2121 Moreira KFA, Oliveira D, Alencar L, Cavalcante D, Pinheiro A, Orfão NJCE. Profile of notified cases of congenital syphilis. Cogitare Enferm. 2017;22(2):e48949. https://doi.org/10.5380/ce.v22i2.48949
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). Quando o diagnóstico e o tratamento da sífilis em gestantes não ocorrem precocemente, as consequências para o bebê podem ser graves e ocasionar nascimento prematuro, aborto, natimortalidade e óbito neonatal(11 Korenromp EL, Rowley J, Alonso M, Mello MB, Wijesooriya NS, Mahiane SG, et al. Global burden of maternal and congenital syphilis and associated adverse birth outcomes-Estimates for 2016 and progress since 2012. PLOS One. 2019;14(2):e0211720. https://doi.org/10.1371/journal.pone.0211720
https://doi.org/10.1371/journal.pone.021...

2 Wijesooriya NS, Rochat RW, Kamb ML, Turlapati P, Temmerman M, Broutet N, et al. Global burden of maternal and congenital syphilis in 2008 and 2012: a health systems modelling study. Lancet Glob Health. 2016;4(8):e525-33. https://doi.org/10.1016/S2214-109X(16)30135-8
https://doi.org/10.1016/S2214-109X(16)30...
-33 Padovani C, Oliveira RR, Pelloso SM. Syphilis in during pregnancy: association of maternal and perinatal characteristics in a region of southern Brazil. Rev Latino-Am Enfermagem. 2018;26:e3019. https://doi.org/10.1590/1518-8345.2305.3019
https://doi.org/10.1590/1518-8345.2305.3...
).

Na Atenção Básica, o enfermeiro realiza o pré-natal, e, além de garantir a saúde da mulher e do seu concepto no período gestacional, esse cuidado tem por finalidade uma atenção integral com foco na cura da infecção e na prevenção da transmissão vertical bem como no acolhimento do parceiro, na orientação de ambos e no suporte emocional, ultrapassando as questões biológicas e considerando as demandas sociais, emocionais e psicológicas(1313 Silva JG, Gomes GC, Ribeiro JP, Nobre CMG, Nörberg PKO, Mota MS. Congenital syphilis in newborns: repercussions for the mother. Rev Enferm UERJ. 2019;27:e41031. https://doi.org/10.12957/reuerj.2019.41031
https://doi.org/10.12957/reuerj.2019.410...
,1919 Vasconcelos MIO, Oliveira KMC, Magalhães AHR, Guimarães RX, Linhares MSC, Queiroz MV, Albuquerque IMN. Sífilis na gestação: estratégias e desafios dos enfermeiros da atenção básica para o tratamento simultâneo do casal. Rev Bras Promoc Saúde. 2017;29:85-92. https://doi.org/10.5020/18061230.2016.sup.p85
https://doi.org/10.5020/18061230.2016.su...
-2020 Silva AA, Jardim MJA, Rios CTF, Fonseca LMB, Coimbra LCJ. Prenatal care of usual-risk pregnant women: potentialities and weaknesses. Rev Enferm UFSM. 2019;9:e15. https://doi.org/10.5902/2179769232336
https://doi.org/10.5902/2179769232336...
). Cabe à equipe multiprofissional a busca ativa das gestantes faltosas no atendimento pré-natal como também o desenvolvimento de ações de conscientização da população sobre os riscos da prática sexual desprotegida e da importância do autocuidado(33 Padovani C, Oliveira RR, Pelloso SM. Syphilis in during pregnancy: association of maternal and perinatal characteristics in a region of southern Brazil. Rev Latino-Am Enfermagem. 2018;26:e3019. https://doi.org/10.1590/1518-8345.2305.3019
https://doi.org/10.1590/1518-8345.2305.3...
).

A possibilidade da transmissão vertical produziu sentimentos constantes nas vivências dessas mulheres, tais como o choque, a preocupação e a responsabilidade pela saúde da criança, o medo de esta apresentar algum sinal/sintoma, além da culpa e da frustração. O IS explica esse fenômeno por meio da interação social(2424 Charon JM. Symbolic interactionism: an introduction an interpretation, an integration. 10ª ed. Boston: Prentice Hall; 2010. 256 p.), que é o conceito central da teoria; assim, tem-se que a percepção da ameaça da transmissão vertical estimulou a interação das mulheres com os objetos sociais e, durante a atividade da mente, significaram a SC como consequência do seu comportamento e falha no seu papel parental, o que resultou nesses sentimentos.

Resultados semelhantes de outros estudos sinalizaram que, diante do diagnóstico de SC, as mães vivenciam tristeza, culpa, desespero e frustração com o sofrimento do filho(1212 Guimarães MSF, Santos IMM, Silva LJ, Christoffel MM, Silva LR. Parenthood of parents of newborns hospitalized due to congenital syphilis in the light of the Transition Theory. Texto Contexto Enferm. 2018; 27(4):e1190017. https://doi.org/10.1590/0104-07072018001190017
https://doi.org/10.1590/0104-07072018001...

13 Silva JG, Gomes GC, Ribeiro JP, Nobre CMG, Nörberg PKO, Mota MS. Congenital syphilis in newborns: repercussions for the mother. Rev Enferm UERJ. 2019;27:e41031. https://doi.org/10.12957/reuerj.2019.41031
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-1414 Souza MHT, Beck EQ. Understanding the congenital syphilis from the maternal look. Rev Enferm UFSM. 2019; 9, e56. https://doi.org/10.5902/2179769232072
https://doi.org/10.5902/2179769232072...
,1717 Siqueira MA, Rolim MAD, Ferreira Junior AR, Rocha FAA, Cavalcante MMB. Sentimentos e conhecimentos de puérperas em face da Sífilis congênita neonatal. Rev Bras Pesq Saúde[Internet]. 2017 [cited 2021 Dec 10];19(3):56-61. Available from: https://periodicos.ufes.br/rbps/article/view/19565/13126
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-1818 Lima VC, Mororó RM, Feijão DM, Frota MVV, Martins MA, Ribeiro SM. Mother’s perception of congenital syphilis in her fetus. Espac Saude [Internet]. 2016 [cited 2022 Feb 20];17(2):118-25. Available from: https://espacoparasaude.fpp.edu.br/index.php/espacosaude/article/view/292
https://espacoparasaude.fpp.edu.br/index...
).

O prolongamento da hospitalização da criança e a necessidade de ser submetida a procedimentos dolorosos para realização de exames e tratamento exacerbaram as emoções negativas, dados que corroboram pesquisas que identificaram sentimento de impotência, estresse, preocupação e ansiedade relacionado às múltiplas punções venosas, risco iminente de morte e espera dos resultados dos exames de imagem e laboratoriais(1212 Guimarães MSF, Santos IMM, Silva LJ, Christoffel MM, Silva LR. Parenthood of parents of newborns hospitalized due to congenital syphilis in the light of the Transition Theory. Texto Contexto Enferm. 2018; 27(4):e1190017. https://doi.org/10.1590/0104-07072018001190017
https://doi.org/10.1590/0104-07072018001...
-1313 Silva JG, Gomes GC, Ribeiro JP, Nobre CMG, Nörberg PKO, Mota MS. Congenital syphilis in newborns: repercussions for the mother. Rev Enferm UERJ. 2019;27:e41031. https://doi.org/10.12957/reuerj.2019.41031
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,1515 Brito APA, Kimura AF. Transmissão vertical da sífilis: vivência materna durante a hospitalização para diagnóstico e tratamento de seu filho recém-nascido. Rev Paul Enferm [Internet]. 2018 [cited 2022 Feb 5];29(1-2-3):68-76. Available from: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-970762
https://pesquisa.bvsalud.org/portal/reso...
,1717 Siqueira MA, Rolim MAD, Ferreira Junior AR, Rocha FAA, Cavalcante MMB. Sentimentos e conhecimentos de puérperas em face da Sífilis congênita neonatal. Rev Bras Pesq Saúde[Internet]. 2017 [cited 2021 Dec 10];19(3):56-61. Available from: https://periodicos.ufes.br/rbps/article/view/19565/13126
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). Assim, faz-se necessário que o enfermeiro identifique tais sentimentos e disponibilize tempo para acolher essas mulheres e favorecer o enfrentamento da doença, de modo a minimizar o sofrimento(1212 Guimarães MSF, Santos IMM, Silva LJ, Christoffel MM, Silva LR. Parenthood of parents of newborns hospitalized due to congenital syphilis in the light of the Transition Theory. Texto Contexto Enferm. 2018; 27(4):e1190017. https://doi.org/10.1590/0104-07072018001190017
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,1717 Siqueira MA, Rolim MAD, Ferreira Junior AR, Rocha FAA, Cavalcante MMB. Sentimentos e conhecimentos de puérperas em face da Sífilis congênita neonatal. Rev Bras Pesq Saúde[Internet]. 2017 [cited 2021 Dec 10];19(3):56-61. Available from: https://periodicos.ufes.br/rbps/article/view/19565/13126
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). Enfermeiros eticamente comprometidos com um cuidado integral e humanizado, com foco na família e não na doença, minimizam a estigmatização dessas mulheres(1212 Guimarães MSF, Santos IMM, Silva LJ, Christoffel MM, Silva LR. Parenthood of parents of newborns hospitalized due to congenital syphilis in the light of the Transition Theory. Texto Contexto Enferm. 2018; 27(4):e1190017. https://doi.org/10.1590/0104-07072018001190017
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-1313 Silva JG, Gomes GC, Ribeiro JP, Nobre CMG, Nörberg PKO, Mota MS. Congenital syphilis in newborns: repercussions for the mother. Rev Enferm UERJ. 2019;27:e41031. https://doi.org/10.12957/reuerj.2019.41031
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).

Ademais, a hospitalização da criança influencia na adaptação da parentalidade, posto que é um período de maior vulnerabilidade para as mulheres que vivenciam dificuldades para desempenhar o autocuidado e o cuidado do filho(1212 Guimarães MSF, Santos IMM, Silva LJ, Christoffel MM, Silva LR. Parenthood of parents of newborns hospitalized due to congenital syphilis in the light of the Transition Theory. Texto Contexto Enferm. 2018; 27(4):e1190017. https://doi.org/10.1590/0104-07072018001190017
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). Nesse contexto, o enfermeiro tem um importante papel no apoio ao desenvolvimento de uma parentalidade positiva, ao promover a vinculação do trinômio pais/bebê/família e orientar, encorajar e tornar os pais aptos para um cuidado responsivo às necessidades da criança(1212 Guimarães MSF, Santos IMM, Silva LJ, Christoffel MM, Silva LR. Parenthood of parents of newborns hospitalized due to congenital syphilis in the light of the Transition Theory. Texto Contexto Enferm. 2018; 27(4):e1190017. https://doi.org/10.1590/0104-07072018001190017
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).

As falas das mulheres trazem significação do tratamento da criança como uma experiência negativa por terem de permanecer no hospital, por um período superior ao planejado, e vivenciarem a criança sendo submetida a procedimentos clínicos dolorosos, como venopunção para antibioticoterapia. No entanto, a culpa e a dor da hospitalização foram aliviadas pela compreensão da doença e do valor desse cuidado para o crescimento e desenvolvimento saudável da criança, corroborando pesquisa que investigou a parentalidade de pais de RN hospitalizados por SC(1212 Guimarães MSF, Santos IMM, Silva LJ, Christoffel MM, Silva LR. Parenthood of parents of newborns hospitalized due to congenital syphilis in the light of the Transition Theory. Texto Contexto Enferm. 2018; 27(4):e1190017. https://doi.org/10.1590/0104-07072018001190017
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).

Esse tempo no hospital exige adaptação de rotinas, incluindo mudanças na vida social e no trabalho, e pode gerar tensão e preocupação por estar ausente de sua casa, longe da família e dos outros filhos(1212 Guimarães MSF, Santos IMM, Silva LJ, Christoffel MM, Silva LR. Parenthood of parents of newborns hospitalized due to congenital syphilis in the light of the Transition Theory. Texto Contexto Enferm. 2018; 27(4):e1190017. https://doi.org/10.1590/0104-07072018001190017
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,3030 Antão C, Rodrigues N, Sousa F, Anes E, Pereira A. Hospitalização da criança: sentimentos e opiniões dos pais. Rev INFAD Psicol [Internet]. 2018[cited 2021 Dec 10];2(1):125-32. Available from: https://www.redalyc.org/journal/3498/349856003013/349856003013.pdf
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-3131 Gonçalves KG, Figueiredo JR, Oliveira SX, Davim RMB, Camboim JCA, Camboim FE. Criança hospitalizada e equipe de enfermagem: opinião de acompanhantes. Rev Enferm UFPE [Internet]. 2017 [cited 2021 Dec 10];11(Supl 6):2586-93. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/23427/19114
https://periodicos.ufpe.br/revistas/revi...
). O enfermeiro, por meio de uma boa comunicação, pode amenizar a ansiedade dos pais e, assim, favorecer a aceitação da doença, do período de hospitalização, do tratamento como também o enfrentamento da situação(1212 Guimarães MSF, Santos IMM, Silva LJ, Christoffel MM, Silva LR. Parenthood of parents of newborns hospitalized due to congenital syphilis in the light of the Transition Theory. Texto Contexto Enferm. 2018; 27(4):e1190017. https://doi.org/10.1590/0104-07072018001190017
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,3030 Antão C, Rodrigues N, Sousa F, Anes E, Pereira A. Hospitalização da criança: sentimentos e opiniões dos pais. Rev INFAD Psicol [Internet]. 2018[cited 2021 Dec 10];2(1):125-32. Available from: https://www.redalyc.org/journal/3498/349856003013/349856003013.pdf
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-3131 Gonçalves KG, Figueiredo JR, Oliveira SX, Davim RMB, Camboim JCA, Camboim FE. Criança hospitalizada e equipe de enfermagem: opinião de acompanhantes. Rev Enferm UFPE [Internet]. 2017 [cited 2021 Dec 10];11(Supl 6):2586-93. Available from: https://periodicos.ufpe.br/revistas/revistaenfermagem/article/view/23427/19114
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).

Ressalta-se, nesse contexto, o sigilo sobre o diagnóstico de sífilis e de SC como a estratégia desenvolvida pelas mulheres do presente estudo para se esquivarem de julgamento de outras pessoas, inclusive no seio familiar, fato que restringe sua rede de apoio nesse momento importante de construção da parentalidade, também identificado por outras pesquisas que investigaram a SC(1212 Guimarães MSF, Santos IMM, Silva LJ, Christoffel MM, Silva LR. Parenthood of parents of newborns hospitalized due to congenital syphilis in the light of the Transition Theory. Texto Contexto Enferm. 2018; 27(4):e1190017. https://doi.org/10.1590/0104-07072018001190017
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-1313 Silva JG, Gomes GC, Ribeiro JP, Nobre CMG, Nörberg PKO, Mota MS. Congenital syphilis in newborns: repercussions for the mother. Rev Enferm UERJ. 2019;27:e41031. https://doi.org/10.12957/reuerj.2019.41031
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,1515 Brito APA, Kimura AF. Transmissão vertical da sífilis: vivência materna durante a hospitalização para diagnóstico e tratamento de seu filho recém-nascido. Rev Paul Enferm [Internet]. 2018 [cited 2022 Feb 5];29(1-2-3):68-76. Available from: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-970762
https://pesquisa.bvsalud.org/portal/reso...

16 Araujo SR, Farias AL, Alcântara DS, Marroni SN, Borges NM, Magalhães CCRGN, Barros LCS, Brito AKL, Costa GD, Bartholomeu LMDO. Mother’s experience against congenital syphilis occurrence in his children. REAS. 2020;(42):e2760. https://doi.org/10.25248/reas.e2760.2020
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-1717 Siqueira MA, Rolim MAD, Ferreira Junior AR, Rocha FAA, Cavalcante MMB. Sentimentos e conhecimentos de puérperas em face da Sífilis congênita neonatal. Rev Bras Pesq Saúde[Internet]. 2017 [cited 2021 Dec 10];19(3):56-61. Available from: https://periodicos.ufes.br/rbps/article/view/19565/13126
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).

As ISTs, como a sífilis, historicamente levaram à exclusão social e ao preconceito, o que pode interferir no tratamento; assim, é essencial a atuação do enfermeiro para desmistificar a doença(1212 Guimarães MSF, Santos IMM, Silva LJ, Christoffel MM, Silva LR. Parenthood of parents of newborns hospitalized due to congenital syphilis in the light of the Transition Theory. Texto Contexto Enferm. 2018; 27(4):e1190017. https://doi.org/10.1590/0104-07072018001190017
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-1313 Silva JG, Gomes GC, Ribeiro JP, Nobre CMG, Nörberg PKO, Mota MS. Congenital syphilis in newborns: repercussions for the mother. Rev Enferm UERJ. 2019;27:e41031. https://doi.org/10.12957/reuerj.2019.41031
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,1515 Brito APA, Kimura AF. Transmissão vertical da sífilis: vivência materna durante a hospitalização para diagnóstico e tratamento de seu filho recém-nascido. Rev Paul Enferm [Internet]. 2018 [cited 2022 Feb 5];29(1-2-3):68-76. Available from: https://pesquisa.bvsalud.org/portal/resource/pt/biblio-970762
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16 Araujo SR, Farias AL, Alcântara DS, Marroni SN, Borges NM, Magalhães CCRGN, Barros LCS, Brito AKL, Costa GD, Bartholomeu LMDO. Mother’s experience against congenital syphilis occurrence in his children. REAS. 2020;(42):e2760. https://doi.org/10.25248/reas.e2760.2020
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-1717 Siqueira MA, Rolim MAD, Ferreira Junior AR, Rocha FAA, Cavalcante MMB. Sentimentos e conhecimentos de puérperas em face da Sífilis congênita neonatal. Rev Bras Pesq Saúde[Internet]. 2017 [cited 2021 Dec 10];19(3):56-61. Available from: https://periodicos.ufes.br/rbps/article/view/19565/13126
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,2020 Silva AA, Jardim MJA, Rios CTF, Fonseca LMB, Coimbra LCJ. Prenatal care of usual-risk pregnant women: potentialities and weaknesses. Rev Enferm UFSM. 2019;9:e15. https://doi.org/10.5902/2179769232336
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). O estigma de contrair uma IST está associado a fatores culturais, pois, por muito tempo, essas doenças predominavam em profissionais do sexo, usuários de drogas e homossexuais; ele foi fortalecido pelo estigma da infecção pelo HIV, que resultou em medo, vergonha e rejeição, e, ainda hoje, as ISTs estão relacionadas à promiscuidade e ao comportamento de risco(1111 Silva JN, Cabral JF, Nascimento VF, Lucietto GC, Cunha Oliveira CB, Silva RA. Impactos do diagnóstico da infecção sexualmente transmissível na vida da mulher. Enferm Foco. 2018;9(2). https://doi.org/10.21675/2357-707X.2018.v9.n2.1058
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,1313 Silva JG, Gomes GC, Ribeiro JP, Nobre CMG, Nörberg PKO, Mota MS. Congenital syphilis in newborns: repercussions for the mother. Rev Enferm UERJ. 2019;27:e41031. https://doi.org/10.12957/reuerj.2019.41031
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).

Os dados apontaram que, além da omissão do diagnóstico, as mulheres relacionaram a sífilis ao HIV; significaram a doença como algo vergonhoso e que deveria ser omitido para evitar, além do julgamento da sociedade, a exclusão social. Segundo as premissas do IS(2424 Charon JM. Symbolic interactionism: an introduction an interpretation, an integration. 10ª ed. Boston: Prentice Hall; 2010. 256 p.), a mulher está sempre atuando socialmente, observando e identificando a situação, elaborando mentalmente os símbolos e interagindo consigo mesma, com seus familiares e com o ambiente. E, desse modo, as situações de preconceito que ela presenciou na sua trajetória de vida, somadas às suas experiências no presente, levam-na a interpretar a situação dessa forma. Isto posto, faz-se imprescindível a atuação do enfermeiro, com informações que esclareçam as dúvidas, desmistifiquem a sífilis e possibilitem a sua ressignificação pela mulher e uma nova forma de ela agir diante da doença.

O momento de maior compreensão sobre a doença, no presente estudo, ocorreu durante o acompanhamento ambulatorial, com aceitação do diagnóstico, percepção do seguimento da criança como um cuidado essencial para ela e confirmação da cura. O Ministério da Saúde brasileiro preconiza que as crianças com SC realizem acompanhamento ambulatorial mensal até o sexto mês de vida e bimensal do sexto ao 18º mês(2929 Ministério da Saúde (BR). Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST)[Internet]. Brasília - DF; 2020[cited 2022 Feb 20]. 249 p. Available from: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2015/protocolo-clinico-e-diretrizes-terapeuticas-para-atencao-integral-pessoas-com-infeccoes
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). Para que o seguimento dessas crianças seja garantido, é indispensável englobar a família nos cuidados, atender às suas necessidades, e não somente aos aspectos clínicos da assistência à criança; assim, busca-se criar vínculos que favoreçam a aderência a esse acompanhamento(3232 Feliz MC, Medeiros ARP, Rossoni AM, Tahnus T, Pereira AMVB, Rodrigues CJ. Adherence to the follow-up of the newborn exposed to syphilis and factors associated with loss to follow-up. Rev Bras Epidemiol. 2016;19:727-39. https://doi.org/10.1590/1980-5497201600040004
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).

A despeito das evidências que reforçam os cuidados no pré-natal e após o nascimento da criança, os protocolos(2929 Ministério da Saúde (BR). Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas para Atenção Integral às Pessoas com Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST)[Internet]. Brasília - DF; 2020[cited 2022 Feb 20]. 249 p. Available from: http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2015/protocolo-clinico-e-diretrizes-terapeuticas-para-atencao-integral-pessoas-com-infeccoes
http://www.aids.gov.br/pt-br/pub/2015/pr...
,3333 Domingues CSB, Duarte G, Passos MRL, Sztajnbok DCN, Menezes MLB. Protocolo Brasileiro para Infecções Sexualmente Transmissíveis 2020: sífilis congênita e criança exposta à sífilis. Consenso Epidemiol Serv Saúde. 2021;30(1):e2020597. https://doi.org/10.1590/S1679-4974202100005.esp1
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) convergem para o atendimento centrado na doença, e não consideram a perspectiva das experiências dessas mulheres que incluem sentimentos como sofrimento, apreensão, medo e dúvidas como expresso no material empírico produzido neste estudo. O cuidado prestado pode transpor esse olhar unilateral e integrar ações voltadas também à escuta e compreensão sobre como as mulheres experienciam a doença, o cuidado de si e de sua criança.

A presente pesquisa evidenciou a intensidade dos aspectos intersubjetivos que essas mulheres vivenciaram e que ressignificaram a cada momento, da descoberta da doença até o seguimento da criança em serviço especializado. Permeadas por suas interações com família, serviços de saúde e redes de apoio estão suas percepções acerca da doença e sobre como esta afeta sua vida. Dar voz a essas experiências permite conhecer como cada indivíduo as vivenciou e as interpretou, e, com isso, se oferecem subsídios para que a enfermagem cuide dessa clientela de modo qualificado e ampliado.

Limitações do Estudo

As limitações da pesquisa referem-se ao significado atribuído à experiência de 30 mulheres, mães de crianças com SC. Desse modo, os dados aqui apresentados não buscam generalizações ou respostas definitivas, pois os sujeitos estão constantemente interagindo socialmente, decodificando as vivências e ressignificando suas experiências.

Contribuições para a área da Enfermagem

Entende-se que os enfermeiros possuem - e devem assumir - papel essencial no cuidado que se inicia na prevenção da SC na Atenção Básica, passa para o âmbito hospitalar no atendimento do neonato acometido pela doença e da sua família e retorna ao setor inicial, com o seguimento da mulher e da criança. As intervenções de enfermagem têm potencial para capacitar as mulheres para o autocuidado, com empoderamento para mitigar a ocorrência da sífilis e assim reduzir casos de SC. O enfermeiro pode acolher os sentimentos, minimizar a estigmatização, apoiar o cuidado com a criança e a construção da parentalidade. E, ao compreender os aspectos intersubjetivos envolvidos nessa experiência, o enfermeiro se instrumentaliza para repensar sua prática assistencial e ofertar um cuidado integral e humanizado.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa evidenciou a intensidade dos aspectos intersubjetivos que mulheres vivenciaram e que ressignificaram a cada momento, da descoberta da doença até o seguimento da criança em serviço especializado. O diagnóstico de sífilis simbolizou um choque para as mulheres que se sentiram responsáveis por evitar a transmissão vertical por meio do seu tratamento correto. Já o diagnóstico de SC representou o desapontamento e a frustração diante do seu esforço, em vão, para evitar a transmissão vertical.

O significado simbólico da sífilis foi agravado pelo receio de deparar-se com atitudes sociais estigmatizantes, principalmente de familiares e de profissionais da saúde, e foi reconstruído à medida que as mulheres adquiriram maiores conhecimentos sobre doença e cura. No entanto, a culpa permeou a experiência de ter um filho acometido pela doença; sentimento este potencializado pela frustração, em razão do insucesso do seu tratamento e a transmissão vertical, e pela hospitalização e os procedimentos dolorosos necessários ao cuidado da criança. Destaca-se a importância de o enfermeiro protagonizar um cuidado integral e ampliado, que ultrapasse as questões biológicas e considere as demandas sociais e emocionais que perpassam a experiência dessas mulheres e suas famílias.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Luís Carlos Lopes-Júnior

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    04 Abr 2022
  • Aceito
    21 Ago 2022
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