Acessibilidade / Reportar erro

Orientações às famílias de usuários de serviço de saúde mental na perspectiva da equipe multiprofissional

RESUMO

Objetivo:

apreender as orientações realizadas pela equipe multiprofissional ao familiar do usuário em Centro de Atenção Psicossocial álcool e drogas.

Métodos:

estudo descritivo-exploratório e qualitativo, realizado em um Centro de Atenção Psicossocial álcool e drogas na região sul do Brasil, utilizando como base conceitual a Reforma Psiquiátrica. Os dados foram coletados no período de junho a agosto de 2019, mediante entrevista semiestruturada com equipe multiprofissional. Os dados foram organizados e operacionalizados no software IRAMUTEQ® e foi realizada a análise de conteúdo, modalidade temática.

Resultados:

emergiram duas classes; “Orientações referentes aos momentos de crise e chegada dos familiares ao serviço” e “Fatores dificultadores e estratégias para potencializar as orientações aos familiares”.

Considerações Finais:

As orientações prestadas centram-se na patologia e no próprio serviço. Os participantes destacaram o acolhimento, o grupo destinado às famílias, a escuta qualificada e a parceria com a atenção primária como maneiras de potencializar o atendimento as famílias.

Descritores:
Família; Saúde Mental; Serviços de Saúde Mental; Transtornos Relacionados ao Uso de Substâncias; Equipe Multiprofissional

ABSTRACT

Objective:

to apprehend the guidelines provided by the interdisciplinary team to the user’s family member at a Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Psychosocial Care Center for Alcohol and Drugs).

Methods:

descriptive-exploratory study, with a qualitative approach, carried out in a Psychosocial Care Center for alcohol and drugs in the southern region of Brazil, using the Psychiatric Reform as a conceptual basis. Data collection took place from June to August of 2019 through semi-structured interviews with a multidisciplinary team. The data were organized and operationalized in the IRAMUTEQ® software, and submitted to content analysis, thematic modality.

Results:

two classes emerged: “Guidelines referring to moments of crisis and the family members’ arrival to the service” and “Difficult factors and strategies to enhance the guidance to family members”.

Final Considerations:

The guidelines focus on pathology and the service itself. Participants highlighted embracement, the group for families, qualified listening, and cooperation with primary care as ways to enhance the service to families.

Descriptors:
Family; Mental Health; Mental Health Services; Substance-Related Disorders; Patient Care Team

RESUMEN

Objetivo:

conocer las pautas proporcionadas por el equipo multidisciplinario al familiar del usuario en un Centro de Atención Psicosocial para alcohol y drogas.

Métodos:

estudio descriptivo-exploratorio y cualitativo, realizado en un Centro de Atención Psicosocial para alcohol y drogas en el sur de Brasil, utilizando como base conceptual la Reforma Psiquiátrica. Los datos fueron recolectados de junio a agosto de 2019, mediante entrevista semiestructurada con un equipo multidisciplinario. Los datos fueron organizados y operacionalizados en el software IRAMUTEQ® y se realizó un análisis de contenido, modalidad temática.

Resultados:

surgieron dos clases; “Orientaciones referentes a momentos de crisis y llegada de los familiares al servicio” y “Factores difíciles y estrategias para potenciar la orientación a los familiares”.

Consideraciones finales:

La orientación ofrecida se centra en la patología y el servicio en sí. Los participantes destacaron la aceptación, el grupo enfocado en las familias, la escucha calificada y la asociación con la atención primaria como formas de mejorar el servicio a las familias.

Descriptores:
Familia; Salud Mental; Servicios de Salud Mental; Trastornos Relacionados con Sustancias; Grupo de Atención al Paciente

INTRODUÇÃO

Desde a década de 1980, um amplo movimento social tem promovido avanços na construção de um modelo de atenção psicossocial e comunitário, alternativo às instituições manicomiais predominantes até então. Atualmente, a atenção à saúde mental consiste em uma rede de serviços que busca a articulação entre a Atenção Primária à Saúde (APS), os serviços especializados de base comunitária (Centros de Atenção Psicossocial/CAPS), os serviços hospitalares (leitos psiquiátricos em hospitais gerais e leitos em hospitais psiquiátricos) e estratégias de desinstitucionalização, apoio social, trabalho e renda(11 Onocko-Campos RT, Amaral CEM, Saraceno B, Oliveira BDC, Treichel CAS, Delgado PGG. Atuação dos Centros de Atenção Psicossocial em quatro centros urbanos no Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2018;42:e113. doi: 10.26633/RPSP.2018.113
https://doi.org/10.26633/RPSP.2018.113...
). Neste contexto, o movimento de desinstitucionalização se beneficiou com a incorporação dos CAPS e promulgação da Lei nº 10.216/2001, que redirecionou o modelo assistencial em saúde mental para a atenção comunitária, com valorização da integração social e autonomia das pessoas(22 Ministério da Saúde (BR). Lei nº 10.216, Lei da Reforma Psiquiátrica de 06 de abril de 2001. Diário Oficial da União.).

Atualmente, os CAPS são um dos elementos mais significativos da Reforma Psiquiátrica, pois estimulam a reinserção do sujeito na comunidade. Seu objetivo é dispensar cuidados para as pessoas com transtornos mentais, organizar a rede de serviços de saúde mental, estimular a construção de projetos terapêuticos singulares, dar suporte à saúde mental na Atenção Básica e em unidades hospitalares, entre outras atividades(33 Silva TA, Paula Jr JD, Araújo RC. Centro de Atenção Psicossocial (CAPS):ações desenvolvidas em município de Minas Gerais, Brasil. Rev Latino Am Psicopatol Fundam. 2018;21(2). doi: 10.1590/1415-4714.2018v21n2p346.8
https://doi.org/10.1590/1415-4714.2018v2...
). Os CAPS são classificados em I, II, III, infantil e para usuários dependentes de álcool e outras drogas, conforme o porte (recursos humanos, dimensão física e população adscrita) e o tipo de clientela atendida (adultos, crianças e adolescentes)(11 Onocko-Campos RT, Amaral CEM, Saraceno B, Oliveira BDC, Treichel CAS, Delgado PGG. Atuação dos Centros de Atenção Psicossocial em quatro centros urbanos no Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2018;42:e113. doi: 10.26633/RPSP.2018.113
https://doi.org/10.26633/RPSP.2018.113...
). Nestes serviços, os usuários são acompanhados por equipe multidisciplinar formada por médico psiquiatra, enfermeiro, psicólogo, assistente social, técnico de enfermagem, terapeuta ocupacional, entre outros profissionais, com o propósito de tratar os sintomas, estimular a inserção social e o vínculo com familiares(44 Elias DG, Queiroz LA. Políticas de Saúde para o enfrentamento do uso de álcool e outras drogas, legislação e o trabalho desenvolvido nos CAPS. Rev Direitos Hum Soc [Internet]. 2018 &2019 Jul 20];1(1). Available from: http://periodicos.unesc.net/dirhumanos/article/view/4105
http://periodicos.unesc.net/dirhumanos/a...
).

Na busca pelo desenvolvimento de práticas que favoreçam a inserção das pessoas em sofrimento psíquico, com livre circulação pelos diversos dispositivos de saúde, comunidade e território, é evidenciado o papel da família para o tratamento de um de seus membros. Deste modo, a família, que outrora fora entendida como fator desencadeador da condição de saúde do indivíduo, passa a ocupar papel importante no apoio ao seu membro, além de ser caracterizada como espaço concreto de intervenção. Por esta razão, passou a receber maior atenção por parte dos serviços de saúde mental e a constituir parte do processo integral do atendimento ao adoecimento mental(55 Belotti M, Fraga HL, Belotti L. Família e atenção psicossocial: o cuidado à pessoa que fez uso abusivo de álcool e outras drogas. Cad Bras Ter Ocup. 2017;25(3). doi: 10.4322/2526-8910.ctoAR0988
https://doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAR0...
).

O impacto da dependência de drogas na vida dos familiares quebra a sua rotina e gera sentimentos de vulnerabilidade, desamparo e frustração. A dependência química não apenas revela a dinâmica familiar, como também impacta nas relações estabelecidas entre seus membros(66 Horta ALM, Daspett C, Egito JHT, Macedo RMS. Vivência e estratégias de enfrentamento de familiares de dependentes. Rev Bras Enferm. 2016;69(6). doi: 10.1590/0034-7167-2015-0044
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2015-0...
-77 Cavaggioni APM, Gomes MB, Rezende MMO. Tratamento familiar em casos de dependência de drogas no brasil: revisão de literatura. Mudanças, Psicol Saúde. 2017;25(1). doi: 10.15603/2176-1019/mud.v25n1p49-55
https://doi.org/10.15603/2176-1019/mud.v...
). Devido à complexidade da clínica álcool e drogas, a formação dos trabalhadores que atendem a essa população necessita ser continuamente atrelada ao cotidiano dos serviços, uma vez que o manejo necessário para se ofertar uma atenção adequada aos dependentes químicos e familiares extrapola o conhecimento tradicional/acadêmico e engloba conhecimentos adquiridos na prática, empiricamente(88 Silva e Silva DL, Knobloch F. A equipe enquanto lugar de formação: a educação permanente em um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras drogas. Interface (Botucatu). 2016;20(57). doi: 10.1590/1807-57622015.0061
https://doi.org/10.1590/1807-57622015.00...
).

Apesar da relevância da família para a terapêutica de pessoas com transtornos mentais ser bem documentada na literatura, especialmente as dependentes de álcool e drogas, estudos abordando as orientações com enfoque nas ações propostas pela Reforma Psiquiátrica ainda são incipientes. É relevante reconhecer quem são e como agem os profissionais atuantes em Centros de Atenção Psicossocial, pois eles têm oportunidade de conhecer as particularidades das famílias assistidas e trabalhar sua força e potencial de transformação, intentando o seu equilíbrio e bem-estar(99 Rodrigues TFCS, Sanches RCN, Rêgo AS, Decesaro MN, Radovanovic CAT. Conflicting daily life of families experiencing drug use. Rev Rene. 2019;20:e41002. doi: 10.15253/2175-6783.20192041002
https://doi.org/10.15253/2175-6783.20192...
).

Por acreditar que as ações dirigidas à família de pessoas dependentes de álcool e outras drogas devem favorecer e potencializar a atenção às suas necessidades psíquicas, além de serem pautadas na compreensão da família como parceira singular e participativa no processo de cuidado, e que por isto mesmo, também necessita de cuidados, questiona-se: quais orientações são fornecidas pela equipe multiprofissional aos familiares dos usuários do Centro de Atenção Psicossocial álcool e drogas (CAPS ad)?

OBJETIVO

Apreender as orientações realizadas pela equipe multiprofissional ao familiar do usuário em CAPS ad.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Os preceitos éticos estabelecidos pela Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde e Resolução 510/2016, foram devidamente respeitados, com a aprovação do estudo pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição signatária. Todos os participantes foram esclarecidos sobre os objetivos do estudo, procedimentos de coleta de dados, riscos e benefícios e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Com o intuito de preservar o anonimato e sigilo acerca das informações levantadas, os relatos dos participantes foram nominados com a letra E, de entrevistado, seguido de numeração arábica, conforme a sequência de realização das entrevistas e a profissão do participante.

Referencial Teórico

Os princípios e conceitos propostos pela Reforma Psiquiátrica(22 Ministério da Saúde (BR). Lei nº 10.216, Lei da Reforma Psiquiátrica de 06 de abril de 2001. Diário Oficial da União.) foram utilizados como base conceitual do estudo, direcionando a coleta e análise dos dados. O contexto da Reforma Psiquiátrica no Brasil é composto por quatro dimensões que se articulam e se retroalimentam: a primeira refere-se ao campo teórico-conceitual, que representa a produção de saberes e conhecimentos; a segunda é a dimensão técnico-assistencial, que emerge no modelo assistencial; a terceira, refere-se ao campo jurídico-político, que rediscute e redefine as relações sociais e civis em termos de cidadania, direitos humanos e sociais; e a quarta dimensão é a sociocultural, que expressa a transformação do lugar social da loucura(1010 Amarante PDC. A (clínica) e a Reforma Psiquiátrica. In: Amarante PDC, organizador. Archivos de saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro (RJ): NAU Editora; 2003.).

Tipo de estudo

Estudo descritivo-exploratório, de abordagem qualitativa. Este tipo de estudo é apropriado quando se pretende analisar e compreender a realidade dinâmica e não linear, de modo a subsidiar mudanças e transformações na realidade social(1111 Richardson RJ, Peres JAS, Wanderley JCV, Correia LM, Peres MHM. Pesquisa social: métodos e técnicas. 3a ed. São Paulo: Atlas; 2012.).

Cenário

O estudo foi realizado em um CAPS ad de um município do interior do estado do Paraná, na região sul do Brasil. No serviço, são realizadas diversas atividades como: atendimento individual e em grupo, oficinas terapêuticas e visitas domiciliares. Seu horário de funcionamento é de segunda à sexta-feira, das 7 às 21 horas. São atendidos usuário ou familiar que busque o serviço por demanda espontânea, ou encaminhados pelos outros serviços da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), como as Unidades Básicas de Saúde.

A equipe multiprofissional que atua no serviço é constituída por 22 profissionais (um clínico geral, dois psiquiatrias, quatro enfermeiros, cinco psicólogos, dois assistentes sociais, dois educadores sociais, dois terapeutas ocupacionais e quatro técnicos de enfermagem).

Participantes do estudo

Os participantes elegíveis para o estudo foram os 22 integrantes da equipe multiprofissional envolvidos na assistência às famílias. O único critério de inclusão definido foi atuar no serviço há pelo menos seis meses (critério atendido por 21 profissionais). Foram excluídos quatro profissionais que estavam de férias ou licença médica durante o período de coleta dos dados.

Procedimentos metodológicos

Os dados foram coletados no período de junho a agosto de 2019, mediante entrevista semiestruturada e áudio-gravada em aparelho smartphone após consentimento. Durante a entrevista, foi utilizado um roteiro constituído de duas partes. A primeira abordou características sociodemográficas (sexo, idade, formação profissional e tempo de experiência). A segunda parte foi constituída por uma questão norteadora: Quais são as orientações que você presta aos familiares dos pacientes do CAPS ad? O roteiro foi previamente avaliado por pesquisadores da área de saúde mental da instituição do estudo.

Os profissionais foram convidados a participar do estudo no próprio serviço. As entrevistas, sempre que possível, foram previamente agendadas e realizadas em sala reservada e durante o turno de trabalho, em horário mais conveniente às atividades. Foi realizada uma única entrevista com cada participante, com duração média de 30 minutos. Após o término, os principais tópicos relatados foram validados entre a pesquisadora e o entrevistado, com o intuito de garantir a qualidade dos dados coletados.

Análise e organização dos dados

A análise das entrevistas foi realizada por dois pesquisadores, com opção pela estratégia de análise de conteúdo, Modalidade Temática(1212 Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2016.), que visa o desvendar crítico, primordialmente, mediante a descrição e inferências que buscam esclarecer as causas de um problema ou as possíveis consequências advindas do mesmo. Foram seguidas as três fases: 1) Na pré-análise ocorreu a preparação do material, construção de hipóteses e formulação de indicadores que nortearam a interpretação final; 2) Exploração do material, quando foi realizada a codificação dos dados mediante o agrupamento em unidades de registro; e 3) Tratamento dos resultados, com a inferência guiada por vários polos de atenção/comunicação, que foram esclarecidos e em seguida, novos temas e dados foram descobertos, demandando a comparação entre enunciados e ações, a fim de verificar possíveis unificações(1212 Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2016.).

Para auxiliar na organização e apresentação dos dados, utilizou-se o software IRAMUTEQ (acrônimo de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires) 0.7 ALFA 2.3.3.1. Para o processamento dos dados, empregou-se a análise de Classificação Hierárquica Descendente (CHD). A partir de um corpus textual, construído a partir dos discursos dos participantes, tem-se sua partição em segmentos de texto ou Unidades de Contexto Elementar (UCE), classificados em função dos seus respectivos vocábulos e repartidos em função da sua frequência. A porcentagem refere-se à ocorrência da palavra nos segmentos de texto nessa classe, em relação à sua ocorrência no corpus(1313 Camargo BV, Justo AM. IRaMuTeQ: Um software gratuito para análise de dados textuais. Temas Psicol. 2013;21(2):513-518. doi: 10.9788/TP2013.2-16
https://doi.org/10.9788/TP2013.2-16...
).

O corpus textual, construído para responder ao objetivo deste estudo, apresentou 90 seguimentos de texto, com média de 3,14 linhas cada. O software indicou a partição do texto em cinco classes iniciais. Para a construção das duas classes definitivas e sua nomeação, foram considerados os seus assuntos principais, demonstrados pelos vocábulos e interpretação de sua convergência temática com o referencial teórico adotado, que deram origem a duas classes. O uso deste programa é apenas uma ferramenta que auxilia o agrupamento das informações por meio da análise lexical das palavras e métodos estatísticos. Para a análise do conteúdo, a interpretação do pesquisador foi imprescindível.

RESULTADOS

Os 13 profissionais participantes do estudo (dois assistentes social, duas enfermeiras, dois educadores sociais, um médico clínico, duas psicólogas, um psiquiatra e três técnicas de enfermagem), tinham idade entre 35 e 53 anos, tempo de formação entre 7 e 34 anos e tempo de atuação no CAPS ad de sete meses a 17 anos.

O corpus textual apresentou 90 seguimentos de texto e 63 foram analisados, o que correspondeu a 70% do total. A organização dos conteúdos e sua convergência com o referencial teórico adotado originaram duas classes definidas como Classe 1: “Orientações referentes aos momentos de crise e chegada dos familiares ao serviço” e Classe 2: “Fatores dificultadores e estratégias para potencializar as orientações aos familiares”, dispostas no dendograma das classes (Figura 1).

Figura 1
Dendograma das classes: Orientações às famílias de pessoas dependentes de álcool e drogas acompanhadas pelo Centro de Atenção Psicossocial álcool e drogas, Brasil, 2020

Classe 1. Orientações referentes aos momentos de crise e chegada dos familiares ao serviço

Nesta classe, identificou-se que as principais orientações fornecidas pelos profissionais de saúde aos familiares ocorrem no momento em que os usuários iniciam o acompanhamento no CAPS ad. Referem-se à explicação sobre o transtorno mental, condutas em situações de crise e possibilidades de recaída dos usuários que iniciaram o tratamento.

Oriento em relação à patologia específica do paciente [...], principalmente em relação à tolerância, a paciência, a saber o que fazer para ajudar o paciente, em relação ao julgamento, pelo familiar muitas vezes não entender a doença. (E13- Psiquiatra)

Explicamos o serviço, como é que vai proceder o tratamento de quem está chegando, o que fazer, os profissionais que ele irá passar, os atendimentos que irá fazer, e as possibilidades do tratamento, e algumas orientações sobre a rede também, no caso de entrar em crise, de fazer abstinência, esse tipo de situação. (E1- Assistente Social)

Notou-se o papel dos profissionais no sentido de fornecer subsídios não apenas sobre o transtorno mental, mas também sobre o tratamento fornecido no CAPS ad, a fim de evitar as internações hospitalares desnecessárias, que, na maioria das vezes, ainda são vistas como principal estratégia de enfrentamento pelos familiares.

As famílias vêm muitas vezes na verdade solicitando internação, eles não acham que o tratamento ambulatorial aberto é a melhor solução[...], normalmente a família acha que internar é a melhor solução. Então, nós temos de desmistificar isto para eles, e isto é um processo que não é fácil. (E٩- Assistente Social)

Classe 2. Fatores dificultadores e estratégias para potencializar as orientações aos familiares

Nesta classe, os profissionais relataram os aspectos que consideram limitantes nas interações com a família e consequentemente nas orientações que oferecem às mesmas, ao mesmo tempo em que apontaram estratégias para melhorar este atendimento. Dentre os fatores limitantes nas orientações fornecidas, destacaram a ausência da família no serviço, o não acompanhamento e/ou continuidade do tratamento e o não entendimento do tratamento ambulatorial.

É preciso mostrar a responsabilidade dos familiares, a importância que eles têm no tratamento no caso do incentivo, do acompanhamento, de passar as informações para nós também [...] do que ocorre, das dificuldades, para que a gente mude o manejo ou adeque conforme for necessário. (E6-Enfermeira)

Eles trazem [o paciente] e querem que a gente dê conta, o familiar não coopera. Muitos pacientes continuam o tratamento porque o familiar veio primeiro, então se ele não tem este suporte, a adesão do paciente às vezes também fica bem crítica, fica bem difícil. (E10-Tecnica de Enfermagem)

Dentre as estratégias a serem implementadas com as famílias, os participantes fizeram referência ao acolhimento humanizado, ao atendimento em grupo para familiares e a articulação com a APS, a fim de promover o acompanhamento da família na recuperação do sujeito dependente.

Seria bom no primeiro acolhimento, que é quando ele [paciente] vem aqui para o CAPS, nós tentarmos conversar com a família, ver também o que que eles querem aqui, [...], então nós precisamos tentar ouvi-los um pouquinho melhor. (E7 - Médico Clínico)

Nós deveríamos continuar com o tratamento, com o acompanhamento em grupo de familiares. E talvez fora, fora do CAPS ad também, com orientações preventivas com as famílias, seria uma coisa interessante. (E8 – Enfermeira)

Não precisaria ser feito só aqui [CAPS ad], poderia ser na UBS também, estaria ali mais próximo deles, porque às vezes a distância, por estar só aqui, centralizado, às vezes atrapalha também. (E4 – Educadora Social)

DISCUSSÃO

Ao compreender a família como uma parceira singular e participativa no processo de cuidado ao seu membro familiar e que também necessita de cuidados, o estudo aponta a necessidade da atenção psicossocial a este público, corroborada pela proposta da reforma psiquiátrica. Apesar de apontar ações que contribuiriam para inserir a família no contexto de cuidados e da necessidade de atendê-la em seus diversos aspectos, as orientações dispensadas concentraram-se em orientações acerca da patologia e dinâmica do próprio serviço. As ações dirigidas para as famílias das pessoas dependentes de álcool e outras drogas devem ser ampliadas de maneira a favorecer e potencializar as relações neste âmbito(22 Ministério da Saúde (BR). Lei nº 10.216, Lei da Reforma Psiquiátrica de 06 de abril de 2001. Diário Oficial da União.,55 Belotti M, Fraga HL, Belotti L. Família e atenção psicossocial: o cuidado à pessoa que fez uso abusivo de álcool e outras drogas. Cad Bras Ter Ocup. 2017;25(3). doi: 10.4322/2526-8910.ctoAR0988
https://doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAR0...
).

O intuito do cuidado às famílias deve ser o de minimizar o impacto resultante da tarefa de cuidar, além de ser necessário repensar as estratégias de cuidado e o apoio às famílias, e de levar a compreensão da dependência de álcool e drogas como um transtorno mental e das dimensões de seu tratamento(1414 Eloia SC, Oliveira EN, Lopes MVO, Parente JRF, Eloia SMC, Lima DS. Sobrecarga de cuidadores familiares de pessoas com transtornos mentais: análise dos serviços de saúde. Ciên Saúde Coletiva. 2018;(23)9. doi: 10.1590/1413-81232018239.18252016
https://doi.org/10.1590/1413-81232018239...
). As orientações primordiais ofertadas às famílias acompanhadas pelo CAPS ad devem esclarecer que a dependência é um transtorno mental complexo, com múltiplos fatores envolvidos, que pode perdurar por anos e muitas vezes, ser marcado por recaídas(1515 Maciel SC, Melo JRF, Dias CCV, Silva GLS, Gouveia YB. Sintomas depressivos em familiares de dependentes químicos. Psicol: Teor Prát. 2014;16(2):18-28. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ptp/v16n2/02.pdf
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ptp/v16n2/...
). Os profissionais entrevistados não sentem dificuldades em realizar esta orientação, visto que para eles é muito clara a importância de abordar a dependência e tratamento de álcool e outras drogas.

No entanto, os modelos de tratamento necessitam incluir diversas estratégias de abordagem do problema vivenciado pelas famílias, considerando elementos biológicos, psicológicos, emocionais, espirituais e sociais(99 Rodrigues TFCS, Sanches RCN, Rêgo AS, Decesaro MN, Radovanovic CAT. Conflicting daily life of families experiencing drug use. Rev Rene. 2019;20:e41002. doi: 10.15253/2175-6783.20192041002
https://doi.org/10.15253/2175-6783.20192...
,1515 Maciel SC, Melo JRF, Dias CCV, Silva GLS, Gouveia YB. Sintomas depressivos em familiares de dependentes químicos. Psicol: Teor Prát. 2014;16(2):18-28. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ptp/v16n2/02.pdf
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ptp/v16n2/...
). As orientações aos familiares devem direcionar-se na compreensão da dependência e instrumentalizá-los para lidar com as adversidades oriundas de um cotidiano degenerado por substâncias lícitas e ilícitas. Além do manejo em situações de agudização da dependência, devem ser promovidos o autocuidado e a prevenção do adoecimento dos familiares diante a sobrecarga e desgaste emocional. Desta forma, a família pode tornar-se unidade de informação, o que é fundamental na compreensão e interpretação das situações vivenciadas(1616 Oliveira GC, Schneider JF, Nasi C, Camatta MW, Olschowsky A. Expectativas de familiares sobre uma unidade de internação psiquiátrica. Texto Contexto Enferm. 2015;24(4):984-92. doi: 10.1590/0104-0707201500000770014
https://doi.org/10.1590/0104-07072015000...
-1717 Pandini A, D’artible EF, Paiano M, Marcon SS. Social support network and family: living with a family member who is a drug user. Ciên, Cuid Saúde. 2016;15(4):716-22. doi: 10.4025/cienccuidsaude.v15i4.34602
https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v...
).

Os aspectos do convívio com o familiar durante situações de crise ou recaídas precisam ser abordados pelos profissionais, pois fazem parte da terapêutica da dependência, visto o perfil e personalidade intrínsecos das pessoas dependentes de álcool e drogas. O tratamento consiste em um processo de adaptação e socialização, em que são necessárias mudanças para promover novos hábitos, como a reorganização da vida, tanto no âmbito familiar, como social(1616 Oliveira GC, Schneider JF, Nasi C, Camatta MW, Olschowsky A. Expectativas de familiares sobre uma unidade de internação psiquiátrica. Texto Contexto Enferm. 2015;24(4):984-92. doi: 10.1590/0104-0707201500000770014
https://doi.org/10.1590/0104-07072015000...
).

Apesar do impacto da Reforma Psiquiátrica na sociedade, sobretudo no auxílio ao tratamento e no processo de desmitificação dos transtornos mentais, a desinstitucionalização tem suscitado questionamentos acerca da responsabilização da família pelo cuidado. Sabe-se que o loco familiar é o espaço em que ocorrem os embates da realidade de cuidado da pessoa dependente de álcool e drogas, porquanto são responsabilizados por acolher, suprir suas necessidades e garantir-lhes segurança(1818 Oliveira LVD, Cirilo LS, Costa GMC. O cuidar do portador de transtorno mental: significado para a família. Rev Baiana Saúde Pública [Internet]. 2013 [2020 Mar 20];37(1):164.11. Available from: http://rbsp.sesab.ba.gov.br/index.php/rbsp/article/view/364/364.
http://rbsp.sesab.ba.gov.br/index.php/rb...
-1919 Batista EC, Ferreira DF, Silva Batista LK. O papel do cuidador familiar no campo da saúde mental: avanços e contradições. Clín Cultura [Internet]. 2018 [2020 Mar 20];6(1):21-30. Available from: https://seer.ufs.br/index.php/clinicaecultura/article/view/5743/7259
https://seer.ufs.br/index.php/clinicaecu...
). A participação da família no tratamento significa seu envolvimento nas atividades ofertadas pelos serviços de atenção em saúde mental, para acompanhar as estratégias de cuidado destinado ao seu membro, de acordo com as propostas da atenção psicossocial no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS)(2020 Ministério da Saúde (BR). Portaria Nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União 2011.).

Além da família se constituir como rede primária do indivíduo, também deve ser vista como parte do plano de cuidado e parceira na elaboração dos projetos terapêuticos. É fundamental que os profissionais de saúde considerem as famílias nas suas singularidades, suprindo as lacunas de informações nas situações de crise, nos conflitos familiares emergentes e na expectativa frustrada de cura, fatores entrelaçados ao desconhecimento da doença propriamente dita(2121 Ferreira TPS, Sampaio J, Oliveira IL, Gomes LB. A família no cuidado em saúde mental: desafios para a produção de vidas. Saúde Debate. 2019;43(21):441-9. doi: 10.1590/0103-1104201912112
https://doi.org/10.1590/0103-11042019121...
). Para inserir a participação das famílias no tratamento, é preciso estabelecer novos mecanismos para sua aproximação, já que para conhecer as necessidades, é necessário ir ao encontro do que é real na vida das pessoas. Principalmente nesses espaços extramuros, é possível conhecer o outro e buscar soluções possíveis ao sofrimento vivenciado, acolhendo as suas necessidades(2222 Lisbôa G, Brêda M, Albuquerque M. Ruídos do processo de trabalho e o acolhimento da família na atenção psicossocial em álcool e outras drogas. SMAD Rev Eletr Saúde Mental Álcool Drog. 2016;12(2):75-3. doi: 10.11606/issn.1806-6976.v12i2p75-83
https://doi.org/10.11606/issn.1806-6976....
).

Durante as entrevistas, apesar dos profissionais de saúde terem relatado possibilidades para potencializar o cuidado as famílias, eles permanecem centrados nas orientações tradicionais e deixam de realizar a escuta ativa dos familiares. O acolhimento das famílias deveria estar pautado na Política Nacional de Humanização, como forma de sustentar a relação entre equipes/serviços e usuários/populações, ser construído de forma coletiva, por meio de uma escuta qualificada e garantir que todos sejam atendidos com prioridades a partir da avaliação de vulnerabilidade, gravidade e risco(2323 Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2010.).

Quando o serviço de saúde tem em seu processo de trabalho a centralidade do sujeito e inclui a família como parte desse processo, os vínculos são fortalecidos, tanto para a integração entre os indivíduos, como para o desenvolvimento integral do ser humano. Usuários e familiares devem caminhar por uma rede de atenção com articulações bem delimitadas, favorecendo a atenção integral e considerando que cada nível de atenção à saúde atende a uma determinada complexidade(2222 Lisbôa G, Brêda M, Albuquerque M. Ruídos do processo de trabalho e o acolhimento da família na atenção psicossocial em álcool e outras drogas. SMAD Rev Eletr Saúde Mental Álcool Drog. 2016;12(2):75-3. doi: 10.11606/issn.1806-6976.v12i2p75-83
https://doi.org/10.11606/issn.1806-6976....
).

Apesar de não ser realizado no local do estudo, os participantes citaram a implantação e manutenção de terapias grupais para as famílias, a fim de propiciar espaços de discussão e aprendizado entre seus integrantes. A participação em grupos de terapia é essencial para incorporar os próprios indivíduos e seus familiares no processo de cuidado(1515 Maciel SC, Melo JRF, Dias CCV, Silva GLS, Gouveia YB. Sintomas depressivos em familiares de dependentes químicos. Psicol: Teor Prát. 2014;16(2):18-28. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ptp/v16n2/02.pdf
http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ptp/v16n2/...
,2121 Ferreira TPS, Sampaio J, Oliveira IL, Gomes LB. A família no cuidado em saúde mental: desafios para a produção de vidas. Saúde Debate. 2019;43(21):441-9. doi: 10.1590/0103-1104201912112
https://doi.org/10.1590/0103-11042019121...
-2222 Lisbôa G, Brêda M, Albuquerque M. Ruídos do processo de trabalho e o acolhimento da família na atenção psicossocial em álcool e outras drogas. SMAD Rev Eletr Saúde Mental Álcool Drog. 2016;12(2):75-3. doi: 10.11606/issn.1806-6976.v12i2p75-83
https://doi.org/10.11606/issn.1806-6976....
,2424 Lima MG, Gussi MA, Furegato ARF. Centro de atenção psicossocial, o cuidado em saúde mental no distrito federal, Brasil. Tempus, Actas Saúde Colet. 2017;11(4):197-220. doi: 10.18569/tempus.v11i4.2487
https://doi.org/10.18569/tempus.v11i4.24...
). Além disso, a criação de espaços de trocas de experiências com outros familiares que vivenciam situações semelhantes pode ajudar a minimizar as dificuldades encontradas no cotidiano familiar(55 Belotti M, Fraga HL, Belotti L. Família e atenção psicossocial: o cuidado à pessoa que fez uso abusivo de álcool e outras drogas. Cad Bras Ter Ocup. 2017;25(3). doi: 10.4322/2526-8910.ctoAR0988
https://doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAR0...
).

Neste âmbito, os participantes também ressaltaram a parceria com a APS no sentido de reforçar as orientações realizadas pelo serviço especializado, a fim de acompanhar as famílias na manutenção dos cuidados no seu território. Conforme a Política Nacional de Atenção Básica(22 Ministério da Saúde (BR). Lei nº 10.216, Lei da Reforma Psiquiátrica de 06 de abril de 2001. Diário Oficial da União.), são competências da APS: realizar o acolhimento e a estratificação de risco, ordenar o cuidado, articular a rede intra e intersetorial, realizar o cadastramento dos usuários e a criação de vínculo, responsabilizar-se pelos usuários adstritos, garantir o cuidado e a resolubilidade da atenção para os usuários de baixo e médio risco, compartilhar o cuidado com os CAPS dos usuários de alto risco, realizar atividades de educação em saúde e desenvolver atividades coletivas(2525 Secretaria de Estado da Saúde do Paraná. Coordenação Estadual de Saúde Mental. Rede de Atenção à Saúde Mental [Internet]. Curitiba. 2014[2020 Mar 25]. Available from: http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/antidrogas/rede_de_atencao_a_saude_mental_no_parana_2014.pdf
http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/F...
).

A participação reduzida dos profissionais no atendimento integral das famílias acarreta em restrição de informações, seja por falta de conhecimento dos próprios profissionais, seja pela ausência de contato com os mesmos. A interprofissionalidade das equipes de atenção psicossocial se justifica diretamente pelo compartilhamento de saberes e permite desmistificar a internação e motivar a família na continuidade do cuidado. Entretanto, há uma dificuldade em relação às trocas de corresponsabilidade no cuidado em rede, que na maioria das vezes ocorre de forma fragmentada e sem o vínculo e diálogo necessários entre os profissionais, evidenciando a dificuldade dos serviços com o trabalho em rede que garanta a integralidade das ações ao sujeito(2626 Eslabão AD, Coimbra VCC, Kantorski LP, Pinho LB, Santos EO. Rede de cuidado em saúde mental: visão dos coordenadores da estratégia saúde da família. Rev Gaúcha Enferm. 2017;38(1). doi: 10.1590/1983-1447.2017.01.60973
https://doi.org/10.1590/1983-1447.2017.0...
).

Tal dificuldade contrapõe a implementação da RAPS, que busca ampliar a atenção multiprofissional da saúde mental dos CAPS para os demais pontos de atenção à saúde para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e familiares(2020 Ministério da Saúde (BR). Portaria Nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União 2011.). A divisão de responsabilidades (ou a responsabilidade compartilhada) requer essa interface, visto que a responsabilidade pelo atendimento não se restringe ao CAPS. Apesar das dificuldades e da necessidade de retomar várias vezes o diálogo com a rede, a riqueza dessa estratégia está na composição e reconstrução de projetos terapêuticos que valorizem a necessidade do usuário e familiares, a fim de promover um cuidado em rede(2727 Pinho LB, Wetzel C, Schneider JF, Olschowsky A, Camatta MW, Kohlrausch ER, et al. Avaliação de componentes da rede para o atendimento a usuários de crack. Rev Bras Enferm. 2020;73(1). doi: 10.1590/0034-7167-2017-0835
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0...
).

No que concerne a enfermagem, a sua participação neste estudo figurou-se quase que imperceptível nas orientações fornecidas às famílias. Esta categoria configura-se como essencial em todos os componentes da RAPS, pois no espaço do cuidar, é necessário considerar que as ações referentes à saúde mental devem estar contempladas na assistência de enfermagem por meio de processos acolhedores, com a valorização do sujeito dependente e sua família. Assim, no processo de reabilitação, destaca-se a postura do enfermeiro, no contexto de saúde e doença do qual ele faz parte em uma abordagem holística e humanizada(2828 Silva MS, Machado PAT, Nascimento RS, Oliveira TS, Silva TF, Batista EC. A enfermagem no campo da saúde mental: uma breve discussão teórica. Rev Amazônia Sci Health [Internet]. 2017 &2020 Jan 25]. Available from: https://www.researchgate.net/publication/321025033
https://www.researchgate.net/publication...
).

Os profissionais de enfermagem enfrentam o desafio de trabalhar sob diferentes perspectivas, ao enfrentar seus próprios receios, ansiedade, insegurança, preconceito e incapacidade para atender e orientar famílias e dependentes de álcool e outras drogas. Também por conciliarem as atividades baseadas em políticas de saúde ainda não totalmente consolidadas e por trabalharem em equipe e em rede, no intuito de assegurar a integralidade da assistência(44 Elias DG, Queiroz LA. Políticas de Saúde para o enfrentamento do uso de álcool e outras drogas, legislação e o trabalho desenvolvido nos CAPS. Rev Direitos Hum Soc [Internet]. 2018 &2019 Jul 20];1(1). Available from: http://periodicos.unesc.net/dirhumanos/article/view/4105
http://periodicos.unesc.net/dirhumanos/a...
,2929 Garcia GDV, Zanoti-Jeronymo DV, Zambenedetti G, Cervo MR, Cavalcante MDMA. Percepção dos profissionais de saúde sobre saúde mental na atenção básica. Rev Bras Enferm. 2020;73(1). doi: 10.1590/0034-7167-2018-02011
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0...
).

Limitações do estudo

Uma possível limitação do estudo reside no fato de ter elegido como informantes os profissionais atuantes em apenas um dos dispositivos que compõe a RAPS, visto que a mesma pressupõe um trabalho integrado. Deste modo, sugere-se novos estudos incluindo profissionais que atuam em todos os serviços da rede entre os informantes, a fim de entender se as orientações fornecidas às famílias destes usuários se complementam e quais as lacunas existentes.

Contribuições para a área da enfermagem, saúde ou políticas públicas

Os resultados deste estudo ratificam a importância de os profissionais de saúde, em especial os enfermeiros, se constituírem como pontos de aproximação e apoio as famílias, propiciando uma assistência de saúde mental holística e integradora, que compreenda a importância da família para a qualidade da terapêutica dispensada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo possibilitou apreender que as orientações prestadas pela equipe multiprofissional às famílias dos dependentes de álcool e outras drogas que são acompanhadas pelo CAPS ad centram-se no transtorno mental e no funcionamento do próprio serviço. Os participantes destacaram o acolhimento, a escuta qualificada e a parceria com a APS como maneiras de potencializar o atendimento às famílias. Nessa perspectiva, compreende-se a importância da intersetorialidade para a resolutividade da assistência, de forma a valorizar não só o atendimento ao usuário, mas a todo o contexto familiar.

  • ERRATA

    No artigo “Orientações às famílias de usuários de serviço de saúde mental na perspectiva da equipe multiprofissional”, com número de DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0034-7167-2020-0389, publicado no periódico Revista Brasileira de Enfermagem, 73(Suppl 1):e20200389, na autoria:
    Onde se lia:
    Sonia da Silva MarconI
    Lê-se:
    Sonia Silva MarconI
  • FOMENTO
    Este relatório foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES).

REFERENCES

  • 1
    Onocko-Campos RT, Amaral CEM, Saraceno B, Oliveira BDC, Treichel CAS, Delgado PGG. Atuação dos Centros de Atenção Psicossocial em quatro centros urbanos no Brasil. Rev Panam Salud Publica. 2018;42:e113. doi: 10.26633/RPSP.2018.113
    » https://doi.org/10.26633/RPSP.2018.113
  • 2
    Ministério da Saúde (BR). Lei nº 10.216, Lei da Reforma Psiquiátrica de 06 de abril de 2001. Diário Oficial da União.
  • 3
    Silva TA, Paula Jr JD, Araújo RC. Centro de Atenção Psicossocial (CAPS):ações desenvolvidas em município de Minas Gerais, Brasil. Rev Latino Am Psicopatol Fundam. 2018;21(2). doi: 10.1590/1415-4714.2018v21n2p346.8
    » https://doi.org/10.1590/1415-4714.2018v21n2p346.8
  • 4
    Elias DG, Queiroz LA. Políticas de Saúde para o enfrentamento do uso de álcool e outras drogas, legislação e o trabalho desenvolvido nos CAPS. Rev Direitos Hum Soc [Internet]. 2018 &2019 Jul 20];1(1). Available from: http://periodicos.unesc.net/dirhumanos/article/view/4105
    » http://periodicos.unesc.net/dirhumanos/article/view/4105
  • 5
    Belotti M, Fraga HL, Belotti L. Família e atenção psicossocial: o cuidado à pessoa que fez uso abusivo de álcool e outras drogas. Cad Bras Ter Ocup. 2017;25(3). doi: 10.4322/2526-8910.ctoAR0988
    » https://doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAR0988
  • 6
    Horta ALM, Daspett C, Egito JHT, Macedo RMS. Vivência e estratégias de enfrentamento de familiares de dependentes. Rev Bras Enferm. 2016;69(6). doi: 10.1590/0034-7167-2015-0044
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167-2015-0044
  • 7
    Cavaggioni APM, Gomes MB, Rezende MMO. Tratamento familiar em casos de dependência de drogas no brasil: revisão de literatura. Mudanças, Psicol Saúde. 2017;25(1). doi: 10.15603/2176-1019/mud.v25n1p49-55
    » https://doi.org/10.15603/2176-1019/mud.v25n1p49-55
  • 8
    Silva e Silva DL, Knobloch F. A equipe enquanto lugar de formação: a educação permanente em um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e outras drogas. Interface (Botucatu). 2016;20(57). doi: 10.1590/1807-57622015.0061
    » https://doi.org/10.1590/1807-57622015.0061
  • 9
    Rodrigues TFCS, Sanches RCN, Rêgo AS, Decesaro MN, Radovanovic CAT. Conflicting daily life of families experiencing drug use. Rev Rene. 2019;20:e41002. doi: 10.15253/2175-6783.20192041002
    » https://doi.org/10.15253/2175-6783.20192041002
  • 10
    Amarante PDC. A (clínica) e a Reforma Psiquiátrica. In: Amarante PDC, organizador. Archivos de saúde mental e atenção psicossocial. Rio de Janeiro (RJ): NAU Editora; 2003.
  • 11
    Richardson RJ, Peres JAS, Wanderley JCV, Correia LM, Peres MHM. Pesquisa social: métodos e técnicas. 3a ed. São Paulo: Atlas; 2012.
  • 12
    Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2016.
  • 13
    Camargo BV, Justo AM. IRaMuTeQ: Um software gratuito para análise de dados textuais. Temas Psicol. 2013;21(2):513-518. doi: 10.9788/TP2013.2-16
    » https://doi.org/10.9788/TP2013.2-16
  • 14
    Eloia SC, Oliveira EN, Lopes MVO, Parente JRF, Eloia SMC, Lima DS. Sobrecarga de cuidadores familiares de pessoas com transtornos mentais: análise dos serviços de saúde. Ciên Saúde Coletiva. 2018;(23)9. doi: 10.1590/1413-81232018239.18252016
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232018239.18252016
  • 15
    Maciel SC, Melo JRF, Dias CCV, Silva GLS, Gouveia YB. Sintomas depressivos em familiares de dependentes químicos. Psicol: Teor Prát. 2014;16(2):18-28. Available from: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ptp/v16n2/02.pdf
    » http://pepsic.bvsalud.org/pdf/ptp/v16n2/02.pdf
  • 16
    Oliveira GC, Schneider JF, Nasi C, Camatta MW, Olschowsky A. Expectativas de familiares sobre uma unidade de internação psiquiátrica. Texto Contexto Enferm. 2015;24(4):984-92. doi: 10.1590/0104-0707201500000770014
    » https://doi.org/10.1590/0104-0707201500000770014
  • 17
    Pandini A, D’artible EF, Paiano M, Marcon SS. Social support network and family: living with a family member who is a drug user. Ciên, Cuid Saúde. 2016;15(4):716-22. doi: 10.4025/cienccuidsaude.v15i4.34602
    » https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v15i4.34602
  • 18
    Oliveira LVD, Cirilo LS, Costa GMC. O cuidar do portador de transtorno mental: significado para a família. Rev Baiana Saúde Pública [Internet]. 2013 [2020 Mar 20];37(1):164.11. Available from: http://rbsp.sesab.ba.gov.br/index.php/rbsp/article/view/364/364.
    » http://rbsp.sesab.ba.gov.br/index.php/rbsp/article/view/364/364.
  • 19
    Batista EC, Ferreira DF, Silva Batista LK. O papel do cuidador familiar no campo da saúde mental: avanços e contradições. Clín Cultura [Internet]. 2018 [2020 Mar 20];6(1):21-30. Available from: https://seer.ufs.br/index.php/clinicaecultura/article/view/5743/7259
    » https://seer.ufs.br/index.php/clinicaecultura/article/view/5743/7259
  • 20
    Ministério da Saúde (BR). Portaria Nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde. Diário Oficial da União 2011.
  • 21
    Ferreira TPS, Sampaio J, Oliveira IL, Gomes LB. A família no cuidado em saúde mental: desafios para a produção de vidas. Saúde Debate. 2019;43(21):441-9. doi: 10.1590/0103-1104201912112
    » https://doi.org/10.1590/0103-1104201912112
  • 22
    Lisbôa G, Brêda M, Albuquerque M. Ruídos do processo de trabalho e o acolhimento da família na atenção psicossocial em álcool e outras drogas. SMAD Rev Eletr Saúde Mental Álcool Drog. 2016;12(2):75-3. doi: 10.11606/issn.1806-6976.v12i2p75-83
    » https://doi.org/10.11606/issn.1806-6976.v12i2p75-83
  • 23
    Ministério da Saúde (BR). Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2010.
  • 24
    Lima MG, Gussi MA, Furegato ARF. Centro de atenção psicossocial, o cuidado em saúde mental no distrito federal, Brasil. Tempus, Actas Saúde Colet. 2017;11(4):197-220. doi: 10.18569/tempus.v11i4.2487
    » https://doi.org/10.18569/tempus.v11i4.2487
  • 25
    Secretaria de Estado da Saúde do Paraná. Coordenação Estadual de Saúde Mental. Rede de Atenção à Saúde Mental [Internet]. Curitiba. 2014[2020 Mar 25]. Available from: http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/antidrogas/rede_de_atencao_a_saude_mental_no_parana_2014.pdf
    » http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/antidrogas/rede_de_atencao_a_saude_mental_no_parana_2014.pdf
  • 26
    Eslabão AD, Coimbra VCC, Kantorski LP, Pinho LB, Santos EO. Rede de cuidado em saúde mental: visão dos coordenadores da estratégia saúde da família. Rev Gaúcha Enferm. 2017;38(1). doi: 10.1590/1983-1447.2017.01.60973
    » https://doi.org/10.1590/1983-1447.2017.01.60973
  • 27
    Pinho LB, Wetzel C, Schneider JF, Olschowsky A, Camatta MW, Kohlrausch ER, et al. Avaliação de componentes da rede para o atendimento a usuários de crack. Rev Bras Enferm. 2020;73(1). doi: 10.1590/0034-7167-2017-0835
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167-2017-0835
  • 28
    Silva MS, Machado PAT, Nascimento RS, Oliveira TS, Silva TF, Batista EC. A enfermagem no campo da saúde mental: uma breve discussão teórica. Rev Amazônia Sci Health [Internet]. 2017 &2020 Jan 25]. Available from: https://www.researchgate.net/publication/321025033
    » https://www.researchgate.net/publication/321025033
  • 29
    Garcia GDV, Zanoti-Jeronymo DV, Zambenedetti G, Cervo MR, Cavalcante MDMA. Percepção dos profissionais de saúde sobre saúde mental na atenção básica. Rev Bras Enferm. 2020;73(1). doi: 10.1590/0034-7167-2018-02011
    » https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-02011

Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa
EDITOR ASSOCIADO: Hugo Fernandes

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    28 Abr 2020
  • Aceito
    13 Set 2020
Associação Brasileira de Enfermagem SGA Norte Quadra 603 Conj. "B" - Av. L2 Norte 70830-102 Brasília, DF, Brasil, Tel.: (55 61) 3226-0653, Fax: (55 61) 3225-4473 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: reben@abennacional.org.br