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SUS-30 anos: direito e acesso no cotidiano da Atenção Primária à Saúde

RESUMO

Objetivos:

compreender acesso no cotidiano da Atenção Primária à Saúde como direito fundamental à saúde, sob a ótica do usuário.

Métodos:

estudo de casos múltiplos holístico-qualitativo, fundamentado na Sociologia Compreensiva do Cotidiano. Participaram do estudo 77 usuários do Sistema Único de Saúde (SUS).

Resultados:

na voz dos usuários, o direito à saúde ainda é uma questão de luta em mais de 30 anos de SUS. O SUS é considerado como o lugar onde eles têm para recorrer. As vivências se apresentam diversas, da facilidade à dificuldade de acesso, no descaso frente às necessidades dos usuários, mas apesar da desigualdade em relação à oferta de serviços, a solução sempre chega.

Considerações Finais:

para superar esse obstáculo histórico de acesso integral à saúde, como direito humano fundamental, é preciso superar decisões políticas e administrativas que impedem a construção do SUS legítimo, em uma participação verdadeiramente democrática de todos os atores sociais.

Descritores:
Direito à Saúde; Acesso aos Serviços de Saúde; Atenção Primária à Saúde; Sistema Único de Saúde; Enfermagem

ABSTRACT

Objectives:

to understand access in a day in the life Primary Health Care as a fundamental right to health, from users’ perspective.

Methods:

a holistic-qualitative multiple case study based on Comprehensive Sociology of Everyday Life. 77 Unified Health System (SUS) users participated in the study.

Results:

according to users’ voice, the right to health is still a matter of struggle, in more than 30 years of SUS. SUS is considered as the place where they have to appeal. The experiences are diverse, from the ease to the difficulty of access, neglecting users’ needs, but despite the inequality in relation to the offer of services, the solution always arrives.

Final Considerations:

to overcome this historical obstacle of comprehensive access to health, as a fundamental human right, it is necessary to overcome political and administrative decisions that hinder the construction of legitimate SUS, in a truly democratic participation of all social actors.

Descriptors:
Right to Health; Health Services Accessibility; Primary Health Care; Unified Health System; Nursing

RESUMEN

Objetivos:

comprender el acceso en la rutina de la Atención Primaria de Salud como un derecho fundamental a la salud, desde la perspectiva del usuario.

Métodos:

estudio de caso múltiple holístico-cualitativo, basado en la Sociología Integral de la Vida Cotidiana. En el estudio participaron 77 usuarios del Sistema Único de Salud (SUS).

Resultados:

en la voz de los usuarios, el derecho a la salud sigue siendo un tema de lucha en más de 30 años del SUS. Se considera que el SUS es el lugar donde tienen que apelar. Las experiencias son diversas, desde la facilidad hasta la dificultad de acceso, descuidando las necesidades de los usuarios, pero a pesar de la desigualdad en relación a la oferta de servicios, la solución siempre llega.

Consideraciones Finales:

para superar este obstáculo histórico del acceso integral a la salud, como derecho humano fundamental, es necesario superar las decisiones políticas y administrativas que obstaculizan la construcción del SUS legítimo, en una participación verdaderamente democrática de todos los actores sociales.

Descriptores:
Derecho a la Salud; Accesibilidad a los Servicios de Salud; Atención Primaria de Salud; Sistema Único de Salud; Enfermería

INTRODUÇÃO

Os direitos sociais como o direito à saúde(11 República Federativa do Brasil (BR). Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil [Internet]. Brasília: Senado Federal; 1988[cited 2020 Jun 10]. 133-4 p: Seção II. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
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), considerado um direito humano fundamental(22 Organização das Nações Unidas (ONU). Pacto internacional de direitos econômicos, sociais e culturais. Adotada pela Resolução n.2.200-A (XXI) da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 16 de dezembro de 1966 e ratificada pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992 [Internet]. 1966[cited 2020 Jun 10]. Available from: https://www.oas.org/dil/port/1966%20Pacto%20Internacional%20sobre%20os%20Direitos%20Econ%C3%B3micos,%20Sociais%20e%20Culturais.pdf
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), determina uma demarcação de ampliação da cidadania nas sociedades pós-modernas, visto que “reivindica a ação do Estado e anexa novos princípios ao desenvolvimento de padrões de cidadania, em particular formas diferenciadas de compreender o significado de satisfazer um nível decente de bem-estar e seguridade econômica e social”(33 Barros FPC, Sousa MF. Equidade: seus conceitos, significações e implicações para o SUS. Saúde Soc. 2016; 25(1):9-18. https://doi.org/10.1590/S0104-12902016146195
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). Isso ultrapassa a ausência da doença e inclui também os condicionantes e determinantes de saúde como o acesso aos bens e serviços essenciais como saúde, educação, alimentação, trabalho e renda justa, moradia, prática corporal, cultura e lazer, água potável, coleta de resíduos sólidos, coleta e tratamento de esgoto, transporte(44 Presidência da República (BR). Lei no. 8.080 de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, e dá outras providências [Internet]. Diário Oficial da União 1990[cited 2020 Jun 10]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
).

Saúde como direito de cidadania implica o acesso universal, integral e equânime ao Sistema Único de Saúde (SUS), instituído na Constituição da República Federativa Brasileira(11 República Federativa do Brasil (BR). Constituição 1988. Constituição da República Federativa do Brasil [Internet]. Brasília: Senado Federal; 1988[cited 2020 Jun 10]. 133-4 p: Seção II. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
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). Mas, em mais de 30 anos de implantação do SUS, “busca-se, ainda, a efetivação desses princípios no cotidiano dos serviços”(55 Viegas SMF, Penna CMM. Integrality: life principle and right to health. Invest Educ Enferm. 2015;33(2):237-47. https://doi.org/10.17533/udea.iee.v33n2a06
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).

Para essa efetivação, a Estratégia Saúde da Família (ESF) foi implementada em 1994, como porta prioritária para reorganização da lógica assistencial centrada na família, com intuito de mudanças na atenção fragmentada, individual e centrada na doença(55 Viegas SMF, Penna CMM. Integrality: life principle and right to health. Invest Educ Enferm. 2015;33(2):237-47. https://doi.org/10.17533/udea.iee.v33n2a06
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).

As equipes da APS devem desenvolver ações a partir de sua base territorial com o mais alto grau de descentralização e capilaridade, possibilitando acesso no local mais próximo da vida das pessoas, a criação de vínculo e cuidado centrado na pessoa(66 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) [Internet]. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 21 set 2017[cited 2020 Jun 10]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html
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).

Esse acesso deve ser garantido aos usuários pelo uso adequado e oportuno dos serviços e ações perante suas necessidades, com atendimento sem qualquer discriminação, acolhedor e humanizado. Portanto, pode-se afirmar que a saúde é direito de todos. Para Maffesoli(77 Maffesoli M. O conhecimento comum: introdução à sociologia compreensiva. Porto Alegre: Sulina, 2010. 295 p.), “o senso comum, em sua sabedoria ancestral, não se deixa perturbar pelo dever ser e, assim, reconhece o que é ou está”. O SUS é para todos sem distinção. Destarte, além do direito ao acesso os usuários do SUS, precisam ser respeitados em sua dignidade humana, autonomia e valores. Contudo, eles devem se corresponsabilizar pela participação proativa na produção da saúde individual e coletiva.

A noção de acesso pode estar relacionada ao cotidiano “e processos de trabalho em saúde, à organização da rede de atenção à saúde (RAS), ao Sistema e ao modelo de atenção. As críticas às condições de acesso no SUS se direcionam as dificuldades desse Sistema, sendo a organização da RAS o principal alvo das discussões”(88 Barbiani R, Junges JR, Nora CRD, AF. A produção científica sobre acesso no âmbito do Sistema Único de Saúde do Brasil: avanços, limites e desafios. Saúde Soc. 2014;23(3):855-68. https://doi.org/10.1590/S0104-12902014000300010
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). Considera-se, em segundo plano como avanços, limites e desafios, a lógica do sistema, “definidora do modelo de atenção, que organiza o acesso aos serviços, bem como as respostas às necessidades advindas dos determinantes sociais da saúde, das transições demográficas e epidemiológicas e do papel do controle social na efetivação do direito à saúde”(88 Barbiani R, Junges JR, Nora CRD, AF. A produção científica sobre acesso no âmbito do Sistema Único de Saúde do Brasil: avanços, limites e desafios. Saúde Soc. 2014;23(3):855-68. https://doi.org/10.1590/S0104-12902014000300010
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).

Considerando o marco histórico de mais de 30 anos do SUS, justifica-se este estudo ao buscar, sob a ótica do usuário, a compreensão do direito à saúde e suas vivências de acesso na APS. Ao considerar a APS como cenário do SUS para este estudo, alega-se a diretriz coordenação do cuidado com o fim de planejar e organizar o fluxo acompanhando os usuários na atenção em redes de saúde e intersetoriais, públicas, comunitárias e sociais, ordenando-as, contribuindo para o planejamento das ações, programação dos serviços a partir das necessidades de saúde das pessoas(66 Ministério da Saúde (BR). Portaria nº 2.436, de 21 de setembro de 2017. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes para a organização da Atenção Básica, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) [Internet]. Diário Oficial da União, Brasília (DF), 21 set 2017[cited 2020 Jun 10]. Available from: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2017/prt2436_22_09_2017.html
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). Desse modo, buscou a noção de acesso ao sistema como direito pelo olhar de quem está em sua porta de entrada, a APS, que deve ser a preferencial.

Destarte, indaga-se: como os usuários compreendem o direito à saúde? Como os usuários vivenciam o acesso à saúde no contexto do SUS, tendo como porta de entrada a APS?

OBJETIVOS

Compreender acesso no cotidiano da Atenção Primária à Saúde como direito fundamental à saúde, sob a ótica do usuário.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São João del-Rei, Campus Centro-Oeste. Foi desenvolvido segundo a Resolução Conselho Nacional de Saúde no 466, de 12 de dezembro de 2012, obedecendo às diretrizes e normas reguladoras de pesquisas que envolvem seres humanos e atendendo aos fundamentos éticos e científicos pertinentes.

Referencial teórico-metodológico

O referencial teórico da Sociologia Compreensiva do Cotidiano de Michel Maffesoli(77 Maffesoli M. O conhecimento comum: introdução à sociologia compreensiva. Porto Alegre: Sulina, 2010. 295 p.) foi utilizado para a compreensão do acesso e da acessibilidae no cotidiano da APS por meio da pluralidade de visões e experiências de usuários do SUS, ocupando-se em descrever “o vivido naquilo que é, contentando-se, assim, em discernir as visões dos diferentes atores envolvidos”(77 Maffesoli M. O conhecimento comum: introdução à sociologia compreensiva. Porto Alegre: Sulina, 2010. 295 p.). Ela possibilita a descrição do viver pós-moderno(77 Maffesoli M. O conhecimento comum: introdução à sociologia compreensiva. Porto Alegre: Sulina, 2010. 295 p.), considerando o quotidiano como os “modos de vida, as maneiras de ser, de pensar, de se situar, de se comportar em relação aos outros e à natureza”(99 Maffesoli M. O tempo retorna: formas elementares da pós-modernidade. Tradução de Teresa Dias Carneiro; revisão técnica de Abner Chiquieri. Rio de Janeiro: Florense Universitária, 2012.). Assim, “o quotidiano é o objeto de estudo nos diferentes cenários da pesquisa em Enfermagem e Saúde, não apenas como sinônimo de dia a dia, mas também, como expressão de uma maneira de viver em um determinado contexto”(1010 Nitschke RG, Tholl AD, Potrich T, Silva KM, Michelin SR, Laureano DD. Contributions of Michel Maffesoli's thinking to research in nursing and health. Texto Contexto Enferm. 2017;26(4):e3230017. https://doi.org/10.1590/0104-07072017003230017
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).

O referencial metodológico de estudo de casos múltiplos holístico(1111 Yin RK. Estudo de Caso: Planejamento e Métodos. Bookman editora, 2015. 290p.) possibilitou a compreensão do objeto de análise, reunindo informações numerosas e detalhadas com vistas à apreensão das realidades pesquisadas. Associado à abordagem qualitativa, esse método possibilita compreender, explorar, descrever ou explicar um fenômeno no seu contexto natural, contribuindo para a sua compreensão global e interpretação(1111 Yin RK. Estudo de Caso: Planejamento e Métodos. Bookman editora, 2015. 290p.-1212 Minayo MCS. Los conceptos estructurantes de la investigación cualitativa. Salud Colectiva. 2010;6(3):251-61. https://doi.org/10.18294/sc.2010.283
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).

A compreensão do acesso no cotidiano da APS sob a ótica de usuário do SUS pode ser fundamentada na concepção maffesoliana ao referir em como várias partes de um fenômeno se ordenam e como as forças implicadas nessa ordenação é uma conexão que ocorre internamente a ele(77 Maffesoli M. O conhecimento comum: introdução à sociologia compreensiva. Porto Alegre: Sulina, 2010. 295 p.).

Tipo de estudo

Trata-se de estudo qualitativo sob o método de estudo de casos múltiplos holístico(1111 Yin RK. Estudo de Caso: Planejamento e Métodos. Bookman editora, 2015. 290p.), fundamentado na Sociologia Compreensiva do Cotidiano(77 Maffesoli M. O conhecimento comum: introdução à sociologia compreensiva. Porto Alegre: Sulina, 2010. 295 p.). Este estudo considerou as recomendações do COnsolidated criteria for REporting Qualitative research (COREQ)(1313 Tong A, Sainsbury P, Craig J. Consolidated criteria for reporting qualitative research (COREQ): a 32-item checklist for interviews and focus groups. Int J Qual Health Care. 2017:19(6):349-57. Available from: https://www.equator-network.org/reporting-guidelines/coreq/
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).

Procedimentos metodológicos

Este estudo contém dois casos, definidos por dois municípios de Minas Gerais, Brasil. Cada caso versou em uma investigação empírica e completa(1111 Yin RK. Estudo de Caso: Planejamento e Métodos. Bookman editora, 2015. 290p.) do fenômeno contemporâneo dentro do contexto da vida real, no qual foram buscadas convergências e divergências nas evidências dos fatos para concluir os casos(1111 Yin RK. Estudo de Caso: Planejamento e Métodos. Bookman editora, 2015. 290p.) deste estudo. Este estudo, por ser holístico, teve como unidade única de análise, para os dois casos, “o acesso no cotidiano da Atenção Primária à Saúde como direito fundamental à saúde”.

Os estudos de casos múltiplos apresentam a capacidade de generalização às proposições teóricas, portanto, podem expandir e generalizar teorias (generalização analítica)(1111 Yin RK. Estudo de Caso: Planejamento e Métodos. Bookman editora, 2015. 290p.).

Cenário do estudo e participantes da pesquisa

O universo deste estudo foi constituído por dois municípios do estado de Minas Gerais, Brasil. Para compor o cenário, as unidades de APS Tradicional e as unidades com equipes da ESF foram sorteadas de maneira aleatória, e compreenderam, de forma igualitária três unidades de APS Tradicional e três unidades da ESF da área urbana dos dois municípios (Notas de Campo – NC).

O município 1 (10.547 habitantes e cobertura da ESF de 100%) possui dois distritos rurais. A população é cadastrada e atendida em quatro unidades de saúde, uma de APS Tradicional e três de ESF, essas equipes incorporam o cirurgião-dentista, o auxiliar de saúde bucal e têm o apoio, em dias alternados, de profissionais pediatra, nutricionista, ginecologista, fonoaudióloga, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional. Nas unidades de ESF têm atendimento clínico noturno, uma vez na semana, para a classe trabalhadora. A APS Tradicional, localizada no centro da cidade, é referência para a população do município para o atendimento de consultas especializadas de pediatra, ginecologia, obstetrícia, cardiologia, neurologia, cirurgia geral, ortopedia, urologia (NC).

O município 2 (234.937 habitantes, cobertura da ESF de 32%), possui 64 instituições de saúde, sendo 01 unidade de Pronto Atendimento Regional, 11 unidades de APS Tradicional, 32 equipes de ESF, 01 Policlínica, 01 Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) com ambulatório psiquiátrico, 01 CAPS AD III, 01 Central de Imunização, 07 farmácias básicas, 01 Centro Regional de Reabilitação, 01 Unidade de Vigilância à Saúde, 01 Serviço Especializado de Odontologia, 03 Unidades de Serviço Móvel de Urgência, 03 serviços auxiliares de diagnose e terapia, 16 serviços especializados e 03 hospitais que têm participação complementar ao SUS (NC).

Este estudo teve como critério de inclusão pessoas ≥ 18 anos de idade e que respondam por si. Participaram voluntariamente 18 usuários do SUS do município 1 e 59 do município 2. Em um total de 77, sendo 57 mulheres e 20 homens, a idade média foi de 41 anos, a maioria possui ensino médio completo. Sete pessoas recusaram a participar deste estudo.

Fonte de dados

As fontes de dados foram a entrevista aberta intensiva, as NC, a visita às Unidades da ESF e da APS Tradicional. A entrevista aberta, com roteiro semiestruturado, abordou as características do participante da pesquisa, os cuidados com a saúde, os serviços de referência para atendimento à saúde, o acompanhamento por equipe de saúde da APS/ESF sobre a compreensão do usuário sobre o SUS, assistência à saúde, acesso na APS e direito à saúde. As NC foram direcionadas para os procedimentos operacionais da pesquisa, detalhando características dos municípios, sobre as visitas às unidades de APS/ESF e dos fatos relevantes da coleta de dados.

Coleta e organização dos dados

O período da coleta de dados foi entre abril e setembro de 2017. A abordagem dos participantes da pesquisa, oriundos de demandas programada ou espontânea, foi na sala de espera da unidade de APS/ESF. O convite foi realizado após o usuário ter se apresentado na recepção da unidade de saúde e a entrevista foi realizada após ele ter sido atendido em consulta ou procedimento.

A entrevista foi realizada em sala reservada na unidade de saúde após apresentação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, áudiogravada, com duração média de oito minutos. A saturação dos dados por replicação literal(1111 Yin RK. Estudo de Caso: Planejamento e Métodos. Bookman editora, 2015. 290p.) ocorreu no 77º entrevistado. Para garantir o anonimato dos participantes e o sigilo das informações foi utilizada a letra “E” (entrevistado), sequenciada pelo numeral cardinal da entrevista.

Análise dos dados

Utilizou-se o referencial da Análise de Conteúdo Temática considerando a análise semântica segundo pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados, inferência e interpretação(1414 Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011.), obedecendo à técnica analítica da síntese cruzada dos casos(1111 Yin RK. Estudo de Caso: Planejamento e Métodos. Bookman editora, 2015. 290p.).

A pré-análise teve por objetivo operacionar e sistematizar as ideias de forma processual e sucessiva. A primeira atividade realizada foi a leitura “flutuante”, que consistiu em reconhecer o texto, deixando-se invadir por impressões e orientações, de modo que, pouco a pouco, a leitura foi se tornando mais precisa e compreensiva(1414 Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011.).

A exploração do material consistiu na codificação e categorização dos dados obtidos. A codificação foi efetuada pelas “operações de codificação”(1414 Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011.) de acordo com as regras formuladas. Essa codificação “é a transcrição de características específicas, permitindo atingir uma representação do conteúdo ou de sua expressão”(1414 Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011.). É a efetivação das decisões tomadas na pré-análise, ou seja, o que representa os significados expressos na leitura flutuante, precisa e compreensiva.

A categorização consistiu, primeiramente, na classificação dos elementos textuais por diferenciação e, depois, pelo agrupamento, por meio das características ou significados comuns desses elementos(1414 Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011.).

Na exploração do material pela codificação, foi realizada a referenciação dos índices e a elaboração de unidades de registro. Esses índices foram determinados de acordo com cada assunto relacionado ao direito à saúde, ao acesso ou às suas dimensões, que foram convergidos em grupos, que formaram subcategorias com subgrupos dentro dessas, isto é, a compilação dos dados pela aproximação dos significados, pela convergência dos dados, isto é, a replicação(1111 Yin RK. Estudo de Caso: Planejamento e Métodos. Bookman editora, 2015. 290p.) nas falas dos participantes da pesquisa.

Considerando a exploração do material, efetuou-se a categorização, que consistiu em classificar e agrupar determinados assuntos por divergências ou convergências dos resultados(1414 Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011.). Originaram duas categorias temáticas: SUS-30 anos: direito e acesso no cotidiano da atenção primária; e O SUS na vida dos brasileiros: assistência, acessibilidade e equidade no cotidiano de usuários da Atenção Primária à Saúde.

A última fase consistiu no tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação(1414 Bardin L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70; 2011.). Ou seja, primeiramente, ocorreu um agrupamento dos dados obtidos, progredindo para conclusões lógicas, que para este artigo foi sobre direito à saúde e acesso no cotidiano da APS sob a ótica do usuário, e a discussão, utilizando-se a literatura científica, levando-se, assim, às interpretações e descrição dos resultados do estudo.

RESULTADOS

O direito à saúde na voz do usuário é o que é constituído, vivido e idealizado:

Mas se é direito tem que procurar, não é? Se você paga seus impostos você tem direito. Eu como servidora pública, eu vejo que eles da Saúde têm a mesma função que a gente tem, que é o atendimento. Eu acredito muito no SUS, tá? Eu acredito mesmo que se o brasileiro lutasse mesmo, seria o maior Sistema a ser seguido. E como a gente tem mania de reclamar! Mas lá fora eles veem muito bem que nós temos um sistema de saúde que ainda dá mais resultado que em muitos países. A gente não pode reclamar não, a gente tem que olhar também o lado positivo. É difícil? É, às vezes, é difícil conseguir uma consulta, mas dá para conseguir. (E9)

O quê que eu compreendo? Um atendimento uniforme para todos... porque o próprio nome já está indicando: Sistema Único de Saúde. Algo que todos têm direito e que é uniforme para todos. Basicamente é isso, é o que deveria ser, exatamente! [...] todos têm direito a um bom atendimento e digno, igual para todos. Algo que realmente é necessário, que faz parte da dignidade da pessoa, que eu considero como básico, como primordial. (E26)

O direito está na constituição, está garantido para todo brasileiro. Então assim, se não está sendo atendido, a constituição não está valendo, está só no papel. Devia dar mais condições ao brasileiro, principalmente às crianças, idosos, deficientes, e pessoas que têm que pagar tratamento caríssimo. (E27)

Eu entendo muito pouco, eu não entendo. Eu acho que o direito à saúde é para todos que precisam. Não, não é assim que acontece, nem todos são atendidos, tem uns que tem mais prioridades que os outros, eu não sei te explicar o porquê, mas tem. (E49)

Ao referirem ao sistema, os participantes do estudo abordam o direito, a sua opinião e a opinião publicada sobre o SUS:

Não está sendo aquilo que eles queriam que fosse. Na televisão eles passam uma coisa, só que na realidade é outra. (E1)

Igual, a pessoa não tem nem uma simples consulta, e é direito da pessoa e não tem. A gente vê muito na televisão. Que tem lugar que não tem [...] a pessoa chega para consultar e não tem médico, não tem um pediatra. Aqui, não estou dizendo que é a melhor cidade não, mas em vista de muitas cidades [...] se for para comparar, ainda dou glória a Deus, e vai melhorar. (E52)

Surgem os sentimentos do usuário em relação ao atendimento no SUS frente à necessidade respondida ou à falta de resposta:

Queria que fosse mais rápido porque, às vezes, você tem que esperar e esse esperar se perde um pouco. Mas eu me sinto realizada, todos os atendimentos que eu precisei chegaram. A solução sempre chega. (E9)

Eu me sinto bem, sabe por quê? Eu não tenho onde recorrer noutro lugar. Quando eu descobri que eu estava com câncer, eu dependia muito de outras coisas, como das casas de apoio ao câncer, me ajudaram muito. Mas o SUS também me ajudou muito. Então, eu não tenho o que reclamar não, muito satisfeito com o SUS. (E44)

Ah! Um descaso, muito descaso, muito descaso mesmo [...] chega lá não consegue. Eu estou ficando desanimada, pensando de ir embora e largar a consulta de lado, vou ficar aqui esperando e de repente vem a moça e fala: não tem. Tem que dar prioridade para o caso que tiver com mais urgência, então você fica assim [...] impotente, não é? (E48)

Para mim, o SUS está uma vergonha, um descaso com as pessoas que mais precisam. (E50)

O sentimento do usuário frente aos funcionários e profissionais de saúde ao serem atendidos aponta que ter atenção, educação, saber dialogar e acolher está diretamente relacionado com o que idealizam para o sistema ou ao que querem receber como resposta e cuidado. Quando o atendimento contradiz o esperado como acolhimento, o usuário relata:

Têm uns [profissionais] que são muito mal educados, atendem a gente com grosseria, sabe? A espera também, às vezes, estão lá para dentro. (E22)

Não tenho a reclamar, graças a Deus. Ah, porque elas são atenciosas. Procuram atender a gente na hora que precisa. Quando preciso fazer exame, elas marcam, levam lá p ara mim. (E24)

L á tinha um médico que eu não gostava dele. Ele atendia e nem olhava para o rosto da gente, sabe? Pois é, mas já saiu de lá. Agora já tem outro médico. (E43)

Nos dias da coleta de dados ao aguardar na recepção das unidades de APS/ESF a oportunidade de abordar o usuário e o momento de entrevistá-lo, verificou-se uma diversidade de demandas dos usuários para acesso às ações e serviços, incluindo encaminhamentos para a atenção secundária, atendimento à demanda espontânea, marcação de consultas e exames. Constataram-se limites relacionados à acessibilidade e ao processo de acolhimento de usuários pela falta de local apropriado e abordagem adequada e de escassez/falta de recursos disponíveis, como também as reações e emoções de usuários frente a uma atenção responsável recebida, com resolutividade e de qualidade (NC).

DISCUSSÃO

Na voz dos usuários, o direito à saúde ainda é uma questão de luta, conforme replicação literal em ambos os casos deste estudo. Para obter a acessibilidade a determinados serviços e ações, é necessário um empenho do usuário, mas os participantes retratam que o SUS é o lugar onde têm para recorrer. Os relatos dos usuários se movem da facilidade à dificuldade de acesso, mas, apesar da desigualdade em relação à oferta de serviços, a solução sempre chega. Na obtenção de acesso para a atenção integral à saúde, os usuários vivenciam situações carregadas de necessidades a serem respondidas, e, às vezes, de dificuldades/morosidade para o atendimento, o “que nos convoca permanentemente a olhar, das mais variadas formas e nos mais variados tempos, um mundo de estar-junto cheio de delicadezas: de sofrimentos, queixas, murmúrios, que se interpõem entre o eu e o outro, e que não obedecem a uma ordem na vida cotidiana”(1515 Viegas SMF, Penna CMM. As dimensões da integralidade no cuidado em saúde no cotidiano da Estratégia Saúde da Família no Vale do Jequitinhonha, MG, Brasil. Interface (Botucatu). 2015;19(55):1089-100. https://doi.org/10.1590/1807-57622014.0275
https://doi.org/10.1590/1807-57622014.02...
).

O direito à saúde, constituído e instituído, foi expresso pelos usuários participantes deste estudo. Um estudo realizado em Fortaleza, Ceará, Brasil, com 67 participantes, 89,5% oriundo de Fortaleza e 10,5% do interior do Ceará, identificou que 67% (45) dos entrevistados afirmaram não saber do direito à saúde assegurado pela Constituição da República Federativa do Brasil, oito (11%) tinham conhecimento de legislações do sistema público de saúde, o SUS, e 58,2% dos participantes não apresentou credibilidade de melhor atendimento se procurasse por atendimento privado(1616 Silva Jr GB, Dias ER. Avaliação da satisfação dos usuários de um serviço de saúde público-privado no nordeste do Brasil e a judicialização da saúde. Rev Direito Sanit. 2016;17(2):13-29. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9044.v17i2p13-29
https://doi.org/10.11606/issn.2316-9044....
). “A falta de conhecimento é um dos fatores a ser considerado para a efetivação do direito à saúde no Brasil. Ainda, observa-se um desconhecimento acerca dos direitos à saúde por grande parte dos usuários do SUS”(1616 Silva Jr GB, Dias ER. Avaliação da satisfação dos usuários de um serviço de saúde público-privado no nordeste do Brasil e a judicialização da saúde. Rev Direito Sanit. 2016;17(2):13-29. https://doi.org/10.11606/issn.2316-9044.v17i2p13-29
https://doi.org/10.11606/issn.2316-9044....
), o que distancia o cidadão da participação e controle social no âmbito do SUS.

A abordagem dos participantes deste estudo contempla que o SUS foi estruturado como único e universal, com princípios de integralidade e de equidade, e que deveria ser mais resolutivo e responder às necessidades de saúde das pessoas integralmente. Um estudo realizado em Divinópolis, Minas Gerais, Brasil, identifica que a APS é entendida como o contato preferencial de usuários e que deve se orientar para atenção integral e equânime, ofertando as mais diversas ações e procedimentos considerando as necessidades singulares. Mas mesmo com a porta preferencial aberta, há fragmentação das ações e serviços que constituem as RAS, os usuários buscam soluções imediatas para seus problemas e falta adesão da população às práticas preventivas(1717 Melo DF, Criscuolo MBR, Viegas SMF. Reference and counter-reference in everyday health care in Minas Gerais, Brazil: the support to decisions of primary care. Rev Pesqui: Cuid Fundam. 2016; 8(4):4986-4995. https://doi.org/10.9789/2175-5361.rpcfo.v8.4402
https://doi.org/10.9789/2175-5361.rpcfo....
).

Um estudo realizado em Recife, Brasil, com 46 usuários, aponta como limites para o acesso à saúde o subfinanciamento, a cobertura insuficiente da ESF, a falta de insumos, a escassez de médicos e de outros profissionais e o tempo de espera elevado para consulta e exames(1818 Lima SAV, Silva MRF, Carvalho EMF, Pessoa EAC, Brito ESV, Braga JPR. Factors that influence access to primary care in the perspective of professionals and users of a health services network in Recife-PE, Brazil. Physis. 2015; 25(2):635-56. https://doi.org/10.1590/S0103-73312015000200016
https://doi.org/10.1590/S0103-7331201500...
).

Ao longo de mais de três décadas, o SUS vem sofrendo com a diminuição do orçamento federal, que se dá pela desvinculação da Receita da União e congelamento das despesas para os próximos 20 anos na Emenda Constitucional 95/2016, o que atingirá 30% do percentual a menos em 2023. Outras ameaças são a participação direta ou indireta e controle do capital estrangeiro na saúde estabelecida na Lei nº 13.097/2015, e a PEC 451, que visa obrigar o empregador a oferecer plano privado aos trabalhadores(1919 Giovanella L, Mendoza-Ruiz A, Pilar ACA, Rosa MC, Martins GB, Santos IS, et al. Sistema universal de saúde e cobertura universal: desvendando pressupostos e estratégias. Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23(6):1763-76. https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.05562018
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). Essas ameaças prejudicam o orçamento da saúde e das políticas sociais, estreitando o acesso à saúde como direito humano e constitucional. Mas temos que resistir às ameaças, segundo os participantes deste estudo, e lutar porque nós temos um sistema de saúde que ainda dá mais resultado que em muitos países.

A população em geral ainda atribui que há recurso, que o problema do SUS é a corrupção. No entanto, é preciso transparência e demonstrar que o problema é o subfinanciamento(2020 Bahia L, Cueto M, Benchimol J, Teixeira LA, Cerqueira RC. Considerations on the Sistema Único de Saúde in the twenty-first century: an interview with Lígia Bahia. Hist, Ciênc, Saúde Manguinhos. 2014; 21(1):93-107. https://doi.org/10.1590/S0104-59702014000100005
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).

A disponibilidade de profissionais de saúde na APS/ESF possibilita avaliar o crescimento da oferta desses recursos pela expansão da ESF, mas segundo alguns participantes deste estudo as vivências se atêm à falta de médicos, consultas, exames, atenção dos profissionais e de educação para a abordagem ao usuário. Um estudo(2121 Gontijo MD, Viegas SMF, Freitas ATS, Maia AFF, Nitschke RG, Nabarro M. Atuação cotidiana no Sistema Único de Saúde em sua terceira década. Esc Anna Nery. 2020;24(4):e20190350. https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2019-0350
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), realizado com profissionais de saúde da APS/ESF, sobre a atuação cotidiana na APS aos 30 anos do SUS, aponta que, no cotidiano encontram dificuldades em responder às demandas dos usuários ou encaminhá-los para outros níveis de complexidade, em tempo oportuno, pela escassez de recursos(2121 Gontijo MD, Viegas SMF, Freitas ATS, Maia AFF, Nitschke RG, Nabarro M. Atuação cotidiana no Sistema Único de Saúde em sua terceira década. Esc Anna Nery. 2020;24(4):e20190350. https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2019-0350
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). “Esta realidade, atrelada à precariedade das condições de trabalho dos profissionais, acarreta insegurança para sua atuação”(2121 Gontijo MD, Viegas SMF, Freitas ATS, Maia AFF, Nitschke RG, Nabarro M. Atuação cotidiana no Sistema Único de Saúde em sua terceira década. Esc Anna Nery. 2020;24(4):e20190350. https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2019-0350
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).

As limitações do acesso e as dificuldades enfrentadas pelas equipes da ESF de três municípios de Minas Gerais, Brasil, evidenciam a baixa resolutividade, contracenando com a população SUS dependente, elevado número de pessoas cadastradas e a baixa cobertura populacional, falta de ACS, ineficácia da gestão e escassez de ações programadas. O estudo indica que os profissionais de saúde, usuários e gestores devem, de forma colaborativa, buscar estratégias de enfrentamento das dificuldades de acesso e da elevada demanda espontânea no cotidiano dos serviços(2222 Chávez GM, Viegas SMF, Roquini GR, Santos TR. Acesso, acessibilidade e demanda na estratégia saúde da família. Esc Anna Nery. 2020;24(4):e20190331. https://doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2019-0331
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).

Na perspectiva dos usuários da ESF, um estudo realizado no Distrito Federal, Brasil, evidencia que o sistema ainda não está preparado para atender às suas necessidades, o que constitui uma barreira para o acesso, mas que, quando conseguem adentrar o SUS, podem usufruir de diversos serviços(2323 Shimizu HE, Ramos MC. Avaliação da qualidade da estratégia saúde da família no Distrito Federal. Rev Bras Enferm. 2019;72(2):367-74. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0130
https://doi.org/10.1590/0034-7167-2018-0...
).

Para Mafessoli(2424 Maffesoli M. O imaginário é uma realidade. Rev Famecos. 2001;15:74-82. https://doi.org/10.15448/1980-3729.2001.15.3123
https://doi.org/10.15448/1980-3729.2001....
), “de algum modo, o homem age porque sonha agir. O imaginário é também a aura de uma ideologia, pois, além do racional que a compõe, envolve uma sensibilidade, o sentimento, o afetivo”. Além do arcabouço legal que constitui o SUS como o espaço de direito à saúde do cidadão, o ser humano clama por atenção, cuidado e tratamento digno, que inclui a subjetividade.

Nesse cenário do SUS, devemos ser mais atuantes e combatentes para consolidarmos plenamente a saúde como direito de todos(2525 Santos L. SUS-30 anos: um balanço incômodo? Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23(6):2043-50. https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.06082018
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), como evidenciado neste estudo: se o brasileiro lutasse mesmo, seria o maior Sistema a ser seguido, mas temos mania de reclamar. “A força de nossa política pública de saúde é o SUS concreto, é a extensão de benefícios trazidos à população, e sua debilidade é também o SUS realmente existente, com todas suas mazelas e insuficiências”(2626 Campos GWS. SUS: o que e como fazer? Ciênc Saúde Coletiva. 2018; 23(6):1707-14. https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.05582018
https://doi.org/10.1590/1413-81232018236...
). Segundo Lígia Bahia et al.(2020 Bahia L, Cueto M, Benchimol J, Teixeira LA, Cerqueira RC. Considerations on the Sistema Único de Saúde in the twenty-first century: an interview with Lígia Bahia. Hist, Ciênc, Saúde Manguinhos. 2014; 21(1):93-107. https://doi.org/10.1590/S0104-59702014000100005
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), “eu diria que o SUS é o jeito, e não o SUS tem jeito”.

Segundo os participantes deste estudo, acesso e utilização dos serviços de saúde tem uma trajetória cotidiana de espera, faltam recursos. É preciso continuar a combater o subfinanciamento do SUS e ao mote de que a saúde como direito não cabe no orçamento público e que somente a redução dos gastos públicos, no capitalismo pós-moderno, impulsiona o crescimento social, e a garantia de direitos será o resultado(2525 Santos L. SUS-30 anos: um balanço incômodo? Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23(6):2043-50. https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.06082018
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).

Os usuários participantes deste estudo declaram a opinião pública e a publicada sobre o SUS; entrelinhas expõem que o sistema não está sendo como foi idealizado, trazendo o descaso frente às suas necessidades, mas ao mesmo tempo colocando o SUS como o espaço público da saúde que eles têm para recorrer frente à saúde e à doença. Segundo Gastão Wagner de Sousa Campos(2626 Campos GWS. SUS: o que e como fazer? Ciênc Saúde Coletiva. 2018; 23(6):1707-14. https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.05582018
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), “como o SUS se destina, na prática, a maioria explorada da população, a consideração com os problemas de saúde e com a qualidade dos serviços de saúde, em grande medida, se assemelha ao descaso com que esse povo é tratado”.

“Nunca o SUS foi tão grande em sua história e, no entanto, nunca esteve tão frágil”(2727 Santos RT. SUS: um novo capítulo de lutas. Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23(6):1719-20. https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.05672018
https://doi.org/10.1590/1413-81232018236...
). É fato que os avanços do SUS se concretizam no cotidiano de vida dos brasileiros na APS ao vincular mais de 60% da população às equipes da ESF no acesso à imunização e assistência farmacêutica, nos transplantes, no SAMU e no controle do tabagismo, do HIV/AIDS e da qualidade do sangue, como também no desenvolvimento de sistemas de informação em saúde referentes à mortalidade, internações hospitalares e agravos de notificação, relevantes para o monitoramento e avaliação de políticas, planos e programas(2828 Paim JS. Sistema Único de Saúde (SUS) aos 30 anos. Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23(6):1723-28. https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.09172018
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).

Resta-nos um bem comum: continuar a construção democrática do SUS. A época é, talvez, mais atenta a essa impermanência das coisas mais estabelecidas, “prefere continuar a gerir um instituído conhecido em vez de um instituinte possivelmente perigoso”(99 Maffesoli M. O tempo retorna: formas elementares da pós-modernidade. Tradução de Teresa Dias Carneiro; revisão técnica de Abner Chiquieri. Rio de Janeiro: Florense Universitária, 2012.). A participação em defesa do SUS ultrapassa os ideais de um sistema constituído, volta-se para um direito à vida com qualidade e em respeito à dignidade do humano com saúde.

Além dos usuários, os profissionais de saúde precisam atuar, de forma comprometida, em defesa e fortalecimento do SUS, assegurando a atenção universal, integral, equânime e a transformação da realidade de vida e de saúde da população.

Torna-se imperativa uma participação popular democrática por meio de representações efetivas em conselhos. A participação é um esteio para o enfrentamento dos desafios nesse processo de construção do SUS há mais de 30 anos. Uma população participante poderá provocar mudanças para o alcance de justiça social, igualdade, solidariedade e garantir a saúde e dignidade de vida(2525 Santos L. SUS-30 anos: um balanço incômodo? Ciênc Saúde Coletiva. 2018;23(6):2043-50. https://doi.org/10.1590/1413-81232018236.06082018
https://doi.org/10.1590/1413-81232018236...
).

Limitações do estudo

A limitação deste estudo se encontra na amostragem ser intencional, ao incluir como usuários aqueles presentes nas unidades de APS/ESF no dia da coleta de dados, representando apenas um subgrupo da população usuária. Mas, em condições similares em estudos de casos múltiplos com saturação dos dados por replicação literal, a amostragem intencional pode ser considerada representativa(1111 Yin RK. Estudo de Caso: Planejamento e Métodos. Bookman editora, 2015. 290p.).

Contribuições para a área da enfermagem e saúde

Este estudo apresenta contribuições para a área da Saúde e da Enfermagem ao compreender acesso no cotidiano da APS como direito fundamental à saúde, sob a ótica do usuário, podendo ser fonte de reflexões e subsídios para organização e planejamento do trabalho cotidiano na APS com vistas ao alcance do acesso universal, com ações integrais e equânimes para garantir a dignidade de vida de usuários, cidadãos de direito à saúde. Assim, as descobertas deste estudo possuem potencial para se estender às situações similares, conferindo a capacidade de generalização externa em estudos de casos múltiplos holístico-qualitativo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Acreditar no SUS e ter o SUS, reconhecer a saúde como direito fundamental à vida com dignidade não basta ao usuário, pois o que é constituído precisa ser vivido no cotidiano dos serviços de saúde.

O SUS é a porta aberta e única para quase a totalidade dos 77 participantes deste estudo, em uma concepção de que não é um sistema gratuito, ao apresentarem que atributos são garantidos advindos de contribuições e impostos arrecadados da população brasileira para manter esse direito social, dentre outros. Então, na voz do usuário, é preciso procurar, pois é direito constituído lutar e não somente reclamar do que ainda não é real no SUS e foi idealizado.

No cotidiano, há evidências do descaso, acarretando limites para acolhimento digno ao usuário e ações resolutivas. Contudo, há menção de atenção responsável e de qualidade, demonstrando vivências cotidianas que são similares a outras realidades brasileiras.

Para superar esse obstáculo histórico de acesso integral à saúde, como direito humano fundamental em um sistema único e público, é preciso reconhecer e lidar com o subfinanciamento e a escassez de infraestrutura ou superar decisões políticas e administrativas que impedem a construção do SUS legítimo, em uma participação verdadeiramente democrática de todos os atores sociais?

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho
EDITOR ASSOCIADO: Priscilla Valladares Broca

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Maio 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    16 Jun 2020
  • Aceito
    17 Nov 2020
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