Pandemia de Covid-19 e a semana de enfermagem: análise a partir do software Iramuteq

RESUMO

Objetivo:

analisar os temas das publicações do sítio eletrônico do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) durante o período que compreende a Semana de Enfermagem 2020.

Método:

pesquisa documental, qualitativa, cujas fontes de dados foram publicações do sítio eletrônico do Cofen durante o período de 12 a 20 de maio de 2020. O corpus textual foi submetido ao software IRAMUTEQ^®, os dados processados por meio da Classificação Hierárquica Descendente e analisados sob o referencial do materialismo histórico.

Resultados:

foram analisadas 30 publicações, dando origem a cinco classes.

Considerações finais:

os temas publicados no período investigado apontavam o luto vivenciado pela categoria, em virtude da morte de seus integrantes, e o enfrentamento por melhores condições de trabalho. A superação da pandemia envolve o reconhecimento da ciência e do Sistema Único de Saúde, a proteção à saúde dos trabalhadores de enfermagem e o combate à desinformação e às fake news.

Descritores:
Pandemias; Enfermagem; Mídias Sociais; Notícias; Software

ABSTRACT

Objective:

to analyze the themes of publications on the Federal Council of Nursing (Cofen) website during Nursing Week 2020.

Method:

documentary, qualitative research, whose data sources were publications on the Cofen website from May 12 to 20, 2020. Data were processed by software IRAMUTEQ^®, through the Descending Hierarchical Classification and analyzed under the historical materialism framework.

Results:

thirty publications were analyzed, giving rise to five classes.

Final considerations:

the themes published in the period investigated pointed to the grief experienced by the category, due to the death of its members, and the fight for better working conditions. Overcoming the pandemic involves recognizing science and the Unified Health System, protecting nursing workers’ health and fighting misinformation and fake news.

Descriptors:
Pandemics; Nursing; Social Media; News; Software

RESUMEN

Objetivo:

analizar los temas de las publicaciones en el sitio web del Consejo Federal de Enfermería (Cofen) durante la Semana de Enfermería 2020.

Método:

investigación documental, cualitativa, cuyas fuentes fueron de datos fueron publicaciones en el sitio web del Consejo Federal de Enfermería durante el período del 12 al 20 de mayo de 2020. El corpus textual fue sometido al software IRAMUTEQ^®, los datos procesados a través de la Clasificación Jerárquica Descendente y analizados en el marco del materialismo histórico.

Resultados:

se analizaron 30 publicaciones, dando lugar a cinco clases

Consideraciones finales:

los temas publicados en el periodo investigado apuntaban al duelo vivido por la categoría, por la muerte de sus integrantes, y el por Consejo Federal de Enfermería apuntaron al dolor que vive la categoría, por la muerte de sus integrantes, y el enfrentamiento por mejores condiciones laborales. Superar la pandemia implica reconocer la ciencia y el Sistema Único de Salud, proteger la salud de los trabajadores de enfermería y combatir la desinformación y las noticias falsas.

Descriptores:
Pandemias; Enfermería; Medios de Comunicación Sociales; Noticias; Software

INTRODUÇÃO

Para os profissionais da enfermagem, o mês de maio tem um significado especial, pois, no dia 12, comemora-se o Dia Internacional do Enfermeiro, e, no dia 20, o Dia Nacional dos Técnicos e Auxiliares de Enfermagem. Essas datas não foram escolhidas aleatoriamente, elas representam, o nascimento de Florence Nightingale e o falecimento de Anna Nery, respectivamente, a precursora da enfermagem moderna e a enfermeira que é referência histórica no contexto brasileiro(¹).

Cabe salientar também que, em 1940, Laís Netto dos Reys, que à época, atuava como diretora da Escola de Enfermagem Anna Nery, sugeriu que o período de 12 a 20 de maio fosse celebrada a Semana da Enfermeira, assumindo, em 1958, a denominação de Semana Brasileira de Enfermagem, sendo reconhecida oficialmente por meio do decreto 48.202/60, firmado pelo presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira.(¹) Desde então, a Semana Brasileira de Enfermagem (SBEn) ocorre e tem como importante protagonista a Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn), a qual, por meio de sua diretoria e membros filiados, organiza, articula e socializa as comemorações científicas de tal período(¹).

Em 2020, ocorreu a 81ª SBEn, tendo como tema “Qualidade em Enfermagem e Saúde na Defesa do SUS [Sistema Único de Saúde]”. Pela primeira vez na história da SBEn, a programação e as ações relacionadas ao evento ocorreram de forma online, com direito a lives — vídeos feitos ao vivo pelas redes sociais e/ou plataformas digitais — e a “twitaço” — uma forma alternativa de manifestação, a exemplo dos panelaços, só que realizada virtualmente, pela rede social Twitter^®.

Tal fato ocorreu em virtude da pandemia de COVID-19, declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em março de 2020. A COVID-19 é uma doença que surgiu no final do ano de 2019 na China, causada por um novo coronavírus, denominado SARS-CoV-2(¹-²).

Como, até final de 2020, não existia no Brasil vacina ou tratamento específico para a COVID-19, as medidas não farmacológicas eram as únicas opções para o enfrentamento desta pandemia, sendo extensamente recomendadas e sistematicamente divulgadas. Dentre elas, destaca-se o distanciamento social ampliado, estratégia preconizada para reduzir a velocidade de contaminação pelo vírus(³-⁴). Nesse sentido, a realização de eventos que promovam aglomerações tem sido contraindicada, devendo esses serem suspensos, adiados, ou, quando possível, realizados com o auxílio das tecnologias virtuais. Desse modo, a ABEn e outras entidades da enfermagem consideraram prudente realizar a SBEn virtualmente, decisão que foi prontamente aceita e aderida pelo coletivo profissional.

Ressalta-se que o ano de 2020 ficará marcado como insólito e atípico para humanidade, mas também pode configurar um tempo de maior reconhecimento material e simbólico para a enfermagem, pois, além de sua relevante e indispensável atuação no combate à COVID-19, esse ano foi definido pela OMS como o “Ano Internacional dos Profissionais da Enfermagem e das Parteiras”. Tal definição apoia-se na importância que a profissão detém em promover saúde e prevenir agravos, bem como em contribuir no tratamento e reabilitação de pessoas enfermas(⁵). Nessa perspectiva, a iniciativa da OMS veio ao encontro do protagonismo que a enfermagem tem assumindo no combate à pandemia.

No entanto, cabe asseverar que, apesar dessas considerações, os trabalhadores da enfermagem ainda se deparam, em muitos locais, com condições inadequadas de trabalho, o que resulta em elevado sofrimento físico e mental, adoecimento e morte de muitos profissionais. Por exemplo, no ano de 2020, mais especificamente no dia 12 de maio do referido ano, segundo o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), entre os profissionais de enfermagem brasileiros, já se registravam mais de cem mortes e já eram 4.128 contaminados notificados com COVID-19(⁶-⁷).

Destaca-se que, em 2020, 44.441 profissionais de enfermagem afastaram-se das atividades laborais e precisaram entrar em quarentena, depois de serem contaminados pelo novo coronavírus(⁸) e mais de 500 foram a óbito em decorrência da COVID-19 no referido ano(⁹). Muitos desses lamentáveis dados estão atrelados à falta ou à inadequação de equipamento de proteção individual (EPI), às extensas horas trabalhadas, às dobras de plantão, ao subdimensionamento de pessoal, entre outras situações que atingiram duramente a saúde desses trabalhadores(⁶).

Este estudo justifica-se por contextualizar questões valiosas para profissão, como as datas comemorativas da enfermagem, o marco histórico da SBEn e o fato de 2020 ter sido escolhido como o ano para se reconhecer e valorizar a enfermagem a nível mundial. Além disso, sua importância também se situa na elevada ocorrência da COVID-19 entre a população brasileira, que, inclusive, vem adoecendo profissionais e ceifando vidas de trabalhadores da enfermagem, o que demanda enfrentamentos e desafios para a profissão. Outrossim, justifica-se como uma forma de registrar e ressaltar temas que emergiram em um momento histórico de grande importância para a enfermagem mundial e, em especial, a brasileira.

OBJETIVO

Analisar os temas das publicações do sítio eletrônico do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) durante o período que compreende a Semana de Enfermagem 2020.

MÉTODOS

Aspectos éticos

Uma vez que a pesquisa não envolveu seres humanos e os dados foram coletados em um site de acesso livre e gratuito, dispensou-se a necessidade de apreciação do estudo por Comitê de Ética em Pesquisa (CEP).

Ressalta-se, no entanto que, ao final de cada matéria/notícia publicada no site pesquisado, que é originária de outras fontes, também se respeitou o direito autoral, preservando a devida identificação de autoria.

Tipo de estudo, local de coleta e fonte de dados

Pesquisa documental, qualitativa, cujas fontes de dados primárias foram as publicações (reportagens e notícias) veiculadas no site do Cofen (www.cofen.gov.br) na aba “Notícias”. A elaboração do estudo procurou atender aos passos recomendados pelos Critérios Consolidados para Relatar uma Pesquisa Qualitativa (COREQ)(¹⁰-¹¹).

Considera-se que o Portal do Cofen, além de servir como importante fonte de consulta para instrumentalizar os profissionais da categoria, oferece transparência quanto às ações e deliberações do próprio sistema, permitindo que os integrantes da enfermagem possam compreender o que os gestores têm realizado a partir do poder de representação que lhes foi confiado(¹²).

Referencial teórico-metodológico

Este estudo fundamenta-se no materialismo histórico, cuja escolha é apoiada no fato de investigar o mundo do trabalho de enfermagem e as contradições que permeiam esta atividade laboral(¹³). A concepção materialista histórica pondera, inclusive, que o processo saúde-doença é definido socialmente e marcado pelas transformações sociais de determinado período histórico, gerando mudanças na saúde, tanto no aspecto da individualidade do ser como na configuração coletiva e da estrutura do sistema de saúde(¹³). Dessa forma, a fundamentação teórica deste estudo permite a compreensão do que vem ocorrendo com a sociedade e seus desdobramentos para o setor saúde e para o trabalho da enfermagem.

Outrossim, os constructos teóricos do materialismo histórico apresentam a lei da quantidade para a qualidade, a qual também tem pertinência com o contexto de interesse deste estudo. Porquanto, entende-se que, quanto mais se discute e inquieta-se sobre determinado fenômeno, mais probabilidades se têm de transformá-lo(¹³). Nesse sentido, pretende-se aprofundar a discussão sobre a configuração atual do trabalho de enfermagem, em que estão presentes a precarização de suas condições laborais, adoecimento da força de trabalho e os seus desdobramentos negativos para o serviço ofertado à população para, assim, causar estranhamentos e tensões com o fito de transformar esta realidade insólita e incongruente em um cenário qualitativamente melhor para o coletivo profissional.

Por esse ângulo, destaca-se, em especial, a contradição de que o trabalho da enfermagem é indispensável para sociedade, mas mantém pouco reconhecimento e frequentemente condições de trabalho inadequadas. Sobretudo, em tempos de pandemia, em que é preciso manter a força de trabalho saudável, há desabastecimento de EPI e extensas jornadas laborais. Nesse sentido, entende-se que o presente estudo enfatiza contradições para, assim, transformá-las por meio de ações e estratégias quantitativa e qualitativamente planejadas.

Coleta e organização dos dados

Os dados (publicações, notícias/reportagens) foram coletados e catalogados durante a Semana de Enfermagem 2020, ou seja, considerando, o período de 12 de maio — Dia Internacional do Enfermeiro — e, 20 de maio — Dia Nacional do Auxiliar e Técnico de Enfermagem.

Análise dos dados

Para a análise lexical do conteúdo, utilizou-se o software gratuito denominado Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires (IRAMUTEQ^®). Por “léxico”, entende-se o uso de uma palavra em um dado contexto. Uma vantagem em utilizar o IRAMUTEQ^® é que ele permite aplicar cálculos estatísticos sobre dados qualitativos, ampliando, portanto, o rigor e a confiabilidade da análise qualitativa(¹⁴).

Considerou-se as seguintes etapas para a submissão do material textual ao software IRAMUTEQ^®:

1. Organização e preparo de todos os dados, com o agrupamento de todas as publicações em um único arquivo denominado corpus textual. Como não era objetivo da análise identificar nome dos autores ou referências utilizadas nas publicações, essas informações foram suprimidas. Também foi retirado o título das publicações e os seus respectivos resumos, deixando, portanto, após, cada linha de comando, apenas o conteúdo propriamente dito das publicações. Vale ressaltar que, o “corpus” é o conjunto de todo o material a ser analisado com o subsídio do software, que, neste estudo, foram as publicações. Por sua vez, cada publicação passou a ser denominada Texto. Os segmentos de texto (ST) são os ambientes das palavras, as principais unidades de análise textual desse tipo de software(¹⁵). As linhas de comando, também conhecidas como “linhas de asteriscos” ou metadados, são as responsáveis por indicar a separação de um texto e outro(¹⁵). Cada publicação (texto) foi separada por uma linha de comando composta por códigos específicos para reconhecimento do software. As linhas de comando iniciaram-se por quatro asteriscos, (****), espaço, mais um asterisco (*) com a identificação da publicação (pub_1 até pub_30, conforme ordem das publicações encontradas), conforme exemplo: **** *pub_01.

2. Para uma percepção geral dos temas das publicações, realizou-se uma leitura de todos.

3. Processamento dos dados por meio do IRAMUTEQ^® e da Classificação Hierárquica Descendente (CHD).

O objetivo da CHD é obter classes, sendo cada uma dessas classes compostas por um vocabulário/léxico, simultaneamente, análogo entre si e distinto do vocábulo das demais classes, permitindo a análise de ST e calculando distâncias e proximidades a partir de testes de qui-quadrado (chi²)(¹⁵).

A partir da CHD, o software organiza os textos em um dendrograma (representação diagramática) que ilustra as aproximações e distanciamento entre as classes(¹⁵). Com a avaliação do dendrograma, dos léxicos, dos ST e da variável de destaque na classe (nesse caso, a identificação da publicação), é possível retornar à literatura e ao referencial teórico para fazer as inferências e interpretações do material analisado, inclusive nomeando cada classe a partir do conteúdo lexical obtido por meio da CHD. Em outras palavras, o software atua como ferramenta para facilitar a organização dos dados, mas são os pesquisadores os responsáveis por realizar adequadamente a análise a partir do referencial proposto.

Na apresentação dos resultados, ao final dos ST, constará a identificação da publicação (notícia), por meio do termo “not”, seguida do número que indica a ordem de identificação da publicação. Vale mencionar ainda que os ST (considerados trechos das publicações) foram copiados na íntegra, sem interferência por parte dos autores.

RESULTADOS

O corpus de análise foi constituído por 30 publicações que ao serem processadas pelo IRAMUTEQ^® identificou 529 ST e aproveitou deste conjunto, 399, o que representa um total de 75,43% do conteúdo pesquisado.

Por meio da CHD, identificaram-se cinco classes. A Figura 1 mostra um dendrograma no modo vertical, no qual são indicadas as formas ativas contidas nos ST associados a cada classe. Assim, nessa figura, observa-se que a primeira partição do corpus deu origem à Classe 5 (representada por 17,5% do material - 70 ST), a segunda partição originou a Classe 1 (com 18,3% - 73 ST), a terceira partição deu origem à Classe 2 (17,5% - 70 ST) e, por fim, a quarta partição separou a Classe 3 (com 18, 6% - 74 ST) e 4 (com 28,1% - 112 ST). A Classe 4, portanto, é a que tem maior representatividade no corpus, em virtude de incorporar a maior parte dos ST. A partir dessa repartição, a CHD cessou as divisões em classes.

Figura 1
Dendrograma da Classificação Hierárquica Descendente

A apresentação das classes seguirá a ordem em que estas foram originadas (5, 1, 2, 3 e 4). A partir das cinco classes identificadas, emergiram 4 grandes temas. O primeiro, representado pela Classe 5, denominou-se “Pandemia de COVID-19 e combate às fake news” por tratar da atuação da enfermagem junto a outras empresas parceiras, no intuito de combater às fake news em meio à pandemia de COVID-19.

“Profissionais da saúde divulgam carta pedindo o fim da circulação de fake news. Tal carta foi elaborada por pessoas do Brasil e de outros 16 países. Pesquisadora afirma que, entre os brasileiros, a desinformação tem forte motivação política”(¹⁶). (Not12)

O segundo tema, representado pela Classe 1, denominou-se “Profissionais de enfermagem na linha de frente do combate à pandemia situados em um contexto de precarização”. Essa classe aponta as mudanças na rotina dos profissionais que atuam na assistência direta a pessoas com COVID-19, as percepções dos trabalhadores, bem como as suas preocupações e os seus medos.

“Perdi as contas de quantos corpos empacotei”, afirma técnica de enfermagem de um dos mais superlotados hospitais de Manaus. “Não consigo dormir direito. Eu sonho que estou fazendo pacote de paciente”(¹⁷). (Not 16)

“Com medo de infectar os familiares, muitos desses profissionais se isolaram e têm vivido, nas últimas semanas, uma mistura de angústia e solidão”(¹⁸). (Not 20)

O terceiro tema, representado pela Classe 2, denominou-se “Em defesa da ciência e do SUS: revogue-se a Emenda Constitucional 95”. Essa classe destaca a importância do conhecimento científico, das pesquisas, dos pesquisadores, de instituições públicas de ensino, pesquisa e desenvolvimento de tecnologia e do SUS. Ao mesmo tempo, denuncia a falta de investimento nos setores da saúde e da educação.

“A pandemia demonstra, de maneira alarmante para os ideólogos do individualismo sem limites, que a saúde não pode ser tratada sem a dimensão de coletividade. Defendemos com força redobrada a revogação da Emenda Constitucional 95, que congelou por 20 anos o financiamento do SUS”(¹⁹). (Not 27)

“É hora do Congresso Nacional discutir, enfim, piso salarial nacional e desengavetar a jornada de 30h para a enfermagem. Os grandes heróis do cuidado são também seres humanos, que têm as mesmas necessidades e estão sujeitos aos mesmos fatores de risco da população”(²⁰). (Not 29)

Por fim, o último tema intitulou-se “A enfermagem que temos e a enfermagem que queremos”. Esse tema é tratado por meio de duas classes, isto é, a Classe 3, que se denominou “Judicialização da saúde e os direitos dos trabalhadores de enfermagem”, e a Classe 4, assinalada como “Homenagens: em vida ou morte?”.

A Classe 3 aponta as lutas travadas pela enfermagem em busca de melhores condições de trabalho durante a pandemia, além dos riscos e das ameaças à saúde desses trabalhadores. Nesta classe, ficou bem evidente as contradições que permeiam o contexto do trabalho em saúde e de enfermagem.

“A justiça obrigou a prefeitura da capital fluminense a adotar medidas de prevenção em duas das maiores emergências do Rio enquanto o Ministério Público do Rio de Janeiro abriu inquérito ontem, após um vídeo mostrar profissionais de enfermagem deitados em colchões no corredor do hospital de campanha do Maracanã inaugurado há menos de uma semana”(²¹). (Not 17)

“A entidade chegou a entrar com ações civis públicas para garantir afastamento de profissionais do SUS e da rede privada que estavam em grupo de risco e lidavam diretamente com pacientes infectados. Mesmo quem conta com todo o aparato adequado de equipamento de proteção individual tem vivido uma rotina de angústia”(¹⁸). (Not 20)

A Classe 4, por sua vez, evidencia que, na Semana da Enfermagem 2020, as homenagens “tradicionais”, ou seja, os eventos científicos, culturais e sociais que promovem a confraternização entre os profissionais de enfermagem, cederam espaço para um movimento de luto e luta. Diante da pandemia, as homenagens que prevaleceram foram em reverência/menção às vítimas causadas pela COVID-19 entre a categoria profissional. Também ficou em evidência a preocupação com a situação da enfermagem brasileira no contexto da pandemia.

“Ao cair da tarde desse 12 de maio, 100 profissionais da enfermagem se reuniram na área externa do Museu da República, em Brasília, para homenagear os 108 colegas que já perderam a vida na linha de frente do combate ao coronavírus”(⁶). (Not 9)

“A situação no Brasil é crítica. O observatório da enfermagem criado pelo Cofen para monitorar a evolução da pandemia entre profissionais de enfermagem já registra mais de 13 mil casos e 100 óbitos associados à COVID-19”(²²). (Not 1)

A partir da CHD, também foi possível identificar as publicações de destaque em cada classe, e a Tabela 1 apresenta os resultados, considerando as que apresentaram maior significância (p<0,0001) na análise do qui-quadrado (chi²).

Tabela 1
Notícias de destaque evidenciadas em cada classe (p<0,0001), Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil, 2020 (n=30)

Classe 5	*Chi2
“Canais de fake news têm mais alcance que os oficiais sobre COVID-19”(23)	86,8
“Contra mentiras, profissionais de saúde cobram ação das gigantes da tecnologia”(24)	62,2
“Cofen adere à Carta dos Profissionais de Saúde contra fake news(16)	42,0
Classe 1	*Chi2
“Perdi as contas de quantos corpos empacotei”, relata técnica de enfermagem”(17).	97,1
“Enfermeira recuperada da COVID-19 em Rondônia se torna exemplo de superação”(25)	16,8
Classe 2	*Chi2
“Presidente da Fiocruz ressalta importância da ciência no combate à COVID-19”(26)	58,2
Classe 3	*Chi2
“Por que hospitais do RJ têm mais mortes de enfermeiros no país?”(21)	29,7
“Justiça concede testagem a profissionais de enfermagem sintomáticos em Sergipe”(27)	22,2
“Cofen repudia discriminação a profissionais de enfermagem no Rio”(28)	16,7
Classe 4	*Chi2
“Enfermagem realiza ato histórico em homenagem aos mortos pela COVID-19”(6)	23,3

• ^*
  qui-quadrado.

DISCUSSÃO

Profissionais de saúde de todo o mundo estão engajados na luta contra o novo coronavírus. Mas esses profissionais também estão sendo convocados e/ou impelidos a lidar com um outro mal: o da desinformação. Nesse contexto, circula o termo “infodemia”, que pode ser conceituado como uma difusão de desinformação ou informações imprecisas sobre a pandemia(²⁹). Quanto maior a desinformação, maior o risco de aumentar a morbidade e a mortalidade pela COVID-19, já que a população fica confusa, sem saber em quem ou o que acreditar, desconfiando, inclusive, das instituições públicas de saúde, da ciência e dos pesquisadores(²⁹).

O fato é que, apesar de a literatura sobre temas envolvendo a pandemia de COVID-19 ainda ser escassa, inúmeras inverdades estão sendo publicadas em aplicativos de conversa, nas plataformas de redes sociais e até na mídia. Essas notícias falsas, denominadas fake news, circulam como verdades que se popularizam rapidamente e têm um impacto social(²⁹-³⁰). No entanto, isso emerge como uma contradição, uma vez que é relevante a informação correta para contribuir com a prevenção da disseminação do vírus.

Na tentativa de combater as fake news, o Ministério da Saúde e a OMS publicaram, em seu site, um canal para esclarecer a população sobre tais notícias. As referidas instituições também disponibilizaram um número de WhatsApp^®, de modo que as pessoas pudessem sanar dúvidas sobre o que de fato é verdade. Reconhecer as fake news e o seu potencial de agravar a situação da atual crise sanitária é fundamental, pois essas promovem desinformação em um momento que a sociedade precisa ter acesso a informações precisas, claras e confiáveis(²⁹-³⁰).

De acordo com o Cofen, profissionais de enfermagem já sofreram ataques, em função de informações inverídicas sobre a COVID-19(¹⁸). Esse contexto preocupante levou o Cofen a aderir à campanha internacional contra fake news sobre o novo coronavírus, pois considera que elas podem causar impactos negativos para a saúde da população e entende que há necessidade de as ações em meio à crise serem guiadas por evidências científicas. A campanha reivindica que plataformas de redes sociais assumam condutas mais rigorosas para sanar os casos de fake news relacionadas à COVID-19, por exemplo, corrigindo as informações falsas e notificando aos usuários que viram e interagiram com a desinformação em saúde(³¹).

O combate às fake news exige mobilização social e esforço conjunto da sociedade, pois, muitas vezes, estão atreladas a uma proposta de cunho político partidário. Nesse sentido, cabe pontuar que, no Brasil, desde o início da pandemia, o presidente Jair Messias Bolsonaro e muitos dos seus correligionários vêm minimizando a gravidade da crise sanitária e incentivando a população a adotar medidas que divergem daquelas direcionadas pelas instituições científicas, por exemplo, apoiando o uso de medicamentos que não têm comprovação e eficácia para o tratamento da doença causada pelo novo coronavírus(³²-³³). Nesse sentido, entende-se que este é um uso distorcido e equivocado de informações, inclusive promovido por mídias não tradicionais, com o fito de confundir a população e minimizar politicamente uma grave situação de saúde pública.

Assim, para superar essa crise sanitária, é preciso que profissionais de enfermagem assumam não somente a linha de frente e o atendimento direto a pacientes, mas, sobretudo, que denunciem as fake news e usem a educação em saúde para trazer esclarecimento à população brasileira. O desafio é apresentar os resultados das pesquisas e as evidências científicas ao amplo público, em uma linguagem de fácil compreensão, para que as fake news não continuem a ameaçar ainda mais a vida de tantos brasileiros e cidadãos em todo o mundo(¹⁶,²⁹-³⁰).

No tocante à atuação dos profissionais de enfermagem na linha de frente do combate ao coronavírus, é importante destacar que, antes mesmo de a OMS decretar a pandemia decorrente da COVID-19, relatos de profissionais da enfermagem já circulavam nas mídias e redes sociais. O Cofen, em 12 de março de 2020, por exemplo, repostou o relato de uma enfermeira italiana sobre o trabalho e a nova rotina em meio ao coronavírus. A declaração comoveu internautas, já que a foto da enfermeira mostrava as marcas em seu rosto decorrentes da utilização de EPI e o depoimento citava preocupações e medo em relação ao vivido(³³).

Com o passar dos dias e o crescente número de casos de COVID-19 no Brasil, o protagonismo da enfermagem brasileira também ficou em evidência. Representada por 2.315.421 profissionais(³⁴), entre auxiliares, técnicos e enfermeiros, portanto, a maior força de trabalho da área da saúde, a categoria — que geralmente é pouco reconhecida e pouco valorizada, apesar de ser essencial ao processo de trabalho dos serviços públicos e privados de saúde — ganhou uma relativa notoriedade. Afinal, se, por um lado, a realidade imposta pela pandemia fez com que a mídia destacasse a importância do papel da enfermagem, por outro, as situações de adoecimento e morte entre os profissionais da categoria e a evidência sobre os altos riscos ocupacionais e as inadequadas condições de trabalho a que estavam/estão expostos em seu ambiente laboral alertou e até comoveu a população(³⁵).

Cabe mencionar que a enfermagem atua em diversos serviços de saúde, lidando com as mais diferenciadas situações de cuidado, da atenção primária à alta complexidade(³⁶). Profissionais da enfermagem, mais especificamente enfermeiros, atuam, inclusive, para além do campo assistencial, uma vez que estão envolvidos em atividade ligadas à gestão, ao ensino e à pesquisa, entre outras frentes(³⁶).

Entretanto, a enfermagem é uma categoria profissional que, apesar de ser “a espinha dorsal de qualquer sistema de saúde”(³⁷), responsável inclusive por lutar em defesa dos pacientes e pelo cumprimento dos preceitos constitucionais referentes aos direitos que resguardam a saúde e a dignidade humana, sofre há anos com a desvalorização da sua força de trabalho(³⁸).

Nesse sentido, convém destacar que, para Marx(³⁹), no modo de produção capitalista, em que a força de trabalho é mercadoria, a capacidade de trabalho nada é se não for vendida. E, se por um lado o trabalho tem a intenção de possibilitar ao ser humano a produção e a reprodução social, visando produzir os meios vitais, materiais e simbólicos, necessários para a sobrevivência humana, por outro, pode também transformar-se em seu oposto, mero meio de subsistência cuja finalidade precípua é valorizar o capital(⁴⁰).

É fundamental compreender que a enfermagem é uma profissão especializada e que visa contribuir com o bem-estar e saúde das pessoas a partir do exercício do seu ofício, mas que seus trabalhadores atuam em um mercado de trabalho cujo foco é o capital e, que pleiteia a todo momento explorar sua força de trabalho. Assim, o capital pouco ou nada se importa com o sofrimento psicofísico deste coletivo profissional ou com as repercussões do adoecimento da equipe de enfermagem para a reprodução da vida em sociedade, o que, na verdade, interessa é a produtividade e o lucro extraído da exploração desmedida dos trabalhadores.

A baixa remuneração, o predomínio de mulheres na profissão, a divisão social e técnica do trabalho, a falta de uma legislação que defina o piso salarial e a jornada de trabalho da categoria, a existência de um exército de reserva de profissionais e as inadequadas condições de trabalho são aspectos que colocam em risco a saúde desses trabalhadores e geram o medo do adoecimento, a violência no trabalho, a evasão da profissão, entre outras consequências negativas. Além disso, evidenciam o baixo reconhecimento social e profissional que a sociedade brasileira apresenta em relação ao trabalho dos profissionais de enfermagem(³⁸).

Ratificando, ter na enfermagem uma força de trabalho eminentemente feminina explica, de certa forma, sua incipiente valorização socioeconômica, visto que profissões com predomínio de mulheres, em um mundo androcêntrico e machista, sofrem com o pouco reconhecimento material e valorização social. Além disso, a divisão do trabalho (social e técnica) resulta em fragmentação, tensões e relações de poder extremamente demarcadas entre os membros que compõem tal categoria profissional(⁴¹-⁴²).

Assim, essa situação atua em favor do capital, pois possibilita perpetuar os interesses de ordem política, social e econômica característicos do modelo capitalista, na medida que embota os trabalhadores em sua capacidade reflexiva e crítica sobre os reais motivos que exploram e expoliam a força de trabalho da enfermagem, contribuindo para a manutenção de relações de dominação/subordinação. Salienta-se que essa fragmentação e tensionamento intraclasse tem dificultado a organização de seus agentes na luta coletiva por melhores condições de trabalho e no enfretamento da precarização que vem assolando a profissão(⁴¹-⁴²).

Ademais, em um contexto de precarização do trabalho de enfermagem, como efeito do capitalismo e do modelo neoliberal, verifica-se o aumento do desemprego, a terceirização, a perda de direitos no âmbito social e trabalhista, a multiplicidade de vínculos de trabalho e a submissão da categoria às condições indignas de trabalho como formas de manter seus empregos e garantir sua subsistência(⁴³).

O neoliberalismo é uma política econômica de desregulação das relações econômico-financeiras pelo Estado e que incentiva a abertura indiscriminada do mercado nacional ao internacional, além de preconizar o Estado mínimo, enxugando a máquina pública e se desresponsabilizando com o bem-estar social. Nesse sentido, indubitavelmente impacta nos valores econômicos, políticos, culturais e psicoemocionais dos cidadãos, transformando a vida na sociedade e as relações de trabalho(⁴⁴-⁴⁵). Por esse ângulo, o ideário neoliberal vem produzindo mudanças que geram obstáculos para uma assistência de saúde segura e de qualidade, uma vez que há desinvestimento na infraestrutura, na força de trabalho e nos recursos materiais para desenvolver o cuidado nos serviços de saúde(⁴⁵).

Essas situações estão ainda mais evidentes no atual contexto da pandemia de COVID-19, momento em que se observam chamadas emergenciais e contratações temporárias via organizações sociais e a adoção de medidas provisórias (MP) — como a MP nº 927/2020, que desconsidera o cenário de atuação da enfermagem, que, com equipes subdimensionadas e com sobrecarga de trabalho, ainda poderão, durante a pandemia, aumentar a jornada de trabalho por até 24 horas e reduzir o tempo de descanso para 12 horas(⁴³).

Coincidentemente ou não, no ano intitulado pela OMS como “O ano da Enfermagem”, os desafios da categoria se agigantam e, se não forem implementadas urgentemente um conjunto de medidas e políticas de proteção a esses trabalhadores, os desfechos da pandemia, sobretudo na saúde física e mental de tais profissionais, podem ser devastadores. Nesse sentido, a enfermagem brasileira clama não apenas pelo reconhecimento de seu trabalho e sua importância social, mas por melhores condições de trabalho.

A OMS destaca que os governos precisam investir massivamente no ensino de enfermagem, na criação de empregos e na promoção da liderança desses profissionais para garantir que haja força de trabalho de enfermagem em número suficiente e com as competências adequadas para fortalecer os sistemas de saúde, que precisam ser eficazes, equitativos e sustentáveis(⁴⁶). No caso brasileiro, fortificar o SUS envolve, entre outros aspectos, revogar a Emenda Constitucional (EC) nº 95.

A EC 95 foi aprovada em 2016, ainda no governo do presidente Michel Temer. Essa emenda, com validade de 20 anos, não apenas congelou os gastos públicos, mas também reduziu as despesas sociais em porcentagem per capita. Ou seja, ainda que a população e a economia cresçam, a verba disponibilizada para os setores da saúde e educação será a mesma de 2017, corrigida apenas pela inflação, medida pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)(⁴⁷).

Nesse contexto, no âmbito da educação, observou-se, nos últimos anos, um desinvestimento em pesquisas, um número crescente de corte de bolsas de estudos dentro e fora do país, o sucateamento das universidades públicas, entre outros problemas. No setor da saúde, citam-se o desinvestimento do SUS, a falta de equipamentos e insumos, a escassez de concursos públicos e de mão de obra, a defasagem salarial dos profissionais e a deterioração das estruturas físicas das unidades assistenciais por falta de manutenção. Em outras palavras, a EC 95 abriu espaço para o sucateamento de áreas fundamentais ao desenvolvimento da sociedade e para a eliminação de seu caráter universal e equitativo, uma vez que atendia principalmente as necessidades da população mais vulnerável, extinguindo-se sua possibilidade de uma vida digna(⁴⁷).

Na realidade, a EC 95 rompe um pacto social que foi firmado a partir da promulgação da Constituição Federal do Brasil de 1988, pois enfraquece e limita os investimentos em políticas sociais, fragilizando toda a rede de proteção social brasileira. É o desmonte literal das políticas públicas e sociais no Brasil, representando uma disrupção do crescimento dos investimentos públicos com educação e saúde.

Infelizmente, foi em meio à pandemia e observando que a carência dos laboratórios de pesquisa de grandes instituições públicas limitava a realização de testes para detecção do SARS-CoV-2 e que o SUS não se mostrava capaz de atender às demandas da crise e registrava falta de leitos, profissionais e EPI que as fragilidades dos setores públicos de saúde e educação ficaram em evidência(⁴⁸-⁵⁰). Desse modo, é preciso que a sociedade civil e acadêmica exija, em defesa da ciência e do SUS, reponsabilidade e compromisso dos governantes com a Constituição Federal e com a sociedade brasileira, protestando a favor da revogação da EC 95, para evitar uma das maiores tragédias sanitárias do século XXI(⁵¹).

Afinal, a Constituição Federal do Brasil, em seu artigo 196, afirma que “saúde é direito de todos e dever do Estado”. Portanto, esse direito fundamental deve ser garantido a todos os cidadãos brasileiros, com vistas a assegurar o princípio da dignidade, da preservação e da valorização da vida humana(⁵²). A problemática enfrentada hoje no SUS, consequência primordial do sucateamento e desfinanciamento da saúde, reflete em dois pontos importantes: na saúde da população assistida, que adoece sem perspectiva de condições de tratamentos eficazes; na saúde dos trabalhadores, responsáveis pela assistência à população, que se encontram também adoecidos, psicológica e fisicamente, devido às condições de trabalho às quais são submetidos(⁴⁸,⁵³).

Como resultado dessa realidade, tem-se a judicialização à saúde, meio que a população e os profissionais de saúde encontram para que seus direitos sejam cumpridos(⁵⁴). Durante a pandemia, é possível que os casos de judicialização aumentem, em virtude da insatisfação da população com os serviços de saúde que beiram o colapso e dos profissionais de saúde com as insatisfatórias condições laborais dos serviços onde atuam.

É preciso incluir no debate as consequências que as decisões judiciais produzem nos serviços prestados pelo SUS e no trabalho de enfermagem(⁵⁵). Por exemplo, mesmo após o Sindicato dos Enfermeiros do Rio de Janeiro ter obtido, por meio de liminar, a permissão para que os profissionais do grupo de risco para COVID-19 fossem liberados do trabalho presencial e pudessem atuar em regime de home office durante a pandemia, o Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região revogou tal deliberação e decidiu que os enfermeiros, ainda que integrantes dos grupos de risco, deveriam trabalhar, para que não houvesse prejuízo aos serviços de assistência à saúde.

Nesse intento, alguns projetos de leis (PL) também têm sido elaborados para ofertar mais segurança aos profissionais e adequadas condições de trabalho. Destaca-se oPL 1.242/2020, o qual estabelece que “os órgãos e entidades do SUS, bem como as entidades privadas prestadoras de serviços, adotem, em caráter prioritário, medidas para assegurar a aquisição e a distribuição de equipamentos de proteção individuais para todos os trabalhadores da saúde enquanto durar o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo 6, de 2020”(⁵⁶).

Em meio a pandemia, o Ministério Público do Trabalho do estado do Rio de Janeiro também precisou se posicionar e abriu um inquérito para investigar denúncias de condições inadequadas de trabalho no Hospital de Campanha do Maracanã após a socialização de um vídeo mostrando enfermeiros e técnicos de enfermagem dormindo em colchões no chão. Enfatiza-se, portanto, que é imprescindível e urgente mais do que o reconhecimento e a valorização simbólica da profissão, a garantia de condições de proteção e segurança a esses trabalhadores, quer seja por meio da judicialização da saúde ou a partir da aprovação de PL novos ou antigos — como o que regulamenta a jornada de 30 horas para a enfermagem, o pagamento da insalubridade em grau máximo aos profissionais envolvidos no combate à pandemia, o piso salarial nacional, entre outros.

Enfim, em função de 2020 ser considerado o ano da enfermagem e ser comemorado o bicentenário de Florence Nightingale, seria pertinente que a Semana de Enfermagem desse ano fosse repleta de homenagens à profissão, e muitas de fato aconteceram. No entanto, a pandemia de COVID-19 deu outra perspectiva a essas solenidades. Os festejos cederam espaço ao luto, devido às mortes dos mais de 100 profissionais da enfermagem vitimados pela COVID-19 até o dia 12 de maio de 2020. Também deu destaque à luta em prol de melhores condições de trabalho, principalmente para aqueles que estão no atendimento direto aos pacientes suspeitos ou confirmados de COVID-19(⁶).

No dia do enfermeiro, cem profissionais da enfermagem, em um ato histórico, se reuniram na frente do Museu da República, em Brasília/DF, para homenagear os companheiros e companheiras que faleceram em decorrência da contaminação pelo coronavírus. O ato foi organizado em parceria por sindicatos de Enfermeiros e de Auxiliares e Técnicos em Enfermagem, bem como pelo Coren-DF e pelo próprio Cofen, respeitou as medidas de distanciamento e a indicação para o uso de máscaras e o silêncio dos profissionais no ato causou comoção em nível global, sendo socializado pelas mídias de vários países(⁶).

É preciso melhorar as condições de trabalho da categoria, essa é uma verdade inquestionável. Sabe-se, por exemplo, que os EPI são primordiais para a proteção dos trabalhadores, mas eles também são escassos, sendo, por vezes, necessário reaproveitá-los e/ou limitar as idas ao banheiro ou as pausas no trabalho, para evitar a retirada dos equipamentos, a contaminação e a necessidade de descarte desses insumos(⁴⁸,⁵⁰). Tal situação, além do potencial de causar o adoecimento físico, também implica medo de contaminação e gera sofrimento psíquico, devido ao sentimento de desvalorização e descaso pela organização do trabalho.

No tocante à infraestrutura dos serviços de saúde, dados da Pesquisa Perfil da Enfermagem no Brasil revelaram, antes mesmo da pandemia, que mais da metade dos profissionais entrevistados não dispunha de estrutura física adequada para desenvolver o processo de trabalho e também para o descanso durante o turno de trabalho. Ademais, apenas pouco mais de 40% dos profissionais de enfermagem são assistidos, quando adoecem, pela própria instituição na qual trabalham, ou seja, quase metade da equipe, embora lide diretamente com o cuidado e a saúde das pessoas, não tem amparo institucional quando se trata da sua própria saúde(³⁶).

Lamentavelmente, se medidas não forem tomadas em favor dos trabalhadores da enfermagem, nenhuma homenagem simbólica será capaz de salvaguardar a vida desses trabalhadores, diminuir as mortes entre os profissionais da categoria ou restituir as vidas perdidas, enquanto se atuava em prol da sociedade.

Limitações do estudo

Este estudo apresenta uma limitação temporal, pois as publicações foram coletadas considerando-se apenas o período de 12 a 20 de maio de 2020. Ademais, há o fato de as publicações terem sido coletadas em um único site e também convém considerar que a crise sanitária ainda estar em curso, portanto, até que haja sua normalização, novos dados surgirão e poderão suscitar discussões diferenciadas.

Contribuições para a área da enfermagem

O uso do IRAMUTEQ^®, além de limitar viés de subjetividade, aumenta o rigor científico, uma vez que emprega testes estatísticos que são aplicados sobre os dados qualitativos. Neste caso, decorrentes de notícias do Cofen durante a Semana de Enfermagem 2020, evidenciando que a profissão estava em luto pelos mais de 100 profissionais da categoria mortos na luta contra a pandemia, o que fortalece e reafirma a necessidade de enfrentamento por melhores condições de trabalho.

Recomenda-se o aprofundamento e a ampliação de estudos sobre o adoecimento e morte dos trabalhadores de enfermagem envolvidos no combate à COVID-19, bem como a realização de outras pesquisas narrativas e documentais que possam ajudar a contextualizar a história da pandemia, que representa, até o momento, a maior pandemia do século XXI.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Semana de Enfermagem 2020, os temas publicados pelo Cofen e que circularam nas redes e mídias sociais apontavam para o luto vivenciado pela categoria em virtude da morte de seus integrantes e a necessidade de enfrentamento da categoria por melhores condições de trabalho.

Os resultados evidenciam também que, para a superação da atual crise sanitária, é preciso o reconhecimento da ciência e do SUS, a valorização e a proteção à saúde (física, mental e social) dos trabalhadores de enfermagem, bem como o combater as fake news e a desinformação. Tais estratégias possibilitarão o enfretamento das contradições e equívocos que vivenciam a enfermagem brasileira, permitindo que ocorra a transformação qualitativa da profissão.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Dulce Barbosa

EDITOR ASSOCIADO: Elisabete Salvador

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  25 Out 2021
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  29 Jun 2020
• Aceito
  19 Jul 2021