Acessibilidade / Reportar erro

HIPERTENSÃO PORTAL DECORRENTE DA ESQUISTOSSOMOSE: ASPECTOS DA ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM

I - INTRODUÇAO

Existe três espécies de Schistosoma que habitualmente parasitam o homem: Schistosoma mansoni, Schistosoma haematobium e Schistosoma japonicum.

No Brasil, a esquistossomose é causada pelo Schistosoma mansoni, e segundo informações oficiais, cerca de oito milhões de pessoas estão infestadas.

A esquistossomose assume forma endêmica no litoral do Rio Grande ao Norte até o Reconcavo Baiano e também no estado de Minas Gerais.

Após a infestação do indivíduo, através de água contaminada por cercárias, o portador pode apresentar na fase crônica da doença um quadro de hipertensão portal.

"Denominamos hipertensão portal uma sindrome caracterizada pelo aumento da pressão no sistema porta, em conseqüência a um obstáculo intra ou extra-hepático, ao seu fluxo sangüíneo." (OKUMURA, 1974).

A hipertensão portal baseia-se na tríade: hepatoesplenomegalia, hemorragia digestiva e ascite.

O presente trabalho tem por finalidade esclarecer alguns itens que consideramos importante para uma melhor assistência de enfermagem ao paciente com hipertensão portal decorrente da esquistossomose.

II - PROCEDIMENTOS DE ENFERMAGEM

Os cuidados de enfermagem variam de paciente para paciente; os procedimentos de enfermagem serão baseados no atendimento as necessidades básicas do indivíduo e pelas reações psíquicas e físicas do paciente à essa situação.

Faz-se necessário que o paciente seja esclarecido sobre os procedimentos a serem realizados, pois o simples fato de não saber "o que vai ser feito", pode torná-lo um paciente não cooperativo e inquieto.

Além da necessidade de cuidados básicos de enfermagem, o paciente com hipertensão portal requer alguns cuidados específicos.

Será abordado de uma maneira geral, a conduta de enfermagem específica para o paciente esqulstossomótico e com quadro de hipertensão portal.

A - Em relação à orientação

Dependendo das condições gerais do paciente, ela deve constar, basicamente, de:

  • - informações que visem o entrosamento do paciente com o ambiente hospitalar;

  • - esclarecimentos sobre os exahles c tratamento ao qual será submetido;

  • - educação sanitária abordando o modo de transmissão da doença, destino adequado dos dejetos, não utilização da água contaminada pelas cercarias;

  • - orientação para alta, salientando a importância da não reinfestação.

Em geral, a família do paciente é visto como um elemento de ajuda à sua recuperação. Nos esquistossomóticos, devemos atentar para o fato de que seus famlliares, provavelmente, serão também portadores de Schistosoma. Dessa forma, faz-se necessário que a enfermeira oriente-os em relação a:

  • - educação sanitária;

  • - utilização de recursos da comunidade para detecção de Schistosoma (exame parasitológico e/ou intradermo-reação) e tratamento (medicamentos como o Etrenol, Mansil);

  • - importância em descobrir a doença na fase inicial para a aplicação da medicação esquistomicida, para a prevenção da hipertensão portal.

B - Na presença de hemorragia digestiva

A hipertensão portal determina a congestão dos vasos do esófago e estômago, determinando o aparecimento de varizes esofágicas e/ou gástricas.

A diminuição da produção da protrombina pelas células hepáticas, associada às varizes, determinam as hemorragias digestivas; observa-se, então, o aparecimento de hematêmese e/ou melena.

A finalidade do atendimento é prevenir a instalação do quadro de choque hipovolêmico, estancar o sangramento e retirar o material hemorrágico.

Obtém-se esse objetivo através de:

1 - Reposição de volume e de elementos constituintes do sangue.

Administra-se sangue, soro glicosado acrescido de vitaminas e eletrólitos, plasma ou derivados.

Aspectos de Enfermagem:

  1. controlar constantemente os parametros hemodinámicos, tais como: pressão arterial, pressão venosa. central, volume urinário;

  2. manter uma via venosa para administração da medicação parenteral;

  3. controlar exames laboratoriais de coagulograma e contagem de plaquetas, hemograma, dosagem de de eletrólitos;

  4. administrar, segundo prescrição médica, sangue ou derivados, soro e elementos que participam do processo de coagulação.

2 - Lavagem gástrica

Após a sondagem gástrica, faz-se a lavagem com água gelada com o intuito de retirar o material hemorrágico e estancar o sangramento.

Aspectos de Enfermagem :

  1. providenciar o material: 1.000 ml de água gelada, seringa de 50 ml cubarim, gazes, balde;

  2. não substituir a água gelada por soro fisiológico, pois o paciente apresenta, geralmente, ions de sódio acima do valor normal;

  3. introduzir 50 ml de água, aspirar e desprezar no balde;

  4. repetir a técnica até que o liquido aspirado esteja limpo;

  5. durante o processo, estar atento à alteração da pressão arterial;

  6. concomitantemente, pode-se colocar uma bolsa de gelo sobre o tórax.

3 - Passagem do balão esofágico ou Sengstaken-Blakemore

O balão esofágico é utilizado quando o sangramento das varizes esofágicas persiste, apesar do tratamento.

É uma sonda que consta de três vias de saída:

  • - via para insuflar o balão gástrico;

  • - via para insuflar o balão esofágico;

  • - via digestiva para administração de medicamentos e alimentos líquidos.

O balão não deve permanecer mais de 72 horas insuflado, e após a desinsuflação, deve permanecer por mais de 24 horas para o caso de ocorrer novo sangramento.

Aspectos de Enfermagem:

  1. manter o balão da sonda em perfeitas condições de uso, para não ocorrer vazamento de ar após a sua instalação;

  2. preparar o material para a implantação: balão esofágico esterilizado, material para anestesia das vias aéreas superiores e orofaringe, seringa para insuflar o balão;

  3. após insuflar o balão gástrico e esofágico, observar sinais de obstrução da árvore respiratória provocada pela compressão;

  4. durante a passagem do balão, atentar para a não aspiração de secreção para o pulmão;

  5. administrar, de acordo com a prescrição médica, atropina para diminuir a produção de secreção gástrica e salivar;

  6. controlar o sangramento através da aspiração pela via digestiva.

4 - Lavagem intestinal

Esta é aconselhável na presença de melena, para a retirada do material hemorrágico a nível intestinal.

Aspectos de Enfermagem:

  • não substituir a água morna pelo soro fisiológico;

  • introduzir a sonda retal com cuidado, pois a região anu-retal apresenta-se alterada devido à evacuações e clister freqüentes;

  • observar a presença e intensidade de sangue no líquido de retomo.

C - Na presença de ascite e edema

Esses sinais são decorrentes da:

  • - hipertensão portal que determina acúmulo de sangue na área esplénica, favorecendo o acúmulo de líquido na cavidade abdominal;

  • - hipoalbuminemia devido à incapacidade do fígado em sintetizar albumina, determinando queda da pressão osmótica do plasma e reduzindo o volume intra-vascular;

  • - aumento dos estrógenos circulantes devido à inativação do fígado, ocorrendo retenção de sódio.

Aspectos de Enfermagem:

  • a) orientar e observar a dieta hipossódica e restrição hidrica;

  • b) administrar, de acordo com a prescrição médica, albumina para aumantar a pressão oncótica, e diuréticos para aumentar a excreção urinária de sódio e água;

  • c) verificar a diminuição desses sinais através do controle diário de diurese, peso, circunferência abdominal e observação;

  • d) manter repouso no leito;

  • e) na indicação da paracentese, que consiste na introdução de uma agulha de punção ou intracarth na região abdominal com a finalidade de drenar o liquido ascítico, deve-se atentar para:

  • - fazer o paciente urinar antes da punção para que não ocorra rutura de bexiga;

  • - preparar o material para antissepsia e luvas, agulha de punção ou intracarth, equipo de soro, balde;

  • - deixar em local próximo um frasco de substituto do plasma e material para venoclise;

  • - controle de pulso e pressão arterial antes, durante e após paracentese:

  • - medir a circunferência abdominal antes e após paracentese;

  • - controlar a saída do líquido ascítico para que não ocasione um quadro de choque devido a descompressão rápida (mais ou menos 2 litros em 30 minutos ou 1 hora);

  • - observar quantidade e características do líquido drenado;

  • - fazer curativo compressivo e observar sangramento ou saída de líquido ascítico;

  • - manter repouso no leito.

D - Na presença de encefalopatías - ou sua prevenção

As bactérias entéricas transformam as proteínas em amônia que são absorvidas pelos vasos entéricos. Devido à incapacidade do fígado em eliminar a amônia, observa-se uma elevação de sua taxa, provocando encefalopatias.

Aspectos de Enfermagem:

  1. administrar, de acordo com a prescrição médica, Neomicina por via oral e por lavagem intestinal com o intuito de destruir a flora intestinal, e em conseqüência, diminuir a amônia circulante;

  2. atentar para o nível de consciência do paciente;

  3. para os pacientes confusos ou agitados, promover segurança física através de vigilância, cama com grades, restrição dos membros;

  4. verificar o tipo de dieta que em geral é hipo ou aproteica;

  5. nos pacientes inconscientes: manter boa função pulmonar, pesquisar nível de consciência, mobilizar o paciente, prevenir o aparecimento de complicações, tais como: formação de trombos, complicações pulmonares, composição viciosa, formação de escaras.

E - Na presença de exames especializados

1 - Arteriografia

Consiste na introdução de contraste pela artéria femural, tendo por objetivo visualizar o trajeto dos vasos abdominais.

Aspectos de Enfermagem:

a) pré-exame:

  • - manter o paciente em jefum;

  • - aplicar medicação pré-anestésica;

  • - na véspera administrar laxantes e fazer a lavagem intestinal e providenciar tricotomia da região inguinal.

b) após-exame:

  • - estimular a hidratação para acelerar o processo de excreção do contraste;

  • - controlar a temperatura e pulso nos membros inferiores;

  • - controlar sangramento no local da arteriografia;

  • - controlar pulso e pressão arterial nas primeiras doze horas;

  • - manter repouso no leito por 24 horas;

  • - observar sinais alérgicos ao contraste.

2 - Esplenoportografia

Através da punção no 10.º espaço inter-costal esquerdo é introduzido o contraste, obtendo-se radiografias contrastadas do sistema porta.

Aspectos de Enfermagem:

a) pré-exame:

  • - manter o paciente em jejum;

  • - aplicar medicação pré-anestésica;

  • - na véspera administrar laxantes e fazer a lavagem intestinal e providenciar tricotomia do hipocondrio esquerdo.

b) pós-exame:

  • - manter repouso por 24 horas;

  • - controlar pulso e pressão arterial de 2/2 horas nas primeiras doze horas;

  • - observar sinais de sangramento, hematoma, dor abdominal;

3 - Endoscopia

A esofagoscopia tem por finalidade descobrir a presença de varizes de esófago.

Aspectos de Enfermagem:

  1. manter o paciente em jejum;

  2. sedá-lo conforme a prescrição, 30 minutos antes do exame;

  3. providenciar material de aspiração.

4 - Biópsia hepática

É a retirada de um fragmento do fígado, com o objetivo de pesquisar ovos de Schistosoma ou granulomas.

Aspectos de Enfermagem:

a) pré-exame:

  • - manter o paciente em jejum;

  • - providenciar resultado de coagulograma;

  • - providenciar o material necessário.

b) pós-exame:

  • - manter repouso por 24 horas;

  • - administrar dieta líquida;

  • - controlar pulso e pressão arterial de 2/2 horas nas primeiras doze horas;

  • - verificar condições do local: sangramento, dor abdominal.

5 - TTA - teste de tolerância a amônia.

Tem por finalidade estudar a capacidade de tolerância do paciente a amónia, detectando as alterações no aparelho de eletroencefalograma. É colhido sangue arterial após O minutos, 45 e 120 minutos da ingestão de amônia.

Aspectos de Enfermagem:

  1. manter o paciente durante três dias com dieta hipoproteica, medicando-o com Neomicina via oral, conforme prescrição médica;

  2. mantê-lo em jejum no dia do exame.

6 - BSP - bromossulfaleina.

A sua finalidade é detetar a capacidade de excreção do fígado à BSP. Aspectos de Enfermagem:

  1. administrar por via venosa uma ampola de BSP;

  2. colher sangue venoso no braço contra-lateral em tubo heparinizado após zero e 45 minutos após a administração do BSP.

F - Na presença do tratamento cirúrgico

Diversos tipos de cirurgias podem ser feitos com a finalidade de:

  1. combater as varizes esofagianas: para esse fim, as cirurgias mais realizadas são as operações de Boerema-Cryle Jr., esplenectomia e desconexão ázigo-portal (cirurgia de Welch);

  2. diminuir a pressão no sistema porta através da diminuição do fluxo portal: as cirurgias mais realizadas são a anastomose portocava (consiste na derivação da veia porta para a veia cava inferior) e a anastomose espleno-renal (consiste na derivação da veia esplénica para a veia renal).

Aspectos de Enfermagem:

1 - período pré-operatório

  1. controle laboratorial: hemograma, coagulograma e contagem de plaquetas, pesquisa de Schistosoma, pesquisa de Antigeno australiano, dosagem de eletrólitos, eletroforese, bilirrubinas, T.G.O. e T.G.P.

  2. preparo para a cirurgia:

    • - preparo para a cirurgia:

    • - preparo físico: lavagem intestinal e tricotomia na véspera, e no dia da cirurgia manter o paciente em jejum e aplicar a medicação pré-anestésica.

2 - período pós operatório

  1. preparo da unidade: material de aspiração endotraqueal, respiradores artificiais, nebulizadores, coletores e extensões para as sondas, material para medir os parâmetros hemodinâmicos, aparelhos de aspiração;

  2. recepção do paciente na unidade: observação geral do estado do paciente, revisão dos pontos cirúrgicos, observar venoclise, instalação de aspirador abdominal ou torácico quando necessário, coletar as extensões e coletores nas sondas observando o líquido drenado, ministrar os medicamentos de emergéncia;

  3. avaliação da função neurológica através da pesquisa de reflexos, nível de consciência, presença de agitação;

  4. avaliação das condições hemodinâmicas:

    • - controle de TPR PA e PVC de 2/2 hora ou mais freqüentemente se necessário;

    • - controle hidro-eletrolítico através de líquidos infundidos e eliminados;

    • - controle laboratorial: dosagem de eletrólitos, hemograma, uréia, glicemia.

  5. avaliação da função pulmonar:

    • - em pacientes entubados, manter vias aéreas desobstruídas através de aspiração endotraqueal e oral, controle do respirador artificial;

    • - controle laboratorial de gasimetria;

    • - observar expansibilidade pulmonar, sinais de insuficiência respiratória: tipo de respiração, presença de cianose, dispnéia, batimentos de asa de nariz;

    • - nos pacientes desintubados, mantê-los em nebulização contínua, promover exercícios respiratórios, mobilizar secreções através de tapotagem, deambulação precoce.

  6. medidas gerais:

    • - medidas de prevenção de infecção através da troca diária de curativo, utilização de técnicas assépticas, antibioticoterapia;

    • - aspiração do conteúdo gástrido pela sonda naso-gástrica de 3/3 horas, ou mais freqüentemente quando necessário;

    • - observar as complicações cirúrgicas tais como: hemorragia interna ou externa, instalação do quadro de encefalopatias, presença de ascite, formação de trombo;

    • - após a retirada da sonda naso-gástrica, geralmente é prescrito dieta líquida ou leve, devendo-se atentar para a presença de íleo paralítico;

    • - orientação para a alta:

    • nos casos em que se faz necessário a restrição proteica, orientar paciente e família em relação aos alimentos para que a ingestão não ultrapasse o limite de proteínas permitido;

    • orientar o paciente e sua família quanto à sintomatologia das encefalopatias e a necessidade de seguimento ambulatorial;

    • orientações gerais.

III - CONCLUSÕES

O paciente esquistossomõtico com quadro de hipertensão portal, devido a gravidade de sua patologia, requer sua internação em uma unidade com recursos materiais e humanos capaz de atendê-lo com eficácia e rapidez.

A atuação da enfermeira na assistência a esse tipo de paciente baseia-se na aplicação dos itens mencionados, bem como na utilização do seu senso de observação e iniciativa.

  • KAWAMOTO, E.E. - Hipertensão portal decorrente da esquistossomose: aspectos da assistência de enfermagem. Rev. Bras. Enf.; DF, 31 : 215-221, 1978.

IV - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1
    ADAMI, N. P. - A enfermagem de saúde pública na assistência progressiva do paciente. Enfermagem Novas Dimensões, 2(1) : 17-23, 1976.
  • 2
    PRUNNER, L. S. et al. - Enfermería Medicoquirurgica México, Interamericana, 1971.
  • 3
    HARPER, H. A. - Manual de Química Fisiológica.São Paulo, Atheneu Editora São Paulo, 1968.
  • 4
    MATTOS, L. U.; SHIMA, H.; SALUM, M. J. L. - Dietoterapia das moléstias hepáticas. Enfermagem Novas Dimensões, 2(6) : 355-359, 1976.
  • 5
    McCLAINS, M. E. & GRAGG, S. H. - Princípios Científicos de Enfermagem. Rio de Janeiro, Cientifica, 1970.
  • 6
    OKUMURA, M. - "Hipertensão portal". In: ZERBINI, E. J. - Clínica Cirúrgica Alípio Correa Netto. 3.ª edição, São Paulo, Sarvier, 1974, vol. 5, p. 324-358.
  • 7
    PRADO, F. C.; RAMOS, J.; VALLE, J. R. - Atualização Terapêutica. 9.ªed., São Paulo, Livraria Editora Artes Médicas, 1973.
  • 8
    PRATTA, A. - "Esquistossomose mansoni". In: VERONESI. R. - Dienças Infecciosas e Parasitárias. 4.a ed., Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan, 1969

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 1978
Associação Brasileira de Enfermagem SGA Norte Quadra 603 Conj. "B" - Av. L2 Norte 70830-102 Brasília, DF, Brasil, Tel.: (55 61) 3226-0653, Fax: (55 61) 3225-4473 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: reben@abennacional.org.br