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On knowing the price of everything and the value of nothing

On knowing the price of everything and the value of nothing

Solange Regina Marin

Professora adjunta da UFSM/CESNORS, e-mail: marin@smail.ufsm.br e solremar@yahoo.com.br

Resenha do livro On Knowing the Price of Everything and the Value of Nothing, de Frank Ackerman e Lisa Heinzerling

The New Press, New York Paperback, Nova York, 2004, 277p.

Para Frank Ackerman e Lisa Heinzerling, a análise custo-benefício tem o poder de esconder os reais valores das questões envolvidas nas diversas avaliações: vidas humanas são priceless e mortes não são apenas custos. O argumento central é o de que a monetização de alguns benefícios em relação aos custos é muito mais complicada. Na visão dos autores, a análise custo-benefício é moralmente obscura, e seria um meio para as indústrias poderosas justificarem a falta de medidas preventivas contra os males que provocam à saúde humana e ao meio ambiente. Ackerman e Heinzerling propõem a substituição da análise custo-benefício pelo princípio da precaução, que, na visão deles, seria uma análise mais holística por sugerir a regulação em face da incerteza científica, assegurar o tratamento justo (fairness) das gerações atuais e futuras e substituir a fórmula quantitativa da análise custo-benefício por um processo de deliberação.

Segundo o princípio da precaução, uma regulação é justificada mesmo com incerteza científica, mesmo se não está provado que os riscos ambientais são certos. Para a análise custo-benefício, a regulação seria justificada somente por uma avaliação cuidadosa dos seus custos e benefícios. Os dois modelos levam a direções diferentes. Considere o problema do aquecimento global. Muitos líderes europeus são favoráveis a medidas de precaução, mesmo que custem muitos milhões de euros, simplesmente para reduzir o risco de catástrofe. Mas os americanos, especialmente na administração Bush, ainda desenvolvem pesquisas sobre os custos e benefícios das altas temperaturas do planeta.

Os autores discutem os dois modelos com o exemplo da segurança nos aeroportos europeus e americanos. Na Europa, a segurança nos aeroportos é função do governo, que emprega trabalhadores com salários razoáveis, treinamento considerável e permanência na função por um longo período de tempo, permitindo que desenvolvam melhor suas habilidades. Nos Estados Unidos, antes do 11 de Setembro, os aeroportos contavam com segurança privada, que, buscando reduzir custos, contratavam trabalhadores a salários baixos, treinamento mínimo e mudança de turnos. O custo com segurança nos aeroportos era menor nos Estados Unidos do que na Europa. Porém, o 11 de Setembro pode ser usado para denotar o fato (triste!) de que a minimização de custo não é a única coisa que interessa quando se trata da vida das pessoas.

Para enfatizar a questão de quanto vale uma vida, os autores mencionam uma análise custo-benefício dos padrões de arsênico na água potável desenvolvida nos EUA em 2000 que estimou o valor da vida humana em us$ 6,1 milhões. Seria justificável o assassinato de alguém mediante a compensação aos seus familiares de us$ 6,1 milhões? A resposta econômica é que esse montante não é o preço da vida, mas a expressão do valor dos riscos pequenos de morte, os quais, quando agregados para resultar em morte, podem ser chamados de "vida estatística". Os autores ressaltam criticamente que uma medida completa dos danos feitos por produtos químicos tóxicos não pode parar com o valor dos riscos para todas as pessoas expostas a eles, mas considerar os custos do pequeno número daqueles que morrem como resultado da exposição a esses produtos (p. 68).

Os autores também tratam de questões de justiça entre as pessoas e até entre diferentes países. Na questão de perigos à saúde, observa-se a ocorrência de proteção desigual das pessoas dentro de uma mesma cidade. Esse fato é exemplificado na escolha de lugares para depósito de lixos (tóxicos!). Uma análise custo-benefício da localização de uma atividade de incineração mostra que os benefícios são medidos pela propensão a pagar por melhoramentos ambientais. Comunidades saudáveis são dispostas a pagar mais pelos benefícios e não ter a atividade em sua vizinhança, então o benefício líquido para a sociedade é maximizado ao escolher uma área de renda mais baixa. Uma discussão em 1991 entre Lawrence Summers, então economista-chefe do Banco Mundial, e José Lutzenberg, secretário do meio ambiente no Brasil, ilustra a questão. Summers aprovara a migração de indústrias sujas para os países em desenvolvimento com o argumento de que a medida dos custos "of health imparing pollution depend on the foregone earnings from increased morbidity and mortality". Para Lutzenberg, o argumento era lógico, porém de total insanidade e fruto de alienação e arrogância, encontradas em muitos dos economistas tradicionais, a respeito da natureza do mundo em que vivemos. Se as decisões ficarem restritas às análises de custos e benefícios, muitos dos problemas ambientais serão impostos àqueles com menor poder aquisitivo.

Os riscos discutidos pelos autores envolvem valores ligados à natureza e ao futuro. Eles destacam um derramamento de óleo no Alasca em 1989 para exemplificar o problema da natureza. Depois do episódio, houve o consenso sobre a responsabilidade do causador do derrame, mas não a concordância sobre quanto valiam monetariamente os pássaros, a água e os peixes contaminados. Para as pessoas que viviam diretamente da pesca, foi definida com base em estimativas de perda de ganhos econômicos atuais — o "valor de uso" da natureza — uma compensação de u$ 300 milhões. Para as pessoas que não tinham contato direto com a localidade, existe o chamado "valor de não-uso", ligado à existência do ambiente natural, indiferente ao seu uso direto. O valor de não-uso divide-se em valor de existência e valor de opção. Baseados nos valores de não-uso, os economistas estimaram que o valor de existência fosse ao menos de us$ 9 bilhões.

Ackerman e Heinzerling se perguntam qual seria o valor correto do dano ao meio ambiente, se de us$ 300 milhões em compensação ou u$ 9 bilhões em existência. A sociedade demanda compensação após o dano, mas isso não estabelece um preço para que danos futuros sejam permitidos sem impunidade (p. 157). Às vezes, é menos custoso para os poluidores compensarem as pessoas do que adotarem medidas preventivas. O valor de existência não tem muito significado, porque a dificuldade está em encontrar a disposição do público a pagar por algo que não está à venda. O valor de existência está baseado em uma lógica diferente daquela existente nos preços de mercado — os preços dependem de quanto os indivíduos estão dispostos a pagar por bens e serviços. Os valores estimados na avaliação da saúde ou da vida baseiam-se nas interpretações dos economistas sobre quanto os indivíduos estão dispostos a pagar para não sofrerem qualquer dano (p. 176). A natureza não pode dizer-lhes o quanto está disposta a pagar para não sofrer danos; o que o economista faz é perguntar para a sociedade qual é o valor de existência das florestas!

No futuro, como o mundo natural pode ser tratado? A resposta econômica está no método do valor presente. "The discounting formula has been developed to express exactly how much less next year’s dollars are worth. It shrinks, by a little bit, the ‘present value’ of a payment that you will receive next year" (p. 181). No caso, por exemplo, da mudança climática, o pensamento econômico segue a seguinte lógica: colocar no banco o dinheiro que seria gasto hoje em conservação de energia por séculos de maneira que nossos descendentes terão trilhões de dólares. No mundo real, esse adiamento pode ter repercussões irrecuperáveis, como, por exemplo, o derretimento das massas polares. Os autores afirmam que o futuro, assim como a vida, a saúde e a natureza, não tem preço, e por isso um novo procedimento de tomada de decisão é necessário e precisa estar baseado no julgamento de valor sobre eqüidade entre nós mesmos e o futuro.

Os autores oferecem o princípio da precaução como uma alternativa à análise custo-benefício, diante da necessidade de um novo método de tomada de decisão. O caminho indicado é a participação de representantes eleitos pela sociedade no processo de decisão. Para mostrar como esse procedimento poderia ser usado, eles propõem alguns princípios, denotando que (i) os métodos holísticos baseados no debate público de informações quantitativas são mais importantes do que métodos atomísticos de avaliação dos custos e dos benefícios individualizados nos trabalhos dos analistas; (ii) a área militar nos proporciona grande aprendizado: os imperativos morais são argumentos decisórios mais poderosos do que as comparações meramente de custos na destinação de recursos; (iii) deve haver a adoção do modelo da precaução para riscos potencialmente incertos e perigosos, ao invés do uso de médias; e (iv) deve-se promover a igualdade para os mais pobres (pessoas e países) hoje e para as gerações futuras.

A questão central para os autores é que os conceitos de disposição a pagar e a técnica de desconto da análise econômica escondem questões morais e políticas por detrás de seus números científicos e precisos. No lugar de alguma fórmula matemática mágica, os autores oferecem mais uma atitude do que um algoritmo: "one that trusts collective, commomsense judgments, and its humble in the face of uncertainty, steadfast in confronting urgent problems, and committed to fairness within and beyound this generation" (p. 234).

Ackerman e Heinzerling trocariam a análise custo-benefício pelo princípio da precaução. Mas, em alguns contextos, tal princípio não ajuda muito. Os riscos estão presentes em todos os lados da situação social, e a redução destes por ela mesma produz outros riscos. Por exemplo, uma análise minuciosa dos medicamentos antes de eles serem colocados no mercado preveniria algumas mortes e doenças, mas também poderia causar mortes e doenças pelo atraso na disponibilidade de medicamentos benéficos. O princípio da precaução por si só parece sofrer também com a possibilidade de não ponderar adequadamente todos os riscos envolvidos em qualquer medida regulatória.

Priceless levanta muitas questões morais interessantes (e até divertidas) quando o que está em discussão é a avaliação de medidas regulatórias nas áreas da saúde e do meio ambiente, mas não deixa muito claro como seria possível tratar de questões tão complexas, tais como o aquecimento global, se apenas o princípio da precaução fosse adotado. Parece que o caminho mais frutífero na área da avaliação de medidas regulatórias e de políticas públicas seria complementar a análise custo-benefício com o princípio da precaução. O resultado final desse processo árduo de busca de melhoramento no método avaliativo seria priceless em termos científicos, ambientais e humanos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Nov 2007
  • Data do Fascículo
    Ago 2007
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