Resumo
OBJETIVO
Conhecer a percepção dos profissionais de saúde de uma Unidade de Terapia Intensiva acerca do cuidado paliativo.
MÉTODO
Pesquisa descritiva, qualitativa do tipo Convergente Assistencial realizada em uma Unidade de Terapia Intensiva da região sul do Brasil. Utilizou-se de entrevista semiestruturada que investigou o entendimento e a compreensão sobre cuidado paliativo nesta unidade. Os dados foram organizados e analisados pela técnica do discurso do sujeito coletivo com auxílio do software Qualiquantisoft®.
RESULTADOS
Participaram do estudo 37 profissionais (12 enfermeiros, 11 técnicos de enfermagem, cinco fisioterapeutas e nove médicos). As ideias centrais extraídas dos relatos: cuidado na fase terminal da vida sem medidas fúteis; cuidados de conforto; falta uniformizar a assistência e falta capacitação para a equipe.
CONCLUSÃO
Os profissionais percebem o cuidado paliativo apropriado na fase terminal da vida, sem necessidade de medidas fúteis de tratamento e promotoras de conforto. No entanto, estão conscientes da falta de uniformização e da sua capacitação nesta matéria, o que os leva a conceber o paliativismo como cuidado de terminalidade, pelo que se recomendam medidas para romper com este estigma.
Descritores
Cuidados Paliativos; Unidades de Terapia Intensiva; Equipe de Enfermagem; Equipe de Assistência ao Paciente
Abstract
OBJECTIVE
To learn the perception of health professionals in an intensive care unit towards palliative care.
METHOD
This was a descriptive and qualitative study based on the converging care approach conducted at an intensive care unit in the South of Brazil. Semi-structured interviews were used to investigate the understanding of the professionals about palliative care in this unit. The data were organized and analyzed using the discourse of the collective subject method with the help of Qualiquantisoft® software.
RESULTS
Participants included 37 professionals (12 nurses, 11nursing technicians, 5 physical therapists and 9 doctors). The key ideas extracted from the interviews were: care in the end stage of life that avoids futile measures; comfort care; lack of standardized care and lack of team training.
CONCLUSION
The professionals perceived palliative care as appropriate in the last stages of life, with no need for futile treatment or as comfort measures. However, they are aware of the lack of standardization and lack of capacity building in this area, which leads them to conceive palliative care as terminal care, and measures are recommended to break with this stigma.
Descriptors
Palliative Care; Intensive Care Units; Nursing Team; Patient Care Team
Resumen
OBJETIVO
Conocer la percepción de los profesionales sanitarios de una Unidad de Cuidados Intensivos acerca del cuidado paliativo.
MÉTODO
Investigación descriptiva, cualitativa del tipo Convergente Asistencial realizada en una Unidad de Cuidados Intensivos de la región sur de Brasil. Se empleó entrevista semiestructurada que investigó el entendimiento y la comprensión acerca del cuidado paliativo en esa unidad. Los datos fueron organizados y analizados por la técnica del discurso del sujeto colectivo con auxilio del software Qualiquantisoft®.
RESULTADOS
Participaron en el estudio 37 profesionales (12 enfermeros, 11 técnicos de enfermería, cinco fisioterapeutas y nueve médicos). Las ideas centrales extraídas de los relatos: cuidado en la fase terminal de la vida sin medidas fútiles; cuidados de confort; ausencia de uniformización de la asistencia y de capacitación para el equipo.
CONCLUSIÓN
Los profesionales perciben el cuidado paliativo apropiado en la fase terminal de la vida, sin necesidad de medidas fútiles de tratamiento y promotoras de confort. Sin embargo, están enterados de la falta de uniformización y de su capacitación en esa materia, lo que lleva a concebir el paliativismo como cuidado de terminalidad, por lo que se recomiendan medidas para romper dicho estigma.
Descriptores
Cuidados Paliativos; Unidades de Cuidados Intensivos; Grupo de Enfermería; Grupo de Atención al Paciente
Introdução
Durante décadas, os profissionais da área de cuidados intensivos tinham como foco o aumento da sobrevivência em curto prazo. Mas recentemente os cuidados intensivos têm se expandido para melhorar os resultados da sobrevida nas doenças críticas em longo prazo e melhorar a qualidade de vida dos pacientes que estão sujeitos a uma morte prematura11 Hua M, Wunsch H. Integrating palliative care in the ICU. Curr Opin Crit Care. 2014;20(6): 673-80. .
O cuidado paliativo (CP) centra-se na redução do sintoma angustiante, comunicação clara e sensível, alinhamento do tratamento com as preferências do paciente e apoio à família22 Nelson JE, Curtis JR, Mulkerin C, Campbell M, Lustbader DR, Mosenthal AC, et al. Choosing and using screening criteria for palliative care consultation in the icu: a report from the improving palliative care in the ICU (IPAL-ICU) Advisory Board. Crit Care Med. 2013; 41(10):2318-27.. É um modo de cuidado que visa o aprimoramento da qualidade de vida dos pacientes e famílias que enfrentam problemas relacionados a doenças ameaçadoras da vida33 Pimenta CAM. Palliative care: a new specialty in profession of nursing? [editorial]. Acta Paul Enferm. 2010;23(3):ix..
Internacionalmente, a investigação na área dos CPs tem contribuído para a sua difusão e implementação, com um papel fundamental no cumprimento dos seus princípios, filosofia e objetivos44 Ferreira MAL, Pereira AMNA, Martins JCA, Barbieri-Figueiredo MC. Palliative care and nursing in dissertations and theses in Portugal: a bibliometric study. Rev Esc Enferm USP. 2016;50(2):313-19. DOI: 10.1590/S0080-623420160000200019
https://doi.org/10.1590/S0080-6234201600...
. Dessa forma, o CP vem ocupando lugar de destaque nas discussões atuais dos profissionais da área da saúde, na assistência a pacientes com doenças crônicas sem possibilidade de cura e mais recentemente a pacientes em situação aguda, como os internados em UTI55 Aslakson RA, Curtis JR, Nelson JE. The changing role of palliative care in the ICU. Crit Care Med. 2014;42(11):2418-28..
Devido à abrangência das necessidades terapêuticas das pessoas em CP, autores defendem que o paliativismo deve envolver uma equipe multiprofissional, incluindo médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos, psiquiatras, nutricionistas, fonoaudiólogos, assistentes sociais, farmacêuticos, conselheiros espirituais e sacerdotes, para tornar o cuidado mais integrado e fornecer ao paciente crítico toda a oportunidade de cuidado existente, garantindo, assim, uma melhor qualidade de vida66 Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP). Manual de cuidados paliativos. 2ª ed. São Paulo: ANCP; 2012.-77 Edwards JD, Voigt LP, Nelson JE. Ten key points about ICU palliative care. Intensive Care Med. 2017;43(1):83-5..
É, portanto, necessário que haja uma equipe multiprofissional especializada no atendimento do paciente terminal em todas as dimensões, garantindo-lhe o bem-estar e respeito à sua dignidade88 Silva CF, Souza DM, Pedreira LC, Santos MR, Faustino TN. Concepções da equipe multiprofissional sobre a implementação dos cuidados paliativos na unidade de terapia intensiva. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18(9):2597-604. .
Torna-se, então, necessário que o CP se integre ao ambiente da UTI e se consolide como uma filosofia de cuidado que busca prover o alívio da dor e de outros sintomas, e dar suporte espiritual e psicossocial ao fim da vida e no luto33 Pimenta CAM. Palliative care: a new specialty in profession of nursing? [editorial]. Acta Paul Enferm. 2010;23(3):ix.,88 Silva CF, Souza DM, Pedreira LC, Santos MR, Faustino TN. Concepções da equipe multiprofissional sobre a implementação dos cuidados paliativos na unidade de terapia intensiva. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18(9):2597-604. .
A busca por subsídios para melhorar a organização do CP em uma unidade de cuidados críticos levou os autores à realização de um estudo que teve entre seus objetivos conhecer a percepção dos profissionais de saúde de uma unidade de terapia intensiva acerca do cuidado paliativo.
Método
Pesquisa qualitativa que utilizou como referencial metodológico a Pesquisa Convergente Assistencial (PCA), que apresenta cinco fases ou procedimentos: fase de concepção, de instrumentação, de perscrutação, de análise e de interpretação99 Trentini M, Paim L, Silva DMG. Pesquisa convergente assistencial: delineamento provocador de mudanças nas práticas de saúde. 3ª ed. Porto alegre: Moriá; 2014. . Na fase de concepção estão contemplados objeto do estudo, objetivos e referencial teórico. Na fase de instrumentação, a descrição dos procedimentos de coleta de dados, dentre eles o local do estudo, os participantes e os métodos de coleta de dados. Na fase de perscrutação descreve-se como os dados serão coletados. E, por último, como serão analisados e interpretados os dados e os cuidados com o rigor ético da pesquisa.
O estudo foi desenvolvido na UTI do Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com 12 leitos. Nessa unidade são internados principalmente pacientes com intercorrências respiratórias e em pós-operatório. A unidade conta com 98 profissionais. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos, sob o número 959.555/2015 e CAAE 36643714.1.0000.0118 e seguiu os princípios éticos1010 Brasil. Ministério da Saúde; Conselho Nacional de Saúde. Resolução n. 466, de 12 de dezembro de 2012. Dispõe sobre normas e diretrizes de pesquisas envolvendo seres humanos [Internet]. Brasília; 2012 [citado 2016 jan. 08]. Disponível em: Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf
http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/...
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Adotou-se como critério de inclusão os profissionais atuantes no cenário do estudo por um tempo de no mínimo seis meses, tempo necessário para o profissional ter a experiência de cuidar do paciente em CP. Excluíram-se os profissionais afastados do exercício profissional no período de coleta dos dados por motivo de férias ou licenças.
Participaram do estudo médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e fisioterapeutas. A escolha desses participantes é justificada pelo fato da pesquisa ter como foco, pacientes em CP com os sintomas de dor, dispneia e hipersecreção, e de no ambiente de terapia intensiva serem esses os profissionais que atuam diretamente no alívio desses sintomas.
A coleta de dados ocorreu nos meses de março a maio de 2015 por meio de entrevista semiestruturada, cujo roteiro continha dados relacionados às características dos participantes, como: idade, sexo, nível de formação e duas questões norteadoras: O que você entende sobre cuidado paliativo? e Como você percebe o cuidado paliativo na UTI? As entrevistas foram individuais, gravadas com o consentimento prévio dos participantes, posteriormente transcritas, e com duração média de 30 minutos. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e, a fim de se manter o anonimato, foram identificados com a letra E de entrevistado e números subsequentes, conforme a ordem em que a coleta de dados foi realizada, por exemplo: E1, E2... O término da coleta de dados ocorreu quando constatada a saturação dos dados com material suficiente para conhecer o objeto de investigação.
Para organização e análise dos dados optou-se pelo método do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC). Esse método compreende quatro figuras metodológicas: Expressões Chave (ECH), que revelam a essência do conteúdo dos depoimentos; as Ideias Centrais (IC), que indicam o sentido ou a expressão linguística de um depoimento analisado e de cada conjunto de ECH de mesmo sentido ou sentido complementar que irão compor, posteriormente, o DSC; Ancoragem (AC), que compreende pressupostos, princípios, hipóteses e teorias que dão sustentação às expressões chave, e o DSC, que é um discurso síntese redigido na primeira pessoa do singular, com ECH que têm IC ou AC semelhantes ou complementares1111 Lefèvre F, Lefèvre AMC. Pesquisa de representação social: um enfoque qualiquantitativo. Brasília: Líber Livro; 2012. .
Os depoimentos coletados foram metodologicamente tratados por meio do software Qualiquantisoft®. Nessa ferramenta, a dimensão qualitativa se expressa no DSC e a quantitativa na frequência de compartilhamento de discursos entre indivíduos, ou seja, discursos com a mesma IC. Portanto, depois de transcritas e digitadas todas as entrevistas, o software auxiliou a operacionalização em categorias, a elaboração do discurso, assim como a produção dos relatórios quantitativos, o que fornece o percentual de indivíduos que contribuíram com suas expressões chave relativas às ideias centrais.
Resultados
Dos 37 profissionais que participaram do estudo, 12 eram enfermeiros, 11 técnicos de enfermagem, cinco fisioterapeutas e nove médicos. Desses, 32 (86,5%) eram do sexo feminino e cinco (13,5%), masculino. A média das idades foi de 37 anos, sendo a média feminina 36 anos e a masculina, 45 anos. Em relação ao grau de formação, cinco (13,5%) entrevistados possuíam segundo grau completo; 11 (29,7%), curso superior completo; 17 (45,9%) tinham o título de mestre; e quatro (10,8%) de doutorado, constituindo uma amostra qualificada de profissionais.
A partir da primeira pergunta (o que você entende sobre cuidado paliativo?), emergiram dois DSC de suas respectivas IC. O software do DSC, o Qualiquantisoft®, forneceu também uma análise quantitativa das respostas, na qual, para esta primeira pergunta, 12 (30,77%) entrevistados entendem que é o cuidado na fase terminal da vida sem medidas fúteis e 27 (69,23%) entendem que é cuidado de conforto. Cabe ressaltar que dois entrevistados deram respostas com mais de uma ideia central, por isso o total de 39.
Ideia Central A ‒ Cuidado na fase terminal da vida sem medidas fúteis
DSC 1: Eu penso que é o cuidado que é feito ao paciente que está num limiar da vida, sem perspectiva de tratamento, no caso quando ele está fora de possibilidades terapêuticas, que não tem cura. É quando o paciente não tem mais necessidade de uma intervenção mais agressiva, que não vai salvar a vida dele, só vai prolongar o sofrimento. É o cuidado ao paciente que está em fase final de vida ou que já está se encaminhando para um fechamento. É o cuidado com menos interferências possíveis de coisas fúteis, as quais só vão prolongar mais sofrimento, tanto para o paciente quanto para a família (E6, E8, E11, E14, E15, E16, E21, E24, E25, E26, E34, E36).
Ideia Central B ‒ Cuidado de conforto
DSC 2: Eu entendo que é dar conforto para um paciente que não tem mais possibilidades de cura, que tem uma doença que é irreversível, o paciente não está avançando mesmo com toda terapia que foi oferecida, então se mantêm os cuidados mais para conforto, no estado de pré-morte. São medidas que visam cuidados básicos de conforto e suporte para o paciente num estado terminal de vida, que não se destinam a curar uma doença de base, mas tratar os sintomas que estão incomodando o paciente, dando o conforto necessário para que ele passe pelo momento da morte, tentando diminuir o sofrimento dele, a dor, e melhorar um pouco a qualidade de vida dos dias que ainda tem. É dar a melhor assistência para ele, visando retirar qualquer coisa que esteja incomodando para que a doença ou a própria vida dele siga o curso mais natural possível. É tentar realizar um desejo do paciente, como trazer uma criança, abrir algumas exceções para melhorar uma satisfação pessoal. São procedimentos para deixar a pessoa confortável, em condição agradável, de bem-estar, podendo ser medicamentoso, uma massagem, uma conversa, qualquer coisa que deixe a pessoa se sentindo melhor durante o processo de doença, como também deixá-la livre de feridas, mobilizar adequadamente, preparar o paciente para a evolução da sua doença tanto quanto dos familiares para o desfecho e para a evolução da doença até o óbito, se isso for uma situação inevitável (E1, E2, E3, E4, E5, E7, E9, E10, E12, E13, E14, E17, E18, E19, E20, E22, E23, E26, E27, E28, E29, E30, E31, E33, E37, E35).
Em relação à segunda pergunta (como você percebe o cuidado paliativo na UTI?), a maioria, ou seja, 30 (81,08%) dos entrevistados percebem que falta uniformizar a assistência e sete (18,92%) percebem que falta capacitação para a equipe.
Dessa pergunta surgiram também dois DSC com uma IC cada.
Ideia Central A ‒ Falta uniformizar a assistência
DSC 3: O problema aqui é a concordância em definir quando esse cuidado paliativo deve ser instituído. Precisa de protocolos, precisa ter condutas uniformizadas. As pessoas não têm o mesmo entendimento. Uma hora é cuidado paliativo, em outro momento não é mais, não tem um pensamento único, não tem uniformidade naquilo, não tem um consenso, um pensa de um jeito, um faz de outro, o paciente não é para ser investido, mas continua com tudo que tem e de repente muda o plantão e tira tudo... O paciente não morre, vem outro plantão e coloca tudo de novo... Então fica meio confuso para a equipe, e acaba criando certo conflito entre a equipe e até mesmo com a família (E2, E3, E5, E6, E7, E8, E11, E12, E14, E15, E16, E17, E18, E19, E20, E21, E22, E23, E25, E26, E27, E28, E29, E30, E31, E32, E33, E34, E36, E37).
Ideia Central B ‒ Falta capacitação para a equipe
DSC 4: Falta conhecimento para entender os sintomas pré-morte e também preparo para conversar com a família nesse processo da morte. A gente ainda não está bem preparada, ainda temos muitas dificuldades. Na UTI, se eu quiser deixar um familiar, tem sempre muita preocupação, pois falta estrutura para receber essa família. A equipe ainda não compreende o que é realmente o cuidado paliativo. O grande diferencial aqui é ter profissionais que estão realmente capacitados em cuidados paliativos, com especialização nessa área, mas falta comunicação, mais leitura, entender um pouco do paliativo, o que é paliativo pleno, o que é paliativo não pleno. Falta a gente envolver um pouquinho mais os profissionais de nível técnico para que isso se aprimore e todo mundo entenda da mesma maneira, precisa investir em formação para que todo mundo consiga entender que tem um objetivo comum. Então eu acho que tem que ter treinamento da equipe que precisa estar preparada e comprometida com o cuidado paliativo (E1, E4, E9, E10, E13, E24, E35).
Discussão
O doente em CP é definido como tendo uma doença que não é sensível ao tratamento curativo ou uma doença que o coloca em risco de vida1212 Fonseca AC, Mendes Junior WV, Fonseca MJM. Cuidados paliativos para idosos na unidade de terapia intensiva: revisão sistemática. Rev Bras Ter Intensiva. 2012;24(2):197-206.. O CP como um conceito dinâmico ganhou um novo significado ao longo do tempo, o que resultou em novos modelos e conceitos relacionados, tais como cuidados pré-terminais, cuidados terminais e cuidados de fim de vida1313 Van Mechelen W, Aertgeerts B, De Ceulaer K, Thoonsen B, Vermandere M, Warmenhoven F, et al. Defining the palliative care patient: a systematic review. Palliat Med. 2013;27(3):197-208. .
Observa-se no primeiro discurso uma falta de consenso entre os profissionais de saúde sobre a fase da vida dirigida para CP. Doze entrevistados (30,77%) entendem que o CP é o cuidado ao paciente sem possibilidades de cura, entretanto, mostra claramente a relação do CP com o período final da vida. Isso demonstra uma visão limitada dos profissionais, haja vista que não deve ser apenas uma abordagem de cuidado para quem está próximo à morte, principalmente em se tratando de paciente internado em UTI.
O CP visa o alívio dos sintomas, a eficaz comunicação sobre metas de atendimento, o alinhamento do tratamento com as preferências do paciente, o apoio familiar e o planejamento para transições. Considerando que CP ou cuidados de fim de vida são para pacientes que se aproximam da morte, CP é apropriado no contexto de qualquer doença grave, independentemente do estágio ou prognóstico, e é otimamente fornecido em conjunto com a terapia curativa restaurativa1414 Frontera JA, Curtis JR, Nelson JE, Campbell M, Gabriel M, Mosenthal AC, et al. Integrating palliative care into the care of neurocritically ill patients: a report from the improving palliative care in the ICU Project Advisory Board and the Center to Advance Palliative Care. Crit Care Med. 2015;43(9):1964-77. .
Tradicionalmente, o CP tem sido relacionado à doença avançada e aos cuidados de fim de vida, que é refletida em uma expectativa de vida limitada1515 Bausewein C, Higginson IJ. Challenges in defining ‘palliative care’ for the purposes of clinical trials. Curr Opin Support Palliat Care. 2012;6(4):471-82. .
Reconhecer o momento em que um tratamento é considerado fútil ou saber quando uma determinada intervenção não atende aos objetivos estabelecidos na terapêutica de um determinado doente são processos complexos. Sendo assim, definir quais cuidados deverão ser mantidos e quais deverão ser suspensos na abordagem paliativista ainda é uma das decisões mais difíceis de serem tomadas pela equipe88 Silva CF, Souza DM, Pedreira LC, Santos MR, Faustino TN. Concepções da equipe multiprofissional sobre a implementação dos cuidados paliativos na unidade de terapia intensiva. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18(9):2597-604. .
Em relação aos cuidados de conforto, nos CP são envolvidos vários tipos de medidas. Atualmente abordagens mais proativas têm sido trabalhadas para a prestação de CP com iniciativas educacionais para a equipe da UTI, como ferramentas de comunicação à beira do leito e gerenciamento dos sintomas1616 Saft HL, Richman PS, Berman AR, Mularski RA, Kvale PA, Ray DE, et al. Impact of critical care medicine training programs’ palliative care education and bedside tools on ICU use at the end of life. J Grad Med Educ. 2014;6(1):44-9. .
A definição atual de CP aponta uma abordagem que melhora a qualidade de vida dos pacientes e suas famílias que enfrentam a doença com risco de vida, por meio de prevenção e alívio do sofrimento, identificação precoce e avaliação, ainda, tratamento impecável da dor e outros problemas físicos, psicossociais, e espirituais66 Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP). Manual de cuidados paliativos. 2ª ed. São Paulo: ANCP; 2012..
Além disso, essa definição do CP enfatiza a importância da gestão dos sintomas durante toda a fase ativa da doença de um paciente, mesmo antes do paciente entrar na fase terminal. A introdução dos CP aos pacientes, quando ainda estão recebendo tratamento curativo, contribui para melhorar a qualidade do atendimento que recebem ao longo do curso da doença e, portanto, sua qualidade de vida. Embora a inclusão dos CP na fase inicial da doença ainda seja rara, em especial para a realidade do cenário do estudo, é considerada como uma opção para pacientes terminais, por englobar conforto e cuidados holísticos para qualquer paciente, incluindo doentes que recebem tratamento curativo de câncer, pacientes com HIV/AIDS, e idosos com doenças crônicas1717 Izumi S, Nagae H, Sakurai C, Imamura E. Defining end-of-life care from perspectives of nursing ethics. Nurs Ethics. 2012;19(5):608-18..
É frequente na UTI a necessidade de tomada de decisões sobre os tratamentos de suporte de vida. Entretanto, é difícil saber qual o momento exato em que o paciente de UTI tem maior indicação de CP do que cuidados curativos, pois estes coexistem com os cuidados de conforto. Cuidados de conforto são definidos aqui como aspectos físicos individuais e combinados com os aspectos psicológicos, sociais, e espirituais. Geralmente, diz-se nos cuidados intensivos: curar às vezes, aliviar frequentemente e confortar sempre1818 Hansen L, Press N, Rosenkranz SJ, Baggs JG, Kendall J, Kerber A, et al. Life-sustaining treatment decisions in the ICU for patients with ESLD: a prospective investigation. Res Nurs Health. 2012;35(5):518-32..
Excelente controle de sintomas, compromisso contínuo de servir o paciente e a família, apoio físico, psicológico e espiritual são as marcas dos cuidados de alta qualidade no fim da vida. Esse cuidado está emergindo na UTI e exige o mesmo nível elevado de conhecimento e competência de todas as outras áreas envolvidas. Pacientes morrendo na UTI querem alívio dos sintomas, seus desejos respeitados e estar cercados por seus entes queridos. Os fatores mais importantes do conceito de cuidado de alta qualidade dos pacientes incluem confiança e segurança no tratamento da equipe, evasão dos suportes de vida quando há pouca esperança para uma recuperação significativa, informação honesta sobre a doença, continuidade dos cuidados e preparo para o fim da vida1919 Wiedermann CJ, Lehner GF, Joannidis M. From persistence to palliation: limiting active treatment in the ICU. Curr Opin Crit Care. 2012;18(6):693-9. .
Aliado a isso, os profissionais da UTI se deparam com um dos desafios nos cuidados de fim de vida: A colaboração interdisciplinar, incluindo visões diferentes sobre o potencial de recuperação do paciente, problemas de comunicação na equipe interdisciplinar e uma falta de participação da enfermagem no processo de tomada de decisão. Diretrizes envolvendo a interdisciplinaridade podem ajudar a esclarecer, descrever e obter consenso sobre as normas para fim de vida na tomada de decisão e cuidado, e, assim, melhorar a satisfação com a colaboração interdisciplinar e assistência ao paciente2020 Jensen HI, Ammentorp J, Ording H. Guidelines for withholding and withdrawing therapy in the ICU: impact on decision-making process and interdisciplinary collaboration. Heart Lung Vessel. 2013;5(3):158-67..
Para que se tenha uniformização das condutas, há necessidade de melhorar a comunicação entre a equipe. A comunicação é fundamental ao profissional que atua com pacientes sob CP, uma vez que permite melhor acesso e abordagem à sua dimensão emocional, a fim de aprimorar a assistência ao paciente2121 Araújo MMT, Silva MJP. O conhecimento de estratégias de comunicação no atendimento à dimensão emocional em cuidados paliativos. Texto Contexto Enferm. 2012;21(1):121-9..
A comunicação é um desafio nas UTIs devido a múltiplos aspectos fundamentais dos cuidados intensivos, sendo um deles a complexidade. A incerteza é uma constante no que diz respeito aos resultados, afeta a tomada de decisão e acrescenta estresse para todos os envolvidos, incluindo pacientes, famílias e equipe de saúde. Além disso, há desafios éticos, pois, com o aumento da tecnologia e opções de tratamento, dilemas dessa natureza podem ocorrer com frequência. Tendo em conta todos estes elementos, torna-se mais fácil entender o quão desafiador a comunicação na UTI pode ser. A principal fonte de conflitos na UTI encontra-se nos cuidados de fim de vida, devido às decisões e aos problemas de comunicação2222 Grant M. Resolving communication challenges in the intensive care unit. AACN Adv Crit Care. 2015;26(2):123-30. .
A ausência de protocolos assistenciais dificulta a tomada de decisão dos cuidados a serem instituídos e de quais terapêuticas devem ser mantidas nos pacientes em CP88 Silva CF, Souza DM, Pedreira LC, Santos MR, Faustino TN. Concepções da equipe multiprofissional sobre a implementação dos cuidados paliativos na unidade de terapia intensiva. Ciênc Saúde Coletiva. 2013;18(9):2597-604. .
Outro ponto forte presente nos discursos é a percepção de que na UTI os profissionais não estão preparados para lidar com o paciente em CP, faltam conhecimento, formação adequada e envolvimento de todos os integrantes da equipe multiprofissional. Logo, apesar de a UTI ser um local em que a morte está sempre presente, os profissionais que prestam os cuidados intensivos não estão adequadamente treinados ou qualificados para o atendimento de fim de vida.
A capacitação tem como objetivo fornecer uma abordagem de comunicação multidisciplinar para as famílias dos pacientes críticos, a fim de melhorar a comunicação entre os profissionais e com os pacientes e suas famílias, aumentar o nível de conforto pessoal, e melhorar a transição para cuidados de conforto2323 Wessman BT, Sona C, Schallom M. Improving caregivers’ perceptions regarding patient goals of care/end-of-life issues for the multidisciplinary critical care team. J Intensive Care Med. 2017;32(1):68-76..
Estudo semelhante realizado com uma equipe multiprofissional, acerca do cuidado paliativo no contexto hospitalar, também retratou em um dos temas a necessidade de qualificação da equipe assistencial para lidar com o processo da terminalidade, relatando que nem todos estavam preparados para lidar com este tipo de paciente2424 Cardoso DH, Muniz RM, Schwartz E, Arrieira ICO. Hospice care in a hospital setting: the experience of a multidisciplinary team. Texto Contexto Enferm. 2013;22(4):1134-41..
Outro estudo retrata o ressignificado do cuidado em uma unidade especializada em CP, tratando o doente e não a doença, ativando a humanização no atendimento aos pacientes, e apresenta um exemplo em que o paciente e seus familiares nos momentos finais de vida não desejam ir para uma UTI, mostrando que o que eles precisam no momento não é apenas de tecnologia, e sim de um cuidado mais ampliado que contemple as dimensões psicoemocionais relacionadas ao momento vivido2525 Vargas MAO, Vivan J, Vieira RW, Mancia JR, Ramos FRS, Ferrazzo S, et al. Redefining palliative care at a specialized care center: a possible reality? Texto Contexto Enferm. 2013; 22(3):637-45..
Aponta-se como limitação deste estudo o fato de ter sido realizado em apenas uma UTI. Sugere-se, portanto, que seja replicado em outras UTIs com o objetivo de validar seus resultados e verificar se haveriam percepções diferentes das encontradas no presente estudo.
Conclusão
O CP é uma filosofia ainda a ser explorada dentro do cenário do estudo, e necessita de maiores esclarecimentos aos profissionais. A partir dos resultados encontrados, percebe-se que a equipe da UTI tem o entendimento de que o CP é apropriado na fase terminal da vida, sem necessidade de medidas fúteis de tratamento, e com cuidado de conforto ao paciente e a seus familiares. Os entrevistados também relataram a necessidade de melhorar a comunicação entre os profissionais da equipe da UTI, para que se estabeleçam condutas mais uniformizadas na assistência ao paciente. Referiram a necessidade de capacitação, para que em conjunto seja aprimorada a assistência ao paciente em fase final de vida, e oferecer o suporte necessário aos familiares.
A carência de formação dos profissionais em CPs interfere na definição de quais pacientes devem ser internados, ou não, na UTI, e na forma de cuidar. Ou seja, interfere na definição de quais terapêuticas devem ser instituídas apesar do diagnóstico de CP.
Na UTI cenário da presente pesquisa, ainda se confunde a visão do paliativismo com o cuidado de terminalidade. Assim sendo, precisa ser quebrado o estigma de que CP é sinônimo de paciente terminal.
Esse fato talvez se deva às decisões estarem ainda segregadas a equipe médica, pois apesar dos resultados apontarem uma equipe diferenciada, com grau de formação da maioria dos entrevistados, de graduação ou pós-graduação, ainda não ocorre uniformização das condutas, há falta de comunicação, e o conhecimento sobre o CP não está sendo repassado a todos os integrantes da equipe multiprofissional.
Dessa forma, o estudo aponta uma lacuna na uniformização das condutas, sem, contudo, deixar de considerar a particularidade dos cuidados ao paciente, justificando a necessidade de construção de protocolos assistenciais para os pacientes em CPs.
References
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1Hua M, Wunsch H. Integrating palliative care in the ICU. Curr Opin Crit Care. 2014;20(6): 673-80.
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2Nelson JE, Curtis JR, Mulkerin C, Campbell M, Lustbader DR, Mosenthal AC, et al. Choosing and using screening criteria for palliative care consultation in the icu: a report from the improving palliative care in the ICU (IPAL-ICU) Advisory Board. Crit Care Med. 2013; 41(10):2318-27.
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3Pimenta CAM. Palliative care: a new specialty in profession of nursing? [editorial]. Acta Paul Enferm. 2010;23(3):ix.
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4Ferreira MAL, Pereira AMNA, Martins JCA, Barbieri-Figueiredo MC. Palliative care and nursing in dissertations and theses in Portugal: a bibliometric study. Rev Esc Enferm USP. 2016;50(2):313-19. DOI: 10.1590/S0080-623420160000200019
» https://doi.org/10.1590/S0080-623420160000200019 -
5Aslakson RA, Curtis JR, Nelson JE. The changing role of palliative care in the ICU. Crit Care Med. 2014;42(11):2418-28.
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6Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP). Manual de cuidados paliativos. 2ª ed. São Paulo: ANCP; 2012.
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Extraído da tese “Protocolo interdisciplinar para o controle da dor, dispneia e hipersecreção em pacientes sob cuidado paliativo na Unidade de Terapia Intensiva”, Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, Universidade Federal de Santa Catarina, 2016.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
2017
Histórico
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Recebido
15 Out 2016 -
Aceito
26 Jan 2017