Conhecimento e vivência de professores da Educação Básica com relação à asma na infância: estudo misto^*

RESUMO

Objetivo:

Analisar o conhecimento de professores da Educação Básica com relação à asma e conhecer suas vivências diante da exacerbação dos sintomas na escola.

Método:

Estudo misto do tipo explanatório sequencial. Na etapa quantitativa, foi aplicado remotamente o Newcastle Asthma Knowledge Questionnaire e o instrumento de caracterização. Dados analisados por estatística descritiva e inferencial. A produção dos dados qualitativos ocorreu a partir de depoimentos escritos analisados pelo método de análise de conteúdo dedutivo.

Resultados:

Duzentos e sete professores, maioria do sexo feminino (92%) e atuante em escolas públicas (82%). Quanto ao conhecimento, 132 (63,8%) apresentaram desempenho insatisfatório. As questões com menores índices de acerto eram sobre medicamentos utilizados regularmente e na crise. Os professores com maiores pontuações tinham menor tempo de atuação (p = 0,017) e possuíam diagnóstico de asma (p = 0,006). Na etapa qualitativa, participaram 35 professores e os depoimentos corroboraram os achados quantitativos, sobretudo com relação à lacuna de conhecimento e sentimento de maior segurança entre os professores asmáticos.

Conclusão:

Os professores apresentaram conhecimento insuficiente e relataram medo e despreparo frente à situação.

DESCRITORES
Saúde da Criança; Asma; Pessoal de Educação; Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

To analyze the knowledge of Primary Education teachers regarding asthma and learn about their experiences with the exacerbation of symptoms at school.

Method:

Sequential explanatory mixed study. In the quantitative stage, the Newcastle Asthma Knowledge Questionnaire and the characterization instrument were applied. Data analyzed by descriptive and inferential statistics. The production of qualitative data occurred from written statements analyzed using the deductive content analysis method.

Results:

Two hundred and seven teachers, mostly women (92%) and working in public schools (82%). As for knowledge, 132 (63.8%) had unsatisfactory performance. The questions with the lowest rates of correct answers were about medications used regularly and during the attacks. Teachers with higher scores had less time in the occupation (p = 0.017) and had been diagnosed with asthma (p = 0.006). In the qualitative stage, 35 teachers participated and the statements corroborated the quantitative findings, especially in relation to the knowledge gap and feeling of greater safety among asthmatic teachers.

Conclusion:

Teachers showed insufficient knowledge and reported fear and unpreparedness in the face of the situation.

DESCRIPTORS
Child Health; Asthma; Educational Personnel; Nursing

RESUMEN

Objetivo:

Analizar el conocimiento de docentes de Educación Básica sobre el asma y conocer sus experiencias con la agudización de los síntomas en la escuela.

Método:

Estudio mixto del tipo explicativo secuencial. En la etapa cuantitativa, el Newcastle Asthma Knowledge Questionnaire y el instrumento de caracterización fueron aplicados. Datos fueron analizados por estadística descriptiva e inferencial. La producción de datos cualitativos se basó en declaraciones escritas analizadas utilizando el método de análisis de contenido deductivo.

Resultados:

Doscientos siete docentes, en su mayoría mujeres el 92%) y trabajando en escuelas públicas (el 82%). En cuanto al conocimiento, 132 (el 63,8%) tuvieron desempeño insatisfactorio. Las preguntas con las tasas más bajas de respuestas correctas fueron sobre medicamentos utilizados regularmente y durante la crisis. Los docentes con puntajes más altos tenían menos tiempo de trabajo (p = 0,017) y habían sido diagnosticados con asma (p = 0,006). En la etapa cualitativa participaron 35 docentes y las declaraciones corroboraron los hallazgos cuantitativos, especialmente en relación a la brecha de conocimiento y sensación de mayor seguridad entre los docentes asmáticos.

Conclusión:

Los docentes tenían conocimientos insuficientes y relataron temor y falta de preparación ante la situación.

DESCRIPTORES
Salud Infantil; Asma; Personal Docente; Enfermería

INTRODUÇÃO

A asma é uma doença caracterizada pela inflamação crônica das vias aéreas, ocasionando falta de ar, sibilância, aperto no peito e tosse(¹). Afeta cerca de 339 milhões de pessoas no mundo e é a doença crônica mais presente na infância e adolescência(¹–³). A prevalência de asma infantojuvenil nos países da América Latina é variável, entretanto se mantém acima de 10% em todos os países. No Brasil, a taxa de prevalência de asma entre crianças e adolescentes de sete a 15 anos de idade residentes em um município da região Sul do país foi de 16%(⁴). Entre 1996 e 2015, 5.014 crianças e adolescentes morreram em decorrência da asma, sendo a maioria (68,1%) menor de cinco anos(³).

As crianças com asma perdem mais dias de escola quando comparadas a crianças que não apresentam a doença, colocando em risco o desempenho acadêmico e intelectual(⁵). Para além da problemática do absenteísmo escolar, quando sem sintomas graves, as crianças com asma frequentam regularmente a escola e permanecem um tempo expressivo nesse ambiente. Como os sintomas de exacerbação da asma são inesperados, essas crianças podem desenvolver emergências agudas durante a permanência na escola(⁶). A exposição a fatores desencadeantes durante o dia escolar pode exacerbar os sintomas da asma e ser até fatal(⁷).

Estima-se que cada sala de aula nos Estados Unidos da América (EUA) contenha em média de duas a quatro crianças asmáticas, país onde 45% das escolas têm uma enfermeira presente integralmente(⁷,⁸). No Brasil, as instituições públicas de ensino não contam com a presença de um profissional de enfermagem, sendo que em instituições privadas é relativamente comum. Nesse contexto, onde não é rotina a presença constante de um profissional de saúde nas escolas, os professores passam a desempenhar um papel importante ao prestar o primeiro atendimento à criança e encaminhá-la ao serviço de saúde, quando necessário. Todavia os professores não se sentem preparados para auxiliar adequadamente a criança em crise, inclusive com relatos de dificuldades para identificar os sintomas de exacerbação da asma(⁹).

Diante dessa problemática, programas e políticas públicas foram elaboradas ao longo do tempo na intenção de fortalecer as ações de prevenção e promoção à saúde no ambiente escolar. Assim, o Programa Saúde na Escola (PSE) foi instituído, em 2007, por meio do Decreto n° 6.286, de 5 de dezembro de 2007, como resultado de uma parceria entre o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação, tendo como objetivo o melhoramento da saúde dos escolares da rede pública de ensino, instituindo ações de educação em saúde entre os escolares, capacitação de professores e identificação precoce e oportuna de problemas de saúde(¹⁰). Outro destaque é a Lei n° 13.722, de 4 de outubro de 2018, que torna obrigatório aos estabelecimentos de ensino de educação básica da rede pública e privada capacitarem professores e funcionários em noção de primeiros socorros(¹¹).

Diante do exposto, foram estabelecidas as seguintes questões de pesquisa: “Qual o nível de conhecimento de professores da Educação Básica com relação à asma?”; “Quais fatores sociodemográficos estão associados ao nível de conhecimento desses professores?” e “Como foram as vivências de professores diante de uma criança em situação de exacerbação dos sintomas da asma no ambiente escolar?” Sendo assim, o presente estudo tem como objetivo analisar o conhecimento de professores da Educação Básica com relação à asma e conhecer suas vivências diante da exacerbação dos sintomas na escola.

MÉTODO

Tipo do Estudo

Trata-se de um estudo de método misto do tipo explanatório sequencial que se caracteriza primeiramente pela coleta e análise de dados quantitativos e, a seguir, produção dos dados qualitativos de modo a complementar o conhecimento sobre o fenômeno estudado(¹²). Nesse tipo do estudo, é atribuído maior peso aos dados quantitativos (QUAN) e menor aos dados qualitativos (Qual)(¹²). Na presente investigação, a integração dos dados ocorreu na etapa de discussão dos resultados, momento em que os depoimentos qualitativos ajudaram a explicar as descobertas quantitativas.

Local

Devido às restrições sociais impostas pela pandemia da COVID-19, a coleta de dados foi realizada exclusivamente de forma remota; portanto, não houve um local específico para coleta de dados, sendo possível incluir professores de todas as regiões do Brasil.

População e Critérios de Seleção

Quanto aos participantes do estudo, utilizou-se amostragem não probabilística por conveniência, sendo elegíveis professores da Educação Básica, maiores de 18 anos de idade, com pelo menos, três meses de experiência profissional em escolas públicas, privadas ou ambas. Não foram estabelecidos critérios de exclusão.

Cálculo do Tamanho da Amostra

Para obter uma amostra com nível de significância alfa de 5% e poder de 80% foi adotado o critério ratio of cases to IVs (Independent Variables), o qual recomenda 10 a 15 participantes para cada variável independente do estudo(¹³). O presente estudo possui dez variáveis independentes, as quais serão mais bem descritas posteriormente, resultando em um número mínimo de 100 participantes.

Coleta de Dados

A coleta de dados foi realizada remotamente entre os meses de março a maio de 2021. Faz-se importante justificar que nesse período as escolas de Educação Básica já haviam retornado às suas atividades presenciais; contudo, a opção pela modalidade remota se deu para atender as exigências do plano de contingenciamento da COVID-19 instituído pela instituição de origem das pesquisadoras. Inicialmente, foi feita a divulgação da pesquisa nas redes sociais, os professores interessados em participar acessavam o formulário on-line disponibilizado pela plataforma gratuita Google Forms. Ao entrar no formulário, o professor primeiramente tinha acesso ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), somente após concordância é que se iniciava o preenchimento dos instrumentos de coleta de dados.

Para produção dos dados quantitativos foi aplicado um instrumento de caracterização sociodemográfica, elaborado pelas pesquisadoras, o qual questionava sobre idade, sexo, estado civil, filhos, tempo de experiência na profissão, tipo de escola e nível de educação que lecionava, se possuía o diagnóstico de asma ou se tinha familiares e amigos com asma e, por fim, se o professor já havia vivenciado alguma situação onde o aluno apresentou exacerbação dos sintomas da asma no ambiente escolar.

O segundo instrumento aplicado foi o Newcastle Asthma Knowledge Questionnaire (NAKQ), desenvolvido, em 1990, por pesquisadores australianos com o objetivo de mensurar o conhecimento de pais de crianças com asma(¹⁴). Em 2016, o NAKQ foi adaptado culturalmente para o português do Brasil para utilização entre profissionais da saúde e, em 2017, entre os pais(¹⁵,¹⁶). Entre professores, o NAKQ foi validado por estudiosos espanhóis(¹⁷). O NAKQ é composto por 31 questões, sendo 24 com respostas do tipo “verdadeiro” ou “falso” e seis abertas. O ponto de corte do instrumento é de ≥21 para níveis satisfatórios (adequado) e abaixo de 21 para níveis insatisfatórios (inadequado)(¹⁴).

Para analisar a consistência interna do NAKQ foi calculado o Coeficiente Alfa de Cronbach (valor igual a 0,658). Essa etapa foi essencial, uma vez que até o momento a versão validada para o português não tinha sido aplicada entre professores brasileiros, conforme descrito anteriormente. Na versão em português aplicada entre pais de crianças com asma o Coeficiente Alfa de Cronbach foi de 0,71(¹⁶).

Para compor o material empírico qualitativo, os professores que responderam positivamente a questão do instrumento de caracterização “Você já vivenciou alguma situação onde um aluno apresentou exacerbação dos sintomas da asma no ambiente escolar?” foram automaticamente direcionados para outra seção do formulário, destinada a explorar qualitativamente suas vivências. Para direcionar os depoimentos escritos foram utilizadas duas questões norteadoras: Poderia detalhar como foi a sua experiência? Como você agiu diante da criança em crise?

Análise e Tratamento dos Dados

No que se refere à organização dos dados oriundos dos instrumentos, foram automaticamente organizados em uma planilha no Microsoft Excel e, a seguir, exportados para o programa computacional The Statistical Analysis System for Windows, versão 9.2, no qual foram realizadas as análises estatísticas. Na análise estatística descritiva, foi utilizada a média, desvio padrão, mediana e intervalos interquartis para as variáveis discretas. Para as variáveis categóricas, foram utilizadas as frequências absoluta e relativa.

Neste estudo, considerou-se como variável dependente a pontuação de conhecimento obtida a partir da aplicação do NAKQ, tratada como variável numérica. As variáveis independentes foram subdividas em variáveis categóricas (sexo, filhos, diagnóstico de asma do professor, experiência de familiares/amigos com asma, estudante com asma e vivência de exacerbação dos sintomas da asma na escola) e variáveis numéricas (idade e tempo de experiência profissional). Para comparação entre a variável dependente e as variáveis categóricas dicotômicas foi utilizado o teste Mann-Whitney e, para as variáveis categóricas com mais de duas categorias, o teste de Kruskal-Wallis. Para analisar a relação entre a pontuação de conhecimento e as variáveis independentes caracterizadas como numéricas foi calculado o Coeficiente de Correlação de Spearman. Por fim, as variáveis estatisticamente significantes entraram no modelo de regressão linear uni e multivariado pelo método de Stepwise Backward Wald. O nível de significância adotado para os testes estatísticos foi de p < 0.05.

Os dados provenientes dos depoimentos escritos foram analisados segundo o método de análise de conteúdo dedutiva, onde a estrutura de análise é operacionalizada com base em conhecimento prévio(¹⁸). No presente estudo, as categorias temáticas foram organizadas a partir das duas questões norteadoras. Trata-se de um método sistematizado em três etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados. Na etapa de pré-análise foi realizada, primeiramente, uma leitura flutuante dos depoimentos e, a seguir, leituras exaustivas, a fim de compreender o material empírico produzido. A etapa de exploração do material consistiu na codificação dos dados a partir das suas semelhanças e diferenças e posterior agrupamento em categorias temáticas. A etapa de tratamento dos resultados compreendeu a inferência e interpretação dos mesmos(¹⁸).

Aspectos Éticos

Todas as normas regulamentadoras de pesquisa com seres humanos descritas na Resolução 466/12 e no Ofício Circular n° 1/2021 do Conselho Nacional de Saúde foram respeitadas. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de origem dos pesquisadores (informação suprimida temporariamente para evitar identificação dos autores) sob parecer n° 4.555.460, em 24 de fevereiro de 2021. Para preservar o anonimato, os participantes da etapa qualitativa foram apresentados por meio de uma codificação alfanumérica, de acordo com a ordem cronológica de participação, como segue: P1, P2 e, assim por diante. As pessoas que aceitaram participar da pesquisa foram orientadas e assinaram o TCLE.

RESULTADOS

Participaram da etapa quantitativa 207 professores com média de idade de 40,5 anos e 14,17 anos de atuação profissional. Do total, 191 (92%) eram do sexo feminino e 131 (63%) possuíam filhos. A maioria atuava em escolas públicas (86%) e no Ensino Fundamental (64%). Quanto ao diagnóstico de asma, 39 (19%) afirmaram possuir a doença. No que se refere à experiência dos professores com o tema, 110 (53%) afirmaram já ter tido alunos com o diagnóstico anteriormente e 40 (19%) já haviam vivenciado uma situação de exacerbação dos sintomas da asma na escola.

No que se refere ao nível de conhecimento com relação à asma, 75 (36,2%) professores obtiveram pontuação maior ou igual a 21, correspondendo a um nível satisfatório de conhecimento, os demais (63,8%) pontuaram abaixo de 21, apresentando nível insatisfatório de conhecimento. A pontuação média geral do conhecimento foi de 19,34, desvio padrão 3,40, mínimo 11, 1° quartil 17, mediana 19, 3° quartil 21 e máximo 31. As questões com menores índices de acerto foram referentes aos medicamentos utilizados durante a crise e aqueles utilizados regularmente para prevenção da crise, somente 10% dos professores responderam corretamente essas questões. A terceira questão com menor índice de acerto foi “Escreva formas de ajudar a prevenir crises de asma durante o exercício”, onde 88% dos professores erraram.

A Tabela 1 apresenta as comparações entre a variável dependente (pontuação de conhecimento) e as variáveis categóricas de interesse, sendo verificada diferença significativa para as variáveis sexo e diagnóstico de asma, ou seja, professores do sexo masculino e aqueles que afirmaram serem asmáticos obtiveram melhor desempenho ao responderem ao NAKQ.

Tabela 1
Conhecimento dos professores (n = 207) sobre asma de acordo com as variáveis categóricas de interesse – São Carlos, SP, Brasil, 2021.

Variáveis	n	Média (Dp)	Mínimo	Q1	Mediana	Q3	Máximo	Valor-P
Sexo
Feminino	191	19,18(3,32)	11	17	19	21	31,00	0,034
Masculino	16	21,19(3,95)	13	18,50	21	23,50	28
Tipo de Educação
Infantil	76	19,46(3,40)	11	17	20	22	30	0,072
Fundamental	103	18,92(3,40)	12	17	19	21	31
Ambas	28	20,54(3,19)	16	18	19,50	22,50	28
Tipo de Escola
Pública	170	19,34(3,47)	11	17	19	21	31	0,893
Privada	28	19,43(2,90)	16	17	19	20,50	27
Ambas	9	19,00(3,81)	13	18	20	22	23
Filhos
Sim	131	19,24(3,31)	11	17	19	21	31	0,849
Não	76	19,51(3,57)	12	17	19	21,50	30
Diagnóstico asma
Sim	39	20,64(3,94)	12	19	21	22	31	0,010
Não	168	19,04(3,20)	11	17	19	21	30
Asma familiares e amigos
Sim	96	19,81(3,83)	12	17	20	22	31	0,217
Não	111	18,93(2,94)	11	17	19	21	25
Estudante com asma
Sim	110	19,44(3,52)	12	18	19	21	31	0,899
Não	97	19,23(3,28)	11	17	20	21	27
Vivência exacerbação asma na escola
Sim	40	20,10(4,33)	12	18	19	22	31	0,418
Não	167	19,16(3,13)	11	17	19	21	27

Conforme indicado na Tabela 2, o tempo de atuação profissional apresentou correlação negativa com a pontuação de conhecimento, indicando que os professores com menor tempo de atuação profissional acertaram um maior número de questões.

Tabela 2
Correlação entre o conhecimento dos professores (n = 207) sobre a asma e as variáveis numéricas de interesse – São Carlos, SP, Brasil, 2021.

Variáveis		Idade	Tempo de atuação
Pontuação de conhecimento	r	–0,00125	–0,17650
	p	0,9863	0,0110
	n	190	207

• r = coeficiente de correlação de Spearman; P = Valor-p; n = número de sujeitos.

A análise de regressão linear simples foi empregada neste estudo para avaliar a relação das variáveis independentes com a pontuação de conhecimento e as mesmas variáveis mantiveram relação estatisticamente significativa (sexo, tempo de atuação e diagnóstico de asma), conforme apresentado na Tabela 3.

Tabela 3
Efeito das variáveis independentes na pontuação de conhecimento de professores (n = 207), segundo modelo de regressão linear simples – São Carlos, SP, Brasil, 2021.

Variável	Beta (EP)	Valor-P	R2
Idade (anos)	–0,001 (0,08)	0,984	0,0000
Sexo	32,89 (15,37)	0,034	0,0218
Tempo de atuação (anos)	–0,18 (0,07)	0,011	0,0312
Tipo de educação	–15,08 (8,94)	0,093	0,0256
	10,34 (13,07)	0,430
Tipo de escola	–5,42 (12,21)	0,657	0,0011
	2,60 (20,47)	0,899
Filhos	–1,63 (8,61)	0,850	0,0002
Diagnóstico de asma	27,28 (10,44)	0,010	0,0322
Asma entre familiares e amigos	10,25 (8,29)	0,218	0,0074
Estudante com asma	–1,06 (8,32)	0,899	0,0001
Vivência exacerbação asma na escola	8,49 (10,50)	0,420	0,0032

• Beta – coeficiente de regressão; EP: erro padrão de beta; R² – coeficiente de determinação.

Por fim, as variáveis estatisticamente significantes entraram no modelo de regressão linear multivariado pelo método de Stepwise Backward Wald e as variáveis “tempo de atuação” e “diagnóstico de asma” mantiveram relação significativa com a pontuação de conhecimento (p = 0,017, p = 0,006, respectivamente). Sendo assim, os professores que apresentaram maiores pontuações de conhecimento foram aqueles com menor tempo de atuação e que afirmaram possuir diagnóstico de asma (Tabela 4).

Tabela 4
Efeito das variáveis independentes na pontuação de conhecimento de professores (n = 190), segundo modelo de regressão linear multivariada – São Carlos, SP, Brasil, 2021.

Variáveis	Categorias	Beta (EP)	Valor-P	R2 parcial
Diagnóstico de asma	Não (ref.) Sim	– 31,03 (11,21)	0,006	0,0348
Tempo de atuação	Variável contínua	–0,17 (0,07)	0,017	0,0292

• Beta: valor da estimativa ou coeficiente angular (slope) na reta de regressão; EP: erro padrão de beta; R²: coeficiente de determinação.

Dos 207 professores que participaram do estudo, 40 professores responderam afirmativamente que vivenciaram uma situação de agravamento de asma na escola, porém apenas 35 descreveram suas vivências, havendo uma perda de cinco participantes. O Quadro 1 apresenta uma síntese de como se deu o processo analítico dos depoimentos dos professores até a construção das categorias temáticas, as quais foram: Memórias do dia que “a criança de repente começou a ficar sem ar” e “Atitudes diante da exacerbação da asma”, as quais serão descritas a seguir.

Quadro 1
Síntese do processo analítico dos dados qualitativos – São Carlos, SP, Brasil, 2021.

Memórias do dia que “A Criança de Repente Começou a Ficar Sem Ar”

Ao relatarem suas vivências de exacerbação dos sintomas da asma no ambiente escolar, o primeiro aspecto enfatizado diz respeito aos fatores que desencadearam a crise de asma na criança. Nessa direção, a prática de exercícios físicos foi relacionada aos episódios vivenciados pelos professores:

A criança estava participando da aula de educação física e começou a sentir falta de ar(...) (P.4)

O caso aconteceu após o intervalo, onde a criança correu demais(...) (P14)

Foi um episódio de broncoespasmo induzido pelo exercício(...) (P23)

O consumo de alimento com corante e a condição climática também foram destacados como motivos para a exacerbação da asma:

A criança comeu um alimento com corante que desencadeava crise de asma nele(...) (P3).

A criança teve crise num dia quente e seco (P9).

Diante da exposição da criança aos diferentes fatores desencadeantes, os professores detalharam em seus depoimentos as manifestações apresentadas pela criança em crise. A expressão utilizada no depoimento do P35 retrata com exatidão a vivência da maioria dos participantes, sobretudo porque a súbita sensação de falta de ar foi a manifestação mais descrita pelos professores:

(...) De repente começou a ficar sem ar(...)

Outros sintomas relacionados também foram levantados como:

(...) Tossia muito (P11)

(...) Começou a chiar e reclamar de cansaço (P21).

Alguns professores relembraram do nervosismo e desespero de algumas crianças, frente a percepção de que os sintomas da asma estavam se agravando, conforme exemplificado nos depoimentos abaixo:

A criança no momento da crise se apavorou. (P5)

A criança ficou nervosa porque não conseguia respirar. (P7)

O sentimento de medo frente a situação também foi enfatizada por alguns professores, sobretudo entre aqueles que se sentiam despreparados para ajudar a criança:

(...) Foram momentos horríveis. Peguei ela no colo e corri(...) (P4)

(...) Fiquei assustada, pois não sabia como lidar com a situação. (P14)

Segundo os depoimentos, outro aspecto que potencializou a insegurança e o medo diante do quadro de exacerbação da asma foi o desconhecimento sobre o diagnóstico da criança:

(...) eu não sabia que ela tinha diagnóstico de asma(...) (P1)

(...) não tinha o conhecimento que ela tinha situações de crises. (P26)

Atitudes Diante da Exacerbação da Asma

Ainda que inseguros e temerosos com a situação inesperada, os professores descreveram suas atitudes, a fim de apoiar a criança sob sua responsabilidade. Nessa direção, alguns professores relataram ações com o intuito de tranquilizá-las e deixá-las mais confortáveis:

Pedi para que tentasse ficar calma, respirasse devagar. (P27).

Outros solicitaram amparo de integrantes da equipe escolar:

Chamei a inspetora e ela levou a criança para fora, para que ela pudesse se tranquilizar. (P1)

Apresentou falta de ar e encaminhei para a coordenação para chamarem a família (P15)

Novamente, a importância do conhecimento prévio da condição de saúde da criança foi destacada enquanto aspecto facilitador. Desse modo, ciente das chances de ocorrência de crise asmática da aluna e mediante prescrição médica e disponibilidade do medicamento, o professor agiu rapidamente:

A criança já tinha laudo de asma e receita para casos de crise. No dia, administrei a bombinha ao perceber a falta de ar da mesma (P8).

A administração de medicamentos inalatórios é uma ação indispensável perante a exacerbação da asma e deve ser iniciada precocemente. Para tanto, é comum a manutenção do medicamento na mochila das crianças asmáticas, conforme exemplificado a seguir:

Nesse caso específico, o aluno levava na mochila sua medicação que foi administrada por mim e pela coordenação da escola. (P28)

A criança usou a bombinha que trazia sempre na mochila. (P12)

Procuramos a medicação em sua bolsa (...) agitamos e aplicamos duas borrifadas como indicado. (P29)

Já o professor seis (P6) optou primeiramente por chamar os responsáveis pela criança, mesmo com receita e medicação disponíveis na mochila:

A criança ficou com muita falta de ar, sendo necessário chamar os responsáveis para uso dos medicamentos.

Já o professor dois (P2) relatou sua atitude de desespero ao não encontrar a medicação na mochila e não conseguir contato com a família:

A aluna teve falta de ar na escola e não estava com a bombinha, a mãe não podia vir buscar, pedi a outra aluna que emprestasse sua bombinha pra ela! (P2)

Acionar o serviço pré-hospitalar móvel também foi uma atitude descrita, sobretudo nos casos mais severos:

A criança teve muita falta de ar. Acionamos o SAMU, por que a mãe não atendeu a ligação da escola. Foi levada ao pronto-socorro e medicada. (P10)

Tive que chamar o SAMU diante de uma crise severa (...) (P33)

Por fim, a familiarização com a doença, pelo fato de o professor também possuir o diagnóstico de asma, foi enfatizada nos depoimentos. Segundo os professores, tal experiência pessoal trouxe segurança e tranquilidade para amparar a criança em crise:

Como sou asmática crônica, tentei acalmar a criança utilizando métodos da fisioterapia respiratória e de respirações curtas, aliada a meditação até chegar o socorro. (P19)

Como sou portadora da asma, consegui auxiliar a criança deixando ela mais calma e ajudei ela a fazer a medicação. (P20)

DISCUSSÃO

A partir da caracterização, observou-se que a maioria dos professores participantes do estudo tinha entre 30 e 50 anos de idade, sendo 92% do sexo feminino. Estudos realizados na Nigéria(⁶), Arábia Saudita(¹⁹) e Estados Unidos da América(²⁰) demonstraram caracterização semelhante. Dos 207 professores, 132 obtiveram pontuação abaixo de 21 no NAKQ, indicando que a maior parte dos professores obteve níveis insatisfatórios de conhecimento sobre a asma; todavia, a média geral de conhecimento do presente estudo foi de 19,34, pontuação superior quando comparada com a investigação realizada em uma cidade costeira da Espanha, onde a média foi de 15,7 pontos após a aplicação do NAKQ em 537 professores(¹⁷).

O baixo desempenho dos professores deste estudo com relação ao conhecimento acerca do manejo da asma na escola valida um resultado já esperado pelas pesquisadoras, sobretudo porque a Base Nacional Comum de Formação de Professores da Educação Básica, disposta na Resolução CNE/CP n° 2 de 20 de dezembro de 2019, não assegura a oferta de conteúdos relacionados ao manejo de intercorrências de saúde no ambiente escolar(²¹). Ademais, a Lei n° 13.722 que rege sobre a obrigatoriedade de capacitações regulares de professores e funcionários não contempla especificamente o manejo dos casos de exacerbação da asma pois se refere aos primeiros socorros de maneira geral(¹¹).

O baixo índice de acerto nas questões abertas referentes aos medicamentos também foi identificado em uma revisão sistemática recente sobre o tema. Dos 13 estudos analisados, seis indicaram baixo conhecimento dos professores sobre os medicamentos para tratamento de exacerbação de asma(⁹). Uma possível hipótese para explicar esse achado é a de que questões dissertativas apresentam maior grau de dificuldade quando comparadas com questões de múltipla escolha, as quais podem ser respondidas de forma aleatória e, consequentemente, com maior possibilidade de acerto.

Os resultados quantitativos indicaram que os professores tiveram dificuldades para responder a questão sobre as formas de se prevenir a exacerbação da asma durante as atividades físicas; todavia, a prática de exercícios físicos foi indicada como principal “gatilho” ao relatarem suas vivências. Estudo de abordagem qualitativa realizado com 16 professores de educação física apontou que estes costumam ser os primeiros a atender a criança com exacerbação da asma induzida pelo exercício físico, porém a maioria relatou desconhecer como manejar a crise e afirmou contar com o apoio do enfermeiro escolar nesses casos. Os educadores físicos trouxeram ainda os desafios relacionados às instalações das quadras de esportes, ao clima extremo (frio ou calor) e horário das aulas de educação física como fatores que potencializam as crises de asma durante as aulas(²²).

No presente estudo, os professores com menor tempo de atuação profissional obtiveram escores de conhecimentos mais elevados. No entanto, não foram encontrados na literatura estudos que pudessem respaldar esse achado. Em geral, a literatura indica que o tempo de experiência profissional exerce influência positiva nos níveis de conhecimento dos professores. Nessa perspectiva, estudo internacional que buscou avaliar o conhecimento e atitudes de professores com relação a diabetes em crianças trouxe em seus resultados que professores com mais de 45 anos apresentaram maior conhecimento sobre a doença, atribuindo esse melhor desempenho ao tempo de experiência profissional(²³). O uso de recurso tecnológico para aplicação remota do NAQK pode se configurar como uma explicação para esse achado, sobretudo porque exigiu dos professores um certo domínio da ferramenta, habilidade que geralmente se constitui em um desafio para as pessoas com mais idade.

Para tranquilizar a criança no momento da crise, alguns professores citaram a adoção de técnicas de respiração e relaxamento. Tais ações corroboram as técnicas de intervenção recomendadas pelo Global Initiative for Asthma(²⁴). Segundo esse documento, os exercícios de respiração podem ser um complemento útil para amenizar os sintomas da asma e promover maior qualidade de vida do asmático. Ademais, o documento cita que o relaxamento auxilia na diminuição do estresse, tornando-se útil em casos de crise. Ainda, quando disponível na bolsa da criança, alguns professores realizaram imediatamente a medicação seguindo mais uma recomendação do GINA, o qual incentiva a oportuna administração de medicamentos durante exacerbação dos sintomas da asma.

Segundo a regressão linear multivariada, os professores que apresentaram maiores pontuações de conhecimento possuíam o diagnóstico de asma. Na mesma direção, os depoimentos apontaram que a familiarização com a doença favoreceu a segurança e tranquilidade para amparar a criança em crise. Resultado semelhante foi evidenciado em estudo nigeriano onde professores com história pessoal de asma ou história familiar de asma obtiveram melhor desempenho(⁶). Experiências prévias com crianças asmáticas na família também foram elencadas como um fator associado a melhores níveis de conhecimento entre professores espanhóis(¹⁷).

Como a maioria dos professores não possuía experiências pessoais ou familiares, o sentimento de insegurança e medo prevaleceu nos depoimentos. Tal achado alinha-se aos resultados de um estudo que analisou a autoconfiança de professores para manejar uma situação de intercorrência de saúde no ambiente escolar e concluiu que os mesmos se sentem pouco confiantes(²⁵). Segundo alguns depoimentos de professores, a comunicação é falha, resultando no desconhecimento por parte dos professores sobre o diagnóstico de asma da criança, potencializando o medo e a insegurança diante do quadro de agravamento da doença. Resultados similares foram encontrados nos estudos que compuseram uma revisão sistemática sobre o tema, sendo reforçado nas conclusões a importância de uma comunicação efetiva entre escola, familiares e profissionais da saúde(⁹).

Estudo brasileiro que tratou sobre o conhecimento de professores sobre diabetes mellitus e seu manejo no ambiente escolar, outra condição crônica que afeta os escolares, reforça a importância da implementação efetiva do PSE para propiciar uma integração adequada entre profissionais da educação, da saúde e a família(²⁶). Para além do contexto das condições crônicas, a literatura corrobora ao defender as prerrogativas do PSE e enfatizar que o cuidado de enfermagem deve alcançar outros cenários além daqueles naturalmente reconhecidos como de assistência ou exercício profissional, com destaque para as ações relacionadas à saúde nas escolas(²⁷). Nessa direção, cabe ao enfermeiro integrante da equipe de saúde da atenção básica estreitar parcerias com as escolas do seu território de abrangência de modo a maximizar o pleno aproveitamento escolar das crianças com asma a partir de ações pautadas na promoção da saúde.

Embora os resultados deste estudo encontrem respaldo na literatura, é valido apontar algumas limitações. A principal refere-se à coleta de dados realizada exclusivamente de modo remoto, o que impossibilitou a troca entre participante da pesquisa e pesquisador, em especial na etapa qualitativa. Outro aspecto limitante diz respeito ao não controle por parte do pesquisador sobre possíveis buscas de informações durante o preenchimento do NAKQ. Por fim, a elegibilidade para participar da pesquisa de professores com experiência profissional a partir de três meses pode ter repercutido negativamente no número de professores que afirmaram ter vivenciado uma situação de agravamento da asma na escola, uma vez que professores contratados no período pandêmico atuaram majoritariamente no ensino remoto. Ainda assim, essas limitações não revogam os resultados da presente pesquisa, mas indicam a necessidade de estudos futuros.

Por fim, essa investigação contribui para o avanço do conhecimento em enfermagem pelo seu ineditismo, ao integrar resultados quantitativos e qualitativos para explorar o conhecimento e vivência de professores com relação à asma. Ainda, os achados do presente estudo apresentam potencial para subsidiar o planejamento de ações de educação em saúde. Recomenda-se que os enfermeiros que atuam na atenção primária invistam em ações de capacitação nas escolas de modo a fortalecer a articulação intersetorial entre saúde e educação e, por consequência, promover uma assistência qualificada à criança com asma no ambiente escolar.

CONCLUSÃO

De maneira geral, o estudo identificou conhecimento insatisfatório sobre a asma entre a maioria dos professores. Contudo aqueles com menor tempo de experiência profissional e com diagnóstico de asma obtiveram melhor desempenho. Os depoimentos sobre as vivências reforçaram os achados quantitativos, sobretudo ao revelar os sentimentos de tranquilidade e segurança para manejar tal situação entre os professores também asmáticos.

• Apoio financeiro O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

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Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Ivone Evangelista Cabral

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  22 Maio 2023
• Data do Fascículo
  2023

Histórico

• Recebido
  17 Ago 2022
• Aceito
  27 Mar 2023