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Compreendendo a experiência de cuidadores de crianças com tuberculose em tratamento diretamente observado.

Resumos

Objetivo

Compreender a experiência vivenciada por cuidadores de crianças com tuberculose ou comunicantes em relação ao Tratamento Diretamente Observado (TDO).

Método

Pesquisa descritiva exploratória, de abordagem qualitativa, desenvolvida no ambulatório do Programa Einstein na Comunidade de Paraisópolis (PECP). Os dados foram coletados por meio de entrevistas semiestruturadas com 13 cuidadores de crianças em TDO para tuberculose, utilizando-se o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) para analisá-los.

Resultados

Foram identificados sete DCSs, agrupados em quatro categorias: “Vivendo uma situação difícil", “Mudando a rotina da família”, “A responsabilidade é quase sempre da mãe” e “Buscando-se adaptar-se ao tratamento diretamente observado”.

Conclusão

As dificuldades enfrentadas pelo cuidador da criança ao iniciar o TDO modificam significativamente a rotina familiar. A responsabilidade pela sua continuidade é principalmente da mãe, que busca adaptar-se às exigências do tratamento e enfrentar a situação.

Tuberculose; Criança; Enfermagem pediátrica; Saúde pública


Objective

To understand the situations and communications experienced by caregivers of children with tuberculosis (TB) with regard to directly observed therapy (DOT).

Method

A descriptive exploratory study with a qualitative approach was applied and developed in the ambulatory of Programa Einstein na Comunidade de Paraisópolis (PECP). The data were collected using semi-structured interviews of 13 caregivers of children with TB in DOT. The Collective Subject Discourse (CSD) method was used to analyze the data.

Results

Seven CSDs were identified and grouped into four categories: "Living in a difficult situation", "Changing the family routine", "Responsibility almost always fall son the mother", and "Adapting to the DOT".

Conclusions

The difficulties faced by the caregiver of the child at the beginning of DOT significantly changed the familiar routine. The responsibility for its continuity was assigned to the mother, who must adapt to the demands of the treatment and face the situation.

Tuberculosis; Child; Pediatric nursing; Public healthy


Objetivo

Comprender la experiencia vivida por los cuidadores de niños con tuberculosis o la comunicación en relación a el Tratamiento Directamente Observado (TDO).

Método

investigación descriptiva exploratoria, con enfoque cualitativo desarrollado en el dispensario del “Programa Einstein na Comunidade de Paraisópolis” (PECP). Los datos fueron recogidos por medio de entrevistas semiestructuradas con 13 cuidadores de niños en TDO para tuberculosis, utilizando el Discurso del Sujeto Colectivo (DCS) para analizarlos.

Resultados

fueron identificados siete DCSs, agrupados en cuatro categorías: "Viviendo una situación difícil", "Cambiando la rutina de la familia", "La responsabilidad es casi siempre de la madre" y "Buscando la adaptación al tratamiento directamente observado".

Conclusión

las dificultades enfrentadas por los cuidadores del niño para empezar el TDO cambian significativamente la rutina familiar. La responsabilidad por la continuidad en el tratamiento es principalmente de la madre, que busca adaptarse a las exigencias del tratamiento y hacerle frente a la situación.

Tuberculosis; Niños; Enfermeria Pediátrica; Salud Pública


Introdução

No Brasil, estima-se que 64 milhões de pessoas estão infectadas pelo bacilo da tuberculose, sendo que em 2012, foram notificados aproximadamente 70 mil novos casos(11. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Sinan. Série histórica do número de casos de tuberculose. Brasil, regiões e Unidades Federadas de residência por ano diagnóstico (1990 a 2012) [Internet] 2013 Fev 22 [citado 2013 Mar 08]. Disponível em: http://portalsaude.saude.gov.br/portalsaude/arquivos/pdf/2013/Mar/25/casos_novos_tuberculose_1990_2012_base_22_02_2013.pdf
http://portalsaude.saude.gov.br/...
). Países em desenvolvimento concentram 80% dos casos mundiais, com predomínio da população economicamente ativa de 15 a 54 anos(22. Brasil. Ministério da Saúde. Informações para Profissionais da Saúde. Características clínicas e epidemiológicas da tuberculose [Internet]. 2013; [citado 2013 Mar 08]. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/visualizar_texto.cfm?idtxt=41151
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3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de vigilância epidemiológica [Internet]. 2009 [citado 2013 Mar 10].p.39-60. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/gve_7ed_web_atual_tuberculose.pdf
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-44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil [Internet]. 2010 [citado 2013 Mar 10]. Disponível em http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/manual_tuberculose.pdf
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).

As crianças adquirem a infecção a partir do convívio com um adulto bacilífero, entretanto, nem sempre adoecem(33. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de vigilância epidemiológica [Internet]. 2009 [citado 2013 Mar 10].p.39-60. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/gve_7ed_web_atual_tuberculose.pdf
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,44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil [Internet]. 2010 [citado 2013 Mar 10]. Disponível em http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/manual_tuberculose.pdf
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). Quando adoecem, o tratamento recomendado é realzado em duas fases. Rifampicina (R), Isoniazida (H) e Pirazinamida (Z) são administrados por dois meses na fase de ataque, utilizando-se somente a Rifampicina e Isoniazida por quatro meses na fase de manutenção(44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil [Internet]. 2010 [citado 2013 Mar 10]. Disponível em http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/manual_tuberculose.pdf
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).

Crianças que tiveram contato com pacientes portadores de tuberculose bacilífera, mas não adoeceram (comunicantes), recebem Isoniazida por seis meses (quimioprofilaxia), apenas quando há reatividade à prova tuberculínica(44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil [Internet]. 2010 [citado 2013 Mar 10]. Disponível em http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/manual_tuberculose.pdf
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).

Devido ao tratamento prolongado, é frequente o abandono pelo paciente quando ocorre melhora do estado geral. Visando aumentar a adesão ao tratamento e as chances de cura, reduzindo-se o risco de transmissão da doença para a comunidade, foi criada a “estratégia TDO (tratamento diretamente observado)”(44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil [Internet]. 2010 [citado 2013 Mar 10]. Disponível em http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/manual_tuberculose.pdf
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).

O TDO consiste na observação da ingestão dos medicamentos em todos os dias úteis, na fase de ataque e, no mínimo três vezes por semana, na fase de manutenção do tratamento. São administrados por profissionais de saúde ou eventualmente por outra pessoa, desde que devidamente capacitada e sob monitoramento do enfermeiro(55. Brasil. Ministério da Saúde. Tratamento diretamente observado (TDO) da tuberculose na atenção básica: protocolo de enfermagem [Internet]. Brasília (DF); 2011 [citado 2013 Mar 08]. . Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/tratamento_diretamente_observado_tuberculose.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/pu...
).

Em estudo sobre a adesão de pacientes a longos tratamentos, publicado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), verificou-se que a qualidade da relação terapêutica é um fator determinante na adesão. A flexibilidade é essencial, fazendo com que as alternativas e os meios terapêuticos sejam explorados junto com o paciente(66. World Health Organization 2003. Adherence to long-term therapies – Evidence for action. [Internet]. 2003 [citado 2013 Mar 12]. Disponível em: http://www.who.int/chp/knowledge/publications/adherence_Section1.pdf
http://www.who.int/chp/knowledge...
).

Como as crianças são dependentes do adulto para a realização do tratamento, torna-se necessário que os profissionais de saúde desenvolvam um trabalho junto aos responsáveis por ela para que se comprometam em aderir ao tratamento.

O programa de tratamento da tuberculose do Misnistério da Saúde preve alguns benefícios, como o direito a cesta básica e transporte gratuito durante o período de tratamento. Entretanto, essas ações não parecem ser suficientes isoladamente, uma vez que os cuidadores dessas crianças deparam-se com outras dificuldades para dar continuidade ao tratamento.

Diante disso, as autoras deste estudo propõem-se a compreender a experiência vivenciada por cuidadores de crianças com diagnóstico de tuberculose ou comunicantes em relação ao Tratamento Diretamente Observado.

Método

Trata-se de uma pesquisa de campo, descritiva exploratória, de abordagem qualitativa. Foi realizada no ambulatório do Programa Einstein na Comunidade de Paraisópolis (PECP), situado no município de São Paulo.

Participaram do estudo 13 acompanhantes de crianças em TDO para tuberculose atendidas no referido ambulatório, entre setembro a novembro de 2013, que concordaram em participar da pesquisa, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, de acordo com a resolução CNS 466/2012(77. Brasil. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Saúde (CNS). Resolução no 466, de 12 de dezembro de 2012. Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. [Internet]. [acesso 2014 Fev 27]. Brasília (DF): Diário Oficial da União (DOU); 13 de junho de 2013. Seção1.p.59. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2012/Reso466.pdf
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).

A coleta de dados realizou-se após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CAAE: 17931213.8.0000.0071), por meio de entrevista semiestruturada, conduzida a partir de um roteiro constituído de: dados de identificação dos participantes e do tratamento atual da criança; e duas questões norteadoras sobre a experiência do cuidador em acompanhar a criança em TDO para tuberculose.

As entrevistas, realizadas durante a permanência do participante no ambulatório, foram gravadas e, posteriormente, transcritas na íntegra. Para análise, utilizou-se o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), uma técnica de tabulação e organização de dados qualitativos, que tem como fundamento a teoria da Representação Social e seus pressupostos sociológicos(88. Lefevre F, Lefrevre AMC. O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa. Caxias do Sul (RS): Educs; 2003.).

A técnica consiste em analisar o material verbal coletado em pesquisas que têm depoimentos como sua matéria-prima, extraindo as idéias centrais ou ancoragens e as suas correspondentes expressões chaves. A partir da semelhança entre elas, compõem-se um ou vários discursos que, em primeira pessoa, reúnem as opiniões da coletividade(99. Figueiredo MZA, Chiari BM, Goulart BNG. Discurso do sujeito coletivo: uma breve introdução à ferramenta de pesquisa qualiquantitativa. Distúrb Comum. 2013; 25(1):129 – 136.).

Resultados

A maioria dos entrevistados eram mães das crianças em TDO (11; 84,6%), entre 24 e 48 anos (média = 34,2 anos). Quanto à escolaridade, sete (58,3%) possuiam o ensino fundamental incompleto e, no que se refere à ocupação, cinco (38,4%) estavam desempregados.

Em relação ao tratamento das crianças, dez faziam quimioprofilaxia (76,9%) e três (23,1%) recebiam o esquema básico para a tuberculose.

A análise das entrevistas possibilitou identificar sete DCSs, agrupados em quatro categorias, apresentadas a seguir.

  1. Vivendo uma situação difícil

    1. O impacto do diagnóstico (DSC1)

      Quando se aborda sobre o momento do diagnóstico junto ao cuidador da criança, os sentimentos de insegurança e culpa tomam conta dele, em função do desconhecimento em relação à evolução da doença e seu tratamento.

      Eu comecei primeiro (com a doença). Descobri que estava com tuberculose porque estava tossindo. É muito difícil você poder estar com a coisa, não saber que tinha e, de repente, acabar passando pro seu filho… Quando eu fiquei sabendo (que a criança estava com tuberculose), eu fiquei muito abalada... assim, né.... modo de falar... No dia que eu vim, que elas falaram que ela ia ter que tomar (a medicação), eu perdi bolsa, eu perdi exame, eu sai daqui descabelada... Descabelei, chorei, fique arrasada... Eu não sabia, não tinha chão, nem nada. Não sabia o que esperar.

    2. Com medo de perder o filho e tendo que lidar com o preconceito (DSC2)

      Como meio de reparação da culpa, o cuidador adota uma postura de superproteção da criança. Tende a afastá-la de seus familiares, principalmente quando já existe algum caso de tuberculose entre eles, temendo a piora da situação clínica da criança. Em função da doença, ele acredita que a saúde da criança encontra-se mais fragilizada do que o habitual, estando mais vulnerável a outras infecções.

      No começo, eu fiquei assim, meia neurótica. Quando ela tomava banho, eu colocava touca, meia nela... era louca. Não saia na rua, esperava umas 3 horas pra ir com ela na varanda... fechava tudo. Também parei de deixar ela muito junto com outras crianças. Porque antes, ela ficava muito na casa da avó dela... A prima dela também estava em tratamento (para tuberculose). Como ela ficava lá, a partir daí, a gente teve que deixar de levar pra lá, pra poder não piorar.

      Ao iniciar o tratamento, o cuidador relata ter percebido que alguns sintomas da doença, como febre, tosse e sudorese, potencializaram-se ao invés de melhorar, preocupando-o com a possibilidade de uma piora do estado da criança. Associam-se, ainda, aos efeitos adversos relacionados à metabolização e excreção das drogas, como alterações hepáticas e renais, que intensificam, nos pais, o medo de perder o filho.

      Está um pesadelo pra mim. Depois que ela começou a tomar (a medicação), que eu vi que os sintomas parece que aumentou, não sei... aí eu fiquei um pouco desesperada. ela tinha febre, suadeira... ela sua muito, a tosse aumentou… Além disso, o problema hepático dela fez com que ela botasse pra fora (vomitava). Ela tem enzimas altas, o rim dela ficou meio sobrecarregado... os bacilos, alguma coisa assim, que a médica disse que estava muito alto... Ela estava chorando muito, eu vi que o remédio estava dando dor. Então, ela tinha que tomar a medicação e tomar o remédio pra dor. Aí, ela (a médica) teve que dar uma amenizada. Ela pediu exames de sangue... Agora, vamos ver.

      A necessidade de comparecer diariamente no serviço de saúde para a criança tomar a medicação é um fator desestimulador e que leva o cuidador a querer desistir do tratamento do filho. Reconhece, contudo, que essa atitude poderia comprometer seriamente a saúde da criança e até levá-lo à morte.

      Ela estava tomando só um (medicamento) e depois, teve que aumentar a dose do remédio. Ela estava quase na fase de terminar e teve que começar tudo de novo(a criança era um comunicante, mas depois foi diagnoticada a tuberculose). Dá até vontade de desistir, mas como para os filhos da gente, a gente quer o melhor... fazer o que? Não é fácil. Mas tem que fazer, antes de acontecer o pior né, porque o pior é que é difícil, né? (a pesquisadora pergunta-lhe o que é pior)... a morte.

      Outra questão difícil de lidar apontada pelo cuidador é o preconceito. A falta de conhecimento sobre a tuberculose e o estigma que essa doença carrega, desde os tempos em que não havia tratamento eficaz, colaboram para que as pessoas se afastem dos portadores de tuberculose. Esse preconceito estende-se até mesmo para aqueles que não transmitem mais a doença (tuberculose não bacilífera) ou que só tiveram contato com pessoas doentes (comunicantes), que ainda tomam a medicação.

      Além do mais, a gente nem pode estar falando para as pessoas que a gente conhece, que a gente está tomando esses remédios. Não é todo mundo que entende. Porque para as pessoas que a gente convive, elas pensam que a gente está tudo contaminado com a doença… Na família do pai dela, só por que eles não fizeram exame, eles tem medo... Preconceito, porque eles não sabem(se tem a doença)... nem eu sabia. Achava que só em estar perto (da pessoa com tuberculose), eu podia pegar. Todo mundo pensa, né? Não querem vir em casa... Se afastam... Sofremos com o preconceito...

    3. Lidando com as dificuldades financeiras durante o tratamento (DSC3)

      O fato de ter que comparecer ao serviço de saúde várias vezes na semana impedem alguns cuidadores de trabalhar, por não terem com quem dividir a tarefa de acompanhar a criança. Esse fato impacta diretamente na situação financeira familiar, sendo que, em geral, apenas um dos pais trabalha.

      Pensando na situação financeira, menina, complica muito. Eu estou empatada seis meses praticamente… Seis meses só o marido trabalhando em casa. Nós tem, fora ela, mais dois (filhos). Já pensaste a situação? Eu tinha que ajudar o marido… tem conta pra pagar, tem isso e aquilo outro… tem compra pra fazer... Aí, minha filha, eu sei que é uma situação que pegou a gente desprevenida.

      Além disso, o não recebimento da cesta básica, por crianças em quimioprofilaxia, é um motivo de descontentamento. Os cuidadores consideram que o fato de não poderem trabalhar para levar a criança diariamente para tomar o medicamento, compromete a renda familiar. O Programa Nacional do Controle da tuberculose (PNCT), do Ministério da Saúde, fornece uma cesta básica mensal para os pacientes com tuberculose durante o tratamento, mas não estende esse direito aos comunicantes(22. Brasil. Ministério da Saúde. Informações para Profissionais da Saúde. Características clínicas e epidemiológicas da tuberculose [Internet]. 2013; [citado 2013 Mar 08]. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/profissional/visualizar_texto.cfm?idtxt=41151
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      ).

      O que eu não entendi é por quê não me deram a cesta(básica). A médica falou que ela não tem a cesta porque ela não tá doente (comunicante)... mas eu não entendi... Como ela não tá com a doença, tá só com a bactéria, então ela não tem os mesmos benefícios que a pessoa com a doença tem. Porque a pessoa que está com a doença, eu sei que tem o direito de uma cesta de alimentos todos os meses.

  2. Mudando a rotina da família (DSC4)

    A “estratégia TDO” leva as famílias das crianças em tratamento a modificar suas rotinas, devido à exigência de que um dos membros compareça à unidade de tratamento diariamente para acompanhar a criança.

    Pra mim, mudou muita coisa. Mudou praticamente tudo. Primeiro, que a rotina fica mais carregada, né. Não era só ela que estava fazendo o tratamento... tinha outra irmã que também estava (tratando). No começo, tinha que vir todos os dias. Foi uma correria, porque não tinha o negócio de não vir. Agora, ela vem só de segunda, quarta e sexta, ou seja, tem que vir aqui um dia sim e um dia não… Hoje ela já colheu exame de sangue , precisa fazer mais um no final do mês e, depois, tem outro.

    Em função da necessidade de manter seus empregos, como mantenedores de suas residências, alguns cuidadores adotam estratégias de maneira a priorizar o tratamento da criança, como contratar pessoas para acompanhá-la ao serviço para receber o tratamento e realizar exames de rotina.

    Como o pai dela trabalhava pela manhã, não tinha como ela vir. Então, eu tive que gastar para poder trazer por cinco meses... então, vinha outra pessoa com ela. Quando ela não trazia, eu pedia para alguém trazer… Agora mesmo, eu vou trabalhar. Mas é cansativo, porque hoje eu tenho que trazer ela, trabalhar, tomar conta de casa.

    O cuidador busca, também, protegê-la de situações que podem piorar o seu estado de saúde ou, no caso de comunicante, que possam levá-la a desenvolver a doença.

    A minha cunhada me disse que ela pegou do meu cunhado, que estava preso. Quando ele saiu (da cadeia), foi pra casa da mãe dele. E lá, passou pra ela (a criança) e pra mais dois sobrinhos. Os dois sobrinhos trataram aqui (no PECP) também e o tio, foi tratado lá no posto... na UBS. Os outros (familiares) falaram que trataram, mas não fizeram exame pra ver se está tudo bem. Por isso, não vou querer que ela fique como antigamente… que ficava mais tempo ali dentro daquela casa.

    Em função da doença, o cuidador empenha-se em adotar novas rotinas principalmente de higiene, para evitar a transmissão para os demais integrantes, ou prevenir a piora daquele já acometido.

    Em casa, os únicos cuidados que eu tenho (com a higiene), é lavar as mãos,que nem passa na televisão… depois de ir no banheiro... escovar o dente. Também separei os talheres, mudei o ambiente do quarto, porque tem que ser mais arejado... por causa dela e das outras meninas, que tem asma.

  3. A responsabilidade é (quase sempre) da mãe (DSC5)

    A maioria das crianças era acompanhada por suas mães. Nos discursos, torna-se evidente que a responsabilidade do cuidado pela criança geralmente recai sobre a mãe. Ela assume toda a responsabilidade sobre o tratamento, delegando para outros somente quando está realmente impossibilitada de acompanha-la.

    Agora, eu fico o dia inteiro fazendo as coisas, correndo e pensando, no remédio, no remédio, no remédio... O remédio não sai da minha cabeça. Ela tem que tomar o remédio, eu não posso esquecer, eu não posso não vir. Se eu faltar, por causa de um dia que ela não tomar o remédio, já vai prejudicar ela. Você fica mais preocupada, nossa demais. E agora, pra trazer ela aqui pra tomar o medicamento, está um pouco difícil, né… estou gestante. Vir pra cá todos os dias é um pouco cansativo pra mim. Eu moro descendo esse ladeirão. É cansativo, porque eu tenho que vir subindo, né. A barriga já está grande... está pesando... a menina já começa empurrar. Então, eu levo ela para a escolinha e vou buscando às pressas pra dar a medicação antes que passe a hora. Só quando não tem jeito mesmo, aí eu peço para a minha mãe trazer. Mas é só às vezes.

    Apesar de alguns cuidadores contratarem pessoas para levar a criança ao serviço, elas frequentemente não cumpriam o compromisso assumido, recaindo novamente sobre a mãe a responsabilidade pela falta da criança no atendimento.

    Eu já perdi umas três vezes de dar a medicação pra ela, deixando nas mãos de outras pessoas pra poder vir dar a medicação. Quando eu pedi para o pessoal vir, o pessoal não veio trazer... Porque se for pagar, que nem eu já tentei, encontrar gente responsável é tão difícil... nem na escolinha elas (educadoras) estão dando (a medicação). Na visão dos outros, como não é filho, mesmo você pagando, o pessoal pensa: “Ah, não deu tempo”... São tão irresponsáveis. Eles não têm a mesma responsabilidade que nem eu, que sou a mãe, não têm. Às vezes estou com duas netas, tem que levar na escola... Elas já perderam três dias de aula, porque eu fiquei esperando a pessoa levar na escola, mas ela não apareceu.

    Os discursos evidenciam que a mãe é quem mais se envolve com o tratamento, nem sempre podendo contar com o pai da criança que encara a situação de maneira “mais descontraída”. Assim, ela entende que deve priorizar a saúde do filho, antes mesmo de sua própria saúde.

    Para o pai dela já é diferente... homem é sempre mais descontraído. O meu marido é atrapalhado, ele não sabe... E então, acha que tudo é mais fácil. Além do mais, ele não pode trazer, porque ele está tratando também. Então ele vai tomar e diretamente vai trabalhar. Enfim, a mãe tem que realmente se sacrificar... Primeiramente tem que pensar na saúde da criança... eu penso na saúde dos meus filhos. Meu cansaço... depois eu sento e descanso.

  4. Adaptando-se às exigências impostas pelo tratamento

    1. Entendendo melhor a situação da criança (DSC 6)

      A medida que compreendem o motivo pelo qual a criança está fazendo o tratamento, o cuidador mostra-se mais conformado com a situação. Ressalta-se que, na maioria dos casos, as crianças eram apenas comunicantes e não estavam doentes. Ao compreender esta diferença e, também, por saber que a tuberculose atualmente tem cura se o tratamento for correto, o cuidador sente-se mais confiantes na atuação da equipe, apoiando-se, também, na fé que tem em Deus.

      Do jeito que me explicaram, deu pra entender que ela não está doente, ela só está com risco. O vírus (bacilo de Koch) que está no corpo dela, está dormindo e a medicação (quimioprofilaxia) é pra tentar mata-lo. E então, eu entendi que o tratamento é preventivo... Fiquei menos preocupada, principalmente porque eu vi que ela estava nas mãos de uma boa médica... que eu vi que ela se empenhou bem. Assim, quando eu contei do caso que tinha na família, ela na hora já pediu os exames. E enquanto saía os resultados, ela já deu um apoio legal…Graças a Deus tem cura e com fé em Deus, ela vai melhorar né.

    2. Seguindo em frente, apesar das dificuldades (DSC7)

      Ao assumir o compromisso com o tratamento, o cuidador busca, em conjunto com a equipe, alternativas que facilitem a sua continuidade.

      Antes eu estava trazendo todos os dias, mas como, às vezes, eu trabalho um dia sim e um dia não, ficou mais difícil. Então, eu conversei com a enfª Luana... eu falei: “Luana, não dá não... dá um tempo aí... dá uma relaxada aí, senão não dá não.” Graças a Deus, conseguimos... ela me liberou dois dias. Então, eu vinha segunda, quarta e sexta e ela levava (a medicação para casa) terça, quinta, sábado e domingo.

      As medicações do esquema terapêutico geram algumas reações indesejáveis, podendo contribuir para a desistência do tratamento. Apesar disso, o cuidador compreende a importância de continuar, incentivando a criança a tomar a medicação.

      Ela estava falando para a médica que tem muita dor na barriga e nas pernas, dor de cabeça e fraqueza. Ela vomitava muito, mas agora não vomita mais. Ela nunca se recusou... Sempre tomou, sempre fez o tratamento. E eu sempre converso com ela, todo dia: “a gente vai, toma rapidinho e a gente já volta”. Então, a gente vem aqui, ela toma, e, depois, eu vou e tomo os meus (na UBS). Nessa parte, é uma coisa que eu tento, não só com ela, com os outros (outros filhos que também tratam)... eu falo que é pro bem deles. Não sou de ameaçar. Se você vê, ela tomar amedicação, é como se tivesse tomando um copo de uma coisa gostosa, que ela quer... nesse ponto ele não dá trabalho.

      O cuidador também se preocupa em não tratar a criança que faz o tratamento para tuberculose de maneira diferente que os outros filhos, evidenciando a sua preocupação com o bem estar emocional dela.

      Eu também não vou tratar ela diferente... Isso só é motivo de a criança achar: “ah, eu sou doente, eu sou muito doente, eu posso morrer”. Então, eu já tento passar isso pra ela, que ela é igual aos outros.

      Apesar de todas as dificuldades enfrentadas durante o tratamento, o cuidador considera a importância do apoio que recebe de outros membros da família, da equipe de saúde do serviço e, também, do governo.

      Eu tenho que agradecer minha mãe, porque ela que me ajuda com os meninos. Com ela já é difícil, imagine sozinha com duas crianças pra cuidar, é muito difícil. Mas estamos ai, graças a Deus, estamos chegando ao fim, depois de nove meses de tratamento. Só perdemos um dia… Além do mais, recebo uma cesta básica que ajuda bastante, é muito boa.

Discussão

Em relação às dificuldades enfrentadas pelo cuidador no tratamento da criança e as mudanças da rotina da família, um estudo que analisou as potencialidades e limites da estratégia do tratamento supervisionado (DOTS) para a tuberculose sob a percepção de usuários do tratamento e profissionais de saúde(1010. Queiroz EM, De-La-Torre-Ugarte-Guanilo MC, Ferreira KR, MR Bertolozzi MR. Tuberculosis: limitations and strengths of Directly Observed Treatment Short-Course. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2012 Mar-Abr; 20(2):08 telas. ) encontrou dados parecidos aos da presente pesquisa.

Para os usuários do referido estudo(1010. Queiroz EM, De-La-Torre-Ugarte-Guanilo MC, Ferreira KR, MR Bertolozzi MR. Tuberculosis: limitations and strengths of Directly Observed Treatment Short-Course. Rev. Latino-Am. Enfermagem. 2012 Mar-Abr; 20(2):08 telas. ), o tratamento prejudica o cotidiano devido ao preconceito e à rejeição, causando isolamento da sociedade e da família, sentimento de inutilidade e dependência financeira, como decorrência da necessidade de paralisação das atividades laborais, além do medo de transmitir a doença às pessoas próximas.

Não é incomum a criança adquirir a tuberculose do cuidador, devido a relação estreita entre ambos, parecendo ser um dos principais motivos pelo sentimento de culpa do cuidador.

O medo de transmitir a doença aos filhos e familiares, mesmo em fase final do tratamento, quando supostamente não estão mais em fase de transmissão, é citado também em uma pesquisa desenvolvida na periferia da região sul do município de São Paulo, que aborda sobre as necessidades em saúde segundo as percepções de pessoas com tuberculose pulmonar(1111. Hino P, Bertolozzi MR, Takahashi RF, Egry EY. Health needs according to the perception of people with pulmonary tuberculosis. Rev Esc Enferm USP. 2012;46(6):1438-45. ).

Ao se sentir culpado pelo fato da criança ter contraído a doença, considerando que ela é dependente do adulto, verificou-se que o cuidador tende a adotar atitudes de superproteção em relação aos cuidados com ela, mesmo quando o seu quadro clínico dispensa tratamentos mais complexos.

Este comportamento também é observado em um estudo desenvolvido com pais de crianças cardiopatas, que redobravam a sua atenção e vigilância sobre a criança, superprotegendo-a, em uma constante preocupação com a sua condição de saúde. O estudo revela, ainda, a dificuldade desses pais em se libertar da imagem estigmatizada da criança doente, mesmo após o sucesso da correção cirúrgica(1212. Simões S, Pires A, Barroca A. Comportamento parental face à cardiopatia congênita. Análise Psicológica. 2010 4 (28):619-30).

Outra preocupação do cuidador com a criança em tratamento para tuberculose são os efeitos adversos das medicações, que agregam desconfortos indesejáveis a criança, como as náuseas, o vômito e a dor abdominal, apontados como os mais comumente observados, de acordo com o Ministério da Saúde(44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil [Internet]. 2010 [citado 2013 Mar 10]. Disponível em http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/manual_tuberculose.pdf
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).

Estes desconfortos gerados pelo uso das medicações são considerados um fator de risco para o abandono ao tratamento da tuberculose. Entretanto, eles podem ser contornados, quando a criança e o cuidador são orientados a ingerir os medicamentos juntamente com o café da manhã(44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil [Internet]. 2010 [citado 2013 Mar 10]. Disponível em http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/manual_tuberculose.pdf
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).

Evidencia-se a importância de se estabelecer um vínculo significativo entre o cuidador e a equipe de saúde, para que abandono do tratamento não aconteça. É preciso orientá-lo sobre a ocorrência dos principais efeitos adversos(44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil [Internet]. 2010 [citado 2013 Mar 10]. Disponível em http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/manual_tuberculose.pdf
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), pois conforme apontam os discursos dos cuidadores, o conhecimento sobre o tratamento favorece a adesão ao tratamento.

A necessidade da criança comparecer diariamente à unidade do serviço de saúde impacta na situação financeira das famílias devido ao fato do cuidador principal, em geral a mãe, ter que abandonar o emprego para dar acompanhar a criança.

Esta estratégia de tratamento supervisionado é estabelecida para todos os pacientes que fazem tratamento para tuberculose, como o obetivo principal de garantir a adesão ao tratamento. Existem, contudo, outras modalidades como a domiciliar e a compartilhada, quando há a possibilidade de tomar as medicações em casa se não pode ir até o serviço de saúde (domiciliar) ou em outro local mais acessível à família (compartilhada). A escolha deve ser feita conjuntamente entre a equipe de saúde e o paciente, considerando a realidade e estrutura de atenção à saúde(44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Manual de recomendações para o controle da tuberculose no Brasil [Internet]. 2010 [citado 2013 Mar 10]. Disponível em http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/manual_tuberculose.pdf
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).

Estas alternativas podem contribuir na redução do impacto financeiro que as famílias sofrem, quando o cuidador principal deixa de trabalhar ou quando necessitam contratar alguém para substitui-lo, na tentativa de garantir o tratamento da criança.

Um estudo realizado no município de Diadema, que identificou as convicções de saúde e capacidade de adesão de mães de crianças com doenças crônicas e graves, concluiu que não basta o entendimento racional da doença. A mãe, como principal cuidadora da criança e responsável pela aderência ao tratamento, precisa ter maior contato com o tratamento da doença(1313. Vizzotto MM, Santana E, Lima VF, Faria V. Convicções de saúde e capacidade de adesão de mães de crianças com doenças graves e crônicas. Psicólogo informação. 2009 Jan-Dez; 13(13):46-67).

Este fato é observado também no presente trabalho, em que algumas mães relatam preferir acompanhar a criança, quando aproveitam para esclarecer dúvidas sobre a doenaç e o tratamento, demonstrando, assim, o compromisso com a saúde do filho.

Ainda em relação ao estudo anterior(1313. Vizzotto MM, Santana E, Lima VF, Faria V. Convicções de saúde e capacidade de adesão de mães de crianças com doenças graves e crônicas. Psicólogo informação. 2009 Jan-Dez; 13(13):46-67), a partir do momento em que os pais obtiveram informações mais precisas a respeito da doença e do tratamento que seria realizado, a percepção sobre a doença mudou e seus medos diminuíram, facilitando o enfrentamento da situação. Também se constatou esse fato entre os cuidadores da criança em tratamento para tuberculose.

A fé em Deus foi outro fator que facilitou o enfrentamento da doença para os cuidadores, que buscam apegar-se à possibilidade de ter apoio divino para a cura do filho. Um outro estudo constatou que as pessoas atribuem a Deus a solução dos problemas de saúde que as acometem(1414. Rocha DS, Adorno RCF. Abandono ou descontinuidade do tratamento da tuberculose em Rio Branco, Acre. Saúde Soc. 2012;21(1):232–45 ).

A importância do apoio de outras pessoas também foi enfatizado pelos cuidadores no enfrentamento das dificuldades, ajudando-os a continuar o tratamento até o final. Um estudo abordando sobre os conflitos pessoais e sociais de pacientes com tuberculose aponta que a presença de pessoas que possam compartilhar, com o doente, o enfrentamento da doença e as dificuldades do tratamento, torna-se decisivo para a cura(1515. Clementino FS, Martiniano MS, Clementino MJSM, Sousa JC, Marcolino EC, Miranda FAN. Tuberculose: desvendando conflitos pessoas e sociais. Rev. Enferm. UERJ. 2011 Out-Dez; 19(4):638-43. ).

Evidenciou-se, também, entre os cuidadores da criança em tratamento para a tuberculose, o desejo de interrompê-lo, em alguns momentos, entretanto isso não se concretizou, devido ao estímulo dos familiares.

Constata-se, portanto, que o conhecimento sobre a tuberculose e seu tratamento, bem como o apoio da equipe e da família contribuem fortemente para a adesão da criança e sua família ao tratamento da tuberculose pela “estratégia TDO”, apesar das dificuldades enfrentadas em seu cotidiano.

Evidencia-se, dessa forma, a representação social do cuidador da criança diante do desafio de acompanhá-la rotineiramente ao serviço de saúde para receber o tratamento para tubeculose.

Estudos em Representações Sociais são conhecimentos construídos pelas relações do ser humano com o seu ambiente. A teoria das representações sociais possibilita, portanto, investigar como se formam e como funcionam os sistemas de referência utilizados pelos indivíduos para classificar pessoas e grupos e para interpretar os acontecimentos da realidade cotidiana(1616. Reis SLA, Bellini M. Representações sociais: teoria, procedimentos metodológicos e educação ambiental. Acta Scientiarum. Human and Social Sciences. 2011; 33 (2): 149-159,1717. Alves-Mazzotti AJ. Representações sociais: aspectos teóricos e aplicações à educação. Rev Múltiplas Leituras. 2008;1(1):18-43).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Existem muitas dificuldades enfrentadas pelo cuidador da criança ao iniciar o tratamento supervisionado para a tuberculose, desencadeando sentimentos como a culpa, por se sentir responsável pelo fato da criança ter sido infectado. Destaca-se, ainda, o medo de perder o filho, devido à gravidade da doença, e o sofrimento com o preconceito, enfrentado pelo desconhecimento das pessoas sobre a tuberculose, e as dificuldades financeiras, pois quase sempre um dos pais deixa de trabalhar para acomaphar a criança no tratamento.

A necessidade de levar a criança ao serviço de saúde várias vezes na semana gera mudanças significativas na rotina da família, que se organiza para dar seguimento ao tratamento. Constata-se, contudo, que, a maior responsabilidade na continuidade do tratamento recai sobre a mãe da criança que, muitas vezes deixa de atender às suas necessidades para priorizar as do filho.

Apesar de tudo, o cuidador busca adaptar-se às exigências do tratamento e enfrentar a situação, contando com o apoio de familiares e profissionais e buscando a ajuda de Deus.

A compreensão desta situação complexa vivenciada pelo cuidador pode trazer reflexões importantes aos profissionais de saúde envolvidos no tratamento destas crianças. A necessidade de se reavaliar a abordagem desses cuidadores pela equipe de saúde torna-se fundamental, no sentido de contribuir de maneira significativa para a continuidade do tratamento até o final.

Estabelecer um vínculo de confiança com o cuidador parece ser uma estratégia valiosa, enfatizando a ideia de que o profissional é um parceiro no tratamento e busca, não apenas fazer cobranças, mas encontrar, junto com o cuidador, a melhor solução para driblar as dificuldades enfrentadas por ele.

Cabe aos profissionais de saúde motivar e reconhecer o empenho do cuidador, reforçando sempre o que ele pode fazer para o maior sucesso do tratamento.

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Agradecimentos

Agradecimentos a toda a equipe do Programa Einstein na Comunidade de Paraisópolis pela inestimável colaboração, sem a qual não seria possível a realização desta pesquisa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2014
  • Aceito
    16 Jul 2014
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