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ESPECTROS DE MÃES DE PREMATUROS ACERCA DE CÍRCULO DE CULTURA EDUCATIVO

Resumos

Resumo Buscou-se conhecer os espectros de mães de prematuros acerca da vivência em círculo de cultura de caráter educativo e identificar o aprendizado proporcionado pelo círculo de cultura acerca dos cuidados com recém-nascido após alta hospitalar. Realizou-se estudo descritivo, em um hospital situado em Fortaleza-CE-Brasil. Foram realizadas três círculo de cultura com 17 mães de recém-nascido pré-termo. A interpretação do corpus foi realizada por meio da análise temática. Emergiram-se as categorias: Vivência materna em círculo de cultura; Apoio social promovido entre as mães por meio do círculo de cultura; e Aprendizado proporcionado no círculo de cultura. A capacitação dos pais durante o período de internação do filho deve ser realizada de modo a inserir os pais nos cuidados com o recém-nascido, proporcionar momentos de educação em saúde, ocasiões de apoio e diálogo entre os profissionais e a família.

Terapia Intensiva Neonatal; Educação em Saúde; Enfermagem Neonatal


Abstract

We sought to know the spectra of mothers of premature children regarding their experience with circle of culture of educational character and identifying the learning provided by the circle of culture about newborn care after hospital discharge. A descriptive study was performed in a hospital located in Fortaleza, Brazil. Three meetings of a circle of culture with 17 mothers of premature newborns were performed. The interpretation of the corpus was performed using thematic analysis. Emerged from the categories: Maternal experience in a circle of culture; Promoted social support among mothers through the circle of culture; and Learning provided by the circle of culture. It was concluded that teaching parents during the hospitalization of the child should be held in a way to involve parents in the care of the newborn, provide moments of health education, opportunities for support and dialogue between professionals and family.

Neonatal Intensive Care; Health Education; Neonatal Nursing


Resumen

Buscamos conocer los espectros de las madres de niños prematuros con respecto a su experiencia con el círculo de la cultura de carácter educativo e identificar el aprendizaje proporcionado por el círculo de la cultura sobre el cuidado del recién nacido tras el alta hospitalaria. Un estudio descriptivo se realizó en un hospital ubicado en Fortaleza, Brasil. Se realizaron tres reuniones de un círculo de la cultura con 17 madres de prematuros recién nacidos. La interpretación del corpus se ha realizado mediante el análisis temático. Surgido de las categorías: Experiencia materna en un círculo de la cultura; Promovido el apoyo social entre las madres a través del círculo de la cultura; y El aprendizaje proporcionado por el círculo de la cultura. La enseñanza de los padres durante la hospitalización del niño debe ser recluido en una forma de involucrar a los padres en el cuidado del recién nacido, proporcionar momentos de educación para la salud, las oportunidades para el apoyo y el diálogo entre los profesionales y familiares.

Unidades de Cuidado Intensivo Neonatal; Educación em Salud; Enfermería Neonatal


Introdução

A Unidade de Terapia intensiva Neonatal (UTIN), tecnologicamente equipada, é considerada um marco da assistência ao recém-nascido pré-termo (RNPT). O investimento em assistência especializada do profissional de saúde aumenta a sobrevida dos bebês prematuros, porém os seguimentos da criança após alta hospitalar, ainda é preocupante no período pós-neonatal. Nesse ambiente, outras necessidades ganham ênfase, tais como a inserção da família aos cuidados e a manutenção da qualidade de vida(11. Vasconcelos MGL, Leite AM, Scochi CGS. Significados atribuídos à vivência materna como acompanhante do recém-nascido pré-termo e de baixo peso. Rev Bras Saude Mater Infant. 2006;6(1):47-57.).

O Relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), baseado em modelagens estatísticas, estima que ocorram quinze milhões de nascimentos pré-termo por ano no mundo, ou seja, corresponde há mais de 10% do total dos nascimentos. A alta prevalência de prematuridade tem repercussões sociais e econômicas: demanda crescente de unidade de tratamento intensivo neonatal, em curto prazo, e custos da atenção requerida em longo prazo, por indivíduos portadores de sequela, que carregam danos irreparáveis à saúde física e mental(22. World Health Organization. Born too Soon. The Global Action Report on Preterm Birth. Geneva: WHO; 2012.,33. Victora CG, Aquino EM, Leal MC, et al. Maternal and child health in Brazil: progress and challenges. Lancet. 2011; 377(9780):1863-76.).

De tal forma, que o cuidado ao prematuro necessita ir além da tecnologia, de modo que os pais sejam envolvidos de maneira humanizada e participativa no cuidado diário, com diálogos explicativos que sejam compreendidas. A inserção dos genitores nos cuidados com o recém-nascido (RN) mostra-se relevante, uma vez que estes são indispensáveis para sobrevivência do recenato após a alta hospitalar, haja vista que a aquisição de conhecimentos e o desenvolvimento de habilidades dos pais para o cuidado domiciliar após alta hospitalar deverão ser iniciados na admissão do filho à unidade neonatal(44. Silva LJ, Silva LR, Christoffel MM. Tecnology and humanization of the neonatal intensive care unit: reflections in the context of the health-illness process. Rev Esc Enferm USP [online]. 2009;43(3):684-689.).

O cenário composto de aparelhos, luzes, ruídos, alarmes e profissionais, corroboram na insegurança das mães em relação à vida do filho fora daquele ambiente. De tal modo, os pais de um RN prematuro sofrem danos emocionais, perpassando por angústia, medo, culpa e esperança. Dentre os principais fatores desencadeadores, além da prematuridade, está a vivência com a internação em uma UTIN. Esses anseios são dirimidos por meio da interação da tríade genitores, equipe de enfermagem e crianças(55. Costa SAF, Santos MJA, Boas ASCV. Compreendendo a vivência da família com a internação do filho recém-nascido prematuro na UTI neonatal. Nursing. 2007; 10(115):560-64.,66. Araujo BBM, Rodrigues BMRD. Mothers’ experiences and perspectives regarding their premature infant’s stay at the Neonatal Intensive Care Unit. Rev Esc Enferm USP [online]. 2010; 44(4):865-867.).

No momento da alta hospitalar, as famílias em alguns casos, sem preparo específico são designadas a cuidar do filho prematuro no domicílio sem que para isso tenham recebido orientações suficientes para a especificidade demandada pelo RN. Essas dificuldades costumam ocorrer devido a problemas de comunicação e do apoio formal dado pelos profissionais, pois transmitem informações insuficientes e com linguagem técnica, favorecendo a incompreensão por parte dos genitores(77. Souza KMO, Ferreira SD. Vivência materna com o filho prematuro: refletindo sobre as dificuldades desse cuidado. REME Rev Min Enferm. 2010;14(2):159-165.).

A enfermagem tem competência fundamental nas orientações e no suporte prestado à mãe, além de propiciar e estimular a aproximação dos binômios mãe e filho, tornando-as confiantes em desempenhar os mesmos cuidados no domicílio(88. Costa SAF, Ribeiro CA, Borba RIH, et al. A experiência da família ao interagir com o recém-nascido prematuro no domicílio. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2009; 13(4):741-749.). Neste sentido, considerando que os recém-nascidos estão em situação de risco no período pós-neonatal, justificado pela prematuridade, emerge à necessidade de aprofundamento acerca da temática.

A educação em saúde como modo de provocar mudanças na compreensão da saúde, relacionando qualidade e compromisso com a vida, suscita transformações nas atitudes que concernem à promoção da saúde e prevenção de agravos, de maneira que a saúde seja não vista apenas como responsabilidade do profissional de saúde e dever do governo99. Fonseca LMM, Scochi CGS, Rocha SMM, Leite AM. Cartilha educativa para orientação materna sobre os cuidados com o bebê prematuro. Rev Latinoam Enferm. 2004;12(1):65-75.). Dessa forma, perante os diversos modos de promover saúde relacionada à criança prematura, a educação em saúde é um método basilar para a produção de cuidado contínuo, de modo a instigar no profissional o papel de educador.

Neste sentido, reorientar as estratégias destinadas a melhorar a sobrevida e a qualidade de vida dos prematuros no domicílio implica em vários fatores, dentre os quais se destaca o preparo dos pais de forma libertadora para o cuidado do RNPT no domicílio. A partir destas reflexões, objetivou-se conhecer os espectros de mães de prematuros acerca da vivência em círculo de cultura de caráter educativo, bem como identificar o aprendizado proporcionado pelo círculo de cultura acerca dos cuidados com recém-nascido após alta hospitalar.

Método

O desenvolvimento da temática norteou-se pelo estudo de caráter descritivo com abordagem qualitativa, realizado na Unidade de Neonatologia de um hospital situado na cidade de Fortaleza, Ceará, Brasil. Os sujeitos da pesquisa foram mães de RNPT internados na unidade neonatal. Foram adotados os seguintes critérios de inclusão: mãe de recém-nascido prematuro nascido com idade gestacional inferior a 37 semanas, cujo filho estivesse internado na unidade neonatal, sem uso de antibiótico e que não estejam aguardando cirurgia. Como critérios de exclusão adotaram-se: mães com problemas mentais que as impossibilitassem de participar do estudo.

A coleta de dados ocorreu por meio da realização de reuniões de círculo de cultura, que tem como riqueza basear-se na tendência humana de construir conhecimentos e formar opiniões e atitudes a partir da interação com outros indivíduos. O círculo de cultura compõe uma estratégia de educação libertadora e problematizadora, pois não há espaço para a educação bancária. Este círculo é um espaço de diálogo, composto por coordenadores de diálogos, participantes do grupo e programação reduzida codificada em unidades de aprendizagem por meio do debate. Ou seja, o círculo de cultura define-se como um espaço onde todos os participantes têm a palavra e que permite a construção coletiva do conhecimento(1010. Freire P. Pedagogia do oprimido. 50ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 2011.).

Assim compreende-se o círculo de cultura como um espaço de ação educativa no qual ocorre o envolvimento dos participantes com o processo de ensino-aprendizagem, permeado de liberdade para que possam se expressar, intervir e estabelecer relações horizontais, além de vivenciar ações coletivas e reestruturar concepções mediante um processo reflexivo(1111. Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 43ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 2011.). O recrutamento das participantes iniciou-se por meio da entrega de convites por uma semana que antecedia a reunião, com data e horário previamente estabelecidos, e esclarecimentos acerca do estudo.

Para promover maior entrosamento entre as participantes e a pesquisadora, realizou-se uma dinâmica para apresentação. A partir de então o grupo foi conduzido por meio de um guia de temas previamente estabelecidos. Realizaram-se três encontros, com número de dezessete mães, no período de agosto a novembro de 2012. Os encontros compuseram-se pelo tema de dobradiça: Cuidado do recém-nascido prematuro no domicílio após alta hospitalar.

Os discursos foram filmados, permitindo uma descrição fidedigna das falas e expressões, após a assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE), que declara o anonimato e o destarte do material após análise do corpus. Para o desenvolvimento da atividade educativa utilizou-se a educação problematizadora, igualmente chamada de conscientizadora, que busca a inserção crítica e reflexiva do homem na realidade, a fim de que haja uma transformação social e troca de experiências(1212. Freire P. Educação como prática da liberdade. 30 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007.).

Os dados gravados em áudio dos círculos de cultura foram transcritos na íntegra em software Microsoft Word 2003-2007. A análise e a interpretação do corpus foram realizadas por meio da técnica da Análise Temática, na qual foi utilizada com o intuito de organização dos mesmos. A análise divide-se em três etapas: a pré-análise, a retomada dos objetivos iniciais do estudo e a elaboração de indicadores que orientem a interpretação final. Por fim, foram identificados os núcleos que compõem a comunicação, cuja frequência ou presença tenha significado para o objetivo da pesquisa.

Com a finalidade de preservar a identidade das mães, utilizou-se como modo de identificação a utilização de caracteres alfanuméricos, sendo identificadas pelas letras M1, M2 e assim sucessivamente conforme o número de mães do estudo. Respeitaram-se os princípios da bioética, baseado na Resolução 244/12 do Conselho Nacional de Saúde(1313. Brasil. Ministério da Saúde; Conselho Nacional de Saúde, Resolução nº 466 de 12 de Dez/2012. Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa envolvendo Seres Humanos. Brasília; 2013.). Foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Geral de Fortaleza, sob Parecer de No 140307/12.

Resultados

A partir da leitura e análise dos dados, identificaram-se os núcleos temáticos, emergindo as categorias: Vivência materna em círculo de cultura; Apoio social promovido entre as mães por meio do círculo de cultura; e Aprendizado proporcionado no círculo de cultura.

Vivência materna em círculo de cultura

Os sujeitos do estudo caracterizaram o círculo de cultura como espaço informal de troca de experiências, no qual se sentiram à vontade para se expressar e dirimir dúvidas. No círculo, detalhes como a música e a interação entre as participantes foram evidenciados.

“Foi bom, a gente conversa, fala e não fica só escutando uma pessoa falando.” (M14)

“No começo fiquei com vergonha, mas gostei de ouvir minhas colegas daqui falando, parecia que estava ouvindo minhas próprias dúvidas, alguém perguntava o que eu queria saber. Achei legal, a música que colocaram me acalmou e comecei a pensar sobre tudo isso, mas não queria falar muito, tenho vergonha.” (M15)

“Nunca tinha visto essas coisas, a música, o jeito que vocês falam e que a gente pode falar. Ficar aqui é difícil, estou me sentindo melhor. Poder conversar com todo mundo coisas que interessa a gente. Eu tinha muitas dúvidas, já melhorou bastante.” (M16)

“Deveria acontecer mais vezes. Eu gostei da música, coisas que eu queria saber foram faladas aqui, era bem o que eu queria saber.” (M17)

Pesquisa realizada com mães de recém-nascido prematuro constatou que o momento de aprendizagem torna-se benéfico para o esclarecimento de dúvidas, por meio de questionamentos, que são expressos com menos timidez. Ou seja, em atividades de educação em saúde as mães mostram-se mais propícias a expor as incertezas, além de amenizar o receio que algumas mães têm de se pronunciar, visto que frente a discursos de outras mães, estas se sentem à vontade para expressar suas concepções(1414. Fonseca LMM, Góes FSN, Ferecini GM, et al. Inovação tecnológica no ensino da semiotécnica e semiologia em enfermagem neonatal: do desenvolvimento à utilização de um software educacional. Texto & Contexto Enferm. 2009;18(3):549-558.).

A prática da obtenção do conhecimento não deve ser imposta, e sim partir da curiosidade em face da realidade, implicando invenção e reinvenção, por meio da criatividade e inteligência existente no ser humano(1212. Freire P. Educação como prática da liberdade. 30 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007.). Corroborando com esses dados, o estudo randomizado descobriu que os pais que recebiam treinamento de como interagir com o recenato prematuro fez diferença estatisticamente significativa para o conhecimento do cuidado domiciliar quando comparado ao grupo controle que não recebeu treinamento. (15)

Apoio social promovido entre as mães por meio do círculo de cultura

Os pais acreditam que a prematuridade dos filhos é uma vivência particular, no entanto, ao ingressarem na unidade neonatal se deparam com a realidade de diversas famílias, e então, a partir do convívio, compreendem que possuem companheiros a fim de renovar forças para lidar com a situação, melhorar a aceitação e superar as frustrações(1616. Guimarães GP, Monticelli M. A formação do apego pais/recém-nascido pré-termo e/ou de baixo peso no método mãe-canguru: uma contribuição da enfermagem. Texto & Contexto Enferm. 2007;4(16):626-635.).)

“Aqui a gente pode se conhecer e trocar experiências. Quando vê que tem várias no nosso mesmo caso, a gente não se sente tão diferente.” (M5)

“Vejo que todo mundo aqui é igual a mim. Às vezes sinto culpa do bebê ter nascido desse jeito, mas quando vejo as outras falando fico melhor.” (M14)

“A gente fica esse tempinho perto falando de como vai ser quando chegar em casa com esse menino.” (M16)

“No começo fiquei com muita vergonha, mas depois vendo todo mundo falando do cuidado com bebês fiquei mais à vontade, porque todo mundo tem quase as mesmas dúvidas e fala das mesmas coisas.” (M17)

“Às vezes passo a noite inteira acordada e quando chego aqui é essa carreira. Estou cansada e vi que as outras mães também sofrem. Fico triste quando tô cansada, fico me sentindo culpada, hoje vi que toda mãe tá passando por isso.” (M18)

O apoio social promovido pelas companheiras que possuem filhos internados na unidade mostrou-se forte aliado à adaptação, bem como o momento de interação entre mães e profissionais contribuiu por não estarem sozinha nesta fase, assim como permitiu compreender que há várias mães em situação semelhante.

Evidencia-se a necessidade de apoio, ajuda e troca de experiências. De forma geral, são solidárias umas às outras e a convivência torna possível à percepção de todo um contexto e não apenas das dificuldades de forma singular. Mediante os discursos maternos, destaca-se a presença de concepções de culpa relacionadas à prematuridade do filho, visto que, a genitora repassa possíveis causas, intempéries e significados para fatos ocorridos durante a gestação que possam ter relação com a prematuridade do filho(77. Souza KMO, Ferreira SD. Vivência materna com o filho prematuro: refletindo sobre as dificuldades desse cuidado. REME Rev Min Enferm. 2010;14(2):159-165.).

“Fico me sentindo culpada, mas hoje vi que toda mãe que tá aqui passa por isso [...]” (M13)

“Às vezes sinto culpa do bebê ter nascido desse jeito, pequenininho demais.” (M8)

“É muito ruim quando penso que a culpa dele ter nascido assim pode ser minha, dá uma coisa ruim, é difícil de explicar.” (M3)

“Fico pensando que é porque eu brigava muito com meu irmão, gritava, corria. Eu ficava muito nervosa mesmo.” (M6)

“Acho que ela nasceu assim porque ele me fazia muita raiva, ficava tremendo de raiva.” (M3)

Dentre um conjunto de fatores que influenciam na culpabilidade materna, ressalta-se desde a angústia, que frequentemente decorre do próprio parto prematuro, até a assistência inadequada, que acarreta em um acréscimo nas preocupações. A culpa pode decorrer da prematuridade do bebê em si, fato que acaba erroneamente confirmando os temores das mães de não estarem preparadas para a maternidade(11. Vasconcelos MGL, Leite AM, Scochi CGS. Significados atribuídos à vivência materna como acompanhante do recém-nascido pré-termo e de baixo peso. Rev Bras Saude Mater Infant. 2006;6(1):47-57.,66. Araujo BBM, Rodrigues BMRD. Mothers’ experiences and perspectives regarding their premature infant’s stay at the Neonatal Intensive Care Unit. Rev Esc Enferm USP [online]. 2010; 44(4):865-867.).

Aprendizado proporcionado no círculo de cultura

Durante o cotidiano na UTIN a mãe é mais expectadora do que atuante no processo de cuidar, desse modo, ela vê o recém-nascido, porém pouco participa das atividades no que se refere ao cuidar. Além disso, é comum a exclusão materna, justificada pela execução de procedimentos invasivos, momento da visita médica e espaço físico reduzido(1717. Gaíva MAM, Scochi CGS. A participação da família no cuidado ao prematuro em UTI Neonatal. Rev Bras Enferm. 2005;58(4):444-448.).

A notícia da alta hospitalar para os pais cujos filhos estão hospitalizados na UTIN é recebida com sentimento de liberdade, acompanhado de insegurança com o desempenho da mãe em cuidar do filho em situações inesperadas que porventura vierem acontecer(1616. Guimarães GP, Monticelli M. A formação do apego pais/recém-nascido pré-termo e/ou de baixo peso no método mãe-canguru: uma contribuição da enfermagem. Texto & Contexto Enferm. 2007;4(16):626-635.). Em relação à insuficiência de preparo e de informação acerca do cuidado, notou-se que o banho e os engasgos são tópicos de dúvida. Dessa forma, durante a realização do círculo de cultura, foi possível enfocar essas questões.

“Ah, a parte do banho. Por mim quantas vezes ele ficasse sujo era o tanto de vezes que eu dava banho nele e agora eu sei que não pode. Uns cuidados com a roupinha também eu aprendi hoje.” (M3)

“Aprendi sobre os engasgos e o banho. Que pode puxar o leite da boca do bebe se ele tiver sufocado, eu não sabia disso.” (M5)

“Agora eu já sei o que fazer se o meu filho engasgar que eu nem fazia ideia.” (M7)

“Aprendi que tem que dar de mamar de 3 em 3 horas, que tem que botar pra arrotar, que não pode usar perfume pra não dar alergia.” (M1)

“Eu não sabia que podia colocar a roupinha dele pra secar no sol, achei que assim era errado.” (M7)

O empoderamento dos genitores frente ao cuidado do recém-nascido é incentivado pela equipe de profissionais. Estes podem corroborar tanto no processo assistencial “curativista”, quanto na identificação e forma de lidar com situações de emergências, distinguindo em qual momento é necessário levar o filho ao serviço médico.

Nem sempre a carência de preparo materno é ocasionada pela ausência de informações. De forma geral, o despreparo ocorre pela disseminação de informações “errôneas” ou incompletas, seja comentada por um vizinho ou ensinada por uma tia ou avó, culminada por um ciclo de cultura observado e repassado entre as gerações dentro da comunidade.

“Não é tudo que a gente não sabe, mas são detalhes. Porque tem muita coisa que nós escutamos do boca a boca do povo e não é assim. Quando ele for pra casa, já ia chamar todo mundo pra ver, mas não pode. Tenho que esperar ele ficar mais fortinho e chamar pouca gente de cada vez, deixando a casa bem arejada” (M3)

“Tinha coisas que eu ia fazer com meu filho, porque minha mãe me disse que era certo. Deixar a roupa secar na sombra é uma delas.” (M7)

“Minha avó e a vizinha lá de casa sempre falam que se o bebê tá chorando muito, é só dar um chazinho que ele melhora. Agora já sei que não posso fazer isso. Só meu leite e pronto.” (M1)

Evidencia-se que as informações acerca dos cuidados com o RN prematuro repassados aos pais pelo profissional visam fortalecer o elo entre pais e filhos, em contra partida, os profissionais tendem a priorizar a assistência imediata e dessa forma negligenciam a magnitude da atividade educativa e o preparo para a alta(1818. Conz CA, Merighi MAB, Jesus MCP. Promoting affective attachment at the neonatal intensive care unit: a challenge for nurses. Rev Esc Enferm USP [online]. 2009;43(4):849-855.,1919. Suzuki VF, Carmona EV, Lima MHM. Planning the hospital discharge of patients with diabetes: the construction of a proposal. Rev Esc Enferm USP [online]. 2011;45(2):527-32).

Vários são os cuidados a serem transmitidos e ensinados, tais como: os cuidados relativos às visitas, a utilização do copinho ou colher quando houver dificuldades durante a amamentação, as orientações em caso de engasgos e relacionadas ao banho, os sinais e sintomas de que o RN não está bem e as ações a serem realizadas em cada caso. Estes são cuidados mais especificamente relacionados à prematuridade e que tem destaque fundamental, ressalta-se, assim, a importância de serem informados e ensinados pelos profissionais de saúde(2020. Fonseca LMM, Scochi CGS. Cuidados com o bebê prematuro: orientações para a família. 2ª ed. Ribeirão Preto: FIERP; 2005.).

Em grande parte dos serviços de saúde, existem dificuldades e carências de recursos para realização destas práticas educativas. A ausência de recursos físicos, humanos e materiais põem em risco essa prática, tornando-a monótona, desestimulante e repetitiva, para o profissional e para a clientela. O uso de materiais didáticos dinamiza as atividades de Educação em Saúde. Somando a estes fatores, a educação democrática se alicerça na ideia de que o homem deve discutir e analisar problemas de convívio(66. Araujo BBM, Rodrigues BMRD. Mothers’ experiences and perspectives regarding their premature infant’s stay at the Neonatal Intensive Care Unit. Rev Esc Enferm USP [online]. 2010; 44(4):865-867.,1212. Freire P. Educação como prática da liberdade. 30 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2007.). Para isso, no círculo de discussão, foi realizado de forma que se possa acrescentar à vivência das mães utilizando método ativo, dialogal e participante.

Podem-se identificar vantagens relacionadas à utilização do grupo focal como didática de promoção da saúde, pois essa interação entre mães e profissionais permite que as informações relacionadas ao cuidado com RNPT sejam trocadas, transmitidas e ensinadas, em forma de diálogo, tendo como foco as principais dificuldades identificadas, reduzindo assim a ansiedade e a insegurança.

Conclusão

De acordo com o estudo, foram conhecidos os espectros de mães de prematuros acerca da vivência em círculo de cultura de caráter educativo, bem como identificado o aprendizado proporcionado pelo círculo de cultura acerca dos cuidados com recém-nascido após alta hospitalar. Assim, destaca-se a influência da educação em saúde no manejo com as mães de recém-nascido prematuro, pois atividades de educação em grupo deixam as mães mais a vontade para dirimir dúvidas e sentimentos, além de proporcionar interação as mesmas, momento para se intuírem como companheiras e, dessa forma, compartilhar experiências, favorecendo o aprendizado.

Evidenciaram-se lacunas no conhecimento das mães acerca dos cuidados com o recenato prematuro em âmbito domiciliar. A provisão de informações sobre como agir e onde procurar ajuda é primordial; entende-se, portanto, o destaque do enfermeiro nesse processo de aprendizagem dos pais.

O apoio social prestado por companheiras que possuem filhos na UTIN mostrou-se forte aliado na adaptação da mãe à realidade, reduzindo a insegurança relacionada à situação vivenciada. Durantes os círculos de cultura, foram evidenciados sentimentos pelas mães, que carecem de atenção por parte dos profissionais de saúde.

Dessa forma, a capacitação adequada dos pais durante o período de internação do filho deve ser realizada de modo a inseri-los nos cuidados com o recém-nascido, proporcionar momentos de educação em saúde e oferecer situações de apoio e diálogo entre os profissionais que assistem o RN e os familiares.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014

Histórico

  • Recebido
    30 Abr 2014
  • Aceito
    16 Jul 2014
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