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Identificação de necessidades de cuidados dos pacientes com e sem uso de instrumento de classificação

Resumos

Objetivo: Analisar a concordância e a discordância entre as avaliações realizadas mediante a aplicação ou não de instrumento de classificação de pacientes, e investigar a associação entre a concordância e as características pessoais e profissionais dos avaliadores. Método: Trata-se de um estudo descritivo exploratório. Foram investigados 105 pacientes internados em hospital de ensino do interior do Estado de São Paulo utilizando-se a estatística kappa (ponderado) e o método Bootstrap. Resultados: A concordância entre as avaliações apontou: kw 0,87 (instrumento x avaliador interno), kw 0,78 (instrumento x avaliador externo) e kw 0,76 (entre os avaliadores) e a influência de algumas características pessoais e profissionais. As avaliações conduzidas mediante o uso de instrumento contemplaram maior número de áreas de cuidado em relação a quando o instrumento não foi aplicado. Conclusão: Recomenda-se o uso deste instrumento a fim de se obter identificação mais efetiva das necessidades cuidativas dos pacientes.



Avaliação em enfermagem; Pacientes; Classificação; Determinação de necessidades de cuidados de saúde


Objective: To analyze the agreement and disagreement between the assessments by applying or not a patient classification instrument, and to investigate the association between the agreement and personal and professional characteristics of the evaluators. Method: This is a descriptive exploratory study. 105 patients were hospitalized in a teaching hospital in the state of Sao Paulo, using the kappa statistic (weighted) and the Bootstrap method. Results: The agreement between the assessments were​​: kw 0.87 (instrument x internal evaluator), kw 0.78 (instrument x external evaluator) and kw 0.76 (between evaluators) and the influence of some personal and professional characteristics. The assessments conducted through the use of an instrument contemplated a greater number of areas of care in relation to when the instrument was not applied. Conclusion: The use of this instrument is recommended in order to more effectively identify care needs of patients.




Nursing assessment; Patients; Classification; Needs assessment


Objetivo: Analizar la concordancia y la discordancia entre las evaluaciones realizadas mediante la aplicación o no de un instrumento de clasificación de pacientes e investigar la asociación entre la concordancia y las características personales y profesionales de los evaluadores. Método: Estudio descriptivo exploratorio. Se investigaron a 105 pacientes internados en hospital universitario del interior del Estado de São Paulo utilizándose la estadística kappa (ponderado) y el método Bootstrap. Resultados: La concordancia entre las evaluaciones reveló: kw 0,87 (instrumento x evaluador interno), kw 0,78 (instrumento x evaluador externo) y kw 0,76 (entre los evaluadores) y la influencia de algunas características personales y profesionales. Las evaluaciones conducidas mediante el empleo de instrumento contemplaron mayor número de áreas de cuidado en comparación a cuando no se aplicó el instrumento. Conclusión: Se recomienda el uso de este instrumento a fin de lograr una identificación más efectiva de las necesidades de cuidados a los pacientes.


Evaluación en enfermería; Pacientes; Clasificación; Evaluación de necesidades


Introdução

A avaliação em enfermagem tem como propósito identificar as necessidades cuidativas do paciente/família nas suas diversas dimensões, fornecendo a base científica para o direcionamento de condutas e implementação de intervenções assistenciais(101 1.Bittencourt GKGD, Crossetti MGO. Critical thinking skills in the nursing diagnosis process. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2013 [cited 2014 Feb 10];47(2):341-7. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v47n2/en_10.pdf
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). A importância do julgamento como um componente de avaliação do processo de tomada de decisão na prática de enfermagem tem sido destacada na literatura. Julgar abrange um processo no qual diferentes tipos de informação clínica sobre o paciente são utilizados para realizar uma avaliação sobre a situação atual de seu estado de saúde(202 2.Tanner CA. Thinking like a nurse: a research-based model of clinical judgment in nursing. J Nurs Educ. 2006;45(6):204-11).

A precisão do julgamento afeta a qualidade da decisão. Assim, julgamentos imprecisos ou combinados de forma inadequada geram decisões pobres(303 3.Harvey N. Studying judgment: general issues. Think Reason [Internet]. 2001 [cited 2013 Nov 10];7(1):103-18. Available from: http://www.tandfonline.com/doi/pdf/10.1080/13546780042000064#preview
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). O uso de informação que não tem utilidade para o julgamento em questão e a atribuição de excessiva importância para uma determinada informação têm sido apontados(404 4.Dowding D, Thompson C. Using judgment to improve accuracy in decision-making. Nurs Times. 2004;100(22):42-4) como causas da imprecisão. Por sua vez, a interpretação inadequada dos dados pode conduzir à perda de tempo e energia, causar danos e insatisfação aos pacientes e, ainda, reduzir os resultados favoráveis da assistência prestada(505 5.Lunney M. Critical need to address accuracy of nurses’ diagnoses. Online J Issues Nurs [internet]. 2008 [cited 2012 Dec 8];13:(1). Available from: http://nursingworld.org/MainMenuCategories/ANAMarketplace/ANAPeriodicals/OJIN/TableofContents/vol132008/No1Jan08/ArticlePreviousTopic/AccuracyofNursesDiagnoses.html
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). Torna-se importante destacar que o julgamento profissional está alicerçado na experiência clínica, que é a precursora da expertise(202 2.Tanner CA. Thinking like a nurse: a research-based model of clinical judgment in nursing. J Nurs Educ. 2006;45(6):204-11).

O raciocínio clínico tem sido encontrado na literatura como sinônimo de julgamento clínico e de tomada de decisão(202 2.Tanner CA. Thinking like a nurse: a research-based model of clinical judgment in nursing. J Nurs Educ. 2006;45(6):204-11,606 6.Simmons B. Clinical reasoning: concept analysis. J Adv Nurs. 2010;66(5):1151-8) e definido como a representação dos processos intelectuais envolvidos no atendimento aos pacientes incorporando padrões de conhecimentos (empírico, ético, pessoal e estético) e julgamentos(707 7.Cerullo JASB, Cruz DALM. Clinical reasoning and critical thinking. Rev Latino Am Enfermagem. 2010;18(1):124-9). Fluência, flexibilidade e elaboração são consideradas capacidades envolvidas em seu processo. A fluência representa os múltiplos pensamentos do ser humano; a flexibilidade, a capacidade de mudar de um pensamento para outro alocado em outra categoria; e a elaboração constitui-se na identificação das implicações a partir de uma informação(808 8.Lunney M. Uso do pensamento crítico para o alcance de resultados positivos de saúde. In: Lunney M. Pensamento crítico para o alcance de resultados positivos em saúde: análise e estudos de caso em enfermagem. Porto Alegre: Artmed; 2011. p. 25-55).

Nas últimas décadas, escalas de mensuração vêm sendo cada vez mais utilizadas pelos enfermeiros no processo avaliativo de forma a proporcionar maior assertividade para a tomada de decisão na gestão do cuidado(909 9.Perroca MG. Development and content validity of the new version of a patient classification instrument. Rev Latino Am Enfermagem. 2011;19(1):56-66). Dentre elas destaca-se o Instrumento de Classificação de Pacientes (ICP), construído com o intuito de identificar a demanda de atenção dos pacientes em relação à enfermagem e, posteriormente, agrupá-los em categorias de cuidados (mínimos, intermediários, semi-intensivos e intensivos)(909 9.Perroca MG. Development and content validity of the new version of a patient classification instrument. Rev Latino Am Enfermagem. 2011;19(1):56-66). Sua aplicação possibilita a disponibilização de dados referentes aos pacientes para tomada de decisão sobre planejamento da assistência, dimensionamento de pessoal, produtividade e custos do serviço de enfermagem(1010.De Groot HA. Patient classification system evaluation: Part 2, system selection and implementation. J Nurs Adm. 1989;19(7):24-30-1111.Van Slyck A. Patient Classification Systems: not a proxy for nurse ‘busyness’. Nurs Admin Q. 2000;24(4):60-5).

Um Instrumento de Classificação de Pacientes (ICP) desenvolvido no Brasil no final dos anos 1990 tem sido submetido, ao longo dos anos, a diversos testes para avaliação de suas propriedades psicométricas(909 9.Perroca MG. Development and content validity of the new version of a patient classification instrument. Rev Latino Am Enfermagem. 2011;19(1):56-66,1212.Perroca MG, Gaidzinski RR. Análise da validação de constructo do instrumento de classificação de pacientes proposto por Perroca. Rev Latino Am Enfermagem. 2004; 12(1):83-91-1313.Perroca MG. The new version of a patient classification instrument: assessment of psychometric properties. J Adv Nurs. 2013;69(8):1862-8). Embora os resultados tenham mostrado evidências de confiabilidade e validade da escala e que ela pode ser usada para nortear a prática gerencial na determinação de carga de trabalho da equipe de enfermagem(1313.Perroca MG. The new version of a patient classification instrument: assessment of psychometric properties. J Adv Nurs. 2013;69(8):1862-8), torna-se importante investigar, ainda, se a demanda de atenção de enfermagem do paciente identificada por ela encontra-se alinhada à percepção dos enfermeiros.

Embora seja possível encontrar na literatura abordagens sobre desenvolvimento e validação de instrumentos de classificação, não foi possível identificar investigações comparando a demanda de atenção de pacientes identificada mediante aplicação de ICP com a percebida por enfermeiros. Destaca-se pesquisa conduzida na Finlândia(1414.Fagerström L, Eriksson K, Engberg IB. The patients’s perceived caring needs: measuring the unmeasurable. Int J Nurs Pract. 1999;5(4):199-208), onde áreas de cuidados contidas em um instrumento de classificação foram contrapostas com a percepção do paciente sobre suas próprias necessidades de cuidados. É ainda desconhecido se fatores como estar alocado na unidade do paciente ou ter experiência no atendimento de pacientes de unidades críticas como UTI interferem na concordância do enfermeiro quando ele utiliza formas diferenciadas de avaliações de necessidades. O paciente crítico, por requerer do enfermeiro maior frequência de avaliações do que os pacientes das demais categorias de cuidados possibilita maior oportunidade de desenvolvimento de expertise.

Dessa forma, este estudo que tem por objetivos: analisar a concordância e discordância entre as avaliações realizadas mediante aplicação ou não de instrumento de classificação de pacientes e investigar a associação entre a concordância e as características pessoais e profissionais dos avaliadores.

Método

Esta pesquisa de abordagem quantitativa, com delineamento transversal e de avaliação de método diagnóstico utilizando como padrão ouro um ICP validado, foi conduzida em um hospital de ensino privado de capacidade extra, localizado no interior do Estado de São Paulo. Propõe-se a responder às seguintes questões: qual é o nível de concordância entre avaliações de categorias de cuidados/necessidades de pacientes obtidas mediante aplicação ou não de instrumento de classificação? Em quais aspectos estas avaliações se aproximam e se distanciam? Características profissionais, como função, tempo de atuação profissional, qualificação profissional e acadêmica influenciam na concordância entre as avaliações?

Os dados foram coletados durante os meses de maio/2010 a janeiro/2011, junto a 105 pacientes adultos internados em seis unidades de internação destinadas a pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), sendo uma clínica médica, uma clínica médico-cirúrgica e quatro unidades especializadas (Doenças Infecto-Parasitárias, Unidade de Ginecologia e Obstetrícia, Unidade de Neurologia e Unidade de Terapia Intensiva adulto – UTI).

No primeiro momento do estudo os sujeitos totalizaram 13 enfermeiros (assistenciais e supervisores), sendo que seis aplicaram ICP(909 9.Perroca MG. Development and content validity of the new version of a patient classification instrument. Rev Latino Am Enfermagem. 2011;19(1):56-66) e sete realizaram a avaliação sem uso de instrumento. É importante ressaltar que os enfermeiros supervisores, nas unidades investigadas, também desenvolvem atividades assistenciais. Na etapa subsequente, na qual se verificou a correlação das características pessoais e profissionais com a concordância nas avaliações, os sujeitos foram sete enfermeiros.

A fim de tornar a amostra representativa no que diz respeito ao perfil profissional dos participantes, estabeleceu-se dois critérios: ser enfermeiro atuante nas unidades investigadas; apresentar diferentes combinações de características pessoais (idade) e profissionais (função, tempo de atuação profissional e na unidade, qualificação profissional e acadêmica). Dos 22 enfermeiros lotados nas unidades investigadas apenas 13 atenderam aos critérios estabelecidos.

Foram investigadas sete variáveis: idade (menor/maior do que 30 anos); função (enfermeiro assistencial ou supervisor); tempo de atuação profissional (menor/maior do que cinco anos); tempo de atuação na unidade (menor/maior do que dois anos); qualificação profissional concluída (pós-graduação lato sensu na área de atuação ou relacionada); qualificação acadêmica concluída (pós-graduação stricto sensu – nível mestrado e doutorado), e ser profissional atuante em UTI ou outra unidade de internação.

Foram utilizados três instrumentos para a coleta de dados. O primeiro constituiu-se em um questionário para a caracterização dos enfermeiros participantes, contendo questões semiestruturadas sobre dados pessoais e profissionais.

O segundo instrumento foi a utilização da nova versão validada de um instrumento de classificação de pacientes(909 9.Perroca MG. Development and content validity of the new version of a patient classification instrument. Rev Latino Am Enfermagem. 2011;19(1):56-66,1313.Perroca MG. The new version of a patient classification instrument: assessment of psychometric properties. J Adv Nurs. 2013;69(8):1862-8), aplicada para identificar a demanda de cuidados dos pacientes em relação à enfermagem. Esta escala encontra-se composta por nove áreas de cuidados e classifica os pacientes em: cuidados mínimos (9-12 pontos), intermediários (13-18 pontos), semi-intensivos (19-24 pontos) e intensivos (25-36 pontos). As nove áreas de cuidados consideradas na composição do instrumento são: Planejamento e Coordenação do Processo de Cuidar, Investigação e Monitoramento, Cuidado Corporal e Eliminações, Cuidados com Pele e Mucosas, Nutrição e Hidratação, Locomoção e Atividade, Terapêutica, Suporte Emocional e Educação à Saúde.

O terceiro instrumento utilizado consistiu-se em um formulário para registro das avaliações por raciocínio clínico dos enfermeiros, e foi desenhado em duas partes. A primeira abordou os dados de identificação do paciente e avaliador, além de data e horário da coleta de dados. A segunda foi destinada à avaliação propriamente dita, em que os avaliadores foram solicitados a listar e justificar as necessidades de cuidados dos pacientes. Posteriormente, escolher, a partir de uma lista contendo quatro categorias de cuidados similares ao do ICP (mínimos, intermediários, semi-intensivos e intensivos) e suas definições, a categoria que expressasse com mais precisão a demanda de cuidados do paciente em relação à enfermagem.

Cada paciente foi avaliado três vezes:

  • Mediante aplicação de ICP por um enfermeiro da unidade de internação do paciente;

  • Sem aplicação de ICP por um enfermeiro da unidade de internação do paciente (avaliador interno – AI);

  • Sem aplicação de ICP por um enfermeiro de outra unidade de internação (avaliador externo – AE).

Foi solicitado aos enfermeiros avaliar de forma independente os pacientes designados, sem troca de informações entre si durante o processo. Recomendou-se, também, observar o menor tempo possível entre as avaliações no sentido de se evitar que alterações na situação clínica dos pacientes interferissem nos resultados.

Todos os enfermeiros estavam lotados no período diurno. A preferência por este período deu-se pela maior relação enfermeiro/leito e possibilidade de maior conhecimento das necessidades cuidativas do paciente. Respeitando os aspectos éticos envolvidos em pesquisa, obteve-se consentimento dos profissionais envolvidos e parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa (nº399/2009).

A estatística Kappa ponderado (kw) com 95% de intervalo de confiança (IC) foi escolhida para verificar o nível de concordância entre as avaliações no que diz respeito às diferentes categorias de cuidados. As discordâncias foram categorizadas em três níveis, considerando-se grau 1, quando o paciente foi classificado em uma categoria de cuidado imediatamente superior ou inferior (mínimo/intermediário ou intermediário/mínimo) e, assim, sucessivamente para os demais graus. A interpretação dos dados para o nível de concordância seguiu os seguintes valores propostos(1515.Altman DG. Practical statistics for medical research. London: CRC; 2013): < 0,20 = pobre; 0,21-0,40 = regular; 0,41-0,60 = moderado; 0,61-0,80 = bom e 0,81-1,00 = muito bom.

O mapeamento cruzado(1616.Lucena AF, Barros ALBL. Mapeamento cruzado: uma alternativa para à análise de dados em enfermagem. Acta Paul Enferm. 2005;18(1):82-8), adaptado aos objetivos deste estudo, foi utilizado para analisar as justificativas dos enfermeiros quanto à demanda de cuidados dos pacientes e categorizá-las de acordo com as nove áreas do ICP. Foi realizada, para cada característica a ser comparada, uma reamostragem de 1000 amostras bootstrap do coeficiente classificadas, segundo categoria de cuidados e reclassificadas em mínimo/intermediário e semi-intensivo/intensivo. Trata-se de um método de reamostragem por computação intensiva, desenvolvido para gerar distribuições de funções dos dados difíceis de serem obtidos por cálculos probabilísticos, segundo os níveis das variáveis escolhidas, como neste caso(1717.Perera R, Heneghan C, Badench D. Ferramentas estatísticas no contexto clínico. Porto Alegre: Artmed; 2010).

A análise estatística foi realizada mediante a aplicação do software Rx64 versão 2.13.0 da The R Foundation for Statistical Computing, 2011. Os dados da estatística descritiva encontram-se apresentados como frequência, percentagem, média e desvio-padrão.

Resultados

Encontrou-se predomínio de pacientes do sexo feminino (n=65;61,9%), idade média de 52,5 (Dp=18,7) variação 15-93 anos. Através do instrumento de classificação foram categorizados em cuidados mínimos (n=51;48,6%), intermediários (n=27;25,7%), semi-intensivos (n=15;14,3%) e intensivos (n=12;1,4%).

Os avaliadores constituíram uma amostra de maioria feminina (12/13 enfermeiros) com idade média de 35,6 (Dp=9,4) – variação 24 a 52 anos. O tempo médio de atuação profissional foi de 8,3 (Dp=5,7) anos, e de atuação na unidade de 4,9 (Dp=4,8) anos. Dois enfermeiros estavam lotados em UTI e 11 atuavam nas demais unidades de internação envolvidas no estudo; oito deles exerciam função assistencial e cinco de supervisão. No que se refere à qualificação profissional, um enfermeiro indicou ter apenas graduação, três cursaram aprimoramento em enfermagem, oito possuíam especialização, sendo seis nas áreas de atuação ou relacionadas a ela, e um mestrado.

Concordâncias e discordâncias entre as avaliações

Foram realizadas 315 avaliações sendo 105 e 210, respectivamente, com e sem aplicação de instrumento de classificação de pacientes. As categorias de cuidados por tipo de avaliador e a concordância entre os diferentes tipos de avaliação (com e sem aplicação de ICP) e avaliadores (interno e externo) encontram-se apresentadas, respectivamente, nas Tabelas 1 e 2. No que se refere à categoria de cuidados, observou-se maior concordância entre as avaliações nas categorias de cuidados mínimos e intensivos (Tabela 1). O Kw (instrumento x tipo de avaliador) variou de 0,76 (IC 0,62 – 0,89) a 0,87 (IC 0,74 – 1,00) e o Kw (ser ou não de UTI) de - 0,18 (IC NaN-NaN) a 0,58 (IC 0,32-0,84). NaN (acrônimo em inglês para Not a Number) representa um valor numérico não válido (Tabela 2).

Quando houve discordância, os avaliadores classificaram os pacientes abaixo ou acima da categoria de cuidados indicada pelo ICP. O AI classificou 16/26 avaliações acima da categoria indicada pelo ICP, o mesmo ocorrendo com o AE – 31/39 avaliações (Figura 1).

Figura 1

Comparativo entre a concordância e discordância em graus: a) entre os avaliadores e o instrumento; b) avaliadores entre si. – São José do Rio Preto, 2011


As 210 avaliações realizadas (AI e AE) geraram 738 justificativas, das quais 73 foram desconsideradas por não apresentarem relação com as nove áreas de cuidados do ICP. Identificaram-se 604 justificativas referindo-se à dimensão psicobiológica e 53 à psicossocial (Educação à Saúde e Suporte Emocional). Encontraram-se, em média, 3,2 (Dp=1,7) (variação 1 a 8) áreas de cuidados, sendo 2,8 (Dp=1,8) para AI e 3,5 (Dp=1,6) para o AE. As áreas mais citadas foram Investigações e Monitoramento (154 referências), Locomoção e Atividade (131) e Cuidado Corporal e Eliminações (103).

Tabela 1
Tabela 1 – Percentual de concordância das avaliações de acordo com categorias de cuidados - São José do Rio Preto, 2011
Tabela 2
Tabela 2 – Nível de concordância Kappa entre as avaliações realizadas - São José do Rio Preto, 2011

Concordância entre as variáveis

Houve maior concordância para idade ≥ 30 anos – 0,73(0,08) (AI) e 0,06 (0,11) (AE); tempo de atuação profissional ≥ 5 anos – 0,73 (0,08) (AI) e 0,07 (0,12) (AE), ter qualificação profissional – 0,83 (0,08) (AI) e função de supervisor – 0,11 (0,14) (AE). Não houve evidência de diferença de grau de concordância, segundo função exercida e ter qualificação acadêmica para o AI e para ter qualificação acadêmica para o AE. (Figura 2).

Figura 2

Grau de concordância entre os avaliadores e o ICP, segundo as variáveis idade, tempo de atuação profissional na unidade, qualificação profissional e acadêmica e função: a) internos (AI) e b) externos (AE) - São José do Rio Preto, 2011


Observou-se que as avaliações realizadas pelos enfermeiros lotados em UTI apresentaram maior concordância 0,80 (0,11) com as obtidas mediante aplicação do ICP do que as conduzidas por enfermeiros de outras unidades de internação 0,66 (0,10).

Discussão

Concordâncias e discordâncias entre as categorias de cuidados

Foram realizadas 315 avaliações sendo 105 com aplicação de instrumento (por enfermeiro da unidade) e 210 sem utilização de ICP (por enfermeiro da unidade do paciente – AI e por enfermeiro de outra unidade – AE).

Os achados deste estudo mostraram que o avaliador interno (AI) apresentou concordância de nível muito bom com o instrumento (Kw 0,87 – IC 0,74 – 1,00). Isto pode ser justificado pelo conhecimento sobre as condições clínicas dos pacientes, pelo estabelecimento de vínculo paciente/família(202 2.Tanner CA. Thinking like a nurse: a research-based model of clinical judgment in nursing. J Nurs Educ. 2006;45(6):204-11) e pela participação ativa desde o planejamento até a execução do processo de cuidar. A disponibilidade de acesso à informação por parte do avaliador interno possibilita maior processamento dos dados, tornando o processo avaliativo mais eficiente. Evidenciou-se, também, conforme estudo anterior(1212.Perroca MG, Gaidzinski RR. Análise da validação de constructo do instrumento de classificação de pacientes proposto por Perroca. Rev Latino Am Enfermagem. 2004; 12(1):83-91), que as categorias de cuidados extremas (mínimos e intensivos) foram mais concordantes por apresentarem pacientes com demanda de atenção de enfermagem mais contrastante e facilmente identificável pelo enfermeiro.

Houve predomínio de discordância de um grau e tendência em superestimar a categoria de cuidado(1818.Farrel GA. How accurately do nurses perceive patients’ needs? A comparison of general and psychiatric settings. J Adv Nurs. 1991;16(9):1062-70-1919.Lauri S, Lepistö M, Käppeli S. Patients’ needs in hospital: nurses’ and patients’ views. J Adv Nurs. 1997;25(2):339-46). O olhar do enfermeiro sobre o paciente, sem uso do ICP, concentrou-se nas áreas de Investigação/Monitoramento, Locomoção/Atividade, Terapêutica e Cuidado Corporal/Eliminações, independentemente da categoria de cuidado. Cuidado Corporal já havia sido identificado como a área de cuidado mais significativa na determinação da complexidade assistencial(1212.Perroca MG, Gaidzinski RR. Análise da validação de constructo do instrumento de classificação de pacientes proposto por Perroca. Rev Latino Am Enfermagem. 2004; 12(1):83-91). Estudo(2020.Pagliarini FC, Perroca MG. Uso de instrumento de classificação de pacientes como norteador do planejamento de alta de enfermagem. Acta Paul Enferm. 2008;21(3): 393-7) avaliando as áreas de cuidados mais abordadas nas orientações de alta de enfermagem do paciente mostrou aumento expressivo de 71,3% na identificação das necessidades de cuidados quando o ICP é aplicado.

Apesar de o avaliador externo (AE) referir maior número de justificativas correspondentes às áreas de cuidados do ICP, ele foi menos assertivo quanto às categorias de cuidados dos pacientes em relação ao avaliador interno (AI). Entretanto, ambos os avaliadores não abrangeram a totalidade de áreas identificadas pelo instrumento.

Associação entre a concordância e o perfil dos avaliadores

As características pessoais e profissionais que apresentaram influência na concordância entre as avaliações foram: idade ≥ 30 anos, tempo de atuação profissional ≥ 5 anos, qualificação profissional e estar lotado em UTI. A variável função, ou seja, ser enfermeiro supervisor ou assistencial, não apresentou evidência de diferença de grau de concordância para os avaliadores internos e externos. Na instituição investigada, os supervisores frequentemente assumem atividades assistenciais devido à insuficiência quantitativa desse profissional na equipe. Assim, essa proximidade com a assistência pode ter influenciado nos resultados.

Ser lotado em UTI apresentou bom nível de concordância somente quando o enfermeiro está em seu ambiente (avaliador interno). Isto vem confirmar que o contexto no qual a avaliação ocorre e a cultura do cuidado de enfermagem, na unidade, influenciam o raciocínio clínico(202 2.Tanner CA. Thinking like a nurse: a research-based model of clinical judgment in nursing. J Nurs Educ. 2006;45(6):204-11) ,assim como o conhecimento do paciente.

Um modelo construído relacionou aquisição de habilidades em enfermagem aos diferentes níveis de prática(2121.Benner P, Tanner C, Chesla C. From beginner to expert: gaining a differentiated clinical world in critical care nursing. ANS Adv Nurs Sci. 1992;14(3):13-28); descreveu cinco posições variando do principiante (novice), com limitado reconhecimento de evidências e pensamento analítico, ao especialista (expert) com abrangente compreensão e intuição. Dessa forma, o modelo repousa em conceitos de experiência, conhecimento e habilidades. Estudo mais recente(2222.Hoffman KA, Aitken LM, Duffield C. A comparison of novice and expert nurses’ cue collection during clinical decision-making: verbal protocol analysis. Int J Nurs Stud. 2009;46(10):1335-44) comparando tipos de evidências selecionadas por enfermeiros especialistas e novatos no processo de tomada de decisão em UTI concluiu que enfermeiros especialistas são mais proativos na coleta de evidências relevantes e em antecipar problemas do que os enfermeiros novatos.

Contudo, nem sempre enfermeiros mais experientes e mais qualificados realizam avaliações mais efetivas. Um estudo inglês(2323.Gould D, Goldstone L, Gammon J, Kelly D, Gammon J. Examining the validity of pressure ulcer risk assessment scales: a replication study. Int J Nurs Stud. 2004;41(3): 331-9) comparando resultados de aplicação de escalas de risco de úlcera de pressão com avaliações por raciocínio clínico realizadas por 236 enfermeiros não encontrou associações estatísticas entre ambas as abordagens avaliativas e as variáveis sociodemográficas. Considera-se, ainda, que a pressão exercida pelo tempo reduz a habilidade dos enfermeiros em detectar necessidades dos pacientes e realizar intervenções, mesmo quando o profissional possui experiência clínica(2424.Yang H, Thompson C, Bland M. The effect of clinical experience, judgment task difficulty and time pressure on nurses’ confidence calibration in a high fidelity clinical simulation. BMC Med Inform Decis Mak. 2012;12(1):113-21).

Uma das limitações deste estudo foi o número de pacientes avaliados por enfermeiros, o que dificultou a obtenção de resultados mais conclusivos. Foram encontradas dificuldades para deslocar os enfermeiros de suas unidades de origem e para efetuar os três tipos de avaliações (instrumento, avaliador interno e externo) simultaneamente. A preocupação com o tempo de permanência fora da unidade para a realização das avaliações pode ter sido um fator influente nos resultados. Assim, recomenda-se sua replicação em outros cenários, com maior amostragem, utilizando as mesmas variáveis e os mesmos critérios para possibilitar a comparação dos achados.

Conclusão

Na prática profissional, torna-se importante adotar estratégias de avaliação que contemplem as reais necessidades dos pacientes para nortear as decisões do enfermeiro no planejamento do cuidado e na eficácia assistencial.

O grau de concordância encontrado nas avaliações evidencia que o ICP estudado encontra-se alinhado com a percepção do enfermeiro sobre a demanda de atenção de enfermagem do paciente, facilitando sua credibilidade e uso como norteador do processo de decisão no gerenciamento do cuidar. Mostra, também, que as avaliações conduzidas mediante o uso de instrumento contemplaram maior número de áreas de cuidado em relação a quando o instrumento não foi aplicado. Dessa forma, recomenda-se o uso deste instrumento a fim de se obter identificação mais efetiva das necessidades cuidativas dos pacientes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2014

Histórico

  • Recebido
    28 Mar 2014
  • Aceito
    02 Jul 2014
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