Efeitos da música sacra no bem-estar espiritual de familiares enlutados: ensaio clínico randomizado^*

Resumo

OBJETIVO

Avaliar os efeitos da música sacra, instrumental e cantada, no bem-estar espiritual de familiares enlutados.

MÉTODO

Trata-se de um ensaio clínico randomizado, realizado com familiares enlutados pela morte, por câncer, de entes queridos. Os participantes foram alocados em três grupos: Grupo 1 (controle), Grupo 2 (experimental com música sacra cantada) ou Grupo 3 (experimental com música sacra instrumental). O bem-estar espiritual foi avaliado por meio da Escala de Bem-Estar Espiritual.

RESULTADOS

Participaram 69 familiares. Os escores médios, antes e após a intervenção, indicaram altos níveis de bem-estar espiritual (106,4 e 105,5 no Grupo 1; 103,2 e 105,2 no Grupo 2; 107,4 e 108,7 no Grupo 3) e bem-estar religioso (57,9 e 56,9 no Grupo 1; 56,3 e 56,4 no Grupo 2; 57,4 e 58,1 no Grupo 3), e moderados níveis de bem-estar existencial (48,5 e 48,6 no Grupo 1; 46,9 e 48,9 no Grupo 2; 49,9 e 50,7 no Grupo 3), com exceção do Grupo 3 que, após a intervenção, apresentou alto nível.

CONCLUSÃO

Os resultados demonstram que não houve diferença estatisticamente significativa nos escores de bem-estar espiritual entre os grupos experimentais e o grupo controle. Evidencia-se a necessidade de novas pesquisas que utilizem a musicoterapia como intervenção de Enfermagem à família enlutada. Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos: RBR-2wtwjz.

DESCRITORES
Morte; Pesar; Música; Musicoterapia; Espiritualidade; Enfermagem Holística

Abstract

OBJECTIVE

To evaluate the effects of instrumental sacred music and sacred music with vocals on the spiritual well-being of bereaved relatives.

METHOD

This is a randomized clinical trial carried out with family members bereaving the death of loved ones to cancer. Participants were allocated into three groups: Group 1 (control), Group 2 (experimental using sacred music with vocals) or Group 3 (experimental using instrumental sacred music). Spiritual well-being was assessed through the Spiritual Well-Being Scale.

RESULTS

Sixty-nine (69) family members participated. Mean scores before and after the intervention indicated high levels of spiritual well-being (106.4 and 105.5 in Group 1; 103.2 and 105.2 in Group 2; 107.4 and 108.7 in Group 3) and religious well-being (57.9 and 56.9 in Group 1; 56.3 and 56.4 in Group 2; 57.4 and 58.1 in Group 3), and moderate levels of existential well-being (48.5 and 48.6 in Group 1; 46.9 and 48.9 in Group 2; 49.9 and 50.7 in Group 3), with the exception of Group 3 which presented a high level of existential well-being after the intervention.

CONCLUSION

The results show that there were no statistically significant differences in the spiritual well-being scores between the experimental groups and the control group. We evidence the need for further studies that use music therapy as a Nursing intervention for bereaved families. Brazilian Registry of Clinical Trials: RBR-2wtwjz.

DESCRIPTORS
Death; Grief; Music; Music Therapy; Spirituality; Holistic Nursing

Resumen

OBJETIVO

Evaluar los efectos de la música sacra, instrumental y cantada en el bienestar espiritual de familiares enlutados.

MÉTODO

Se trata de un ensayo clínico randomizado, realizado con familiares enlutados por la muerte, por cáncer, de entes queridos. Los participantes fueron distribuidos en tres grupos: Grupo 1 (control), Grupo 2 (experimental con música sacra cantada) o Grupo 3 (experimental con música sacra instrumental). El bienestar espiritual fue valorado mediante la Escala de Bienestar Espiritual.

RESULTADOS

Participaron 69 familiares. Los puntajes medios, antes y después de la intervención, señalaron altos niveles de bienestar espiritual (106,4 y 105,5 en el Grupo 1; 103,2 y 105,2 en el Grupo 2; 107,4 y 108,7 en el Grupo 3) y bienestar religioso (57,9 y 56,9 en el Grupo 1; 56,3 y 56,4 en el Grupo 2; 57,4 y 58,1 en el Grupo 3), y moderados niveles de bienestar existencial (48,5 y 48,6 en el Grupo 1; 46,9 y 48,9 en el Grupo 2; 49,9 y 50,7 en el Grupo 3), con excepción del Grupo 3, el que previa intervención presentó alto nivel.

CONCLUSIÓN

Los resultados demuestran que no hubo diferencia estadísticamente significativa en los puntajes de bienestar espiritual entre los grupos experimentales y el grupo control. Se evidencia la necesidad de nuevas investigaciones que utilicen la musicoterapia como intervención de Enfermería a la familia enlutada. Registro Brasileño de Ensayos Clínicos: RBR-2wtwjz.

DESCRIPTORES
Muerte; Pesar; Musica; Musicoterapia; Espiritualidad; Enfermería Holística

Introdução

O luto é uma reação natural e esperada diante da ruptura de um vínculo; um processo dinâmico, subjetivo e multidimensional de elaboração de uma perda significativa, delineado por sofrimento emocional intenso¹. Não obstante, a ausência de empatia, suporte social e rituais religiosos ou sociais, tende a intensificar as reações emocionais, dificultando o processo de elaboração do luto. Em contrapartida, as práticas interacionais podem contribuir para a construção de significados e elaboração do processo de luto dos familiares², conferindo unicidade, dinamicidade e subjetividade à sua espiritualidade³.

Ressalta-se que o bem-estar espiritual refere-se à percepção subjetiva de bem-estar do ser humano em relação à sua crença, e constitui um dos aspectos da espiritualidade, passíveis de avaliação⁴. Com efeito, a espiritualidade e a religiosidade subsidiam o enfrentamento de adversidades e eventos estres santes e traumáticos⁵, ajudam a dar significado às experiências de morte, proveem suporte social, emocional e espiritual, renovando as energias e direcionando o comportamento dos familiares durante o seu estado de adaptação à morte⁶. Não obstante, ainda existem lacunas referentes à "compreensão do que seja angústia espiritual, do papel da espiritualidade/religiosidade nas situações de luto e morte, de estratégias para aliviar o sofrimento espiritual, melhorar o acolhimento e a comunicação"⁷.

No que tange à música sacra, são composições constituídas de certa santidade, destinadas à celebração litúrgica e ao culto a Deus⁸, cujos texto, estilo e forma se alinham com registros afetivos implícitos, e funcionam como um potente catalisador de experiências espirituais. O seu potencial evocativo pode transportar os ouvintes para dimensões inacessíveis da psique^9-10.

Ressalta-se que as qualidades da música sacra derivam de sua capacidade de transformar a percepção temporal do ouvinte, produzindo uma sensação de atemporalidade em que a música subsidia um encontro entre a mente e o infinito¹⁰. Nesse contexto, vale destacar o estudo realizado por enfermeiras brasileiras, que objetivou verificar os efeitos do Canto Gregoriano no estado de ansiedade de mães de crianças hospitalizadas. Os resultados demonstram que o uso do Canto Gregoriano diminuiu o estado de ansiedade das mães¹¹.

Diante do exposto, e da escassez de estudos que avaliem os efeitos da musicoterapia como intervenção de Enfermagem à família enlutada, sobretudo utilizando a música sacra, o presente estudo objetivou avaliar os efeitos da música sacra, instrumental e cantada, no bem-estar espiritual de familiares enlutados. Acredita-se que os familiares enlutados que ouvem música sacra apresentam melhores níveis de bem-estar espiritual em relação aos familiares enlutados que não o fazem, e que a música sacra cantada subsidia melhores níveis de bem-estar espiritual em relação à música sacra instrumental.

A relevância do presente estudo é justificada por este evidenciar a necessidade de cuidado dos familiares diante do sofrimento inerente à perda de um ente querido e ao processo de elaboração do luto.

Método

Trata-se de um ensaio clínico paralelo randomizado, aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, Parecer 489.976, de 2013, e publicado no Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos (ReBEC): RBR-2wtwjz. Ressalta-se que o cálculo amostral foi realizado quando se atingiu o número de 30 participantes, de forma que a diferença observada fosse significativa (n = 69), com confiança e poder de 95%, assumindo que o tamanho de efeito se mantivesse ou fosse maior, e determinando o encerramento da coleta de dados.

Dentre os critérios de elegibilidade para os participantes, foram adotados os seguintes critérios de inclusão: estar enlutado pela morte de um ente querido (pai, mãe ou cônjuge) e cadastrado na Rede Feminina de Combate ao Câncer (RFCC) de Maringá-PR (Entidade Filantrópica, sem fins econômicos, que atende pessoas com câncer, em situação de vulnerabilidade social), cujo familiar tivesse falecido por câncer, há pelo menos 1 mês e no máximo 12 meses; ter participado do processo de cuidado no fim da vida de seu ente querido; residir nos municípios de Maringá-PR, Sarandi-PR ou Paiçandu-PR; ter idade igual ou superior a 18 anos; ter função auditiva referida preservada; ter a função da linguagem preservada. Os critérios de exclusão foram: familiares que se mudassem de cidade, apresentassem dificuldade auditiva ou cognitiva no decorrer da intervenção, ou vivenciassem a perda de outro familiar.

A coleta de dados ocorreu entre janeiro de 2014 e março de 2015, e os participantes foram alocados, por meio de randomização simples (taxa de alocação 1:1), para o Grupo 1 - controle (sem intervenção), Grupo 2 - experimental (música sacra cantada) e Grupo 3 - experimental (música sacra instrumental). O método utilizado para geração de sequência randomizada de alocação, implementado pelo próprio pesquisador, foi o sorteio.

Assim, após o sorteio do grupo para o primeiro participante (Grupo 1), os demais foram alocados obedecendo à sequência Grupo 2, Grupo 3, Grupo 1, sucessivamente, impossibilitando a ocultação da sequência até as intervenções serem atribuídas. Ressalta-se que em alguns casos a família foi randomizada em virtude da dinâmica familiar, cujos integrantes se reuniram para receber o pesquisador quando foi agendada a primeira visita. Nesses casos, a intervenção foi realizada em grupo, porém a coleta de dados foi realizada individualmente.

Considera-se que a ausência de letras nas músicas instrumentais não as descaracteriza como sacras, mesmo apresentando estruturas menos elaboradas do que as tradicionais músicas eruditas, pois trazem em si a essência da composição e a intenção do compositor, além do fato de que os participantes tinham consciência de que ouviriam músicas sacras instrumentais. No que tange aos critérios de elegibilidade (Figura 1), dos 169 familiares enlutados avaliados para elegibilidade, 33 não aceitaram participar da pesquisa, 59 não atenderam aos critérios de inclusão e cinco desistiram de participar antes da coleta de dados, por indisponibilidade para agendar as visitas. Também houve três perdas de seguimento por esta razão, inviabilizando a conclusão da coleta.

Figura 1
Critérios de elegibilidade dos participantes - Maringá, PR, Brasil, 2015. Fonte: Adaptado do CONSORT 2010 Flow Diagram¹².

O instrumento psicométrico utilizado para alcançar o objetivo do estudo foi a Escala de Bem-Estar Espiritual (EBE), adaptada e validada para a população brasileira¹³. Vale destacar que nos grupos experimentais a EBE foi aplicada antes e após a intervenção, e no grupo controle foi aplicada em dois momentos, com intervalo de 1 mês, sem intervenção. Trata-se de uma escala do tipo Likert, de seis pontos: Concordo Totalmente (CT), Concordo mais que discordo (Cd), Concordo Parcialmente (CP), Discordo Parcialmente (DP), Discordo mais que concordo (Dc), e Discordo Totalmente (DT), composta por 20 itens dispostos em duas subescalas: Bem-Estar Religioso (BER) e Bem-Estar Existencial (BEE)¹³.

O BER avalia a dimensão vertical da espiritualidade, que contém uma referência a Deus e está relacionada à satisfação na conexão com Ele ou com algo que transcende as dimensões humanas, e que tem sido associado positivamente com força interior e esperança, e negativamente com depressão e solidão. O BEE avalia a dimensão horizontal da espiritualidade, que se refere à percepção em relação ao sentido e significado da vida independentemente de uma referência religiosa¹³. Destarte, para evitar possíveis desconfortos, antes de responder a EBE, os participantes foram orientados a substituir a palavra "Deus" por qualquer outra relacionada à sua espiritualidade, religiosidade ou crença religiosa.

Os itens com conotação positiva (3, 4, 7, 8, 10, 11, 14, 15, 17, 19, 20) têm sua pontuação somada da seguinte maneira: CT=6, Cd=5, CP=4, DP=3, Dc=2 e DT=1. Os demais têm conotação negativa e devem ser somados de forma invertida: CT=1, Cd=2, CP=3, DP=4, Dc=5 e DT=6. Sugere-se como pontos de corte para o escore geral os intervalos de 20 a 40, 41 a 99 e 100 a 120 para bem-estar espiritual baixo, moderado e alto, respectivamente. Os escores altos são considerados bem-estar espiritual positivo, e os escores baixos e moderados como bem-estar espiritual negativo. Nas duas subescalas, os pontos de corte são de 10 a 20, 21 a 49 e 50 a 60 pontos para bem-estar espiritual baixo, moderado e alto, respectivamente¹³.

Em virtude da variedade e complexidade de estímulos musicais e outros fatores intervenientes, sobretudo a importância atribuída à descrição detalhada dos recursos musicais, por permitir comparações e replicações de estudos, adotaram-se as diretrizes recomendadas para relatórios de intervenções musicais na área da saúde¹⁴. Assim sendo, elegeu-se como referencial teórico a música sacra.

No que tange ao conteúdo da intervenção, as músicas foram pré-selecionadas pelo pesquisador, considerando-se a análise das letras, que abordam temas como fé, esperança, morte e ressurreição. Essas músicas compõem o álbum "Vida Agora e Sempre" da gravadora COMEP - Vossa presença faz viver; Prece ao Deus vivo; Quando a dor chegar - interpretado pelo Coral Imaculada Conceição, sob regência do Frei Luiz Turra. Ressalta-se que a estrutura das músicas compreende os ritmos ternário, quaternário e quaternário, e as tonalidades de Ré maior, Ré maior e Sol maior, respectivamente.

Com base no Expanded Lens Model, oriundo da psicologia e utilizado na compreensão dos processos de comunicação emocional em música, a partir da concepção de que os compositores e intérpretes utilizam códigos musicais, denominados "pistas acústicas", para comunicar emoções específicas aos ouvintes¹⁵, os pesquisadores identificaram, nas músicas utilizadas no presente estudo, as seguintes pistas acústicas: andamento moderado com pouca variabilidade; modo maior com harmonia simples consoante; intensidade média com pouca variabilidade; frequências médias ou baixas (mais evidente na intervenção com música cantada), e frequências médias ou altas (mais evidente na intervenção com música instrumental), com pouca variabilidade ou variabilidade moderada em ambos os casos; contorno melódico ascendente; articulação legato com pouca variabilidade; ritmo regular; timbre suave (mais evidente na intervenção com música cantada) ou brilhante (mais evidente na intervenção com música instrumental); ataques rápidos; ausência de vibrato; pouco contraste entre a duração das notas; acentuação sobre notas harmonicamente estáveis.

Enfatiza-se que as pistas acústicas supracitas convergem para a descrição das pistas acústicas inerentes às emoções "alegria" e "serenidade", descritas no estudo que objetivou investigar a percepção de emoções em música brasileira, e que os modos menores estão associados às emoções "tristeza", "raiva" e "medo"¹⁵. O método de apresentação musical foi ao vivo, em volume agradável, porém não foram mensurados níveis de decibéis.

Concernente aos materiais da intervenção, utilizou-se de voz humana masculina (tenor) e violão acústico no Grupo 2; violão acústico e flauta doce (contralto) no Grupo 3; repertório musical; estante de partitura, cadeiras ou sofás. A estratégia de intervenção foi "audição musical", esquematizada em quatro sessões de 20 minutos cada, uma vez por semana, nos grupos experimentais, e apenas uma sessão no grupo controle, quando o participante manifestava interesse em ouvir as músicas após a coleta de dados.

Embora seja possível obter resultados significativos em uma única sessão musical, em virtude da extensão do processo de elaboração do luto, a intenção do pesquisador foi acompanhar os participantes por 1 mês (quatro semanas), na tentativa de subsidiar um suporte psicossocioespiritual, mediado pela música, que provavelmente não seria possível oferecer em uma única sessão. Enfatiza-se que o pesquisador, enfermeiro e músico com experiência clínica pregressa, foi quem aplicou a intervenção no Grupo 2, tendo a colaboração de uma flautista no Grupo 3, a qual foi orientada a executar as músicas com a utilização de partituras, minimizando, assim, possíveis interações e vieses nos desfechos.

A fidelidade do tratamento, que garante as condições de controle, foi atribuída à aplicação da EBE antes e após a intervenção, realizada no ambiente domiciliar dos participantes - usuários cadastrados na RFCC de Maringá-PR - cujos níveis de privacidade e sonoridade variaram de acordo com a dinâmica de cada família e a localização geográfica da residência. A população alvo variou de acordo com a disponibilidade das famílias. A maioria das intervenções foi individual, mas houve intervenções com dois (5 grupos), três (3 grupos), quatro (1 grupo) e sete participantes (1 grupo). Porém, a EBE foi aplicada individualmente, em ambiente reservado.

Foram realizadas análises estatísticas descritivas e inferenciais, ao nível de 5% de significância. Utilizou-se de um modelo de ANOVA para medidas repetidas, para comparar os escores da EBE, BER e BEE, logitudinalmente entre os grupos, o teste qui-quadrado para comparar os descritores categóricos e um modelo de ANOVA para as variáveis numéricas, além dos testes de efeito de interação e de intervenção, por meio do software Statistical Package for the Social Sciences - SPSS (Versão 22). Ressalta-se que as intervenções realizadas em grupo foram analisadas individualmente.

Resultados

Foram analisados dados de 69 familiares enlutados, porém não houve diferença estatisticamente significativa na comparação entre os grupos. A distribuição dos participantes, de acordo com os grupos estudados e sua caracterização, está apresentada na Tabela 1.

Tabela 1
Caracterização dos participantes de acordo com os grupos estudados - Maringá, PR, Brasil, 2005.

Variáveis	Grupo 1 (n=23)		Grupo 2 (n=23)		Grupo 3 (n=23)		p-valor
	Média	dp	Média	Dp	Média	dp
Idade (anos)	51,8	14,6	44,7	10,7	46,9	12,6	0,155
Tempo de luto (meses)	6,0	3,3	5,6	3,3	4,1	3,7	0,162
	N	%	N	%	N	%
Grau de parentesco							0,293
Cônjuge	9	39,1	6	26, 1	4	17,4
Filho	14	60,9	17	73,9	19	82,6
Religião							0,027
Católica	15	65,2	15	65,2	7	30,4
Evangélica	8	34,8	8	34,8	16	69,6
Importância da religião							0,834
Pouco importante	1	4,3	-	-	-	-
Relativamente importante	1	4,3	2	8,7	-	-
Importante	2	8,7	2	8,7	3	13,0
Muito importante	19	82,6	19	82,6	20	87,0
Processo de morte							0,146
Curto (≤ 6 meses)	11	47,8	6	26,1	5	21,7
Longo (> 6 meses)	12	52,2	17	73,9	18	78,3
Hábito de ouvir música							0,772
Sim	18	78,3	20	87,0	20	87,0
Não	5	21,7	3	13,0	3	13,0

• ^Fonte
  Silva VA16.

As médias dos escores da EBE revelaram que os participantes tinham altos níveis de Bem-Estar Espiritual (Bem-Estar Espiritual positivo) e de BER, porém, moderados níveis de BEE. Após a intervenção, observou-se um discreto aumento na média dos escores de BEE, alterando o seu status de moderado para alto, no grupo experimental de música instrumental, conforme apresentado nas figuras 2, 3 e 4.

Figura 2
Comparação entre grupos dos efeitos da música no Bem-Estar Espiritual dos familiares enlutados - Maringá, PR, Brasil, 2015. Fonte: Silva VA¹⁶.

Figura 3
Comparação entre grupos dos efeitos da música no Bem-Estar Religioso dos familiares enlutados - Maringá, PR, Brasil, 2015. Fonte: Silva VA¹⁶.

Figura 4
Comparação entre grupos dos efeitos da música no Bem-Estar Existencial dos familiares enlutados - Maringá, PR, Brasil, 2015. Fonte: Silva VA¹⁶.

O teste de efeito de interação verificou que as diferenças entre os escores da EBE, obtidos antes e após a intervenção, foram iguais nos três grupos (p=0,000), e o teste de efeito de intervenção verificou que tais diferenças, independentemente do grupo, não foram estatisticamente significativas (p=0,467 para EBE; p=0,857 para BER; e p=0,313 para BEE).

Discussão

Embora os resultados não tenham sido estatisticamente significativos, as linhas ascendentes apresentadas nas figuras 2, 3 e 4, sugerem uma tendência de a musicoterapia, especialmente a música sacra cantada, melhorar os níveis de bem-estar espiritual de familiares enlutados. Com efeito, a música sacra pode estimular experiências espirituais⁹ e emocionais, influenciando a percepção dos familiares enlutados acerca de questões religiosas/existenciais e, consequentemente, os seus níveis de bem-estar espiritual. Ressalta-se que as qualidades da música sacra derivam de sua capacidade de transformar a percepção temporal do ouvinte, produzindo uma sensação de atemporalidade em que a música subsidia um encontro entre a mente e o infinito¹⁰.

No que tange à utilização da musicoterapia enquanto intervenção no luto evidencia-se o estudo piloto, randomizado, controlado e de métodos mistos, que objetivou avaliar a eficácia da musicoterapia específica para o luto, em comparação com o cuidado padrão exclusivo, em 10 adultos com doença mental e em sofrimento complicado, por meio das teorias de Wordmen sobre a terapia do luto, da musicoterapia baseada em Shear, Frank, Houck e Reynolds e do método de Austin de psicoterapia vocal. Os resultados demonstraram que os participantes do grupo experimental tiveram uma maior diminuição dos sintomas do luto, medidos pelo Inventory of Complicated Grief (ICG-R), em comparação com o grupo controle¹⁷.

Enfatiza-se, também, o estudo qualitativo que explorou o significado da música, em sessões de musicoterapia pré-perda, para sete cuidadores enlutados. Apesar dos autores não terem e os recursos musicais utilizados, os resultados sugerem que a musicoterapia pré-perda pode ter efeitos de longa duração, afetar positivamente o sofrimento, e transformar o tempo no luto. A música foi referenciada como um "conduíte" através do qual as pessoas podem "viajar" para tempos e lugares de beleza, felicidade, sentido à vida e inspiração, além de transmitir vibrações calmantes e promover expressividade e relaxamento¹⁸.

Outro estudo, de abordagem fenomenológica, que objetivou desvelar a percepção de pacientes e familiares que vivenciam o câncer em uma casa de apoio, em relação aos encontros musicais, concluiu que a musicoterapia inspirou vida aos dias dos participantes, imprimindo-lhes uma sensação de estar sendo cuidado¹⁹, além de facilitar a expressão de sentimentos e proporcionar um momento de introspecção existencial e espiritual aos familiares²⁰, ressignificando, assim, a sua condição existencial e subsidiando estratégias de enfrentamento ao lidar com a doença de seu ente querido¹⁹.

Seguindo este pensar, a audição de música sacra pode contribuir para o processo de adaptação à perda de familiares enlutados, haja vista que o bem-estar espiritual decorrente dos encontros musicais, especialmente no que se refere à música sacra, pode representar um suporte psicossocioespirutal que proporciona conforto, reflexão e motivação. Nesse contexto, familiares que participaram de encontros musicais digeriram a música como um remédio para o seu sofrimento, que o alimenta espiritualmente, fazendo-o sentir a presença de Deus²⁰.

Vale lembrar que a presença do pesquisador integra a intervenção, pois a interação com o participante - a troca de olhares, o sorriso - constitui estímulo adicional que pode produzir distintos efeitos, inexpressíveis quando a música é reproduzida por um aparelho de som ou fones de ouvido. Em contrapartida, esta simples presença e a consciência de que alguém se preocupava com eles e dispunha do seu tempo para ouvi-los, diante das reflexões e depoimentos emergentes no decorrer da coleta de dados, podem ter influenciado a percepção e a melhora nos níveis de BEE dos participantes do grupo controle. A presença da flautista, e sua inevitável interação com os participantes, também pode ter influenciado os resultados obtidos no grupo experimental de música instrumental. Porém, trata-se de uma variável difícil de ser controlada quando se utiliza música ao vivo.

Contextualizando, as ideias de Martin Buber ratificam a percepção de que as relações interpessoais se traduzem em características de BEE, haja vista que na relação eu-tu, o ser humano se envolve com o outro - um ser humano, um evento, uma obra ou um ente qualquer - deixando-se impactar e atravessar por sua presença viva. Nesse momento, há uma dimensão intensiva, imensurável ou irredutível à temporalidade, à espacialidade e à objetividade, que possibilita a contemplação, novas sensações e atravessamentos, um encontro autêntico e intersubjetivo, permitindo que as pessoas sejam tocadas e transformadas²¹.

No que tange ao suporte espiritual/religioso, observa-se que todos os participantes deste estudo são cristãos - 37 católicos (53,6%) e 32 evangélicos (46,4%) − e que a maioria atribuía muita importância à religião (84,1%). Contextualizando, o pressuposto de que "os significados de morte e luto ligados às crenças religiosas e à espiritualidade podem interferir na elaboração do luto" conduziu a realização de um estudo clínico qualitativo com seis viúvas idosas. Os resultados enfatizam que a crença em Deus pode contribuir significativamente para a construção de significados relacionados à restauração da perda; a religião pode subsidiar discernimento em relação à morte de um ente querido; a crença na vida após a morte e a concepção de morte enquanto "chamado divino" podem facilitar a elaboração da perda²².

Evidencia-se como limitações do estudo a não classificação prévia dos participantes em relação às fases do luto, haja vista que os níveis de bem-estar espiritual podem variar dependendo da fase do luto em que se encontram, assim como as respostas à musicoterapia; o método utilizado para geração de sequência de alocação randomizada, e a não ocultação do mecanismo utilizado para implementar a alocação; a impossibilidade de controlar ruídos internos e externos ao ambiente domiciliar; e a dificuldade em estabelecer uma amostra homogênea.

Sugere-se o desenvolvimento de pesquisas que abranjam em seus critérios de inclusão familiares enlutados há menos de 1 mês, que apresentem níveis de bem-estar espiritual moderado ou baixo, ou diagnósticos de Enfermagem "Pesar complicado" ou "Sofrimento espiritual", bem como a classificação destes em relação às fases do luto em que se encontram. Ponderando que a espiritualidade é multidimensional e multifatorial, o que dificulta sua percepção e mensuração, sobretudo quantitativamente, bem como a sensibilidade da EBE em relação ao estado de espírito dos familiares enlutados e à perspectiva com que estes a interpretaram, sugere-se a utilização de delineamentos metodológicos mistos ou qualitativos, que permitam o acesso à subjetividade inerente à musicoterapia e à relação eu-tu.

Conclusão

Os resultados demonstram que não houve diferença estatisticamente significativa nos escores de bem-estar espiritual entre os grupos experimentais e o grupo controle. Entretanto, sugerem uma tendência de a música sacra melhorar os níveis de Bem-Estar Espiritual de familiares enlutados, especialmente a música sacra cantada. Em contrapartida, a alteração do status de moderado para alto, observada no Grupo 3, sugere que a música sacra instrumental pode melhorar o BEE de familiares enlutados. Evidencia-se a necessidade do desenvolvimento de outras pesquisas que utilizem a musicoterapia como intervenção de Enfermagem à família enlutada

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  Extraído da tese "Bem-estar espiritual decorrente da audição passiva de música sacra em familiares enlutados: ensaio clínico randomizado", Programa de Pós-Graduação em Enfermagem na Saúde do Adulto, Escola de Enfermagem, Universidade de São Paulo, 2015.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  2017

Histórico

• Recebido
  18 Fev 2017
• Aceito
  31 Maio 2017