Infodemia de COVID-19 e saúde mental de adultos e idosos: uma revisão de escopo

RESUMO

Objetivo:

mapear o conhecimento científico sobre as repercussões da infodemia na saúde mental de adultos e idosos no contexto da pandemia de COVID-19.

Método:

trata-se de uma revisão de escopo, desenvolvida na metodologia do Joanna Briggs Institute (JBI), que incluiu 33 artigos. Esses artigos foram analisados segundo média de faixa etária, sexo e nível de escolaridade; local e período de realização dos estudos; tempo de exposição a informações sobre COVID-19; principais sinais e sintomas relacionados à saúde mental; principais fontes de informação; sugestões para mitigar os efeitos da infodemia; e lacunas de conhecimento.

Resultados:

as repercussões da infodemia na saúde mental de adultos e idosos mais presentes foram ansiedade, depressão e estresse, e o grupo mais afetado foi o de jovens adultos e do sexo feminino.

Conclusão:

são necessários estudos futuros com desenhos mais robustos para investigar as repercussões da infodemia na saúde mental das pessoas a médio e longo prazos, assim como para avaliar efeitos, viabilidade, custo-benefício e significado de intervenções em grupos populacionais, especialmente na população idosa.

DESCRITORES
Comunicação em Saúde; Saúde Mental; Informação; Disseminação de Informação; Adulto; Idoso

Abstract

Objective:

to map scientific knowledge about the repercussions of the infodemic on adult and elderly mental health in the context of the COVID-19 pandemic.

Method:

this is a scoping review, developed using the Joanna Briggs Institute (JBI) methodology, which included 33 articles. These articles were analyzed according to average age, gender and education level; place and period of the studies; exposure time to COVID-19 information; main signs and symptoms related to mental health; main sources of information; suggestions for mitigating the effects of the infodemic; and knowledge gaps.

Results:

the most present repercussions of the infodemic on the adult and elderly mental health were anxiety, depression and stress, and the most affected group was young adults and females.

Conclusion:

future studies with more robust designs are needed to investigate the repercussions of the infodemic on people’s mental health in the medium and long term, as well as to assess the effects, feasibility, cost-benefit and meaning of interventions in population groups, especially in the elderly population.

DESCRIPTORS
Health Communication; Mental Health; Information; Information Dissemination; Adult; Aged

RESUMEN

Objetivo:

mapear el conocimiento científico sobre las repercusiones de la infodemia en la salud mental de adultos y ancianos en el contexto de la pandemia de COVID-19.

Método:

se trata de una revisión de alcance, desarrollada utilizando la metodología del Instituto Joanna Briggs (JBI), que incluyó 33 artículos. Estos artículos fueron analizados según edad promedio, género y nivel educativo; lugar y período de los estudios; tiempo de exposición a la información de COVID-19; principales signos y síntomas relacionados con la salud mental; principales fuentes de información; sugerencias para mitigar los efectos de la infodemia; y las lagunas de conocimiento.

Resultados:

las repercusiones más presentes de la infodemia en la salud mental de adultos y ancianos fueron la ansiedad, la depresión y el estrés, y el grupo más afectado fue el de adultos jóvenes y mujeres.

Conclusión:

se necesitan estudios futuros con diseños más robustos para investigar las repercusiones de la infodemia en la salud mental de las personas a mediano y largo plazo, así como evaluar los efectos, factibilidad, costo-beneficio e importancia de las intervenciones en grupos poblacionales. especialmente en la población anciana.

DESCRIPTORES
Comunicación en Salud; Salud Mental; Información; Diseminación de Información; Adulto; Anciano

INTRODUÇÃO

Em dezembro de 2019, na cidade de Wuhan, na China, iniciaram-se os primeiros casos do que foi anunciado, em 30 de março de 2020, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como a pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2), causa da doença denominada Coronavirus Disease 2019 (COVID-19)(¹–²).

Essa doença é altamente contagiosa, pois afeta as vias aéreas de maneira grave, provoca aumento do risco de permeabilidade vascular, falência de órgãos e, consequentemente, morte, se não controlada, sendo transmitida de humano para humano rapidamente(¹–³). Atingiu proporções catastróficas devido à globalização e grande mobilidade de pessoas(⁴), espalhando-se rapidamente para os seis continentes, provocando grave crise sanitária e forte impacto social, econômico e político(²).

A pandemia provocou o surgimento de um fenômeno denominado infodemia(⁵), definida como superabundância de informações, que podem ser verdadeiras ou não, que se espalham de maneira semelhante a uma epidemia através dos sistemas de informações digitais e físicos, dificultando a obtenção de fontes e orientações confiáveis, quando necessário(⁶).

Atualmente, a facilidade para aquisição de equipamentos e dispositivos eletrônicos e a conexão com a internet têm possibilitado às pessoas maior acesso e compartilhamento de informações em tempo real e em qualquer lugar do mundo. No entanto, esse aspecto também favorece a disseminação de notícias falsas, de origem duvidosa, além da grande quantidade de informações que são apresentadas ao indivíduo(⁴). A ação de compartilhar de maneira desenfreada informações não autenticadas e, em muitos casos, incorretas, amplia a desinformação e fomenta consequências graves, como mortes, negacionismo, teorias conspiratórias, xenofobia, discriminação e racismo(⁷). Nesse sentido, podemos afirmar que estamos vivenciando uma epidemia de desinformação, na qual as informações falsas são criadas e disseminadas com intenção de enganar e/ou prejudicar(⁸).

Apesar de ser uma temática recente, estudos já apontam que a infodemia potencializa graves consequências para as populações(¹–²,⁴–⁵) e que os seus efeitos sobre os indivíduos ainda são imensuráveis(¹). A desinformação disseminada nas redes sociais coloca em risco a saúde pública(⁹) e pode provocar consequências severas para o indivíduo e a comunidade(¹⁰).

Durante a pandemia de COVID-19, em Wuhan, China, verificou-se alta prevalência de problemas relacionados à saúde mental, principalmente depressão (48,3%), ansiedade (22,6%) e ambos (19,4%), devido à exposição às informações mediadas por redes sociais digitais(¹¹). Os autores recomendaram a necessidade de maior atenção com os problemas de saúde mental, especialmente depressão e ansiedade. Apontaram a importância de combater a infodemia ao mesmo tempo em que enfrentam pandemia(¹¹). Outro estudo destacou o fato de que a quarentena e o isolamento social contribuíram para maior exposição das pessoas às informações disseminadas pelas redes sociais digitais, favorecendo problemas psiquiátricos graves(¹²). Além disso, a superabundância de informações e disseminação de propagandas, vídeos e notícias inconsistentes e sensacionalistas causam pânico e medo e acarretam problemas psicológicos, como ansiedade, fobia, crises de pânico, depressão, irritabilidade, entre outros(¹).

Apesar de os padrões de informações na internet serem estudados há anos, somente com a pandemia de COVID-19 é que se reconheceu a primeira infodemia, sendo as evidências científicas sobre as consequências desse fenômeno ainda limitadas(¹³). Espera-se ainda que a infodemia possa repercutir sobre a saúde física das populações na operacionalização e gestão dos serviços de saúde, bem como no sistema de saúde de um país(¹).

Por se tratar de assunto novo, reconhece-se a necessidade de mapear as publicações sobre o tema, as evidências disponíveis e as lacunas nesta área do conhecimento(⁵,¹³–¹⁴). Em uma pesquisa preliminar na International prospective register of systematic reviews (PROSPERO), MEDLINE, Cochrane Database of Systematic Reviews, JBI Evidence Synthesis e na Open Science Framework, não se identificou revisão sistemática ou revisão de escopo existente para responder à pergunta: quais as repercussões da infodemia na saúde mental de adultos e idosos no contexto da pandemia de COVID-19? Sendo assim, esta revisão de escopo tem como objetivo mapear o conhecimento científico sobre as repercussões da infodemia na saúde mental de adultos e idosos no contexto da pandemia de COVID-19.

MÉTODO

Desenho do Estudo

Trata-se de uma revisão de escopo, que tem como objetivo mapear os conceitos-chave que sustentam um campo de pesquisa, bem como esclarecer as definições de trabalho e/ou os limites conceituais de um tópico(¹⁴). Considerando que o assunto é emergente e que as evidências sobre o tema ainda estão sendo descobertas(⁵,¹³), a escolha da metodologia possui um vasto potencial para explorar a literatura de forma ampla, mapear e descrever as evidências e informar pesquisas futuras(¹⁵).

Para condução do estudo, desenvolvido segundo metodologia do Joanna Briggs Institute (JBI), seguiram-se as nove etapas propostas: definição e alinhamento dos objetivos e questões; desenvolvimento e alinhamento dos critérios de inclusão com o objetivo e a pergunta; descrição da abordagem planejada para busca de evidências, seleção, extração de dados e apresentação das evidências; busca pelas evidências; seleção das evidências; extração das evidências; avaliação das evidências; apresentação dos resultados; resumo das evidências em relação ao propósito da revisão, estabelecendo conclusões e observando quaisquer implicações das descobertas(¹⁴).

Identificação da Questão Norteadora

A questão norteadora elaborada para realização da revisão foi: quais são as repercussões da infodemia na saúde mental de adultos e idosos no contexto da pandemia de COVID-19? Nesta revisão de escopo, as repercussões dizem respeito aos efeitos e influências que a infodemia acarreta na saúde mental das pessoas. Os estudos incorporados nesta revisão de escopo foram selecionados por meio da estratégia mnemônica PCC (População, Conceito e Contexto), conforme metodologia do JBI. Para este estudo, consideramos como população (P) os adultos (≥18 anos) e idosos (≥60 anos); o conceito de interesse (C) é a infodemia; e o contexto (C) considerado foi o cenário da pandemia de COVID-19(¹⁴).

O conceito de infodemia adotado foi o da OMS, que a descreve como uma superabundância de informações – algumas precisas e outras não – que ocorre durante uma epidemia, podendo se espalhar por meios físicos e digitais, dificultando o acesso a fontes confiáveis e orientações fidedignas, quando necessário(¹⁶).

Critérios de Seleção

Nesta revisão de escopo, foram considerados estudos experimentais e quase-experimentais (estudos controlados randomizados e não randomizados, estudos tipo antes e depois e estudos de séries temporais interrompidos); estudos observacionais analíticos (estudos de coorte prospectivos e retrospectivos, estudos caso-controle e estudos analíticos transversais); estudos observacionais descritivos (séries de casos, relatos de casos individuais e estudos transversais descritivos); estudos qualitativos e revisões sistemáticas, que atendiam aos critérios de inclusão. Além disso, incluímos textos publicados por órgãos internacionais relacionados ao tema. Embora a temática da infodemia seja recente, a produção sobre a pandemia de COVID-19 tem sido ampla.

Consideramos como critérios de inclusão para esta revisão de escopo publicações com metodologias variadas, pois trata-se de um assunto emergente nos idiomas inglês, espanhol, ou português, publicados a partir do ano 1996, no qual houve a publicação do primeiro estudo infodemiológico, até o dia 19 de novembro de 2020, devido à necessidade de planejamento para análise crítica dos dados. As publicações que não se enquadraram nos objetivos do estudo, que não continham informações relacionadas ao cenário proposto e que não abarcavam o conceito e o contexto escolhido foram excluídas.

Coleta de Dados

A busca dos estudos publicados foi realizada nas bases de dados Web of Science, Scopus, Sistema Online de Busca e Análise de Literatura Médica (MEDLINE) (acesso via PubMed), Literatura Latino-Americana de Informação Bibliografia (LILACS) e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). A busca dos estudos não publicados (literatura cinza) foi feita no Google Scholar, Portal de Periódicos CAPES, ProQuest (Dissertation and Thesis), Teseo (Base de Banco de Dados de Tesis Doctorales), RCAAP (Repositório Científico de Acesso Aberto de Portugal), Canadian Dissertation and Thesis Portal, Dart-E (base de dados de teses e dissertações europeias). Nenhum documento que atendesse aos objetivos desse estudo foi encontrado nestas bases. Também buscamos documentos do governo federal brasileiro, da OMS e da Organização Pan-Americana Saúde (OPAS).

A busca seguiu três etapas distintas, conforme metodologia do JBI: 1) foi realizada uma pesquisa inicial limitada às bases de dados Web of Science e Scopus, para identificar artigos sobre o assunto, e, a partir disso, selecionamos palavras e termos de índice contidos nessas publicações para o desenvolvimento da estratégia de busca completa; 2) em seguida, utilizamos as palavras-chave e termos de índice identificados para busca em todas as bases de dados incluídas; 3) a terceira etapa consistiu na identificação e seleção dos artigos contidos nas listas de referências das fontes utilizadas. A estratégia de busca completa realizada em inglês em uma das bases de dados está descrita no Quadro 1. Adaptamos as buscas para os idiomas supracitados e para as demais bases de dados, de acordo com suas especificidades.

Quadro 1
Estratégias de busca em inglês utilizada em uma das bases de dados pesquisada – Brasil, 2021.

Análise dos Dados

Uma lista com os artigos não duplicados foi gerada em uma planilha Excel e disponibilizada para dois revisores independentes. Os títulos e resumos foram revisados e avaliados com relação aos critérios de inclusão. Publicações potencialmente relevantes foram recuperadas na íntegra. As divergências em relação à seleção dos artigos foram resolvidas por meio de discussão entre os pesquisadores.

A extração dos dados foi realizada com base em um formulário desenvolvido pelos autores e baseado no formulário sugerido pelo manual JBI(¹⁴). Os dados extraídos incluíram título, autores, ano de publicação, país no qual o estudo foi realizado, tipo de estudo, objetivos do estudo, métodos do estudo e fenômeno de interesse, faixa etária dos participantes do estudo – se aplicável, sexo que mais participou da pesquisa – se aplicável, grau de escolaridade mais comum na pesquisa – se aplicável, data de realização da pesquisa – se aplicável, implicações da infodemia sobre a saúde mental, principais resultados e/ou contribuições, sugestões para o manejo da infodemia e limitações das publicações.

Com base nos dados extraídos, foi feita uma análise descritiva das informações coletadas através do formulário. A partir disso, utilizamos a distribuição de frequência em que as publicações apresentaram informações sobre o sexo predominante nas pesquisas, grau de escolaridade predominante nas pesquisas, período de realização das pesquisas e implicações da infodemia sobre a saúde mental (sinais e sintomas).

A partir dos dados relacionados, desenvolvemos um quadro com os dados das publicações selecionadas e um quadro, no qual sintetizamos as principais recomendações encontradas nas publicações, para mitigar os efeitos da infodemia sobre a saúde mental de adultos e idosos. Além disso, elaboramos uma nuvem de palavras criada no site Word Art (https://wordart.com/nwl5dq0aletg/nuvem-de-palavras) e baseada nos dados obtidos nas implicações da infodemia sobre a saúde mental, nos quais selecionamos os sinais e sintomas que foram relatados nas publicações e classificamos com base na frequência em que eles apareceram.

Os resultados das etapas de busca são apresentados por meio de diagrama de fluxo do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-analyses (PRISMA-ScR), extensão para Scoping Review (¹⁷).

RESULTADOS

Conforme Figura 1, recuperamos 8.422 publicações potencialmente elegíveis (Web of Science= 620; Scopus = 927; MEDLINE/PubMed = 1.425; LILACS = 82; BVS = 5.368). Foram excluídas 4.643 publicações que estavam duplicadas. Mantiveram-se 182 artigos elegíveis para a etapa de análise de títulos e resumos; desse total, foram selecionados 59 artigos para leitura na íntegra. Desses, sete artigos foram excluídos por impossibilidade de acesso ao texto completo; 14 não abordavam aspectos relacionados à saúde mental; três abordavam apenas a saúde mental durante a pandemia e não estavam relacionadas à infodemia; dois não contemplaram o contexto escolhido para a pesquisa; e um artigo foi publicado na língua russa.

Figura 1.
Diagrama de fluxo PRISMA-ScR do processo de seleção das publicações da revisão, Brasil, 2021.

Ao realizar a busca de artigos nas referências das publicações selecionadas inicialmente, foram identificados mais três artigos não duplicados, que tiveram seus títulos e resumos avaliados, sendo apenas um selecionado. Os outros dois foram excluídos, por não se encaixarem nos objetivos do estudo. Desta forma, a amostra final foi composta por 31 artigos, um documentos da OMS e um documento da OPAS, lidos na íntegra e analisados por dois pesquisadores e autores do estudo.

Grande parte das pesquisas foram desenvolvidas na China (n = 11) e Estados Unidos (n = 4). A maioria das publicações (n = 32) foi publicada no ano de 2020 nas línguas inglesa (n = 32), em periódicos das áreas de psicologia, psiquiatria, medicina preventiva, saúde pública, entre outras. As características das publicações estão apresentadas de forma sintetizada no Quadro 2.

Quadro 2
Publicações incluídas na revisão de escopo segundo título, periódico e ano de publicação – Brasil, 2021.

Com relação às metodologias utilizadas, as publicações foram divididas em pesquisas empíricas (n = 26), pesquisas teóricas (n = 5) e documento de órgão internacional – OMS e OPAS (n = 2). Em relação aos desenhos de pesquisa, foram incluídos quatro artigos de revisão da literatura, uma carta ao editor, dois estudos correlacionais, um estudo de métodos mistos, um estudo empírico, dois estudos exploratórios, um estudo longitudinal, 19 estudos transversais e dois documentos de órgãos oficiais.

Em relação às características das publicações incluídas na revisão, foi possível observar uma predominância de participantes do sexo feminino em 78,3% das pesquisas (n = 23). A faixa etária dominante foi de pessoas entre 31 e 40 anos em 45,4% dos estudos (n = 22), enquanto o grau de escolaridade que mais prevaleceu foi o ensino superior ou mais em 90,4% das análises (n = 21). Verificamos que 50% dos estudos foram realizados nos meses de março e abril de 2020 (n = 22). Dos oito estudos que apontavam o tempo de exposição a informações sobre COVID-19, 50% registraram que a população estava exposta entre 1 e 3 horas por dia.

Na Figura 2, representamos os sinais e sintomas identificados nas publicações selecionadas, apresentando-os de acordo com a frequência que apareceram. Considerando as 33 publicações incluídas nesta revisão, observamos que a ansiedade (69,7%), a depressão (51,5%), o estresse (36,4%) e o medo (21,2%) foram os sinais e sintomas relacionados à infodemia mais frequentes nas publicações. No Quadro 3, reunimos as principais recomendações de combate à infodemia de COVID-19.

Figura 2
Nuvem de palavras dos sinais e sintomas frequentes nas publicações, Brasil, 2021.

Quadro 3
Principais recomendações de combate à infodemia de COVID-19 verificadas nas publicações – Brasil, 2021.

Considerando que uma das finalidades da revisão de escopo é informar necessidades de pesquisas futuras, elencamos as apontadas pelas publicações analisadas: necessidade de desenvolver estudos longitudinais, demonstrando as repercussões da infodemia sobre a saúde mental de adultos e idosos; pesquisas que abordem as relações causais entre a exposição excessiva e o desenvolvimento de problemas relacionados à saúde mental; pesquisas direcionadas às repercussões na saúde mental, especificamente na população idosa; estudos que envolvam o diagnóstico psiquiátrico e a relação com a infodemia; desenvolvimento de uma escala para avaliar de forma específica como a infodemia repercute na saúde mental da população; compreender quais tipos de mídia repercutem sobre a saúde mental e em qual faixa etária; avaliar os impactos da infodemia na saúde mental, considerando os diferentes contextos culturais e socioeconômicos; estudos que investiguem qual faixa etária está mais propensa a compartilhar desinformação estabelecendo uma relação causal.

DISCUSSÃO

Esta revisão de escopo possibilitou o mapeamento das principais repercussões da infodemia na saúde mental da população adulta e idosa, além das principais sugestões e recomendações para mitigar os efeitos da infodemia na saúde mental da população.

A maior parte dos estudos publicados foi de origem chinesa, o que pode estar relacionado ao país de origem do novo coronavírus e por ser um país que vem avançando na produção e divulgação de pesquisas científicas sobre a temática(⁴⁷). Além disso, verificou-se a predominância de estudos transversais, realizados de maneira online e no primeiro semestre de 2020, devido à necessidade de avaliações rápidas, em função de estarmos passando pela pandemia e também em virtude do distanciamento social.

No entanto, são necessários estudos longitudinais para compreender como a infodemia afetou a saúde mental de adultos e idosos ao longo da pandemia(²⁴,³³). A partir disso, será possível estabelecer novas estratégias para combater essa epidemia de informações, assim como diminuir os impactos de pandemias futuras sobre a saúde mental da população mundial(²⁴,⁴¹).

Ao considerar que o sexo feminino foi predominante nas pesquisas, constatou-se que essa é uma característica comum a estudos realizados online, estando muitas vezes relacionados à forma de divulgação pelas mídias sociais que, geralmente, são mais utilizadas por mulheres(²⁶,³⁴,⁴⁶). Isso também pode estar associado às faixas etárias e ao grau de escolaridade predominante, tendo em vista que pessoas mais jovens e com maior grau de escolaridade têm mais acesso e facilidade para lidar com mídias sociais e pesquisas online, quando comparadas a pessoas mais idosas ou com menor grau de escolaridade(⁷,¹¹,²²,²⁵–²⁶).

Verificou-se que os sinais e sintomas relacionados à saúde mental afetam com maior frequência e intensidade pessoas do sexo feminino e mais jovens(¹¹,¹³,²⁶,²⁹,³²,⁴¹,⁴²). O maior grau de escolaridade estava diretamente relacionado à chance de desenvolver ansiedade e depressão, devido à busca por informações sobre a COVID-19, além de o grau de escolaridade estar relacionado à compreensão da gravidade da situação atual(¹¹,²⁹,³²).

Como grande parte dos estudos apresentou viés de seleção, no qual a população idosa foi minoria, são necessários estudos mais específicos com essa população. É preciso compreender como a infodemia está repercutindo na saúde mental de idosos, levando em consideração as dificuldades para acesso e uso das tecnologias, bem como as dificuldades para avaliar criticamente as informações recebidas(²⁸).

Com base nos sinais e sintomas relacionados à infodemia que apareceram nas publicações incluídas e foram descritos na nuvem de palavras, observamos que a ansiedade é predominante, aparecendo em 23 publicações (69,7%), seguida da depressão (51,5%), estresse (36,4%) e medo (21,2%). Tais resultados reforçam a ideia de que a exposição excessiva a informações está diretamente relacionada ao desenvolvimento de problemas de saúde mental(⁷). Porém, não é somente a exposição que desencadeia os sinais e sintomas, o tempo de exposição e as fontes de informação também exercem papel fundamental para o desenvolvimento de ansiedade, depressão, estresse, medo, entre outros sintomas(⁷–¹⁸,²⁵).

O tempo de exposição às informações veiculadas por redes sociais digitais também foi associado ao aumento da ansiedade, depressão, estresse e sofrimento mental(⁷,²¹,²³–²⁴,²⁶,³⁵). Entretanto, não é apenas o tempo de exposição que desencadeia o sofrimento psicológico, o conteúdo da informação também impacta negativamente na saúde mental das pessoas(²²,³⁸,⁴⁴). Atrelado a isso, a busca por informações em redes sociais digitais esteve associada ao baixo nível de confiança nas autoridades governamentais(²⁶,²⁹). Indivíduos têm recorrido às redes sociais e às plataformas de streaming como uma estratégia para combater o estresse e a ansiedade(⁴⁶).

As fontes de informações utilizadas pelos participantes influenciam nos níveis de ansiedade e estresse, sendo que as informações veiculadas pelas mídias sociais digitais e mídias tradicionais (televisão e rádio) estão ligadas ao aumento desses níveis. Por outro lado, as informações veiculadas por fontes e sites oficiais (autoridades governamentais) estão relacionadas à diminuição desses níveis(⁷,²⁴,²⁵,²⁷,³¹,³³,⁴⁵). Ademais, as fontes de informação também influenciam no compartilhamento das notícias. As pessoas tendem a compartilhar mensagens provenientes de pessoas que confiam (familiares, amigos, líderes religiosos, dentre outros)(⁴⁵). Entretanto, trata-se de um risco, pois também favorece a disseminação de notícias falsas, rumores e boatos, caso não seja avaliada a sua veracidade.

O nível de ansiedade das pessoas também afeta o comportamento de propagação de desinformação. Em pessoas com maior ansiedade, é possível verificar uma diminuição da capacidade de discernir rumores(²⁸). Nesse sentido, a disseminação de rumores está diretamente associada a sentimentos negativos, como raiva, tristeza e medo. Porém, quando esses boatos são refutados, sentimentos negativos se transformam em sentimentos positivos, mitigando a ansiedade(³⁷).

As mídias sociais digitais foram as fontes de informação mais utilizadas para busca de informações sobre a pandemia de COVID-19(⁷,²³,²⁵,²⁹,³⁰) e associadas a problemas relacionados à saúde mental: ansiedade, depressão, medo, insônia, preocupação, confusão, incompreensão e trauma secundário(⁷,¹¹,¹⁸,²⁹–³¹,³⁴,³⁵,⁴³). Porém, é importante destacar que tal aumento do uso de mídias sociais digitais está relacionado à necessidade de potencializar a comunicação no contexto do isolamento social, contribuindo para o suporte social e emocional necessários(³¹,³⁵,⁴⁶).

As recomendações para auxiliar na mitigação dos impactos da infodemia na saúde mental das populações são necessárias e devem ser compartilhadas. A principal recomendação é o incremento da literacia digital em saúde, viabilizando o desenvolvimento de habilidades de busca, seleção, análise e tomada de decisão a partir de informações criticamente avaliadas(¹⁶). Nesse aspecto, os provedores de mídias sociais digitais, autoridades governamentais e os profissionais de saúde assumem papel importante para mitigar os efeitos da infodemia na saúde mental de adultos e idosos. Os indivíduos devem diminuir a exposição às mídias por períodos prolongados, evitando informações repetidas e sensacionalistas(²⁷,⁴⁴). Incentivar a prática de atividades físicas e destinar tempo à família também são estratégias para minimizar os efeitos da infodemia sobre a saúde mental(²⁰).

Outro aspecto a ser destacado é que a estrutura algorítmica da programação das mídias sociais exacerba ainda mais a busca por informações, pois, ao realizar uma pesquisa sobre a COVID-19, o software apresenta outros links com assuntos semelhantes, o que contribui para aumentar o acesso a informações que podem não ser de boa qualidade ou adequadas e causar distorção da percepção de risco(⁴⁰). Porém, isso pode ser utilizado pelos órgãos públicos como uma forma de minimizar a disseminação de desinformação. A OMS, em parceria com o Facebook, implementou na plataforma a estratégia de direcionar os usuários que buscam por informações sobre o coronavírus para a página da organização, através de um link, por meio de pop-up (¹⁶).

Em Cingapura, o governo criou um canal de comunicação oficial através do WhatsApp, por meio de assinatura, com o objetivo de tornar a comunicação com a população mais eficaz. O canal oferece atualizações diárias sobre os casos, para desmistificar rumores, disseminar novos conhecimentos, descrever medidas de controle de infecção, entre outros, por meio de mensagens curtas e objetivas. Os usuários do canal do governo apresentaram escores de depressão, estresse e ansiedade menores quando comparados aos não usuários(⁴⁵). A utilização das mídias para minorar os efeitos da infodemia tem se mostrado como uma estratégia eficiente(¹⁶,⁴⁰).

É fundamental entender como acontece a disseminação e compartilhamento de informações, para identificar de onde se originam, como se espalham, quem as acessa e compartilha e, assim, influenciar os indivíduos a melhorarem o comportamento informacional e promover intervenções específicas(¹⁶). A partir disso, é importante que o indivíduo confirme a fonte e, em caso de dúvidas a respeito da informação, não compartilhá-la, optando por fontes de informações divulgadas por órgãos governamentais(¹⁹).

A pandemia, assim como a infodemia, estão causando muitos impactos na saúde mental das populações de maneira geral(¹¹). Nesse sentido, é muito importante que as mídias sociais, a sociedade, os governos e os profissionais de saúde trabalhem de forma colaborativa para o enfrentamento dessa situação, assumindo a responsabilidade por aquilo que divulgam e compartilham(¹⁹). Ademais, é fundamental o desenvolvimento de ações focadas na saúde mental da população e o acompanhamento de alterações dessa natureza durante o período de pandemia(²⁰,³²,³⁶,³⁹).

Algumas limitações devem ser consideradas neste estudo. Por se tratar de uma revisão de escopo, não houve avaliação da qualidade da evidência disponível, não sendo possível avaliar as implicações para a prática. A maioria dos estudos incluídos nesta revisão de escopo é transversal, o que não possibilita conclusões a longo prazo. Além disso, como grande parte dos artigos foi publicada no ano de 2020, há poucas evidências sobre as repercussões da infodemia, a longo prazo, na saúde mental das populações, sendo necessários estudos longitudinais e experimentais para produção de melhores níveis de evidências. Também é importante considerar as diferentes nacionalidades das populações, pois o impacto pode ser absorvido de forma diferente com base nos modelos de governo, sistemas de saúde, nas crenças religiosas e culturais de cada país.

CONCLUSÃO

A necessidade de conhecer as repercussões na saúde mental de adultos e idosos expostos à infodemia de COVID-19 são essenciais para o desenvolvimento de intervenções que possam mitigar tais repercussões. No entanto, na atualidade, há um impasse a ser considerado, pois, se, por um lado, os meios de comunicação são muito importantes para propagar informações para a população e possibilitar a conexão social, por outro lado, pode intensificar o processo do isolamento, fazendo com que os indivíduos fiquem cada vez mais expostos às mídias sociais e sujeitos aos efeitos da infodemia.

Esta revisão mapeou as informações disponíveis sobre as repercussões da infodemia na saúde mental de adultos e idosos. Identificou-se que a ansiedade está muito presente nesse contexto e que os adultos jovens e o sexo feminino são os mais suscetíveis aos efeitos da infodemia sobre a saúde mental, atualmente. Além disso, foi possível mapear estratégias para minimizar os efeitos da infodemia sobre a saúde mental e identificar assuntos relevantes para nortear pesquisas futuras.

Por fim, os resultados apresentados não são incontestáveis e podem mudar conforme os avanços nas descobertas científicas. Os estudos incluídos nesta revisão apoiam a realização de estudos futuros para investigar as repercussões que a infodemia na saúde mental dos indivíduos a médio e longo prazos, assim como para avaliar efeitos, viabilidade, custo-benefício e significado de intervenções a grupos populacionais em serviços de saúde locais e em países. Esperamos que as lacunas aqui apresentadas possam contribuir para o desenvolvimento de novas pesquisas com desenhos metodológicos robustos, visando à produção de evidências científicas sobre as consequências da infodemia associada à saúde mental.

• Apoio financeiro O presente trabalho foi desenvolvido com auxílio financeiro da Universidade Federal de Juiz de Fora.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  01 Dez 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  20 Abr 2021
• Aceito
  15 Out 2021