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Queixosas e valentes: as mulheres e a visibilidade da violência cotidiana

Complainants but brave: women and the visibility on everyday violence

Resumos

O estudo tem por objetivo apresentar algumas reflexões sobre as mulheres das classes populares, suas ações e táticas a respeito das diferentes formas de violência sofridas no cotidiano de Novo Hamburgo (RS). Para tanto, trabalhamos com as ocorrências policiais registradas no Livro de Queixas desse município, entre o período de 1919 a 1924. A partir das queixas, buscamos (re)pensar o papel das mulheres e suas práticas em meio a uma sociedade envolta pelos conflitos e tensões vinculados às relações de gênero. Os registros policiais, como fonte de pesquisa, contribuem de forma significativa para pensarmos a complexidade histórica da região do Vale do Rio dos Sinos e, mais especificamente, a respeito das mulheres e suas ações no espaço em estudo.

mulheres; violência; gênero; ocorrências policiais


The study aims to present some reflections on lower classes women, their actions and tactics of the different forms of violence experienced in daily life on the second district of Sao Leopoldo city (RS). For this purpose, we work with the police incidents recorded in the Grievance's Book between the period 1919 to 1924. From complaints we consider rethink women's role and their practices in a society surrounded by tensions and conflicts linked to gender relations. The police reports as a source contribute significantly to think through the complex history of Vale do Sinos region, and more specifically on women and their action this study.

Women; Violence; Gender; Police Incidents


ARTIGOS

Queixosas e valentes: as mulheres e a visibilidade da violência cotidiana

Complainants but brave: women and the visibility on everyday violence

Magna Lima MagalhãesI; Denise Castilhos de AraújoII; Claudia SchemesIII

IUniversidade Feevale

IIUniversidade Feevale

IIIUniversidade Feevale

RESUMO

O estudo tem por objetivo apresentar algumas reflexões sobre as mulheres das classes populares, suas ações e táticas a respeito das diferentes formas de violência sofridas no cotidiano de Novo Hamburgo (RS). Para tanto, trabalhamos com as ocorrências policiais registradas no Livro de Queixas desse município, entre o período de 1919 a 1924. A partir das queixas, buscamos (re)pensar o papel das mulheres e suas práticas em meio a uma sociedade envolta pelos conflitos e tensões vinculados às relações de gênero. Os registros policiais, como fonte de pesquisa, contribuem de forma significativa para pensarmos a complexidade histórica da região do Vale do Rio dos Sinos e, mais especificamente, a respeito das mulheres e suas ações no espaço em estudo.

Palavras-chave: mulheres; violência; gênero; ocorrências policiais.

ABSTRACT

The study aims to present some reflections on lower classes women, their actions and tactics of the different forms of violence experienced in daily life on the second district of Sao Leopoldo city (RS). For this purpose, we work with the police incidents recorded in the Grievance’s Book between the period 1919 to 1924. From complaints we consider rethink women’s role and their practices in a society surrounded by tensions and conflicts linked to gender relations. The police reports as a source contribute significantly to think through the complex history of Vale do Sinos region, and more specifically on women and their action this study.

Key Words: Women; Violence; Gender; Police Incidents.

Introdução

As narrativas sobre a região do Vale do Rio dos Sinos contemplam resquícios de uma historiografia conservadora, responsável por uma abordagem vinculada à imigração alemã e ao seu enaltecimento, visto que a região foi colonizada pelos alemães a partir do ano de 1824. Algumas contribuições significativas estão sendo desenvolvidas por diferentes pesquisadores para que essa historiografia seja gradativamente desvelada, e este artigo visa contribuir para isso. Na busca de contribuir com esse esforço, o grupo de pesquisa Cultura e Memória da Comunidade, ligado ao Programa de Pós-Graduação Stricto Senso em Processos e Manifestações Culturais, da Universidade Feevale, vem trabalhando em estudos que primam por (re)pensar a região e a participação de diferentes agentes em sua história.1 1 São exemplos de trabalhos vinculados ao grupo de pesquisa Cultura e Memória da Comunidade da Universidade Feevale: Entre a preteza e a brancura brilha o Cruzeiro do Sul: Associativismo; Identidade negra em uma localidade teuto-brasileira (Novo Hamburgo/RS); O Negro no mundo alemão: cidade, memória e ações afirmativas no tempo da globalização; Pedro Adams Filho: Empreendedorismo, Indústria calçadista e emancipação de Novo Hamburgo (1901-1935).

Nesse sentido, ao procurarmos pela complexidade histórica, lançamos mão de diversas fontes, entre elas o jornal, e foi o semanário O 5 Abril 2 2 O 5 de Abril foi o primeiro jornal da cidade de Novo Hamburgo. Criado em maio de 1927, um mês após a emancipação da cidade, e circulou até fevereiro de 1962. e a matéria nele publicada, intitulada "monstruosidade", de 19 de junho de 1931, que nos alertou sobre a necessidade de refletirmos sobre a história da região, sem cometermos o equívoco de manter as mulheres e suas ações na invisibilidade.

Entre outros elementos, na referida matéria, é narrado o espancamento a pauladas da "infeliz moça", de nome Maria Gomes, que, ao final de tantos golpes, ficou jogada no chão. Ao que tudo indica, o responsável pela violência, Adão, tomou tal atitude para vingar-se de Maria, depois de ter ouvido sua esposa, Eva, "que lhe merecia toda a confiança". A matéria ainda informava que, mesmo caída no chão e ensanguentada, Maria continuava a receber golpes do agressor. Ao lermos a matéria, algumas questões afloraram. Quais palavras Eva teria pronunciado sobre Maria que deixou o marido dominado pela fúria? Maria e Adão seriam amantes? Eva haveria descoberto o relacionamento extraconjugal do marido e, tomada pelo ciúme, exigia uma retratação? Não sabemos. No entanto, podemos pensar que a proximidade entre Maria e Adão gerou o descontentamento de Eva, e esta, por sua vez, no seu papel de esposa, reconhecido e valorizado socialmente, sentiu-se vingada com a atitude do marido, que, devido ao grau de violência, chamou a atenção dos moradores e da imprensa local.

A matéria ainda apresentava o desfecho do episódio: Maria recebeu atendimentos em uma farmácia local, e o agressor fora encaminhado para a delegacia. A "monstruosidade" e as questões que afloraram a partir dela nos impuseram a necessidade de pensarmos as tensões e as interseções existentes em uma sociedade envolvendo as relações entre homens e mulheres.

No mesmo jornal, no ano de 1940, a coluna policial nos apresentou Valentina, mãe de uma "penca de filhos", moradora da periferia de Novo Hamburgo. Uma mulher que "pagava o aluguel de sua casa honestamente" e dividia um poço de água com mais dois vizinhos que residiam no mesmo terreno. Certo dia, Valentina, depois de uma conversa com um dos seus vizinhos, pegou uma espingarda "do tempo da Guerra de Canudos" e partiu para cima do homem sem constrangimentos. De acordo com o relato, não houve vítimas fatais, já que a mulher se distraiu por um momento e o vizinho ameaçado conseguiu render-lhe e, por conseguinte, retirar-lhe a arma.

Também nesse caso, questões vieram à tona: O que deixara Valentina tão brava? Afinal, o poço deveria ser compartilhado pelas três residências estabelecidas no mesmo terreno. Será que o vizinho era um dos moradores das casas próximas a de Valentina? Teria o homem faltado com respeito a ela e a sua família? Teria Valentina um companheiro? Ou cuidava de sua prole sozinha?

Valentina e Maria aguçaram nossa curiosidade e nos desafiaram a entender mais e melhor os conflitos, bem como as certezas e incertezas que cercavam as relações de poder associadas às questões de gênero.

O olhar para as mulheres do Vale do Rio dos Sinos, mais especificamente para as de Novo Hamburgo, é o resultado de um exercício de (re)pensar a construção histórica da região e sua diversidade. Trata-se de ir ao encontro de uma perspectiva que nos possibilite refletir sobre as multiplicidades contidas na construção histórica. Nesse sentido, trazer à tona as ações e táticas das mulheres no seu cotidiano é resultado desse esforço, sendo intenção deste artigo contribuir para isso.

Os estudos historiográficos sobre as mulheres e as discussões sobre gênero e seus avanços possibilitam visualizar a ação feminina tanto nos macroespaços históricos quanto nas microesferas do cotidiano, destacando, neste último, as mulheres e suas práticas cotidianas, bem como as brechas das quais elas lançam mão para lidar com as relações de poder estipuladas em uma sociedade. Entendemos que "a condição feminina é constituída histórica e socialmente,"3 3 Carla PINSKI, 2009. e é a partir da dinamicidade que as mulheres, como agentes sociais, buscam na "[...] criatividade dispersa em meio às redes de vigilância as táticas e bricolagens"4 4 Michel de CERTEAU, 1994, p. 41. para subverter situações, reivindicar espaços, opor-se aos abusos de ordens variadas, mostrar-se visíveis.

Seguindo por essa perspectiva, nosso interesse no momento é trazer à luz questões que nos levem a pensar a condição das mulheres das classes populares e suas ações e possibilidades em meio a uma sociedade em que os valores norteadores se respaldam nas relações de poder entre homens e mulheres e as múltiplas formas de violência.5 5 Trabalhamos com a perspectiva da violência física, mas também da violência simbólica – desvalorização do trabalho feminino, imputação da incapacidade política e civil, diferentes formas de ameaças verbais, entre outros (Pierre BOURDIEU, 1999). Para tanto, resolvemos "abandonar" momentaneamente Maria e Valentina, e decidimos nos reportar a um tempo mais longínquo. Buscamos elaborar algumas reflexões sobre as mulheres a partir das "queixas" (ocorrências policiais) registradas entre o período 1919-1924, em Novo Hamburgo. Essas ocorrências apresentam teor variado, tal como: descontentamento com preços abusivos de aluguel, briga entre vizinhos e familiares, denúncia de agressão física, denúncia de furtos, entre outros. O Livro de Queixas de Novo Hamburgo apresenta o total de 429 ocorrências registradas em 129 folhas. Cada ocorrência é identificada por um número, acompanhado de data do registro (dia, mês e ano) e da identificação dos envolvidos. No final, consta a assinatura do responsável pelo registro da denúncia, o subintendente da localidade. Os registros constituem um resumo das motivações que desencadeavam a ocorrência policial, que pode estar em um ou dois parágrafos. No geral, apresentam-se o nome e sobrenome, o local de moradia e, por vezes, a cor da epiderme. Todos os registros foram lidos e transcritos. Do total de 429 registros, somente 44 são queixas registradas por mulheres, sendo 13 de mulheres contra mulheres e 28 de mulheres que denunciam homens e diferentes atos de violência. Entre as denúncias constam: roubo, furto, brigas com vizinhos, agressão física e verbal sofridas por parte de homens (vizinhos, maridos, genros, entre outros).

Sabemos que os estudos a respeito da violência sofrida pelas mulheres tiveram seu início na década de 1980, em virtude das mudanças sociais e políticas ocorridas no Brasil e, com isso, da criação das delegacias da mulher.6 6 Cecília Mac Dowell SANTOS e Wânia P. IZUMINO, 2005. Tais estudos tinham como objetivos identificarem os crimes mais denunciados, quem eram as mulheres e seus agressores.

Para Cecília Mac Dowell Santos e Wânia Izumino,7 7 SANTOS; IZUMINO, 2005 a violência contra as mulheres pode ser explicada por três correntes: a) a dominação masculina (que resulta na anulação da autonomia das mulheres); b) a dominação patriarcal (na qual as mulheres são vistas como vítimas do controle social masculino); e c) a dominação relacional (que considera serem as mulheres cúmplices da violência sofrida).

Ainda para Santos e Izumino,8 8 SANTOS; IZUMINO, 2005, p. 3 a violência "[...] transforma diferenças em desigualdades hierárquicas com o fim de dominar, explorar e oprimir". Esse indivíduo torna-se dependente e passivo, transformando-se em objeto, e não mais um sujeito, podendo sugerir que a condição feminina é inferior à masculina. Por outro lado, a violência contra as mulheres pode ser resultado da socialização machista, em que se consideram as mulheres sujeitos, mas dentro de uma relação desigual de poder em relação aos homens.

De acordo com Miriam Grossi,9 9 Miriam GROSSI, 2006. a maior parte da violência sofrida pelas mulheres acontece no espaço doméstico, ou seja, ocorre no âmbito privado. Isso porque, de acordo com a autora, as mulheres perdem no século XVII o direito de frequentarem o espaço público como o faziam até então. Dessa forma, passam a ter o lar como seu ambiente de permanência por mais tempo, executando tarefas domésticas (cuidar da casa, dos filhos, do marido). E, confinadas a tal espaço, o homem teve legitimada a possibilidade de uso da violência contra as mulheres, a qual se manteve fortemente no século XX, seguindo uma ideia de conjugalidade.

De modo geral, as queixosas podem ser qualificadas como mulheres das classes populares e moradoras dos espaços periféricos da localidade. Destacam-se os registros de mulheres provenientes da Mistura (atual bairro Rio Branco de Novo Hamburgo)10 10 Nome que fazia referência ao cinturão periférico habitado por negros, mestiços e brancos, geralmente de origem não germânica (Lucas BENDER, 2007, p. 263). e da África (atual bairro Guarani).11 11 Também periferia por muito tempo agregou em sua maioria moradores negros de Novo Hamburgo. A fonte de pesquisa utilizada não nos possibilita chegar "a todas as mulheres", mas serve de fio condutor para a elaboração de algumas reflexões sobre as pobres, as quais "não se adaptavam às características dadas como universais ao sexo feminino: submissão, recato, delicadeza e fragilidade."12 12 Raquel SOIHET, 1997, p. 367. Para o estudo, trabalhamos com 12 registros e selecionamos queixas de teores variados que desvelam a violência em sua amplitude, ou seja, física, moral, verbal e simbólica, e que se encontravam em uma sociedade em que a construção das relações de gênero não permitia ou não aceitava a autonomia por parte das mulheres. Ao mesmo tempo, as queixas elencadas mostram que muitas mulheres lançavam mão do aparato policial como forma de se tornarem visíveis em uma sociedade que delimitava seus espaços e pouco valor lhes atribuía.

A fonte escolhida, no geral, oferece rastros, outras vezes, somente sugere e indica possibilidades. O estudo está permeado pela "combinação entre dados seguros e conjecturas – entre "provas" e "possibilidades" – mediada e autorizada pelo contexto.13 13 Henrique Espada LIMA, 2006, p. 358. Portanto, incorremos nos riscos implicados nas nossas incertezas ("talvez", "provavelmente"), o que não configura um demérito, mas expressa reflexões e possibilidades mediantes contextos estáticos.14 14 Carlo GINZBURG, 1991.

O cenário

Novo Hamburgo é uma das cidades que compõem o Vale do Rio dos Sinos (RS) e, durante o século XIX e início do século XX, pertenceu ao município de São Leopoldo. A cidade é um dos principais núcleos da imigração alemã no Brasil. Os primeiros imigrantes chegaram à região no ano de 1824 e desembarcaram na antiga Real Feitoria do Linho Cânhamo, que seria, mais tarde, a Colônia de São Leopoldo, hoje cidade de mesmo nome. Novo Hamburgo iniciou sua história como 4º Distrito deste município, oficializado por decreto-lei em 1857. Os primeiros colonos do distrito se instalaram na região do atual bairro Hamburgo Velho, onde o comércio proliferou, sendo local escolhido para acolher os novos imigrantes que chegariam.15 15 Martin BEHREND, 2002.

Nos primeiros anos do século XX, a cidade tinha sua economia centrada no setor coureiro-calçadista, contando com curtumes, selarias e fábricas de calçados que ali se desenvolveram, e seu progresso acelerou radicalmente com esse início de industrialização.

Em 1924, sujeitos ligados ao comércio e à indústria local formaram um grupo que reivindicaria e lutaria pela sua emancipação. Apesar dos esforços dos políticos de São Leopoldo para o impedimento da emancipação, em 5 de abril de 1927, o Decreto n. 3.818, assinado pelo governador do Estado, Borges de Medeiros, emancipou Novo Hamburgo.

Esse movimento se reverteu em novos tempos para a cidade, através de um cenário que se alterava fornecendo gradativamente uma face mais urbana, modificando a estética e a espacialidade do antigo distrito.16 16 Sobre a história de Novo Hamburgo ver Jeferson SELBACH, 1999; e Claudia SCHEMES, 2006.

Nos anos de 1920, Novo Hamburgo apresentou, portanto, algumas mudanças significativas na sua infraestrutura, principalmente em relação ao seu planejamento urbano, visto que somente dessa forma alcançaria o progresso, mas, para a modernidade ser alcançada, o passado tinha de ser superado, e o espaço da cidade totalmente remodelado. Cabe destacar que progresso humano era considerado sinônimo de progresso material, e a cidade "procurou crescer e ganhar feições de pequena metrópole. Para tanto, precisou derrubar as pontes que a ligavam ao passado [...]. Negou suas origens coloniais para mergulhar no sonho urbano.17 17 SELBACH, 2006, p. 115.

Da mesma forma, os usos e costumes da cidade também mudaram. Segundo Jeferson Selbach,18 18 SELBACH, 2006, p. 133. o novo município era moralista e rigorosamente fechado, e a jovem de família tradicional era "mandada para internatos com a finalidade de se educar para o noivado e o matrimônio [...] e para dirigir o futuro lar e a lida doméstica de costurar, remendar, lavar e engomar, higienizar a casa e lidar com maestria na arte da culinária."

Nesse sentido, Sílvia Petersen,19 19 Sílvia PETERSEN, 1986. ao analisar a construção da imagem feminina no Rio Grande do Sul, lembra que o ideário positivista, fortemente marcado no Estado, conferia às mulheres a superioridade espiritual em relação aos homens, ou seja, atribuía-lhes, como funções fundamentais, a maternidade, a guarda do lar e a instrução dos filhos, garantindo, assim, não apenas a manutenção da espécie, mas também o desenvolvimento moral da humanidade através da educação.

Essa imagem local não diferia muito da imagem das mulheres do resto do país, que até o século XIX estavam inseridas em uma sociedade patriarcal, na qual eram meras coadjuvantes, e o papel que lhes cabia era, predominantemente, o de mãe e esposa. Com o advento da República e as transformações que daí resultaram, esse modelo patriarcal de família começou a mostrar sinais de fraqueza. A crescente urbanização e industrialização obrigou as mulheres a entrarem no mercado de trabalho , e, consequentemente, sua participação na vida política e social, por mais incipiente que fosse, começou a acontecer.

Não podemos esquecer, entretanto, o que diz Soihet,20 20 SOIHET, 1997b. quando relativiza essa entrada no mercado de trabalho. Segundo a autora, as crenças de que as mulheres não trabalhavam pautavam-se nos estereótipos da invisibilidade atribuída ao trabalho doméstico e ao cuidado com as crianças, já que elas faziam todo tipo de trabalho, tanto no campo quanto na cidade (realizavam partos, costuravam, cozinhavam, vendiam, penhoravam), mas não reconheciam suas atividades como trabalho, mesmo que recebessem remuneração.

Já a participação feminina na política brasileira, de uma maneira mais intensa, apresentou-se a partir da década de 1919, quando, depois de uma greve de 30 mil trabalhadores do setor têxtil em São Paulo e no interior, milhares de mulheres e crianças reivindicaram jornada de trabalho de oito horas e igualdade salarial entre os sexos.

A luta pelo direito feminino ao voto continuou durante as três primeiras décadas do século passado, e esse movimento contou com a presença, principalmente, de mulheres das classes média e alta, as quais tinham mais acesso à educação e pertenciam a famílias abastadas e instruídas. As manifestações femininas se tornaram cada vez mais presentes na sociedade brasileira da época e, como afirma Maria Amélia Teles,21 21 Maria Amélia TELES, 1999, p. 44. "a década de 1920 foi privilegiada no que diz respeito às lutas e propostas de mudança. A república dos coronéis não dava mais conta da ebulição social e política do país".

Ainda na década de 1920, foi fundada a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (1922), a qual impulsionou ainda mais a luta das mulheres pelo voto, além disso, a organização objetivava promover a sua educação, elevar o nível de instrução feminina, proteger mães e crianças, conquistar garantias legislativas e práticas para o trabalho feminino, enfim, assegurar às mulheres direitos políticos e sua integração social efetiva. Nesse mesmo ano foi realizado, no Rio de Janeiro, o I Congresso Internacional Feminista.

Segundo Céli Regina Pinto,22 22 Céli Regina PINTO, 2003, p. 26. a luta das mulheres cultas e das classes dominantes se dava a partir da luta pelo voto, porque elas encontravam respaldo e respeito entre os membros da elite e da conservadora classe política brasileira. Portanto, era "um feminismo bem-comportado, na medida em que agia no limite da pressão intraclasse, não buscando agregar nenhum tipo de tema que pudesse pôr em xeque as bases da organização das relações patriarcais".

A Revista Feminina, publicação que circulou no Brasil entre 1915 e 1925, foi um dos instrumentos mais fortes de perpetuação do comportamento conservador que a sociedade impunha ao sexo feminino. Para Marina Maluf e Maria Lúcia Mott,23 23 Marina MALUF e Maria Lúcia MOTT, 1998, p. 373. "o dever ser das mulheres brasileiras nas três primeiras décadas do século foi [...] traçado por um preciso e vigoroso discurso ideológico, que reunia conservadores e diferentes matizes de reformistas e que acabou por desumanizá-las como sujeitos históricos".

Essas transformações pelas quais as mulheres passaram desde as primeiras décadas do século XX, no Brasil, geraram inúmeras discussões a respeito do seu papel, pois ela deixou a esfera do privado – seu lar, sua família – e buscou engajamento na esfera do público, ou seja, queria ter os seus direitos; todavia, percebemos que a entrada das mulheres no mercado de trabalho remunerado "criou uma divisão sexual do trabalho na esfera pública que espelhava e reforçava a divisão sexual do trabalho na família," já que esta tinha se tornado menos rígida hierarquicamente, mas "não menos importante como uma instituição para controlar a sexualidade das mulheres e preservar as relações de classe."24 24 Susan BESSE apud Cristina BRUSCHINI, 1990, p. 6.

Nesse sentido, Margareth Rago25 25 Margareth RAGO, 1987, p. 63. diz que o próprio movimento operário nas primeiras décadas do século XX no Brasil, que era liderado pelos homens, atuou no sentido de "fortalecer a intenção disciplinadora de deslocamento da mulher da esfera pública do trabalho e da vida social para o espaço privado do lar."

O cenário local, portanto, não diferia do nacional, no qual as mulheres eram tratadas como coadjuvantes dos principais acontecimentos políticos, econômicos, sociais e culturais. Entretanto, nesse cenário de dominação masculina, ocorreu um fato em 1919 que nos chamou a atenção: um grupo de donas de casa de Novo Hamburgo se reuniu e foi falar com o subintendente do distrito "pedindo providências no sentido de chegar lenha para as cozinhas, pois que nos depósitos não existia mais uma talha de combustível".26 26 Leopoldo PETRY, 1944, p. 96. Esse fato aconteceu, pois havia chovido muito durante duas semanas e as estradas de acesso à cidade tinham sido bloqueadas, impossibilitando os fornecedores de lenha de entregar a mercadoria, escassa na cidade.

Essa iniciativa das mulheres locais reforçou um movimento pelo reflorestamento que havia iniciado há alguns anos, o que demonstra que as mulheres, nesse período, já se colocavam como sujeito da história, uma vez que manifestavam seu desagrado em relação a uma situação que lhes era muito significativa.

Queixas: o registro e a visibilidade da violência27 27 Entendemos as queixas como uma construção descritiva que tem por objetivo produzir a escuta e expor um contexto mediante os fatos descritos (Maria Filomena GREGORI, 1993). Na descrição elaborada, percebe-se um contexto envolto pelas questões relacionais e dinâmicas que cercam as questões de gênero. Sendo assim, selecionamos algumas queixas que foram registradas no segundo distrito de São Leopoldo (Novo Hamburgo) para podermos realizar uma reflexão acerca da violência no contexto acima apresentado.

Em 28 de agosto de 1923,28 28 Registro n. 40, p. 25, 28 ago. 1923. Irena Zaage, menor de idade, filha de Otto Zaage, queixava-se do pai à ordem policial. Afirmava que diariamente Otto chegava em casa embriagado, ameaçava a família e "depreciava a mobília da casa". A denunciante "queixa-se também em nome de sua mãe e em seu próprio". Diante dessa situação, uma dúvida pairava em torno do teor da queixa: a atitude de denunciar teria partido da filha? Por que a mãe de Irena não recorreu pessoalmente à instância policial? Diferentes respostas poderiam ser formuladas. Ao buscar ajuda para conter a violência do marido, estabelecia-se uma situação de vergonha e de fracasso mediante as regras sociais vigentes, o que levou a mãe de Irena a não prestar queixa pessoalmente.

O receio de enfurecer o marido e gerar mais violência após a denúncia poderia ser outra hipótese. Também poderíamos pensar na impossibilidade de deslocamento devido às agressões físicas ou, ainda, que os princípios norteadores de uma educação disciplinadora do papel das mulheres (mães e esposas) não permitiam uma atitude mais "ousada" por parte da mãe. A denúncia e a exposição de seus dramas familiares poderiam atestar o "fracasso" familiar e pessoal, posto que a responsabilidade pelo lar era atribuída às mulheres, que tinham por obrigação conter e resolver seus problemas nos limites do espaço doméstico. Além disso, a denúncia expunha o marido frente às autoridades policiais, o que talvez pudesse ter influenciando na decisão da agredida.

Ao analisarmos essa ocorrência, podemos nos referir à seguinte afirmação de Bourdieu:29 29 BOURDIEU, 1999, p. 46. "os dominados aplicam categorias construídas do ponto de vista dos dominantes às relações de dominação, fazendo-as assim ser vistas como naturais", ou seja, ao inculcar o discurso envolto por categorias construídas a partir do olhar do homem, a relação que tem por base a violência, muitas vezes, passa a ser naturalizada e gera uma autodepreciação das mulheres.

Por outro lado, poderíamos questionar o papel da filha menor de idade. Qual seria a idade de Irena? Ao buscar pelas autoridades policiais, poderia ter tomado a iniciativa por conta própria depois de assistir às agressões e humilhações sofridas pela mãe? Ou, ainda, Irena serviu de mediadora entre a mãe e suas angústias e o aparato policial? Talvez a jovem também tivesse sofrido agressões do pai embriagado.

Mãe e filha, ao que tudo indica, não eram as únicas moradoras do 4º Distrito de São Leopoldo que sofriam em seu cotidiano com a violência masculina, pois Dulce Oliveira Pinto também registrou queixa, em 29 de setembro de 1923, contra o marido, Ernesto Rissi, que, segundo ela, "a maltrata."30 30 Registro n. 59, p. 33, 29 set. 1923.

Às mulheres cabia a responsabilidade de ter competência para tornar atraente o ambiente da família, ou seja, "sua missão é velar por uma retração social de seu marido e de seus filhos". 31 31 Jacques DONZELOT, 1986, p. 46.

Para Phillipe Ariès,32 32 Phillipe ÀRIES, 1981, p. 238. a família moderna se desenvolve a partir do século XVI, tornando-se uma célula social. Segundo o autor: "Os progressos do sentimento de família seguem os progressos da vida privada, da intimidade doméstica. O sentimento de família não se desenvolve quando a casa está muito aberta para o exterior: ele exige um mínimo de segredo". Já no século XVIII, a família começou a confinar-se em um espaço limitado e a manter a sociedade a distância.

Michelle Perrot33 33 Michelle PERROT, 2009, p. 103. reporta-nos à família e suas funções no século XIX e indica que esta se vê confrontada com "suas próprias dúvidas, dificuldades e conflitos internos". De acordo com a autora, a família situa-se nas fronteiras indefinidas do público e do privado. "A família é um capital simbólico de honra. Tudo que arranha a sua reputação, que mancha seu nome, é uma ameaça [...]. O erro comprometedor de um membro seu mergulha-se num constrangimento cruel".34 34 PERROT, 2009, p. 250.

Essas queixas desvelam as relações de gênero e os campos simbólicos que teciam os cotidianos domésticos. De acordo com Marlene Strey, a violência de gênero, "especialmente a violência doméstica, não conhece [...] fronteiras de nenhum tipo, nem de classe, nem de nível de industrialização de uma região ou país, nem do tipo de cultura ou grupo étnico. [...] é o mais democrático de todos os fenômenos sociais."35 35 Marlene Neves STREY, 2001, p. 48.

A apresentação de queixa devido à violência não é um fato novo. Michele Perrot menciona que, no século XIX, na França, para manter o equilíbrio familiar ameaçado, recorria-se à correção paterna e ao internamento em asilos por motivos psiquiátricos. As camadas populares, ao longo do século XIX, recorriam à polícia adotando a justiça legal em detrimento da vingança privada. Gradativamente, as soluções individuais e as no âmbito privado passaram a ser substituídas pela queixa judicial.36 36 PERROT, 2009, p. 262.

Sabemos que a violência do marido contra a esposa tem ocorrido há muito tempo, quando se considerava legítimo punir as mulheres através da violência física, podendo se pensar em tortura, inclusive. Outro aspecto importante a ser considerado é o fato de tais atos de violência ocorrerem, na maioria das vezes, no âmbito privado, ou seja, longe dos olhos da sociedade. "Bater na mulher faz parte das prerrogativas masculinas. Os espancamentos e maus-tratos correspondem ao motivo que pediam a separação de corpos", na França do século XIX, muitas mulheres eram surradas por serem consideradas relapsas como donas de casa, gastadeiras, infiéis, entre outros.37 37 PERROT, 2009, p. 259.

Conforme Santos e Izumino38 38 SANTOS e IZUMINO, 2005, p. 14. "os estudos sobre violência contra as mulheres no Brasil têm feito importantes contribuições empíricas e teóricas para a visibilidade e a compreensão desse fenômeno". O distanciamento da abordagem do patriarcado, segundo as autoras, não dá conta de explicar as relações cercadas de violências entre os homens e as mulheres, principalmente frente às mudanças sociais e comportamentais. Por esta perspectiva, é fundamental a compreensão da existência de uma relação de poder dinâmica e relacional entre homens e mulheres que se contrapõe à forma estática e absoluta proposta pelo paradigma do patriarcado.

Segundo Joan Scott,39 39 Joan SCOTT, 2012. o termo gênero parece ter sido utilizado, inicialmente, pelas feministas americanas que rejeitavam o determinismo biológico presente nos termos sexo ou diferença sexual. A autora salienta que esse termo pode se referir ao aspecto relacional das definições normativas de feminilidade. Além disso, Scott menciona que o termo pode ser tido como substituto de mulher (dando caráter erudito ao estudo) ou como designador de relações sociais entre os sexos. Ambas as teorias foram usadas por historiadores que resolveram discutir o papel das mulheres na sociedade.

Conforme sugere Scott,40 40 SCOTT, 2012. as relações de gênero estão imbricadas com as de poder, pois fundamentam os espaços ocupados por esses indivíduos – homens e mulheres. Ela menciona que alterações podem ocorrer, frente a uma série de eventos, tais como transtornos políticos, crises demográficas, políticas natalistas, entre outros, e afirma:

[...] homem e mulher são ao mesmo tempo categorias vazias e transbordantes; vazias porque elas não têm nenhum significado definitivo e transcendente; transbordantes porque, mesmo quando parecem fixadas, elas contêm ainda dentro delas definições alternativas negadas ou reprimidas.41 41 SCOTT, 2012, p. 28.

Outra ocorrência registrada foi a realizada por Paulina Teixeira, em 12 de novembro de 1923, contra Percival Zezinho Monteiro, que vivia "amigado" com a filha de Paulina e "tinha lhe surrado e duas filhas menores."42 42 Registro n. 98, p. 54, 12 nov. 1923. Monteiro, chamado a dar explicações, apontou que a mulher (Paulina) queria tomar conta da sua casa e que ele somente a havia escorraçado e se defendido dela. Conforme o registro, ele não a havia agredido "por ser mulher", mas provavelmente por ela estar adentrando em um terreno que era dele, ou seja, a autoridade no lar.

Essa ocorrência é indicativa de que nem todas as mulheres eram submissas e tinham sua vida restrita ao lar, pois as trabalhadoras não possuíam os rígidos padrões comportamentais dominantes de docilidade, passividade ou "mulher-vítima", conforme Sidney Chalhoub.43 43 Sidney CHALHOUB, 2001. Para esse autor, as relações materiais de vida determinavam uma relação homem-mulher "bipolarizada", com uma maior divisão de poder entre eles, o que pode ter sido o caso em questão.

Ao recorrer ao aparato policial, em 16 de setembro de 1920, Emma Alfmayer solicitava providências a respeito de seu companheiro Jacob, porque a embriaguez tornava-se "um estado costumeiro do marido". Segundo o relato, a queixosa, juntamente com duas testemunhas, disse que o marido se tornara uma ameaça para a família e para si mesmo, porque já havia tentado se enforcar. Emma evidenciava o seu cansaço em relação ao marido, que costumeiramente se encontrava alcoolizado, o que, certamente, rendia situações constrangedoras e difíceis, como a tentativa de suicídio. Por outro lado, Emma, além de registrar a sua preocupação com o marido, levou à ordem policial o problema, amparada por testemunhas, para isentar-se de qualquer situação que, por ventura, o envolvesse, como, por exemplo, a morte dele. O Código Penal brasileiro de 1917 prevê punição para alguém que "induzir ou ajudar alguém a se suicidar, ou para esse fim lhe fornecer meios."44 44 Elizabeth ANCELLI, 2004, p. 120. Emma, ao registrar a ocorrência levando consigo duas testemunhas, lançava mão do aparato legal como proteção frente à situação instável do marido. Dessa forma, ela procurava, através da denúncia, proteger-se e evitar transtornos e responsabilidades legais sobre os atos do marido.

A invisibilidade e a desvalorização das mulheres ficam explícitas em ocorrências nas quais, muitas vezes, o nome delas não aparece, sendo identificadas como "a mulher de", ou "a viúva de", como podemos ver nos três registros a seguir.

No primeiro deles, datado de dezembro de 1923,45 45 Registro sem número, p. 1, 16 set. 1920. o escrivão aponta que "a mulher de Virgilio dos Santos queixa-se do marido," que "seguidamente a espanca".

A segunda queixa (ou ocorrência) ficou distinta como o caso da "mulher de Schmidt", que conhecemos a partir de uma denúncia registrada por Nicolau Seger. Conforme registro do escrivão, datado de 31 de maio de 1917,46 46 Registro n.4. p. 2, 31 maio 1917. o denunciante Seger havia comprado uma estrebaria de Schmidt, que, de acordo com as informações fornecidas pelo registro, não era um bom marido, era jogador e preguiçoso. Seger, ao exigir seus direitos sobre a estrebaria, enfrentou o "barulho" da mulher de Schmidt, que se negava a aceitar o negócio realizado pelo marido e foi chamada para prestar contas de seus atos "barulhentos" contra Seger. Ela também desrespeitara a autoridade policial e, por conseguinte, foi ameaçada de ficar vinte e quatro horas na cadeia por desacato à autoridade. Conforme o escrivão: "ela principiou a chorar. Fiquei então com pena dela e desculpei a falta que tinha cometido contra minha autoridade e consegui finalmente que ela se entendesse com Seger".

Nossa protagonista "sem nome", que padecia com os desmandos de um marido jogador, que aos poucos se desfazia do patrimônio da família, não aceitou a situação e se impôs em defesa do patrimônio da família. As lágrimas que sensibilizaram a autoridade policial favoreceram a negociação mediada pelo escrivão. Seger pagou um valor a mais pela estrebaria e permitiu que a mulher retirasse do local alguns objetos e animais pertencentes a sua família.

A terceira queixa trata da "viúva de João Henrique", que compareceu na subintendência do 2º Distrito de São Leopoldo, no dia 2 de outubro de 1923,47 47 Registro n.61, p. 34, 2 out. 1923. queixando-se de seu vizinho. Segundo a viúva, ela possuía um terreno na Rua 13 de maio, em Novo Hamburgo, que se dividia com a propriedade de Henrique Aras, o qual era considerado "um mal vizinho", pois ele amarrava a sua vaca na cerca "de bambu e arame", que, apesar de fraca, era suficiente para não deixar as galinhas criadas por ela ultrapassarem o limite. No entanto, a cerca era derrubada pelo animal gerando prejuízos.

Conforme a viúva, "todo dia ela vivia a compor a cerca para que suas galinhas não saíssem", e a vaca sempre estragava a cerca. Além disso, queixava-se que Henrique "passava a mão" nos pêssegos que estavam em sua propriedade próximo do limite do terreno de Henrique, e que o vizinho frequentemente a ameaçava dizendo que os limites de seu terreno ampliavam-se sobre as terras da viúva.

A denúncia de espancamento da "mulher de Virgílio", o "barulho" feito pela "mulher de Schmidt", a queixa contra o vizinho da "viúva de João Henrique" nos mostram uma postura nada convencional, de acordo com os discursos moralizantes na época, de mulheres que, mesmo sem um nome que as identificasse, garantiram uma margem de negociação, a qual amenizou as suas perdas materiais e emocionais. A invisibilidade social sugerida está ligada não só à indiferença em relação às mulheres, mas ao preconceito socialmente aceito pela sociedade.

Uma ocorrência que nos chamou a atenção foi realizada não por uma queixosa, mas sim por um queixoso: Jacob Michel, que estava descontente com o comportamento das "mulheres bravas",48 48 Registro n. 69, p. 37, 11 out. 1923 e registro n. 71, p. 38, 13 out. 1923. como eram conhecidas Helena Wendt Garcia e sua irmã. Jacob denunciava que as duas eram "más vizinhas", que não cercavam suas terras e que "judiavam com o gado dos outros que chegavam perto de suas terras". Defendia que as mulheres bravas deveriam cercar suas terras para evitar problemas.

Novamente são acionadas as regras de procedimentos tão difundidas em meio à sociedade que exigiam um comportamento e uma postura de recato, submissão, docilidade e fragilidade das mulheres, no entanto, tais características não se aplicavam às mulheres das classes populares. Helena e sua irmã não nos parecem frágeis e, muito menos, mulheres submissas, eram "mulheres bravas", estereotipadas pelo mundo masculino e que não se enquadravam nas regras universais estabelecidas e impostas a elas.

Jacob, discordando das irmãs e se sentindo prejudicado, defendia que as mulheres "bravas" deveriam ser chamadas à ordem policial.

Soihet49 49 SOIHET, 1997a, p. 363. fala sobre o "caráter multiforme" da violência que incidia sobre as mulheres, o que fica claro nesse caso, no qual nem "brava" a mulher poderia ficar e já era considerada caso de polícia. A autora lembra que as respostas encontradas pelas mulheres vitimadas pela violência foram várias, e que devemos considerar "não só a violência estrutural que incidia sobre as mulheres, mas também aquelas formas específicas decorrentes de sua condição de gênero; esses aspectos se cruzam na maioria das situações."

Diversas formas de violência foram registradas nas ocorrências, como podemos ver nos registros a seguir.

Antonia Monteiro queixou-se que o marido ameaçava "se separar dela, levando até sua roupa do corpo."50 50 Registro n. 66, p. 37, 07 out. 1923. Em uma situação muito semelhante, Aracy Lara se queixava de seu marido Luiz Lara, que a ameaçava de abandono juntamente com seu filho que estava doente.51 51 Registro n.76, p. 40, 22 out. 1923.

Além dos problemas de ordem moral, ocasionados pela separação e pelo abandono à família por parte do marido, a sociedade da época não aceitava a mulher abandonada e creditava a ela os erros que levaram ao fim do casamento.

Conforme Cláudia Fonseca,52 52 Claudia FONSECA, 1997, p. 525. a mulher sozinha estava "entre dois fogos: por um lado, pressões econômicas e políticas impunham a necessidade de um (novo) marido; por outro, a condenação pela opinião pública de qualquer mulher que tivesse mais de um homem na vida".

As ocorrências analisadas para o estudo apresentam um rápido contexto envolvendo as queixas, mas, como toda fonte histórica, não apreendem em sua completude todos os elementos constituintes de uma tessitura social que envolve diferentes agentes históricos.

Os registros apresentam uma síntese com uma redação bastante objetiva, constituída de elementos relevantes para o olhar da autoridade policial, com o objetivo de gerar medidas legais; todavia, o caráter fragmentário das fontes investigadas permite algumas extrapolações.

Podemos imaginar a preocupação das denunciantes, pois as ameaças por parte dos respectivos maridos e a possibilidade de se tornarem concretas ocasionariam danos morais e materiais. Não temos como saber o que pesava mais, no entanto, acreditamos que a soma dos elementos citados contribuíam para que Antonia assumisse o papel de denunciante com o intuito de assegurar, senão a continuidade do enlace matrimonial, ao menos que o abandono não se tornasse uma realidade. Provavelmente, o cumprimento da ameaça resultaria em perdas econômicas, posto que as condições materiais das camadas populares eram precárias e, por vezes, a soma de provimentos de vários membros da família era o que possibilitava condições melhores de vida.53 53 No geral, as donas de casas, além dos afazeres domésticos, muitas vezes auxiliavam na complementação da renda familiar através de outras atividades, como lavadeiras, doceiras entre outras (FONSECA, 1997).

No entanto, ao refletirmos sobre Antonia e Aracy, percebemos que, apesar das ameaças sofridas, elas assumiram uma postura de denunciantes e enfrentaram o "medo do abandono" recorrendo à ordem policial e se impondo aos maridos, explicitando que não estavam dispostas a aceitarem o abandono. Observamos também a artimanha da denunciante Aracy, ao utilizar uma postura de defesa da prole, pois registrou que o marido ameaçou não somente abandoná-la, mas também ao filho doente, ou seja, ela utilizou um elemento reconhecido juridicamente e favorável ao seu papel de denunciante, que era esposa e mãe que falava em nome do filho.

O sustento da família era de responsabilidade do seu mantenedor, ou seja, o homem (pai e chefe de família). A ideologia dominante não ecoava de forma plena em meio aos homens pobres, posto que suas condições de vida não o habilitavam para isso.54 54 SOIHET, 1997a, p. 370. Aracy, ao ser ameaçada, recorre ao discurso apregoado socialmente para assegurar o seu sustento e de seu filho.

Essa cumplicidade entre mãe e filho, segundo Mary Del Priore,55 55 Mary DEL PRIORE, 1993. garantia às mulheres não só o respaldo afetivo, mas o exercício da autoridade dentro do lar, ou seja, mesmo sendo reprimidas publicamente, no espaço privado do lar as mulheres exerciam alguma forma de autoridade, que não poderia ser contestada pelo poder masculino.

Antonia, por sua vez, não mencionou a prole, mas evidenciou a sua preocupação com a possível perda se o marido cumprisse com a promessa. Como mencionamos anteriormente, muitas mulheres contribuíam significativamente para a manutenção econômica do lar,56 56 Na ocorrência n. 1, de 11 de maio de 1917, é registrado que Valetim Dullins, em nome de sua mulher, queixava-se do pintor Romeu Humberto de Medeiros e sua mulher, que não pagaram o ordenado convencionado de lavar roupas. no entanto, o reconhecimento de provedores limitava-se à figura masculina. Antonia talvez estivesse cercada pelo medo das perdas materiais e suas consequências, caso fosse abandonada pelo marido. Ao denunciá-lo, Antonia mostrava a sua indignação frente à "ousadia" dele de ameaçar retirar-lhe "tudo" (e até a roupa do corpo) que possivelmente ela tenha auxiliado a conquistar. Por outro lado, através do aparato policial, mostrava seu empenho em buscar pelo respaldo legal ou talvez intimidar o marido para não sofrer perdas tão significativas de cunho material e moral.

A ordem estabelecida apresentava brechas, e mulheres como Antonia e Aracy lançavam mão das representações construídas acerca do papel dos homens e das mulheres na sociedade, pois, ao queixarem-se, demonstravam que as normas "dominantes" nem sempre funcionavam.

Provavelmente o registro da queixa ocorresse somente em última instância para resolver os problemas do cotidiano como, por exemplo, a violência doméstica,57 57 Entendemos violência doméstica na perspectiva de Bárbara Musumeci SOARES (1999, p. 124), que diz que esse tipo de violência é muito mais fragmentada e flexível e menos comprometida com princípios ideológicos que o modelo feminista de violência, que se resume fundamentalmente na questão de gênero. que pautava a vida de muitas mulheres, mas sem dúvida, em muitos casos, tornava-se um recurso importante para inibir situações abusivas por parte dos homens.

Outra ocorrência relacionada às perdas materiais foi a de Maria Dias, que, em defesa de sua filha e dos pertences desta, buscou apoio jurídico junto a um advogado para reverter a situação abusiva desencadeada pela atitude do genro ao expulsar a esposa de casa. Segundo o registro, datado de 19 de dezembro de 1923, a denunciante exigia os pertences que foram dados de presente para a filha pelos seus pais. O genro concordou em entregar os seguintes objetos: "1 cama, 1 chaleira, 1 frigideira, 6 pratos, 2 xícaras, 4 cadeiras, 1 bule grande". Consta ainda na ocorrência que "depois de feita a entrega vieram participar que os pratos já não existiam mais (decerto estavam quebrados) e que ainda faltava um colchão e um acolchoado".58 58 Registro n. 165, p. 79, 19 dez. 1923.

Destacamos também a ocorrência de Amália Maria da Silva, que, em 30 de maio de 1917, recorreu ao aparato policial para denunciar as ameaças que sofria por parte do proprietário da casa que alugava. Ela se queixava dos insultos e das ameaças do senhorio, que prometia expulsá-la da casa e jogar sua mobília fora. Ao que tudo indica, Amália era uma mulher humilde, de parcos provimentos, que morava sozinha na casa alugada e, provavelmente, lutava com muita dificuldade para se manter.59 59 Registro sem número, p. 2, 30 maio 1917.

Em sua queixa, asseverava ser correta com o pagamento do aluguel, no entanto, sofria constantes ameaças e ofensas do proprietário da "casinha". Chamado à "ordem policial", o senhorio admitia que a mulher efetuava os pagamentos no dia estabelecido, mas não cumpria com o combinado, ou seja, a inquilina não poderia usufruir das frutas (laranjas e bergamotas) existentes no espaço onde ficava a casa alugada. Também ressaltava que ela se negava a pagar o novo valor estabelecido para o aluguel.

É possível que Amália, cansada das ameaçadas e temerosa do cumprimento das promessas, buscou na ordem policial seus direitos. A ação de registrar a denúncia pode ser entendida como a negação, por parte das mulheres, de se submeter e aceitar os abusos e as violências cotidianas.

As tensões existentes, especialmente entre homens e mulheres, e as relações de poder que cercam as mulheres é um ponto de convergência entre os registros. Podemos perceber que as relações envoltas pelas forças discursivamente construídas explícita ou implicitamente mostram que a "incorporação da dominação não exclui afastamentos e manipulações."60 60 CHARTIER, 1995, p. 41.

Essas mulheres, ao registrarem suas queixas, buscavam o respaldo na moralidade estabelecida através da instituição policial (mantenedora da ordem). Por outro lado, mostravam uma postura questionadora frente às normas estabelecidas no cotidiano familiar. Ao denunciarem as atitudes dos maridos, jogavam com os preceitos morais vigentes e socialmente aceitos: os direitos de esposa e mãe, da mulher "séria". Por esse viés, a ordem policial, para além de um instrumento de dominação social, pode ser entendida como um "campo de conflitos,"61 61 THOMPSON, 1997. do qual muitas mulheres lançavam mão como um recurso de defesa.

Segundo Corrêa,62 62 CORRÊA, 1983, p. 11. os boletins de ocorrência analisados sugerem novas perspectivas para a compreensão das relações entre homens e mulheres, pois apresentam "um mecanismo de mediação – o judiciário – através do qual esta ordenação específica de papéis sexuais é mantida."

Outras tantas mulheres como Amália deveriam compor o cenário de Novo Hamburgo. Com ou sem filhos, esposas, solteiras, amantes ou amásias, mostravam-se capazes de resolver ou, pelo menos, buscar saídas para os tensionamentos que as cercavam.

Considerações Finais

Nosso objetivo foi esboçar algumas potencialidades existentes nas ocorrências policiais, para pensarmos a respeito do papel das mulheres e suas ações no cotidiano de uma espacialidade como Novo Hamburgo.

Nesse sentido, aproximamo-nos do que Ginzburg63 63 GINZBURG, 1990. chama de "paradigma indiciário", pois, possivelmente, o pequeno número apontado de ocorrências no estudo possa ser interpretado como um problema para alguns pesquisadores, no entanto, para nós sinalizam a necessidade de um olhar mais apurado sobre as particularidades e o papel exercido pelas mulheres das classes populares e sua participação no cenário em estudo. Acreditamos que as ocorrências policiais são somente o início, o primeiro passo para começarmos a pensar sobre as mulheres como agentes históricos.

Sabemos que a maioria das mulheres, ao longo da história, não teve sua presença registrada oficialmente, ou seja, elas permaneceram, por muito tempo, no anonimato, pois eram restritas ao domínio do privado, executando tarefas de donas de casa, de mãe, de esposa. Podemos, inclusive, afirmar que esses indivíduos eram considerados invisíveis, tanto no que dizia respeito aos seus discursos quanto aos seus corpos.

Tal invisibilidade somente foi rompida, em alguns momentos (verificados no período histórico abordado), por textos como os selecionados nesta pesquisa, os quais são queixas de violências sofridas por mulheres das classes populares. Esses relatos nos desvelam suas agonias e que, apesar de terem sido orientadas ao obscurantismo, decidem aclarar seus sofrimentos, revelando-os à sociedade.

Ao revelarem essa violência, as mulheres apontam para dois aspectos muito importantes, quais sejam a própria invisibilidade e a violência. Ressaltamos nas reflexões realizadas a presença da violência no âmbito doméstico, praticada, muitas vezes, pelos maridos, indicando, assim, o exercício do poder sob suas esposas.

Pelo número de registros, observamos que os casos de violência contra as mulheres e, em algumas vezes, contra seus filhos também era algo corriqueiro na sociedade, como se houvesse a permissão, por parte dessa sociedade, para atacá-las de maneira simbólica ou de fato.

Ainda quanto a esses registros, retomamos o aspecto do invisível conferido às mulheres, pois vimos que em alguns desses relatos não havia o nome das queixosas, sendo tratadas como esposas de alguém, o que indica que elas tinham sua identidade atrelada ao marido e que sem ele talvez deixassem de valer para a sociedade.

Compreendemos que existe uma vasta produção de trabalhos que utilizam o aparato judicial para análise das discussões de gênero e das histórias das mulheres, entretanto, nosso foco reside em pensar as mulheres e suas ações na dinamicidade histórica da região do Vale do Rio dos Sinos. Nosso primeiro passo foi desvelar algumas mulheres, ou melhor, alguns personagens no cotidiano do então distrito de São Leopoldo. O desafio maior é dar continuidade a estudos que promovam as mulheres e suas ações, em outras localidades e em outros tempos, ligados à história dessa região. Talvez buscar por outras Marias e Valentinas com as quais nos deparamos e que aguçaram nossa curiosidade.

Não poderíamos fazer o exercício de repensar a historiografia local sem desnudar as ações e construções femininas. Nossas formulações são um exercício frente à avidez provocada pelos indícios encontrados na fonte e que despertaram a vontade de conhecer mais da tessitura do cotidiano que cercam alguns personagens apresentados.

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[Recebido em 6 de setembro de 2011, reapresentado em 17 de agosto de 2012 e aceito para publicação em 5 de dezembro de 2012]

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  • THOMPSON, Edward P. Senhores e caçadores: a origem da lei negra 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.
  • 1
    São exemplos de trabalhos vinculados ao grupo de pesquisa Cultura e Memória da Comunidade da Universidade Feevale: Entre a preteza e a brancura brilha o Cruzeiro do Sul: Associativismo; Identidade negra em uma localidade teuto-brasileira (Novo Hamburgo/RS); O Negro no mundo alemão: cidade, memória e ações afirmativas no tempo da globalização; Pedro Adams Filho: Empreendedorismo, Indústria calçadista e emancipação de Novo Hamburgo (1901-1935).
  • 2
    O 5 de Abril foi o primeiro jornal da cidade de Novo Hamburgo. Criado em maio de 1927, um mês após a emancipação da cidade, e circulou até fevereiro de 1962.
  • 3
    Carla PINSKI, 2009.
  • 4
    Michel de CERTEAU, 1994, p. 41.
  • 5
    Trabalhamos com a perspectiva da violência física, mas também da violência simbólica – desvalorização do trabalho feminino, imputação da incapacidade política e civil, diferentes formas de ameaças verbais, entre outros (Pierre BOURDIEU, 1999).
  • 6
    Cecília Mac Dowell SANTOS e Wânia P. IZUMINO, 2005.
  • 7
    SANTOS; IZUMINO, 2005
  • 8
    SANTOS; IZUMINO, 2005, p. 3
  • 9
    Miriam GROSSI, 2006.
  • 10
    Nome que fazia referência ao cinturão periférico habitado por negros, mestiços e brancos, geralmente de origem não germânica (Lucas BENDER, 2007, p. 263).
  • 11
    Também periferia por muito tempo agregou em sua maioria moradores negros de Novo Hamburgo.
  • 12
    Raquel SOIHET, 1997, p. 367.
  • 13
    Henrique Espada LIMA, 2006, p. 358.
  • 14
    Carlo GINZBURG, 1991.
  • 15
    Martin BEHREND, 2002.
  • 16
    Sobre a história de Novo Hamburgo ver Jeferson SELBACH, 1999; e Claudia SCHEMES, 2006.
  • 17
    SELBACH, 2006, p. 115.
  • 18
    SELBACH, 2006, p. 133.
  • 19
    Sílvia PETERSEN, 1986.
  • 20
    SOIHET, 1997b.
  • 21
    Maria Amélia TELES, 1999, p. 44.
  • 22
    Céli Regina PINTO, 2003, p. 26.
  • 23
    Marina MALUF e Maria Lúcia MOTT, 1998, p. 373.
  • 24
    Susan BESSE apud Cristina BRUSCHINI, 1990, p. 6.
  • 25
    Margareth RAGO, 1987, p. 63.
  • 26
    Leopoldo PETRY, 1944, p. 96.
  • 27
    Entendemos as queixas como uma construção descritiva que tem por objetivo produzir a escuta e expor um contexto mediante os fatos descritos (Maria Filomena GREGORI, 1993). Na descrição elaborada, percebe-se um contexto envolto pelas questões relacionais e dinâmicas que cercam as questões de gênero. Sendo assim, selecionamos algumas queixas que foram registradas no segundo distrito de São Leopoldo (Novo Hamburgo) para podermos realizar uma reflexão acerca da violência no contexto acima apresentado.
  • 28
    Registro n. 40, p. 25, 28 ago. 1923.
  • 29
    BOURDIEU, 1999, p. 46.
  • 30
    Registro n. 59, p. 33, 29 set. 1923.
  • 31
    Jacques DONZELOT, 1986, p. 46.
  • 32
    Phillipe ÀRIES, 1981, p. 238.
  • 33
    Michelle PERROT, 2009, p. 103.
  • 34
    PERROT, 2009, p. 250.
  • 35
    Marlene Neves STREY, 2001, p. 48.
  • 36
    PERROT, 2009, p. 262.
  • 37
    PERROT, 2009, p. 259.
  • 38
    SANTOS e IZUMINO, 2005, p. 14.
  • 39
    Joan SCOTT, 2012.
  • 40
    SCOTT, 2012.
  • 41
    SCOTT, 2012, p. 28.
  • 42
    Registro n. 98, p. 54, 12 nov. 1923.
  • 43
    Sidney CHALHOUB, 2001.
  • 44
    Elizabeth ANCELLI, 2004, p. 120.
  • 45
    Registro sem número, p. 1, 16 set. 1920.
  • 46
    Registro n.4. p. 2, 31 maio 1917.
  • 47
    Registro n.61, p. 34, 2 out. 1923.
  • 48
    Registro n. 69, p. 37, 11 out. 1923 e registro n. 71, p. 38, 13 out. 1923.
  • 49
    SOIHET, 1997a, p. 363.
  • 50
    Registro n. 66, p. 37, 07 out. 1923.
  • 51
    Registro n.76, p. 40, 22 out. 1923.
  • 52
    Claudia FONSECA, 1997, p. 525.
  • 53
    No geral, as donas de casas, além dos afazeres domésticos, muitas vezes auxiliavam na complementação da renda familiar através de outras atividades, como lavadeiras, doceiras entre outras (FONSECA, 1997).
  • 54
    SOIHET, 1997a, p. 370.
  • 55
    Mary DEL PRIORE, 1993.
  • 56
    Na ocorrência n. 1, de 11 de maio de 1917, é registrado que Valetim Dullins, em nome de sua mulher, queixava-se do pintor Romeu Humberto de Medeiros e sua mulher, que não pagaram o ordenado convencionado de lavar roupas.
  • 57
    Entendemos violência doméstica na perspectiva de Bárbara Musumeci SOARES (1999, p. 124), que diz que esse tipo de violência é muito mais fragmentada e flexível e menos comprometida com princípios ideológicos que o modelo feminista de violência, que se resume fundamentalmente na questão de gênero.
  • 58
    Registro n. 165, p. 79, 19 dez. 1923.
  • 59
    Registro sem número, p. 2, 30 maio 1917.
  • 60
    CHARTIER, 1995, p. 41.
  • 61
    THOMPSON, 1997.
  • 62
    CORRÊA, 1983, p. 11.
  • 63
    GINZBURG, 1990.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jan 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      06 Set 2011
    • Aceito
      05 Dez 2012
    • Revisado
      17 Ago 2012
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