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Sraffa e as “leis dos retornos”: uma análise dos artigos de 1925-1926

Sraffa and the “laws of returns”: an analysis of the 1925-1926 articles

RESUMO

Este artigo faz uma análise de dois textos de Sraffa publicados em 1925 e 1926, com críticas à teoria marginalista dominante, que pressupõe concorrência perfeita e retornos decrescentes. Sraffa concluiu que esse modelo só se aplica no caso de rendimentos constantes. Esses dois artigos serviram de base para que Sraffa, quase 30 anos depois, formulasse uma demolidora crítica à teoria marginalista ou subjetiva do valor ao propor um modelo de preços e distribuição da renda entre salários e lucros e que não depende da hipótese de mudanças na escala de produção ou nas proporções dos fatores.

PALAVRAS-CHAVE:
Sraffa; custos; preços; concorrência imperfeita

ABSTRACT

This article analyzes two texts by Sraffa published in 1925 and 1926 with criticisms of the dominant marginalist approach, which presupposes free competition and diminishing returns. Sraffa concluded that such a model only applies in the case of constant returns. These two articles served as a basis for Sraffa, almost 30 years later, to formulate a devastating critic of the marginalist or subjective theory of value by proposing a model of prices and income distribution that does not depend on the hypothesis of changes in the scale of production or in the proportion of factors.

KEYWORDS:
Sraffa; costs; prices; imperfect competition

INTRODUÇÃO

O tamanho da obra do economista italiano Piero Sraffa (1898-1983), como é sabido, não é proporcional à importância que teve para a formação do pensamento econômico do século XX. Basta lembrar que a lista de seus seguidores ou intérpretes já foi engrossada o suficiente para dar lugar a uma vertente teórica de forte influência - os neorricardianos. No entanto, ao longo de toda a sua vida acadêmica, Sraffa ficou conhecido por ter escrito apenas três trabalhos, que, somados, não chegam a duas centenas de páginas.

O primeiro, publicado em 1926 no The Economic Journal (vol 36 - 144 - p. 535-550), é o artigo “The Laws of Returns under Competitive Conditions” (As Leis dos Rendimentos sob Condições de Concorrência”). Nesse artigo, de apenas 15 páginas, Sraffa abriu caminho para a revolta contra a ortodoxia marginalista no lugar de uma de suas fortalezas mais importantes: a Universidade de Cambridge. Sraffa se insurgia contra o postulado da “concorrência perfeita”, demonstrando que ele violava a própria lógica1 1 “Competição perfeita é aquela situação na qual a firma individual pode vender ‘tanto quanto queira’ a um preço que o mercado determina independente da produção da firma. Se, a níveis cada vez maiores de produção, o custo unitário do produto da firma é menor, haveria algo para obstar a expansão indefinida da firma? Porém, se a firma se expandir indefinidamente e, dessa forma, absorver todo o mercado, onde fica a competição perfeita? Isto é o que chamaremos de dilema de Sraffa”. (Shackle, 1991, p. 12). . Seria necessário, segundo ele, reconstruir a teoria de preços levando em conta que a maioria das empresas podia usufruir de ganhos de escala e que, portanto, seria vantajoso crescer até o ponto em que tais ganhos são compensadores, concluindo que os principais mercados operam sob condições de “concorrência imperfeita”2 2 Este artigo de 1926 desencadeou forte polêmica e favoreceu o surgimento de várias obras sobre concorrência imperfeita, destacando-se o livro The Economic of Imperfect Competition, de Joan Robinson, publicado em 1933. Ver: Keynes, Kalecki, Sraffa, Robinson (1979). Coleção “Os Pensadores”, capítulo 71. .

O segundo trabalho mais importante de Sraffa foi sua Introdução ao “The Works and Correspondence of David Ricardo”, obra com 11 volumes publicada pela Cambridge University Press entre 1951 e 1973 a pedido da Royal Economic Society.

O terceiro foi “Production of Commodities by Mean of Commodities - Prelude to a critique of Economic Theory”, publicado em 1960 pela Cambridge University Press, obra seminal com a qual Sraffa obteve o reconhecimento acadêmico. O livro, de apenas 99 páginas, foi concluído em março de 1959, mas os primeiros rascunhos remontam ao final de 1927 (Naldi, 2018Naldi, Nerio (2018) On the Origins of Piero Sraffa´s Equations. New Evidence Following Pierangelo Garegnani´s Lead - Working Papers 33, Dec/2018, Centro di Ricerche e Documentazione Piero Sraffa, p. 5). Sraffa demonstrou que o preço de uma mercadoria é determinado em última análise pela quantidade de trabalho que é consumida direta e indiretamente na produção dessa mesma mercadoria nos seus sucessivos estágios de produção. Para chegar a esta conclusão, Sraffa utilizou o método que ele chamou de “Redução a quantidades datadas de trabalho” (Sraffa, 1960, Parte I, cap VI).

Na economia clássica, baseada na teoria do valor-trabalho, a distribuição precede a determinação dos preços das mercadorias, de modo que é necessário que uma das duas variáveis distributivas, a taxa de salário ou de lucros, seja fixada fora do sistema de produção. Sraffa propôs que a taxa de lucro seria a variável independente, tendo como referência o nível da taxa monetária de juros.

A medida de valor proposta por Sraffa para determinar os preços de produção, a mercadoria-padrão, possui a propriedade de ser invariável às mudanças na distribuição entre salários e lucros, isto é, uma redução (aumento) nos lucros é exatamente compensada por um aumento (redução) nos salários, ambos em termos agregados (Anderaos de Araujo, 2019Anderaos de Araujo, Fabio (2019). Sraffa and the Labour Theory of Value - a note - Brazilian Journal of Political Economy, 39 (4), p. 614-637., p. 621).

Muito menos conhecido é o artigo publicado em 1925 na revista Annali di Economia, da Universidade Luigi Bocconi, quando Sraffa ainda residia na Itália, cujo título é “Sulle relazioni fra costo e quantità prodotta”. Esse texto costuma ser lembrado como uma versão preliminar do artigo de 1926 e apenas mencionado como ilustração, geralmente em notas de rodapé na lista de seus trabalhos.

Por exemplo, Possas (1983Possas, Mário Luiz (1983). Apresentação ao livro Produção de Mercadorias por Meio de Mercadorias - São Paulo, Abril Cultural - Coleção Os economistas, p. 151-171, p. 154), ao fazer a apresentação da obra de Sraffa na tradução brasileira de Produção de Mercadorias por Meio de Mercadorias - Prelúdio a uma Crítica da Teoria Econômica, refere-se ao artigo de 1925 como “uma primeira versão de seu importante artigo de 1926”. Da mesma forma, na nota introdutória que Tolipan e Guimarães (1982Tolipan, Ricardo e Guimarães, Eduardo A. (1982) Uma nota introdutória ao artigo “As leis dos rendimentos sob condições de concorrência”, Literatura Econômica. Rio de Janeiro: IPEA., p. 5) fizeram à tradução do artigo de 1926 para a revista Literatura Econômica, afirmam apenas que se trata de uma reelaboração de “uma versão italiana pouco anterior”.

O fato é que o artigo de 1925 é bem mais completo que o de 1926 e não o contrário, como dão a entender os apresentadores da tradução brasileira. Inicialmente cabe mencionar que enquanto o primeiro possui 60 páginas, o segundo artigo, de 1926, possui ao todo 16 páginas. A discussão das leis dos rendimentos ou retornos é muito mais detalhada no artigo em italiano do que na versão inglesa. É bom lembrar que essa opinião, em si, não é nova. Schumpeter, na sua monumental obra História da Análise Econômica (1964Schumpeter, Joseph Alois (1964). História da Análise Econômica - Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, v.3, p. 374, nota de rodapé 229) já chamava a atenção para o artigo de 1925, “que mostra os pontos de partida de Sraffa e a natureza de seu trabalho brilhantemente original., muito melhor do que o artigo em inglês”.

É falsa a impressão de que o artigo de 1925, em italiano, foi simplesmente traduzido para o inglês. Provavelmente, foi o fator que mais contribuiu para o descaso da comunidade acadêmica em relação ao artigo de 1925, além do idioma, é claro. Isso explica por que até livros mais modernos de microeconomia, que associam o nome de Sraffa à “grande controvérsia de custos dos anos 20” (Koutsoyannis, 1982Koutsoyannis, A. (1982) Modern Microeconomics, London, The Mac Millan Press Ltd., p. 202), não façam nenhuma referência ao artigo de 1925, que é exatamente o texto pelo qual Sraffa trata em detalhes a questão dos custos e da produtividade sob a ótica da teoria marginalista.

Além do artigo de 1925 já referido, também é feita uma reconstituição histórica do contexto em que foram escritos os dois artigos com o propósito de proporcionar melhor compreensão da importância deles, tanto no que se refere à crítica ao método marshalliano (Alfred Marshall, 1842-1924), dominante no meio acadêmico durante o início do século XX, quanto do próprio conjunto da obra de Sraffa. O artigo de 1926 é analisado apenas naquilo que difere de seu precursor de 1925.

Por último, é realizada uma breve tentativa de avaliar a influência desses dois artigos da década de 1920 sobre Produção de Mercadorias por Meio de Mercadorias.

UM POUCO DE HISTÓRIA

Depois ter concluído o curso de Direito em Turim, Itália, entre 1916 e 1920, Sraffa ficou um período na London School of Economics, entre 1921 e 1922. Foi nessa época que Sraffa procurou Keynes, em Cambridge, portando uma carta de apresentação de Mary Berenson (Mary Whitall Smith), esposa um amigo comum da família de Sraffa, o renomado especialista em arte renascentista Bernard Berenson.

Não podemos esquecer que Piero Sraffa era filho de Angelo Sraffa (1865-1937), a maior autoridade na Itália em Direito Comercial e reitor da Universidade Luigi Bocconi, em Milão. Sua mãe, Arduina Fanny Amalia Tivoli (1873-1949), provinha de uma influente e rica família de origem judaica do Piemonte, a qual possuía contatos na Itália e no exterior com personalidades e intelectuais da época.

Desse encontro surgiu o convite, da parte de Keynes, para que Sraffa escrevesse um artigo sobre o sistema bancário italiano, assunto no qual Keynes se mostrara interessado e que tinha sido objeto de estudo por Sraffa na sua monografia de graduação.

O artigo de Sraffa acabou surpreendendo Keynes positivamente pelo seu elevado nível de discussão. Ao invés de encaminhá-lo para uma revista não especializada - como era sua intenção inicial -, Keynes resolveu publicar o artigo no respeitável The Economic Journal., periódico no qual Keynes também era editor. Contudo, no início esse artigo não provocou nenhuma reação acadêmica.

Por outro lado, dois artigos escritos por Sraffa publicados em 1922 sobre a situação bancária da Itália rendeu a Sraffa a perseguição política do líder fascista Benito Mussolini (Sraffa, 1922Sraffa, Piero (1922) The Bank Crisis in Italy, The Economic Journal., 32, nº 126, p 178-197.).

Ciente do fato, em 1923 Keynes fez um primeiro convite para Sraffa mudar-se para a Inglaterra. A oferta, porém, não pôde ser aceita porque Sraffa, acusado por Mussolini de “radical perigoso”, não conseguiu visto de entrada na Inglaterra e teve que permanecer na Ilha de Man no início da Segunda Guerra Mundial por três meses, entre julho a outubro de 1940.

Durante o período que permaneceu como professor na Itália (de 1923 a 1927), sobretudo influenciado pela forte amizade que o ligava à Gramsci3 3 Em 1919 Sraffa conheceu Gramsci, célebre intelectual e militante comunista italiano. Foram amigos até a morte de Gramsci em 1937. Sraffa o apoiava politicamente e o mantinha informado com livros e revistas que lhe eram entregues na prisão. Parte da farta correspondência que trocaram entre si encontra--se publicada no livro Novas cartas de Gramsci e algumas cartas de Piero Sraffa, Editora Paz e Terra (1987). , Sraffa abandonou os seus interesses por problemas monetários e do sistema bancário e passou a preocupar-se mais com a elaboração da teoria do valor e da distribuição. Nessa direção se enquadra o esforço de Sraffa para recuperar os conceitos clássicos e aprofundar a crítica aos pressupostos da teoria marginalista, principalmente de corte marshalliano.

A preocupação de Sraffa no artigo de 1925 era demonstrar que os preços eram determinados pelas condições técnicas de produção e não pela interação entre oferta e demanda, como pregava a visão dominante (marshalliana). Além disso, a curva de oferta possuía uma natureza diferente, dependendo da forma como as mercadorias eram produzidas: se sob condições de rendimentos decrescentes ou crescentes.

O artigo de 1925 despertou a atenção de Francis Ysidro Edgeworth (1845-1926), que foi fundador e editor do periódico The Economic Journal. Edgeworth sugeriu a Keynes que pedisse a Sraffa para escrever o mesmo artigo de forma resumida para leitores que não entendiam a língua italiana e tomassem conhecimento de sua crítica a Marshall.

Segundo depoimento de Kaldor (1985Kaldor, Nicholas (1985) Piero Sraffa - 1898-1983 - Proceedings of the British Academy - vol 71 - p. 615-637, p. 622), através de carta enviada a Keynes, Sraffa desculpava-se por não poder atender ao pedido de Edgeworth mas, em troca, encaminharia o resumo de um novo artigo, o qual., caso fosse aprovado por Keynes, poderia ser publicado no The Economic Journal. Com efeito, esse texto, sob o título “The Laws of Returns under Competitive Conditions”, apareceu como artigo de capa da edição do periódico na edição de dezembro de 1926.

O artigo de Sraffa, publicado em inglês, atingiu grande repercussão4 4 “Se algum ensaio de um economista merece o título de seminal é o de Sraffa sobre rendimentos em condições competitivas, publicado em 1926. A profunda renovação que sofreu a teoria dos preços e dos mercados, a partir dos anos 30, deveu-se em grande medida à substância e à forma das questões que levantou” (Possas, 1983, p. 156). . De acordo com os Kaldor (p. 624), o texto foi escrito em apenas dois meses, entre junho e agosto de 1926. Apesar de Sraffa não ter ainda adquirido fluência na língua inglesa, como demonstram suas cartas a Keynes na época, “o artigo foi escrito em inglês corrente, límpido e preciso, num estilo acadêmico elegante, sem nenhuma frase ou adjetivo supérfluo” (Kaldor, p. 623).

Depois de repetir nas páginas iniciais as conclusões do artigo de 1925, atacando a lei dos rendimentos não proporcionais - a qual fundamenta a curva de custo médio na forma de “U”, de onde deriva-se a curva de oferta da firma competitiva -, Sraffa, no artigo de 1926, questiona o conceito de concorrência pura e a análise do equilíbrio parcial.

Nesse aspecto, Sraffa aponta dois caminhos para a análise marshalliana: assumir rendimentos constantes ou aceitar a evidência empírica das economias de escala5 5 Economias de escala são as reduções do custo unitário de produção que resultam do aumento do tamanho da unidade produtiva. Marshall diferencia economias de escala “internas” (que dependem diretamente do tamanho da empresa) e “externas” (que dependem do tamanho de um grupo de empresas). Ver: Steindl (1990, p. 33). e abrir mão da análise da concorrência (Tolipan e Guimarães, 1982Tolipan, Ricardo e Guimarães, Eduardo A. (1982) Uma nota introdutória ao artigo “As leis dos rendimentos sob condições de concorrência”, Literatura Econômica. Rio de Janeiro: IPEA., p. 5). O artigo italiano de 1925 opta pela primeira alternativa (custos constantes), com a ressalva que se trata de uma aproximação da realidade. Já o artigo de 1926, em inglês, é explícito na escolha da segunda alternativa6 6 “Torna-se necessário, portanto, abandonar o caminho da livre concorrência e voltar para o lado oposto, isto é, em direção ao monopólio [...]” (Sraffa, 1982, p. 22). , o que tem desdobramento direto no desenvolvimento da teoria da concorrência imperfeita, no início da década de 19307 7 Mais precisamente a análise da concorrência monopolística, marcada pelo lançamento simultâneo, em 1933, dos livros de Edward Chamberlin e Joan Robinson. A influência do artigo de Sraffa sobre o seu trabalho foi reconhecida por Robinson: “Quando voltei a Cambridge em 1929 ainda se discutia a firma representativa, [...] mas nesse meio-tempo já havia aparecido Piero Sraffa, salvo por Keynes de Mussolini. Ele cometia o sacrilégio de mostrar incoerência em Marshall [...] Meu primeiro livro, The Economics of Imperfect Competition, embora inspirado por uma indicação de Sraffa, foi principalmente influenciado pelo professor Pigou” (Robinson, 1979, p. 9). .

A reação favorável ao artigo publicado no The Economic Journal pode ser constatada pela carta que Keynes escreveu a Sraffa oferecendo-lhe emprego em Cambridge8 8 No primeiro parágrafo da carta, Keynes afirmava: “Seu artigo foi um sucesso. Com todos aqueles que tive oportunidade de falar concordam em afirmar que, com este seu artigo, o senhor se coloca entre os melhores economistas jovens”. E, mais adiante, perguntava: “[...] estaria disposto a considerar, caso lhe fosse ofertado, um cargo de professor na Universidade de Cambridge? [...] o tempo de permanência depende exclusivamente de suas preferências. Poderia vir por um ano e depois retornar à Itália ou, se preferir, poderia permanecer por um período mais longo”. (Kaldor, 1987, p. 624-625). .

Sraffa, desta vez, aceita com entusiasmo o convite de Keynes e, em outubro de 1927, é admitido em Cambridge por um período inicial de quatro anos. Embora conseguisse em pouco tempo adaptar-se em Cambridge, fazendo inclusive parte do “Cambridge Circus” - um grupo de discussão bastante próximo a Keynes, do qual faziam parte, entre outros, Joan Robinson, Richard Kahn e James Meade.

Sraffa tinha dificuldade em dar aulas por causa de sua timidez. Assim, em 1930, comunicou a Keynes o seu desejo de pedir demissão e retornar à Itália. Keynes, que não desejava privar-se do seu convívio, convenceu-o a ficar e aceitar o cargo de bibliotecário na Marshall Library. Os anos que Sraffa permaneceu em Cambridge foram divididos entre a edição da obra completa de David Ricardo, confiada a ele por Keynes sob encomenda da Royal Economic Society e da organização de seminários de pesquisa.

Os seus seminários eram bastante concorridos e, nessas ocasiões, Sraffa “falava pouco, apenas para assinalar um ou outro ponto de inconsistência do expositor” (Furtado, 1985Furtado, Celso (1985) A Fantasia Organizada. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, p. 203)9 9 Celso Furtado, em seu livro de memórias (Fantasia Organizada), conta que, em Cambridge, havia muitos grupos de discussão, mas aqueles que debatiam temas verdadeiramente interessantes eram fechados, organizados em torno de certas pessoas. Nesses, destacavam-se os seminários de Nicholas Kaldor e Piero Sraffa, marcados por longas discussões a que tinham acesso alguns poucos iniciados. Furtado, que conheceu Sraffa pessoalmente, o define como “uma das mentes mais finas que se tenham dedicado à economia, espécie de maníaco do rigor lógico, capaz de passar anos dando voltas a um problema. Era querido de seus discípulos, sobre os quais exercia um certo terror” (Furtado, 1985, p. 203). .

A HEGEMONIA DA ORTODOXIA MARSHALLIANA

Na visão marshalliana, a interação entre oferta e procura determinava simultaneamente preço e produção, configurando uma situação de equilíbrio estável da qual os agentes econômicos dela não se afastariam10 10 “Quando a procura e a oferta estão em equilíbrio, a quantidade da mercadoria que se produz numa unidade de tempo pode ser chamada de ‘quantidade de equilíbrio’, e o preço ao qual está sendo vendida, ‘preço de equilíbrio’. Tal equilíbrio é ‘estável’, isto é, se o preço dele se afasta um pouco, tende a voltar como um pêndulo oscila em torno de seu ponto mais baixo [...] se um acidente qualquer deslocar a escala de produção de sua produção de equilíbrio, imediatamente entrarão em jogo forças tendentes a fazê-la voltar a essa posição” (Marshall, 1982, vol., p. 32-33). . Os fatores de produção podem ser combinados entre si em diferentes proporções, de acordo com o “princípio de substituição”, isto é, se os produtores não estiverem satisfeitos com determinada combinação de fatores de produção procurarão substituí-la por outra mais econômica ou vantajosa11 11 “[...] sempre que parecer aos produtores não ser a combinação de fatores escolhida a mais adequada, eles, de imediato, porão em serviço, em substituição ao anterior, o método menos dispendioso [...] podemos, por comodidade de referência, designar esse princípio por ‘princípio de substituição’”. Ibidem, p. 32-33. .

Outra hipótese admitida é a da livre concorrência, isto é, “compradores competem em geral livremente com outros compradores, e os vendedores igualmente com outros vendedores [...] seu conhecimento do que os outros estão fazendo supõe-se ser geralmente suficiente para evitar que ele aceite um preço menor ou pague um maior do que os outros” (Marshall, 1982Marshall, Alfred (1982) Princípios de Economia, São Paulo, Abril Cultural., Coleção Os Economistas, vol. I e II, vol. II, p. 30). Finalmente, o painel marshalliano é completado pela aceitação da lei dos rendimentos físicos marginais decrescentes, responsável pelo desenho da curva de custos em forma de “U”.

A lei dos rendimentos decrescentes da terra tem sido geralmente creditada na conta da escola clássica inglesa12 12 Segundo Pasinetti (1979, p. 109), a lei dos retornos decrescentes da terra foi apresentada simultaneamente, num espaço de 21 dias, por quatro economistas ingleses: Thomas Malthus, Edward West, David Ricardo e Robert Torrens. A simultaneidade desses trabalhos foi uma resposta à reação de um proprietário de terra que, em defesa da polêmica “Lei dos Cereais”, argumentou que a importação de trigo a preços mais baixos sustaria os melhoramentos na agricultura e inviabilizaria a aplicação de capital nas terras menos férteis. , embora Sraffa (1989Sraffa, Piero (1989) Relações entre Custo e Quantidade Produzida - São Paulo/Campinas, Hucitec/Unicamp) e o próprio Marshall (1982Marshall, Alfred (1982) Princípios de Economia, São Paulo, Abril Cultural., Coleção Os Economistas, vol. I e II) chamaram a atenção de que ela foi apresentada pela primeira vez pelo economista fisiocrata Turgot (1727-1781). Essa “lei” transformou-se num poderoso instrumento de análise que tornou o princípio da população de Malthus, e a visão pessimista de Ricardo sobre o desenvolvimento de uma sociedade capitalista, num dogma a ser seguido sem discussão.

No volume I dos “Princípios”, Marshall retoma a questão da fertilidade da terra e a tendência ao rendimento decrescente, a qual procurará, mais adiante, generalizar para toda a economia (e não somente para a agricultura). Começa por criticar o “descuido” de Ricardo em relação à possibilidade de mudança, a qual poderia ser prevista, se não pela série de eventos que estavam por vir, ao menos pela história da agricultura inglesa. Isso não o impede, entretanto, de admitir que a tendência ao rendimento decrescente, embora possa ser detida por algum tempo por meio de aperfeiçoamentos nas técnicas de produção, por fim se mostrará inevitável13 13 “Quaisquer que possam ser os progressos futuros nas artes agrícolas, um contínuo aumento de aplicação de capital e trabalho na terra deve, por fim, resultar numa diminuição da produção adicional que pode ser obtida mediante uma quantidade de capital e trabalho adicionais” (Marshall, 1982, vol. I, p. 145). .

Marshall utilizou-se do artifício das economias externas para explicar a existência de rendimentos crescentes a longo prazo, ao mesmo tempo que procurou utilizar mais o equilíbrio da firma (ou indústria) a curto prazo, em que a capacidade de produção é fixa, escapando da questão tecnológica. Por “economias externas”, Marshall entendia aquelas dependentes do desenvolvimento geral da indústria, diferenciando-se das economias internas, estas dependentes dos recursos e da forma como as empresas se organizam.

A “empresa representativa”, definia Marshall, era a firma que, tendo tido “uma existência bastante longa e razoável êxito, que seja dirigida com habilidade normal e que tenha acesso normal às economias externas e internas pertencentes àquele volume de produção” (Marshall, 1982Marshall, Alfred (1982) Princípios de Economia, São Paulo, Abril Cultural., Coleção Os Economistas, vol. I e II, p. 2267). Por trás desse conceito, estava a ideia de que um crescimento da escala em geral da produção na indústria implica custos decrescentes para as firmas14 14 Steindl (1990, p. 17)) afirma ser a empresa representativa “um conceito vago”. Segundo ele, Marshall superestimou a importância da aptidão pessoal do empresário e deu uma imagem irrealista da rapidez com que aparecem no cenário novos grandes empresários. . Ao enfatizar a indústria e não a firma, Marshall procurava preservar intocada a livre concorrência (ele não costumava usar a expressão “concorrência perfeita”). Ele percebera - como Sraffa chama a atenção em seus artigos - que retornos crescentes são incompatíveis com o suposto equilíbrio competitivo.

O ARTIGO DE 1925: PREENCHENDO “CAIXAS VAZIAS”

O ponto central da crítica de Sraffa à visão neoclássica, no artigo de 1925, se dirige ao inadequado uso de conceitos dos clássicos pelos manuais de economia neoclássicos de corte marshalliano15 15 “A crítica de Sraffa não foi o único ataque à teoria de Marshall naquela época. Na verdade, o assunto foi muito debatido durante os anos 1920 e início dos anos 1930” (Brondino e Lazzarini, 2017, p. 136). . Especificamente, o principal objeto de crítica de Sraffa foi a versão de Marshall da teoria marginalista com base no método de equilíbrio parcial. De acordo com este método, pode-se estudar os determinantes do valor de uma única mercadoria independentemente do que acontece no resto dos mercados (Brondino e Lazzarini, 2017Brondino, Gabriel e Lazzarini, Andres (2017) Sraffa’s 1920s critique and its relevance for the assessment of mainstream microeconomics - Research in the History of Economic Thought and Methodology. Published online: p. 131-151. https://doi.org/10.1108/S0743-41542017000035B006
https://doi.org/10.1108/S0743-4154201700...
, p. 146). O que Sraffa mostrou em seus artigos de 1925 e 1926 foi a incompatibilidade entre as diferentes curvas de oferta e o equilíbrio parcial.

A teoria da produtividade decrescente, além de referir-se à renda da terra (como em Ricardo), era enfocada do ponto de vista da “distribuição” entre lucros, salários e renda da terra. Já a produtividade crescente era discutida em relação à divisão do trabalho, portanto, pelo lado da “produção”. Na verdade, segundo Sraffa, o que os neoclássicos fizeram foi fundir essas duas tendências numa só, a chamada “lei da produtividade não proporcional”, construindo sobre ela a sua teoria de preços. A conexão fundamental entre custo de produção e quantidade produzida, no qual se fundamenta a citada lei, permanecia como uma “caixa vazia”.

1a “caixa”: custos crescentes

As “supostas circunstâncias” que dão origem à variação do custo, tomando como exemplo dois fatores de produção, consistem em que um permanece constante enquanto o outro aumenta. Disso decorre que variações na proporção entre a quantidade dos dois fatores dá origem à produtividade decrescente, ao passo que um aumento no tamanho do ramo de atividade dá origem à produtividade crescente. Sraffa não acredita que as mesmas circunstâncias possam gerar retornos decrescentes ou crescentes. Para sustentar seu argumento, Sraffa faz uso do gráfico a seguir.

Seu ponto de partida é a lei da produtividade decrescente, tal como foi formulada pela primeira vez pelo fisiocrata Turgot em 1768, na qual afirma haver uma tendência à produtividade crescente para cada aplicação inicial de trabalho e capital à determinada terra, seguida de produtividade decrescente até o ponto que a produção atinge o seu máximo. Porém, a etapa inicial de rendimentos crescentes somente seria atingida se o agricultor não conhecesse a melhor maneira de cultivar a terra, uma vez que poderia obter uma produtividade maior dos fatores cultivando apenas uma parte ao invés de toda a extensão de terra.

O eixo x mede as quantidades sucessivas de capital e trabalho aplicados sobre uma superfície total de terra e o eixo y mede a produção obtida. A curva OAB representa o produto marginal e a curva pontilhada OPD mostra o produto médio. O ponto P, de intersecção das duas curvas, corresponde à máxima produtividade média. Se o agricultor empregasse um volume de capital e trabalho, digamos OS, menor que o necessário para cultivar toda a terra (deixando, portanto, ociosa a fração de terra SM/OM), ele alcançaria uma maior produtividade dos fatores de produção (no caso, a produção OEUS ao invés de OTRS). Nesse caso, a curva de produtividade será representada por uma reta EP até o ponto de produtividade máxima, começando a decrescer a partir daí. Ao longo do seu percurso, entretanto, a produtividade poderá ser constante ou decrescente, mas, em nenhuma hipótese, crescente. Em outras palavras, isso significa que o formato da curva de produto médio será EPD e não OPD.

A seguir, Sraffa passa a investigar se existe uma causa comum para a existência do fenômeno da produtividade decrescente, resultante da proporção na qual são combinados os fatores de produção. Passa então a rebater a tese de Marshall (apudManeschi, 1987Maneschi, Andrea (1987) Análise comparativa de “As Leis dos Rendimentos sob Condições Competitivas” de Sraffa e de seu precursor italiano. Porto Alegre: FEE, 8(2): 3-20, p. 7) de que “rendimentos decrescentes possuem suas raízes, a primeira nos atributos da natureza humana e a segunda nas condições técnicas da indústria”. A explicação de Marshall, na opinião de Sraffa, não é satisfatória, visto que estava baseada em fatores muito heterogêneos entre si, como a natureza humana e as condições técnicas da indústria16 16 “[...] não é muito estranho que dois elementos tão heterogêneos como a natureza humana e a técnica industrial determinem resultados tão semelhantes? [...] é ainda mais improvável que aquelas condições técnicas, que provocam produtividade decrescente nas doses sucessivas de um fator aplicado a outro constante, sejam análogas em um grande número de indústrias muito diverso [...]” (Sraffa, 1989, p. 33). . Se essas indústrias se assemelham na produtividade decrescente de um fator, é mais lógico supor que essa semelhança decorra de um fator em comum a todas elas, qual seja, a sua relação com a natureza humana.

Marshall considerou a hierarquização das terras em ordem decrescente de fertilidade como um “descuido” de Ricardo, menosprezando a possibilidade de mudança, seja nas técnicas de produção, seja no simples aumento da procura por produto, que poderia inverter a ordem de fertilidade em que a terra havia sido originariamente classificada.

Mas como definir a fertilidade da terra?, questiona Sraffa. Marshall optou, entre duas frações de terra, por aquela que apresenta uma produção média maior. Malthus e Mill definiram terra de qualidade inferior como aquela que necessita de mais capital para produzir uma determinada quantidade e aquela que, com igual trabalho, rende menor quantidade de produto, respectivamente.

Para Sraffa, essas definições, particularmente às de Malthus e Mill, têm o defeito de pressupor que os dois lotes de terra cultivados tenham a mesma área, pois, na ausência de tal pressuposto, automaticamente seria considerado mais fértil o lote mais extenso. Como, na prática, não existe nenhuma necessidade de que os lotes cultivados tenham a mesma extensão, tais definições levariam a concluir que seriam cultivados em primeiro lugar os lotes mais extensos, o que é um absurdo! Segundo Sraffa, é conveniente atingir, no cultivo de cada lote de terra, o ponto de máxima produtividade média (ponto P, na Figura 1, que coincide também com a produtividade marginal) e, somente após isso, convém passar para o outro lote menos fértil. Se fosse cultivado um outro lote, para cada unidade de despesa, seria obtido um produto menor17 17 O essencial da produtividade decrescente é que “ela deriva do fato de ser conveniente, e geralmente possível, dispor em ordem descendente de eficiência as quantidades dos fatores de produção e as diversas maneiras de empregá-los, ordem essa perfeitamente determinada” (Ibidem, p. 46). .

Figura 1
Custos crescentes

Outra fonte de divergência de Sraffa com a análise neoclássica está na construção da curva de oferta agregada, a partir da soma de uma série de curvas individuais. É fato que nas indústrias que operam com custos crescentes, a curva de oferta agregada é igual ao custo marginal., o qual., em condições de equilíbrio, é igual ao preço. Porém, esse raciocínio não leva em conta que esse equilíbrio geral resulta de uma série de equilíbrios individuais que as empresas concorrentes devem atingir independentemente umas das outras. O princípio da produtividade decrescente opera somente para o conjunto da indústria, onde a quantidade disponível dos fatores é fixa, mas cada produtor individualmente pode aumentar ou diminuir a quantidade de determinado fator sem influir consideravelmente no seu preço. Logo, é possível que, não obstante a indústria apresente custos crescentes, o produtor individual possa operar com custos decrescentes, aproveitando-se das vantagens das economias de escala.

2a “caixa”: custos decrescentes

Os custos decrescentes são resultado do fato de que o aumento da quantidade produzida por uma empresa traduz-se numa redução dos seus custos unitários. Essa diminuição é devida a duas causas: a) ao aumento do tamanho da empresa (economias de escala); b) da possibilidade de repartir os custos fixos por um número maior de unidades produzidas, provocando queda no custo médio.

A essa altura do seu artigo, Sraffa chama a atenção para o fato de que a produtividade crescente é incompatível com o regime de livre concorrência, porque “se uma empresa pode diminuir sem limites os seus custos aumentando a produção, continuará a reduzir o preço de venda até ter conquistado todo o mercado, e então estará fora da hipótese de concorrência” (1989Sraffa, Piero (1989) Relações entre Custo e Quantidade Produzida - São Paulo/Campinas, Hucitec/Unicamp, p. 55).

É somente nos Princípios de Economia que a teoria do preço de equilíbrio aparece de forma definitiva. E foi a grande habilidade de Marshall, apresentando a suas teorias como uma coisa por demais conhecida, quase um lugar-comum, que fez com que essa transformação do seu pensamento passasse despercebida18 18 “[...] substancialmente, foram substituídos os fundamentos sem que o edifício que restou sofresse qualquer abalo, e foi grande a habilidade de Marshall para fazer com que essa transformação não tivesse sido observada [...] Apresentando-a como uma coisa demais conhecida e sem novidade, quase um lugar-comum, ele possibilitou a sua aceitação como um tácito compromisso entre as necessidades da teoria da concorrência, que são incompatíveis com o decréscimo do custo individual., e a necessidade de não se afastar demais da realidade, que (estando longe da concorrência perfeita) apresenta numerosos casos de custos decrescentes daquele tipo” (Ibidem, p. 59). .

O fato de que economias externas específicas de uma indústria seja uma hipótese irreal nem sequer foi questionada. A descoberta de economias externas possibilitou a Marshall fazer a “ponte” entre as condições de produção das diversas empresas de uma indústria. O equilíbrio da firma passava a depender do custo da quantidade produzida pela firma e da quantidade produzida pelo conjunto das firmas (isto é, pela indústria). A partir disso, preservando a hipótese da livre concorrência, cada firma é incapaz de através de variações na quantidade afetar o preço de mercado, foi possível construir a curva de oferta de uma “empresa representativa” (Figura 2).

Figura 2
Custos decrescentes

O eixo horizontal representa as quantidades produzidas (x) e o eixo vertical., os custos unitários correspondentes (y). A curva de oferta deverá apresentar, de início, custos decrescentes. Mas isso não deverá ocorrer em todo o seu percurso, porque, se assim fosse, a empresa conseguiria obter o monopólio da indústria, violando a hipótese da concorrência. Portanto, a curva de oferta da firma representativa terá a forma de CC’ e apresentará um ponto de máxima economia (A), correspondendo a quantidade que ela pode produzir ao menor custo.

A uma determinada produção coletiva da indústria, igual a z, corresponde um determinado ponto de equilíbrio geral. Para a firma individual., o preço é uma constante, de modo que é possível representar a curva de demanda de mercado como uma reta paralela ao eixo horizontal (DD’) e que será sempre tangente à curva de custo médio (CC’) no ponto de máxima economia (A). Também pode ser deduzida uma curva que represente as variações dos custos marginais (CC”), a qual corta a curva de custo médio no ponto de equilíbrio da firma, ou seja, produzindo uma quantidade OB e vendendo-a ao preço AB, a firma estará simplesmente obtendo o reembolso de suas despesas.

Se não houvesse economias externas, uma variação na produção da indústria z em nada afetaria as curvas individuais. Entretanto, se este for o caso, com o crescimento de z, mudaria a forma das curvas individuais, uma vez que o ponto de máxima economia (A) deveria diminuir com o crescimento da quantidade produzida coletivamente.

A soma dos pontos de máxima economia das firmas não pode ser maior do que o valor de z, a curva de oferta coletiva ou da indústria. Esta curva também representa os custos médios coletivos, os quais, junto com a curva de demanda, determinam o preço das mercadorias19 19 Neste trecho, Sraffa antecipou alguns pontos levantados por Jacob Viner no seu famoso artigo de 1931, “Curvas de Custo e Curvas de Oferta”, sobretudo da parte que trata das economias externas líquidas de produção. Segundo ele, a figura “U”, de Viner, praticamente reproduz a argumentação de Sraffa no artigo de 1925. O artigo de Viner se encontra traduzido para o português em Ensaios Selecionados de Jacob Viner (Maneschi, 1987, p. 10). .

3a “caixa”: custos constantes

Marshall admitia a existência de rendimentos constantes como um caso muito especial., onde duas forças se compensam (os custos crescentes seriam iguais aos custos decrescentes, sendo estes últimos resultantes de economias externas). Sraffa considerava arbitrário, da parte de Marshall, supor custos constantes como um caso excepcional., uma vez que se pode imaginar, de forma bem mais simples, que estes resultam não da compensação de duas forças opostas, mas devido à ausência de ambas20 20 “[...] a escassa probabilidade das hipóteses que dão origem tanto a uma quanto a outra das tendências para a variabilidade do custo, parece indicar que a ausência de ambas deve ser considerada muito mais geral - dadas as condições de equilíbrios particulares - do que a não presença de uma delas, e que, portanto, se deva jamais considerar, de forma casual., como normal o caso de custos constantes, muito mais que os casos dos custos crescentes e decrescentes” (Ibidem, nota 16, p. 72). . Para Sraffa (1989Sraffa, Piero (1989) Relações entre Custo e Quantidade Produzida - São Paulo/Campinas, Hucitec/Unicamp), se todos os fatores de produção usados em uma indústria são utilizados por muitas outras e, se as condições de produção das empresas individuais são independentes umas das outras, então pode-se dizer que a indústria opera com custos constantes.

De que modo essa “descoberta” de Sraffa afeta o enfoque marshalliano dominante nos anos 1920 sobre a determinação de preços? Por essa visão, a interação entre oferta e demanda é que, conjuntamente, determinava preço e produção, configurando uma situação de equilíbrio estável (Marshall costumava usar a imagem de duas lâminas de uma tesoura para exemplificar). Ora, quanto maior a importância dos custos constantes, tanto maior é a influência do custo de produção na determinação do preço e tanto menor o poder explicativo da “tesoura” marshalliana. Talvez fosse para evitar que isso acontecesse que os autores ligados a essa corrente sempre procuraram a explicação mais complicada e improvável para a existência de custos constantes, do que o caminho mais simples e óbvio21 21 “Já foi observado que ‘tratar as variáveis como constantes é um vício característico de economista não matemático’ [...] Deve-se perguntar, no caso por nós considerado, se os economistas matemáticos não são induzidos a ir longe demais na correção daquele vício, de forma a cair no vício oposto, isto é, considerar uma constante como sendo uma variável” (Ibidem, p. 74). Neste trecho, Sraffa referia-se especificamente a Edgeworth, como pode ser constatado na nota de rodapé feita no artigo de 1926. Ver: Sraffa (1982, p. 21). .

Para Sraffa, se os custos constantes são o único caso lógico para analisar a determinação de valor no contexto de equilíbrio parcial., então o número de empresas dentro de uma indústria torna-se indeterminado. Isto acaba sendo um problema para a teoria marginalista, uma vez que uma única empresa poderia produzir toda a produção de qualquer indústria, minando assim a própria definição de concorrência (Brondino e Lazzarini, 2017Brondino, Gabriel e Lazzarini, Andres (2017) Sraffa’s 1920s critique and its relevance for the assessment of mainstream microeconomics - Research in the History of Economic Thought and Methodology. Published online: p. 131-151. https://doi.org/10.1108/S0743-41542017000035B006
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, p. 137).

Juntando as “caixas”

A última parte do artigo de 1925, cujo conteúdo é o que guarda mais semelhança com as páginas iniciais do artigo de 1926, ocasião em que Sraffa, depois de ter discutido separadamente as condições que dão origem a custos crescentes, decrescentes e constantes, reúne as três tendências para examinar a chamada “lei dos custos não proporcionais”, na qual se baseia a curva de oferta neoclássica.

A classificação da indústria, segundo as variações de custo, é arbitrária. Se o critério for pelo uso de um dado fator de produção, como é o caso da agricultura e da siderurgia, por exemplo, que utilizam, respectivamente, como fatores de produção terra e minério, assume-se nesse tipo de atividade a tendência de custos crescentes. Alternativamente, se cada indústria for definida como única produtora de alguma mercadoria, empregando apenas uma pequena fração de cada fator de produção, provavelmente essa indústria estará sujeita a custos constantes ou mesmo decrescentes.

Introduzindo o elemento tempo, a classificação das indústrias, de acordo com variações de custo, se torna ainda mais problemática. No curto prazo, em função da pouca mobilidade dos fatores trabalho e capital., em geral prevalecem condições de custo crescentes. No longo prazo a tendência é a ocorrência de custos decrescentes. Assim, uma mesma indústria pode pertencer a uma ou outra categoria, dependendo apenas do tamanho do período considerado.

Recuperando a discussão da curva de oferta, Sraffa coloca duas condições que devem ser necessariamente satisfeitas: a) a curva de oferta da firma deve ser independente das correspondentes curvas de demanda e oferta da indústria; e b) a construção da curva de oferta individual é válida apenas para pequenas variações na quantidade produzida (que não provoquem um afastamento acentuado da posição de equilíbrio inicial). Essas condições tornam muito restrito o campo de aplicação da hipótese de custos crescentes à curva de oferta de um produto, a não ser na situação pouco provável de que uma indústria em particular absorva a totalidade de um dado fator. Mas, em geral., isso não ocorre porque o normal é que cada fator seja empregado em várias indústrias, as quais produzem mercadorias diversas.

De forma similar, as condições acima, quando aplicadas na curva de oferta com custos decrescentes, provocam um grande abalo na sua consistência. É preciso que as economias externas que originam tais custos sejam externas à firma, mas internas à indústria, isto é, não podem ser experimentadas pelas outras indústrias. Ora, tais economias externas são praticamente desprezíveis, uma vez que as mais importantes, embora tenham origem em apenas uma indústria, tendem a beneficiar todas as demais indústrias de uma mesma região.

A conclusão de Sraffa é que, num sistema de livre concorrência, a construção de curvas de oferta de uma mercadoria em particular - com base nas leis dos “custos não proporcionais” - leva a hipóteses que contradizem a própria natureza do sistema, tanto para custos crescentes quanto decrescentes. Logo, restam dois caminhos a seguir: ou se abandona a análise do equilíbrio de um único mercado em favor de uma análise de equilíbrio geral ou se despreza as variações ocorridas nas outras indústrias e se considera a mercadoria como produzida a custos constantes. Sraffa conclui o artigo de 1925 optando por este último caminho, com a ressalva de que essa escolha se constituía numa primeira aproximação da realidade.

O ARTIGO DE 1926: UM PASSO ADIANTE

No artigo de 1926, Sraffa dá um passo à frente em relação ao artigo de 1925. Quando se faz uma análise mais profunda, argumenta ele, “percebe-se que já não é mais possível manter-nos no caminho da livre concorrência”. Em dois pontos a teoria da concorrência se afasta radicalmente da realidade. Primeiro, quando supõe que o produtor não pode deliberadamente afetar o preço de mercado (os preços são sempre constantes, independentemente das quantidades produzidas). Segundo, quando aceita o pressuposto de que cada produtor em concorrência normalmente produz com custos individuais crescentes (a experiência, sobretudo no caso de consumo de manufaturados, mostra o contrário).

Amparado nessa constatação, Sraffa elabora duas saídas extremamente originais, cujo caráter precursor seria reconhecido mais tarde: a concorrência imperfeita e a crítica à hipótese neoclássica de oferta infinitamente elástica. Argumenta que os homens de negócios achariam, no mínimo, absurda a afirmação que o limite para a sua expansão é encontrada nas condições internas de produção das firmas, as quais não permitem uma produção maior sem acréscimo de custo. A verdadeira dificuldade à expansão da produção não se encontra no custo, mas sim na impossibilidade de aumentar as vendas sem reduzir o preço ou ter que incorrer em maiores despesas de comercialização22 22 “O principal obstáculo com que se deparam ao tentar aumentar gradualmente suas produções não reside no custo de produção - o qual., na realidade, geralmente os favorece -, mas sim na dificuldade de vender uma quantidade maior dos bens sem reduzir o preço ou sem terem que incorrer em despesas maiores de comercialização” (Sraffa, 1982, p. 24). .

O aspecto precursor à teoria do oligopólio, na obra de Sraffa, é incontestável. Ao sugerir o caminho oposto da concorrência, Sraffa tinha em mente uma “zona intermediária” entre a concorrência e o monopólio, uma vez que determinada indústria poderia estar mais próxima de um ou de outro extremo, mas sem se enquadrar em nenhuma dessas categorias. Do mesmo modo, ao enfatizar a demanda e não o custo como principal obstáculo à produção, tornava pública sua afinidade com as ideias que na mente de Keynes ainda estavam em gestação23 23 A ideia introduzida por Sraffa de curva de demanda descendente teria sido uma sugestão direta de Keynes. Além disso, um dos principais estudiosos da obra de Sraffa acredita que a opção pela concorrência imperfeita foi acidental: “na prática, a análise da concorrência imperfeita parece-nos um desvio que Sraffa se engaja por apenas alguns meses depois da publicação do seu artigo em italiano” (Maneschi, 1987, p. 17). .

A firma competitiva se comporta como um monopolista dentro do seu mercado particular. A elasticidade da demanda é que determina o grau de independência que um monopolista tem para a fixação do preço: em geral., quanto menos elástica a demanda de seu produto, maior o controle que exerce sobre o mercado. Na medida em que a elasticidade aumenta, a concorrência começa a se fazer sentir e menos domínio o fabricante tem sobre o mercado. O caso intermediário, em que a elasticidade da demanda é moderada, significa que “embora o monopolista tenha uma certa liberdade na fixação de seus preços, sempre que ele os aumenta é abandonado por uma parcela de seus compradores” (Sraffa, 1982Sraffa, Piero (1982) As leis dos rendimentos sob condições de concorrência - Literatura Econômica, Rio de Janeiro: IPEA, 4 (1): 13-34, p. 28).

A INFLUÊNCIA DOS ARTIGOS DE 1925/1926 NO TRABALHO POSTERIOR DE SRAFFA

Por que motivo Sraffa nos mais de 30 anos que separam seus dois artigos da publicação de Produção de Mercadorias por Meio de Mercadorias abandonou a teoria da concorrência imperfeita e a suposição de rendimentos constantes? Kaldor, que conviveu com Sraffa em Cambridge, levanta algumas hipóteses sobre esse comportamento.

Segundo Kaldor, Sraffa jamais citou alguma vez a concorrência imperfeita depois do artigo de 1926 (Kaldor, p. 631). Isso se explica pelo fato de que o objetivo principal de Sraffa era solucionar as questões básicas da teoria do valor e da distribuição que os teóricos dos séculos XVIII e XIX haviam deixado em aberto. Quando, a partir dos anos 1930, tomou para si o encargo de organizar a obra de David Ricardo, percebeu que a teoria da concorrência imperfeita não podia dar nenhuma contribuição importante nesse sentido e deixou-a de lado24 24 Outros autores, dos quais Garegnani (2005) é o mais conhecido, afirmam que, em parte, “nos anos de 1926 a 1930, o pensamento de Sraffa sofreu uma mudança profunda em relação à teoria econômica” e, em parte, “porque ele havia perdido qualquer interesse que pudesse ter pelo monopólio” (Brondino e Lazzarini, 2017, p. 137). .

Por outro lado, Sraffa não parecia estar muito seguro a respeito da validade da conclusão a que chegou no artigo de 1925 sobre a evidência de rendimentos constantes. Se assim fosse, não haveria motivo para introduzir a concorrência imperfeita na segunda parte do seu artigo de 1926. Bastaria supor a predominância de custos constantes, como havia feito antes. Porém, Sraffa tinha consciência de que essa hipótese era muito restritiva e, no fundo, não passava de um “remendo” à teoria neoclássica do equilíbrio parcial para conviver com determinadas “imperfeições” existentes no mercado (Possas, 1983Possas, Mário Luiz (1983a). Preços e distribuição em Sraffa: uma reconsideração - Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, IPEA, 13 (2), p. 575-618). No prefácio de Produção de Mercadorias [...], o próprio Sraffa admite ter mudado de posição e confessa:

“[...] a tentação de pressupor rendimentos constantes não é inteiramente caprichosa. O próprio autor a experimentou quando começou seus estudos há muitos anos [...] Se achar útil tal suposição, não há inconveniente algum que o leitor a adote como hipótese temporária de trabalho. De fato, entretanto, não se faz tal suposição” (1983Sraffa, Piero (1983). Produção de Mercadorias por Meio de Mercadorias - Prelúdio a uma crítica da Teoria Econômica - São Paulo: Abril cultural - coleção Os Economistas, p. 175-176)25 25 Essa advertência, segundo depoimento de Sraffa, foi uma sugestão do próprio Keynes, ao ler o esboço dessa obra em 1928. Não se sabe até que ponto Keynes influenciou Sraffa na mudança de sua posição em relação aos seus escritos da década de 1920. Entretanto, a julgar pela proximidade de ambos, é provável que a sua influência não tenha sido pequena. Vale lembrar que Keynes preservou a “lei dos retornos decrescentes” na Teoria Geral, mantendo o que chamou de “primeiro postulado clássico. Ele escreveu: “[...] o produto marginal das indústrias de consumo operário (o qual determina os salários reais) necessariamente se reduz à medida que o emprego aumenta [...] de tal modo que, em termos gerais, o aumento do emprego só pode ocorrer simultaneamente com o decréscimo da taxa de salários reais [...] Não contesto esse fato fundamental que os economistas clássicos muito justamente declararam inatacável” (Keynes, 1936, p. 29). .

Estudiosos da obra de Sraffa sustentam que a suposição de rendimentos constantes de escala não é necessária dentro do seu modelo teórico. Pasinetti (1977Pasinetti, Luigi Lodovico. (1977) Lectures on the Theory of Production, Columbia University Press) apudLeijonhufvud (2007Leijonhufvud, Axel (2007). Between Keynes and Sraffa: Pasinetti on the Cambridge School. In: A review of Luigi L. Pasinetti, Keynes and the Cambridge Keynesians: A ‘Revolution in Economics’ to be Accomplished, Cambridge: Cambridge University Press, p. 5) afirma que, em contraste com a matriz de insumo-produto de Leontief, por exemplo, a teoria de Sraffa não deve ser entendida como assumindo retornos constantes. É, ao contrário, uma fotografia de um sistema de produção visto em um ponto no tempo. É capaz de reproduzir o estado em que se encontra, mas as quantidades não variam, uma vez que se trata da construção lógica de um sistema imaginário no qual o único propósito é definir aquela proporção entre mercadorias básicas que constituem a “mercadoria-padrão” para ser usada como numerário.

Do ponto de vista do instrumental teórico, o que os críticos de Sraffa não costumam mencionar é o custo da omissão na Produção de Mercadorias [...] da hipótese de retornos constantes. Possas (1983Possas, Mário Luiz (1983a). Preços e distribuição em Sraffa: uma reconsideração - Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, IPEA, 13 (2), p. 575-618) sustenta que Sraffa está implicitamente supondo que alterações na produção do excedente não afetam a composição do produto e, nesse aspecto, não há diferença entre lucros e salários que compram a mesma “cesta” de mercadorias que compõem o excedente, o que se constitui numa “hipótese tão ou mais irreal e restritiva do que a de retornos constantes” (p. 170). Esse problema interno à construção de Sraffa, na opinião desse mesmo autor, não retira a substância da principal contribuição de Sraffa - a determinação dos preços de produção -, mas compromete seriamente sua abordagem da distribuição da renda.

Aqui, creio que há um erro de interpretação do próprio Mario Luiz Possas, pois a determinação dos preços de produção está umbilicalmente ligada à distribuição. Se, eventualmente, rejeitar a tese de Sraffa sobre a determinação dos preços de produção, há que se rejeitar simultaneamente sua proposta de como a distribuição da renda se dá entre salários e lucros. A ausência da hipótese de retornos constantes à escala em Produção de Mercadorias por meio de Mercadorias gerou dúvidas perfeitamente compreensíveis, sobretudo por parte dos economistas partidários ou defensores da visão marginalista.

O texto em que Possas critica a teoria de Sraffa se encontra publicado na revista Pesquisa e Planejamento Econômico (1983aPossas, Mário Luiz (1983a). Preços e distribuição em Sraffa: uma reconsideração - Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, IPEA, 13 (2), p. 575-618, p. 575-618), assim como dois comentários sobre o referido texto: Anderaos de Araújo (1985Anderaos de Araujo, Fabio (1985). Preços e distribuição em Sraffa: uma reconsideração - comentários - Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, IPEA, 15 (2): 463-466, p. 457-462) e Possas (1985aPossas, Mário Luiz (1985a). Preços e distribuição em Sraffa: uma reconsideração - comentários. Pesquisa e Planejamento Econômico. Rio de Janeiro: IPEA, 15 (2): 463-466, p. 465-466). O primeiro comentário destaca, em defesa de Sraffa, que ele não faz considerações sobre a natureza da tecnologia, visto que ela já está implícita no seu sistema de preços e também que não se pode exigir que o seu sistema seja aplicável em um contexto dinâmico. Questiona a ausência de conflito distributivo na análise de Possas e conclui que o modelo de Sraffa é válido para os propósitos que foi elaborado, numa situação estático-comparativa. O segundo comentário contém a réplica de Possas.

Seja como for, ainda que Sraffa tenha mudado de posição em alguns pontos26 26 “[...] é inegável que o pensamento de Sraffa mudou consideravelmente ao longo do período em que escreveu seu livro. Uma indicação é a substituição do seu termo classicamente derivado ‘custo de produção’ por ‘preço de produção’, baseado em que a produção de mercadorias por meio de mercadorias implica que o preço de qualquer mercadoria depende dos preços de todas as outras mercadorias intermediárias, incluindo a própria mercadoria. Enquanto Sraffa em 1925 e 1926 insistia que os efeitos de equilíbrio geral deveriam ser considerados, ele evita os termos ‘equilíbrio geral’ ou até mesmo ‘equilíbrio’ em seu livro. Enquanto nos seus artigos de 1925 e 1926 Sraffa considera os rendimentos variáveis de escala sob condições bem específicas, em 1960 ele elimina qualquer mudança de escala” (Maneschi, 1987, p. 17-18). , a contribuição do artigo de 1925 (e, naturalmente, também do artigo de 1926), no tocante à sua crítica ao enfoque marshalliano dominante, acha-se refletida na Produção de Mercadorias [...]27 27 Segundo Kaldor (p. 634), as proposições atuais de seu livro já tinham tomado forma desde os anos 1920 e tem sua origem no artigo de 1925, enquanto outras partes específicas, como a noção de mercadoria-padrão, capital fixo, distinção entre mercadorias básicas e não básicas, foram adicionadas nos anos de 1930 e início da década de 1940. . O ensino nos cursos de Ciências Econômicas tem sido ao longo de mais de um século dominado pela teoria neoclássica de raízes marshallianas. Sraffa demonstrou as inconsistências dessa teoria ainda no início.

Segundo Brondino e Lazzarini (2017Brondino, Gabriel e Lazzarini, Andres (2017) Sraffa’s 1920s critique and its relevance for the assessment of mainstream microeconomics - Research in the History of Economic Thought and Methodology. Published online: p. 131-151. https://doi.org/10.1108/S0743-41542017000035B006
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, p. 147 e 148), após a crítica de Sraffa, foram feitas várias tentativas para reconstruir a teoria marshalliana. Três linhas de pesquisa podem ser identificadas:

  1. refinamento e desenvolvimento de curvas de custo médio em forma de U em condições competitivas;

  2. desenvolvimento de modelos de concorrência imperfeita;

  3. uma análise de retornos no contexto do equilíbrio geral. Os autores concluem: “o que está em debate é a validade lógica da abordagem da teoria neoclássica em relação à teoria do valor. Sobre este assunto, a análise de Sraffa é contundente e a busca por uma teoria alternativa ainda continua”.

Como afirmou Robinson (1988Robinson, Joan Violet. (1988). Novas Contribuições à Economia Moderna, São Paulo, Vértice, p. 100), “não há necessidade de armamento pesado para colocar todo esse edifício abaixo [...] ele vem abaixo por si mesmo logo que for colocado no tempo histórico”.

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  • Tolipan, Ricardo e Guimarães, Eduardo A. (1982) Uma nota introdutória ao artigo “As leis dos rendimentos sob condições de concorrência”, Literatura Econômica Rio de Janeiro: IPEA.
  • 1
    “Competição perfeita é aquela situação na qual a firma individual pode vender ‘tanto quanto queira’ a um preço que o mercado determina independente da produção da firma. Se, a níveis cada vez maiores de produção, o custo unitário do produto da firma é menor, haveria algo para obstar a expansão indefinida da firma? Porém, se a firma se expandir indefinidamente e, dessa forma, absorver todo o mercado, onde fica a competição perfeita? Isto é o que chamaremos de dilema de Sraffa”. (Shackle, 1991Shackle, George L. S. (1991). Origens da Economia Contemporânea - invenção e tradição no pensamento econômico (1926-1939) - São Paulo, Hucitec Editora, p. 12).
  • 2
    Este artigo de 1926 desencadeou forte polêmica e favoreceu o surgimento de várias obras sobre concorrência imperfeita, destacando-se o livro The Economic of Imperfect Competition, de Joan Robinson, publicado em 1933. Ver: Keynes, Kalecki, Sraffa, Robinson (1979). Coleção “Os Pensadores”, capítulo 71Keynes, Kalecki, Sraffa, Robinson - Os Pensadores. Abril Cultural., fascículo 71.
  • 3
    Em 1919 Sraffa conheceu Gramsci, célebre intelectual e militante comunista italiano. Foram amigos até a morte de Gramsci em 1937. Sraffa o apoiava politicamente e o mantinha informado com livros e revistas que lhe eram entregues na prisão. Parte da farta correspondência que trocaram entre si encontra--se publicada no livro Novas cartas de Gramsci e algumas cartas de Piero Sraffa, Editora Paz e Terra (1987Santucci, Antonio A. (1987) Novas cartas de Gramsci e algumas cartas de Piero Sraffa - Rio de Janeiro, Paz e Terra.).
  • 4
    “Se algum ensaio de um economista merece o título de seminal é o de Sraffa sobre rendimentos em condições competitivas, publicado em 1926. A profunda renovação que sofreu a teoria dos preços e dos mercados, a partir dos anos 30, deveu-se em grande medida à substância e à forma das questões que levantou” (Possas, 1983Possas, Mário Luiz (1983a). Preços e distribuição em Sraffa: uma reconsideração - Pesquisa e Planejamento Econômico, Rio de Janeiro, IPEA, 13 (2), p. 575-618, p. 156).
  • 5
    Economias de escala são as reduções do custo unitário de produção que resultam do aumento do tamanho da unidade produtiva. Marshall diferencia economias de escala “internas” (que dependem diretamente do tamanho da empresa) e “externas” (que dependem do tamanho de um grupo de empresas). Ver: Steindl (1990Steindl, Josef (1980) Pequeno e Grande Capital - problema econômico do tamanho das empresas - São Paulo/Campinas, Hucitec/Unicamp, p. 33).
  • 6
    “Torna-se necessário, portanto, abandonar o caminho da livre concorrência e voltar para o lado oposto, isto é, em direção ao monopólio [...]” (Sraffa, 1982Sraffa, Piero (1982) As leis dos rendimentos sob condições de concorrência - Literatura Econômica, Rio de Janeiro: IPEA, 4 (1): 13-34, p. 22).
  • 7
    Mais precisamente a análise da concorrência monopolística, marcada pelo lançamento simultâneo, em 1933, dos livros de Edward Chamberlin e Joan Robinson. A influência do artigo de Sraffa sobre o seu trabalho foi reconhecida por Robinson: “Quando voltei a Cambridge em 1929 ainda se discutia a firma representativa, [...] mas nesse meio-tempo já havia aparecido Piero Sraffa, salvo por Keynes de Mussolini. Ele cometia o sacrilégio de mostrar incoerência em Marshall [...] Meu primeiro livro, The Economics of Imperfect Competition, embora inspirado por uma indicação de Sraffa, foi principalmente influenciado pelo professor Pigou” (Robinson, 1979Robinson, Joan Violet. (1979). Contribuições à Economia Moderna, Rio de Janeiro, Zahar, p. 9).
  • 8
    No primeiro parágrafo da carta, Keynes afirmava: “Seu artigo foi um sucesso. Com todos aqueles que tive oportunidade de falar concordam em afirmar que, com este seu artigo, o senhor se coloca entre os melhores economistas jovens”. E, mais adiante, perguntava: “[...] estaria disposto a considerar, caso lhe fosse ofertado, um cargo de professor na Universidade de Cambridge? [...] o tempo de permanência depende exclusivamente de suas preferências. Poderia vir por um ano e depois retornar à Itália ou, se preferir, poderia permanecer por um período mais longo”. (Kaldor, 1987, p. 624-625).
  • 9
    Celso Furtado, em seu livro de memórias (Fantasia Organizada), conta que, em Cambridge, havia muitos grupos de discussão, mas aqueles que debatiam temas verdadeiramente interessantes eram fechados, organizados em torno de certas pessoas. Nesses, destacavam-se os seminários de Nicholas Kaldor e Piero Sraffa, marcados por longas discussões a que tinham acesso alguns poucos iniciados. Furtado, que conheceu Sraffa pessoalmente, o define como “uma das mentes mais finas que se tenham dedicado à economia, espécie de maníaco do rigor lógico, capaz de passar anos dando voltas a um problema. Era querido de seus discípulos, sobre os quais exercia um certo terror” (Furtado, 1985Furtado, Celso (1985) A Fantasia Organizada. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, p. 203).
  • 10
    “Quando a procura e a oferta estão em equilíbrio, a quantidade da mercadoria que se produz numa unidade de tempo pode ser chamada de ‘quantidade de equilíbrio’, e o preço ao qual está sendo vendida, ‘preço de equilíbrio’. Tal equilíbrio é ‘estável’, isto é, se o preço dele se afasta um pouco, tende a voltar como um pêndulo oscila em torno de seu ponto mais baixo [...] se um acidente qualquer deslocar a escala de produção de sua produção de equilíbrio, imediatamente entrarão em jogo forças tendentes a fazê-la voltar a essa posição” (Marshall, 1982Marshall, Alfred (1982) Princípios de Economia, São Paulo, Abril Cultural., Coleção Os Economistas, vol. I e II, vol., p. 32-33).
  • 11
    “[...] sempre que parecer aos produtores não ser a combinação de fatores escolhida a mais adequada, eles, de imediato, porão em serviço, em substituição ao anterior, o método menos dispendioso [...] podemos, por comodidade de referência, designar esse princípio por ‘princípio de substituição’”. Ibidem, p. 32-33.
  • 12
    Segundo Pasinetti (1979Pasinetti, Luigi Ludovico. (1979) Crescimento e Distribuição de Renda - ensaios de teoria econômica - Rio de Janeiro, Zahar, p. 105-125, p. 109), a lei dos retornos decrescentes da terra foi apresentada simultaneamente, num espaço de 21 dias, por quatro economistas ingleses: Thomas Malthus, Edward West, David Ricardo e Robert Torrens. A simultaneidade desses trabalhos foi uma resposta à reação de um proprietário de terra que, em defesa da polêmica “Lei dos Cereais”, argumentou que a importação de trigo a preços mais baixos sustaria os melhoramentos na agricultura e inviabilizaria a aplicação de capital nas terras menos férteis.
  • 13
    “Quaisquer que possam ser os progressos futuros nas artes agrícolas, um contínuo aumento de aplicação de capital e trabalho na terra deve, por fim, resultar numa diminuição da produção adicional que pode ser obtida mediante uma quantidade de capital e trabalho adicionais” (Marshall, 1982Marshall, Alfred (1982) Princípios de Economia, São Paulo, Abril Cultural., Coleção Os Economistas, vol. I e II, vol. I, p. 145).
  • 14
    Steindl (1990Steindl, Josef (1980) Pequeno e Grande Capital - problema econômico do tamanho das empresas - São Paulo/Campinas, Hucitec/Unicamp, p. 17)) afirma ser a empresa representativa “um conceito vago”. Segundo ele, Marshall superestimou a importância da aptidão pessoal do empresário e deu uma imagem irrealista da rapidez com que aparecem no cenário novos grandes empresários.
  • 15
    “A crítica de Sraffa não foi o único ataque à teoria de Marshall naquela época. Na verdade, o assunto foi muito debatido durante os anos 1920 e início dos anos 1930” (Brondino e Lazzarini, 2017Brondino, Gabriel e Lazzarini, Andres (2017) Sraffa’s 1920s critique and its relevance for the assessment of mainstream microeconomics - Research in the History of Economic Thought and Methodology. Published online: p. 131-151. https://doi.org/10.1108/S0743-41542017000035B006
    https://doi.org/10.1108/S0743-4154201700...
    , p. 136).
  • 16
    “[...] não é muito estranho que dois elementos tão heterogêneos como a natureza humana e a técnica industrial determinem resultados tão semelhantes? [...] é ainda mais improvável que aquelas condições técnicas, que provocam produtividade decrescente nas doses sucessivas de um fator aplicado a outro constante, sejam análogas em um grande número de indústrias muito diverso [...]” (Sraffa, 1989Sraffa, Piero (1989) Relações entre Custo e Quantidade Produzida - São Paulo/Campinas, Hucitec/Unicamp, p. 33).
  • 17
    O essencial da produtividade decrescente é que “ela deriva do fato de ser conveniente, e geralmente possível, dispor em ordem descendente de eficiência as quantidades dos fatores de produção e as diversas maneiras de empregá-los, ordem essa perfeitamente determinada” (Ibidem, p. 46).
  • 18
    “[...] substancialmente, foram substituídos os fundamentos sem que o edifício que restou sofresse qualquer abalo, e foi grande a habilidade de Marshall para fazer com que essa transformação não tivesse sido observada [...] Apresentando-a como uma coisa demais conhecida e sem novidade, quase um lugar-comum, ele possibilitou a sua aceitação como um tácito compromisso entre as necessidades da teoria da concorrência, que são incompatíveis com o decréscimo do custo individual., e a necessidade de não se afastar demais da realidade, que (estando longe da concorrência perfeita) apresenta numerosos casos de custos decrescentes daquele tipo” (Ibidem, p. 59).
  • 19
    Neste trecho, Sraffa antecipou alguns pontos levantados por Jacob Viner no seu famoso artigo de 1931, “Curvas de Custo e Curvas de Oferta”, sobretudo da parte que trata das economias externas líquidas de produção. Segundo ele, a figura “U”, de Viner, praticamente reproduz a argumentação de Sraffa no artigo de 1925. O artigo de Viner se encontra traduzido para o português em Ensaios Selecionados de Jacob Viner (Maneschi, 1987Maneschi, Andrea (1987) Análise comparativa de “As Leis dos Rendimentos sob Condições Competitivas” de Sraffa e de seu precursor italiano. Porto Alegre: FEE, 8(2): 3-20, p. 10).
  • 20
    “[...] a escassa probabilidade das hipóteses que dão origem tanto a uma quanto a outra das tendências para a variabilidade do custo, parece indicar que a ausência de ambas deve ser considerada muito mais geral - dadas as condições de equilíbrios particulares - do que a não presença de uma delas, e que, portanto, se deva jamais considerar, de forma casual., como normal o caso de custos constantes, muito mais que os casos dos custos crescentes e decrescentes” (Ibidem, nota 16, p. 72).
  • 21
    “Já foi observado que ‘tratar as variáveis como constantes é um vício característico de economista não matemático’ [...] Deve-se perguntar, no caso por nós considerado, se os economistas matemáticos não são induzidos a ir longe demais na correção daquele vício, de forma a cair no vício oposto, isto é, considerar uma constante como sendo uma variável” (Ibidem, p. 74). Neste trecho, Sraffa referia-se especificamente a Edgeworth, como pode ser constatado na nota de rodapé feita no artigo de 1926. Ver: Sraffa (1982Sraffa, Piero (1982) As leis dos rendimentos sob condições de concorrência - Literatura Econômica, Rio de Janeiro: IPEA, 4 (1): 13-34, p. 21).
  • 22
    “O principal obstáculo com que se deparam ao tentar aumentar gradualmente suas produções não reside no custo de produção - o qual., na realidade, geralmente os favorece -, mas sim na dificuldade de vender uma quantidade maior dos bens sem reduzir o preço ou sem terem que incorrer em despesas maiores de comercialização” (Sraffa, 1982Sraffa, Piero (1982) As leis dos rendimentos sob condições de concorrência - Literatura Econômica, Rio de Janeiro: IPEA, 4 (1): 13-34, p. 24).
  • 23
    A ideia introduzida por Sraffa de curva de demanda descendente teria sido uma sugestão direta de Keynes. Além disso, um dos principais estudiosos da obra de Sraffa acredita que a opção pela concorrência imperfeita foi acidental: “na prática, a análise da concorrência imperfeita parece-nos um desvio que Sraffa se engaja por apenas alguns meses depois da publicação do seu artigo em italiano” (Maneschi, 1987Maneschi, Andrea (1987) Análise comparativa de “As Leis dos Rendimentos sob Condições Competitivas” de Sraffa e de seu precursor italiano. Porto Alegre: FEE, 8(2): 3-20, p. 17).
  • 24
    Outros autores, dos quais Garegnani (2005) é o mais conhecido, afirmam que, em parte, “nos anos de 1926 a 1930, o pensamento de Sraffa sofreu uma mudança profunda em relação à teoria econômica” e, em parte, “porque ele havia perdido qualquer interesse que pudesse ter pelo monopólio” (Brondino e Lazzarini, 2017Brondino, Gabriel e Lazzarini, Andres (2017) Sraffa’s 1920s critique and its relevance for the assessment of mainstream microeconomics - Research in the History of Economic Thought and Methodology. Published online: p. 131-151. https://doi.org/10.1108/S0743-41542017000035B006
    https://doi.org/10.1108/S0743-4154201700...
    , p. 137).
  • 25
    Essa advertência, segundo depoimento de Sraffa, foi uma sugestão do próprio Keynes, ao ler o esboço dessa obra em 1928. Não se sabe até que ponto Keynes influenciou Sraffa na mudança de sua posição em relação aos seus escritos da década de 1920. Entretanto, a julgar pela proximidade de ambos, é provável que a sua influência não tenha sido pequena. Vale lembrar que Keynes preservou a “lei dos retornos decrescentes” na Teoria Geral, mantendo o que chamou de “primeiro postulado clássico. Ele escreveu: “[...] o produto marginal das indústrias de consumo operário (o qual determina os salários reais) necessariamente se reduz à medida que o emprego aumenta [...] de tal modo que, em termos gerais, o aumento do emprego só pode ocorrer simultaneamente com o decréscimo da taxa de salários reais [...] Não contesto esse fato fundamental que os economistas clássicos muito justamente declararam inatacável” (Keynes, 1936Keynes, John Maynard (1936) Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda - Rio de Fundo de Cultura,1970, p. 29).
  • 26
    “[...] é inegável que o pensamento de Sraffa mudou consideravelmente ao longo do período em que escreveu seu livro. Uma indicação é a substituição do seu termo classicamente derivado ‘custo de produção’ por ‘preço de produção’, baseado em que a produção de mercadorias por meio de mercadorias implica que o preço de qualquer mercadoria depende dos preços de todas as outras mercadorias intermediárias, incluindo a própria mercadoria. Enquanto Sraffa em 1925 e 1926 insistia que os efeitos de equilíbrio geral deveriam ser considerados, ele evita os termos ‘equilíbrio geral’ ou até mesmo ‘equilíbrio’ em seu livro. Enquanto nos seus artigos de 1925 e 1926 Sraffa considera os rendimentos variáveis de escala sob condições bem específicas, em 1960 ele elimina qualquer mudança de escala” (Maneschi, 1987Maneschi, Andrea (1987) Análise comparativa de “As Leis dos Rendimentos sob Condições Competitivas” de Sraffa e de seu precursor italiano. Porto Alegre: FEE, 8(2): 3-20, p. 17-18).
  • 27
    Segundo Kaldor (p. 634), as proposições atuais de seu livro já tinham tomado forma desde os anos 1920 e tem sua origem no artigo de 1925, enquanto outras partes específicas, como a noção de mercadoria-padrão, capital fixo, distinção entre mercadorias básicas e não básicas, foram adicionadas nos anos de 1930 e início da década de 1940.
  • 29
    JEL Classification: D21; D24; D41.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    06 Ago 2020
  • Aceito
    07 Out 2020
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