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A nova teoria neoclássica do crescimento e o problema do subdesenvolvimento econômico brasileiro

The new neoclassical theory of growth and the problem of Brazilian economic underdevelopment

RESUMO

O objetivo do artigo é mostrar que a teoria do crescimento endógeno é, na melhor das hipóteses, insuficiente para explicar o subdesenvolvimento econômico brasileiro. A principal razão para isso é que essa teoria atribui grande importância ao papel do capital humano no processo de crescimento econômico que não é justificável no caso brasileiro. Em vez disso, o principal problema da economia brasileira parece ser a incapacidade de seu setor moderno de absorver a maioria da população. Isso não pode ser feito apenas através do aumento de capital humano; requer, em primeiro lugar, um grande programa de investimento físico para ampliar o tamanho do setor moderno atualmente aberto apenas a uma minoria da população, insuficiente para permitir a recuperação da economia brasileira.

PALAVRAS-CHAVE:
Modelo de crescimento endógeno; capital humano; determinação do emprego

ABSTRACT

The purpose of the paper is to show that endogenous growth theory is at best insufficient to explain Brazilian economic underdevelopment. The main reason for this is that this theory gives a major importance to the role of human capital in the process of economic growth which is not justifiable in the Brazilian case. Instead of this, the main problem of the Brazilian economy seems to be the incapacity of its modem sector to absorb the majority of the population. This cannot be done only through human capital increase; it requires in first place a major physical investment program in order to enlarge the size of the modem sector nowadays opened only to a minority of the population which is insufficient to allow Brazilian economy recovery.

KEYWORDS:
Endogenous growth model; human capital; employment determination

1. INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é avaliar em que medida a nova teoria neoclássica do crescimento, ou teoria do crescimento endógeno, pode ser útil para compreender o problema do subdesenvolvimento econômico brasileiro. Para tanto, procurarei especificar inicialmente o contexto em que essa teoria surge, apresentando a seguir alguns dos principais desenvolvimentos recentes nesse campo. Na última seção, explicarei porque ela parece insuficiente para dar conta do problema do subdesenvolvimento, a saber: por sua ênfase excessiva no capital humano1 1 Deve-se mencionar, entretanto, que nem todos os desenvolvimentos nessa vertente teórica enfatizam esse fator como a principal causa das divergências dos níveis de desenvolvimento dos países. Há importantes exceções, como mencionado na nota 8, à frente. Mas a ideia de que elevados níveis de educação, isto, é um adequado estoque de capital humano, constituem condição necessária se não suficiente para um país pobre superar o subdesenvolvimento é central na teoria do crescimento endógeno. A esse respeito, ver por exemplo Nelson (1994: 306). , o qual, no entanto, não parece ser um fator limitador para o crescimento da economia brasileira em sua etapa atual de industrialização.

A teoria do crescimento endógeno, para introduzir a discussão das questões acima, resulta de uma terceira onda de interesse em modelos de crescimento de longo prazo pelo mainstream, após o longo período de despreocupação com o assunto que se seguiu, a partir de meados dos anos 60, à formulação do modelo neoclássico básico por Solow (1956SOLOW, R. (1956). “A contribution to the theory ofeconomic growth.” The Quarterly Journal of Economics, 70, fevereiro.).2 2 A formulação de Kaldor (1956) ensejou ainda menos desenvolvimentos posteriores e ocupa um lugar secundário na evolução das teorias mainstream do crescimento econômico. A principal proposição deste modelo, inspirado na primeira onda de interesse no crescimento de longo prazo desencadeada por Harrod-Domar, era a de que a taxa de crescimento de longo prazo dependia essencialmente da taxa de mudança tecnológica, isto é do progresso técnico. Como não havia razão teórica para supor que essa taxa fosse persistentemente diferente para os diversos países, pois Solow a considerava uma variável puramente exógena, o modelo neoclássico básico postulava que todos os países tenderiam a convergir para a mesma taxa de crescimento (e para os mesmos níveis de renda per capita) a longo prazo.3 3 Pack (1994: 63) coloca a questão da convergência do seguinte modo: “Neoclassical theory can be viewed as implying convergence across countries in either growth rates or income levels. Poorer countries will initially exhibit lower capital-labor ratios, which implies a higher marginal product of capital. Given equal rates of domestic saving, labor force growth, and technical progress, their capital stock growth will exceed that in richer countries and they should converge to the capital-labor and capital-output ratio (and the income levels). There may be an added filip to groth from direct investment in factories and purchases of financial assets by foreigners who can obtain higher rates of return. As convergence occurs, the growth rates of the poorer nations should be greater”. É perfeitamente possível, no entanto, gerar trajetórias de crescimento e níveis de renda per capita distintos através do modelo neoclássico básico, desde que os parâmetros estruturais e comportamentais, acima mencionados, entre países difiram. Na seção seguinte, explico porque este não foi o caminho adotado pelos teóricos do crescimento endógeno, que preferiram assumir a tese da convergência em sua acepção forte, isto é, preconizando de fato a igualação das taxas de crescimento e dos níveis de renda “per capita” a longo prazo”. A redução do interesse na teoria do crescimento, mencionada acima, não foi senão uma consequência previsível do fato de que tal suposição era insustentável. Era preciso, já que esta podia ser considerada uma hipótese falseável da teoria por decorrer necessariamente de suas premissas, ou abandonar completamente o modelo neoclássico básico, algo que obviamente os autores ortodoxos não estavam dispostos a fazer, ou ajustá-lo para que desse conta da persistente divergência entre as taxas de crescimento e os níveis de renda per capita.

Mas essas tarefas tiveram que esperar. A terceira onda de interesse no crescimento só começou a subir na década de 80. À margem do mainstream, o livro de Richard Nelson e Sidney Winter (1982NELSON, R. & WINTER, S. (1982). An evolutionary theory of economic change. Cambridge, Mass. Harvard University Press.) redespertou o interesse em Schumpeter, induzindo o surgimento de uma avalanche de estudos teóricos e empíricos, cujo conjunto conformou o que hoje se conhece como escola neo-schumpeteriana ou evolucionista, e que ocupou de fato o espaço dos autores keynesianos no campo da teoria do crescimento. A contrapartida ortodoxa, por sua vez, originou-se com a publicação de “On the mechanics of economic development”, pela bête noire de plantão dos economistas não-ortodoxos, Robert Lucas (1988LUCAS, R. (1991). “On the mechanics of economic development.” In Becker, R. & Burmeister, E. (orgs.) Growth theory. Hants, England: Edward Elgar Publishing Limited.). Na próxima seção, procuro explicitar o núcleo do argumento desse restatement do modelo neoclássico básico e, na seguinte, relatar alguns dos seus principais desenvolvimentos recentes.

O objetivo fundamental deste artigo, no entanto, é como mencionado a princípio mostrar porque a teoria do crescimento endógeno parece ser insuficiente para compreender as razões da estagnação atual da economia brasileira. A conclusão a que se chegará é que ela enfatiza aspectos, principalmente a magnitude do estoque de capital humano, que não são diretamente relevantes para explicar nossas dificuldades atuais.

Não há evidentemente consenso total sobre a causa principal dessas dificuldades, podendo ser identificadas pelo menos duas linhas gerais de análise principais, apresentadas a seguir de forma esquemática.

A primeira, que pode ser caracterizada como a visão dominante atualmente, atribui nossos problemas fundamentalmente a uma insuficiente exposição à concorrência internacional como consequência de uma estratégia de desenvolvimento baseada em substituição de importações na segunda metade da década de 70, sem contemplar adequadamente a necessidade de aumento de competitividade das exportações. Já a estratégia dos países que conseguiram avançar para trajetórias de crescimento sustentado, como Coreia e Taiwan, foi a de realizar reformas de natureza liberalizante no final dos anos 70, que lhes permitiram aumentar substancialmente sua competitividade internacional. A estagnação da economia brasileira segundo essa visão, portanto, pode ser explicada pela adoção de uma estratégia (e de políticas) de desenvolvimento inadequada, a qual, por consistir em grande parte de práticas protecionistas destinadas a assegurar os mercados domésticos às empresas nacionais (ou multinacionais já instaladas) e por basear-se fortemente na intervenção estatal sobre as forças de mercado, em última análise explica a baixa exposição à concorrência internacional e a ineficiência relativa da maior parte de nossa economia. Citando outro autor4 4 Schmitz (1984) , Canuto (1994CANUTO, O. (1994). Brasil e Coréia do Sul: os (des)caminhos da industrialização tardia. São Paulo, Nobel.: 36), resume a essência desta primeira visão no seguinte:

“A explicação dominante (emergindo da mainstream economics) é a de que estes países (Coreia do Sul e Formosa) adotaram políticas ‘corretas’, mediante liberalização das importações, adoção de taxas de câmbio ‘realistas’ e provisão de incentivos à exportação; acima de tudo teriam conseguido estabelecer os preços corretos para os fatores de produção, de modo que suas economias pudessem crescer alinhadas com sua vantagem comparativa; confiança nas forças de mercado e integração à economia mundial gerariam resultados superiores à proteção e dissociação da economia mundial.”

A segunda interpretação acima mencionada, por sua vez, considera que a estagnação econômica a partir da década de 80 pode ser explicada pelo esgotamento de um padrão de desenvolvimento, e não apenas pela adoção de uma estratégia de desenvolvimento incorreta, a qual poderia em tese ser revertida através de políticas liberalizantes. Segundo Erber (1990ERBER, F. (1990). “A política industrial - paradigmas teóricos e modernidade.” ln Tavares, M.C. et al (orgs) Aquarella do Brasil. Rio de Janeiro, Rio Fundo Editora.: 7), por exemplo:

“[...] a crise dos anos 80, que se prolonga na década atual, é uma crise de esgotamento de um padrão de desenvolvimento, entendido este como o conjunto de normas que regem os processos econômicos e políticos. Em consequência, a retomada da industrialização, com novas normas de produção e acumulação, envolve também modificações nas normas de incorporação de progresso técnico, financiamento, relação salarial, intervenção do Estado e inserção internacional.”

Nessas condições, fica claro que a retomada do crescimento econômico requer o emprego de um conjunto articulado de políticas, ou de uma política industrial ampla o suficiente para produzir as modificações mencionadas. Segundo Suzigan (1992SUZIGAN, W (1992). “A indústria brasileira após uma década de estagnação: questões para política industrial.” Texto para Discussão, nº 5, Campinas, UNICAMP/IE.: 24-5), para mencionar apenas um dos mais importantes especialistas no assunto, essa política não pode certamente resumir-se em “abrir a economia”.

“[...] A liberalização de importações, desde que macroeconomicamente viável, pode ser um componente desejável numa estratégia de política industrial. Entretanto, considerando-se a situação atual da indústria brasileira, deve-se primeiramente racionalizar os sistemas de proteção (tarifa, barreiras não-tarifárias, câmbio) e de promoção (incentivos, subsídios, financiamento) segundo critérios de prioridade e de seletividade articulados e sincronizados (no sentido de timing) a metas de superação do atraso tecnológico e implantação dos segmentos representativos das novas tecnologias. Em segundo lugar, um padrão de crescimento com distribuição de renda parece imperioso não só pela necessidade de retomar o crescimento do mercado interno, mas também como uma forma de estimular a modernização, já que os baixos salários contribuem para prolongar a vida útil de equipamentos obsoletos. Em terceiro lugar, deve-se observar que o crescimento com distribuição de renda condiciona, mas não impõe, um padrão de inserção internacional. Por isso, é necessário escolher se o país vai especializar-se em setores/produtos nos quais tem vantagens comparativas naturais (inserção passiva), ou vai procurar criar vantagens comparativas. Em quarto lugar, dependendo do padrão de desenvolvimento e da forma de inserção internacional deve-se definir as normas de incorporação de progresso técnico determinando, principalmente se o país vai limitar-se a adquirir capacidade de produção. Isto, por sua vez, condiciona as necessidades em termos de infra-estrutura de ciência e tecnologia e do sistema educacional. Por último, é essencial adequar os condicionantes genéricos da competitividade (energia, transportes, armazenagem, serviços portuários e telecomunicações) em termos de eficiência e de custos.”

A conclusão para o que interessa aqui é que a retomada o crescimento requer uma mudança na estratégia global de desenvolvimento. As duas visões, mais a segunda do que a primeira que o faz implicitamente, atribuem sem dúvida um papel ao desenvolvimento do capital humano na nova estratégia (ver penúltimo período da última citação), mas meu ponto não é este. Sugerirei à frente que o problema com a teoria do crescimento endógeno é que nesta, diferentemente das interpretações resumidas acima, o capital humano tem um efeito isolado e significativo sobre a taxa de crescimento econômico (sugerindo, portanto, um papel decisivo desta variável no processo), o que não parece ser o caso para a economia brasileira.

2. O MODELO NEOCLÁSSICO BÁSICO E A MECÂNICA DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO SEGUNDO LUCAS: ORIGENS DA TEORIA DO CRESCIMENTO ENDÓGENO

Do modelo neoclássico básico, tal como formulado por Solow, deriva-se pelo menos uma proposição central, já mencionada, que a evidência empírica atualmente disponível parece não confirmar. Trata-se da tendência à convergência das taxas de crescimento e dos níveis de renda per capita das economias capitalista.5 5 Embora sempre se possa argumentar que a convergência poderá vir a ocorrer no longo prazo, a evidência empírica sobre a evolução histórica das taxas de crescimento e dos níveis de renda per capita até o presente é amplamente desfavorável à tese. Utilizando dados estatísticos de Heston e Summers (1981) sobre níveis de renda per capita para vários países, Romer (1994: 4) por exemplo conclui que “convergence clearly fails in this broad sample of countries [...] On average, poor countries in this sample grow no faster than the rich countries” (o que seria necessário até os níveis de renda se igualarem). .Como nem sempre é bem compreendido porque essas duas proposições derivam necessariamente do modelo neoclássico, o artigo de Lucas, que dá origem a teoria do crescimento endógeno, começa por revisar o modelo antes de reformulá-lo para torná-lo consistente com a experiência histórica.

A condição de equilíbrio dinâmico da economia no modelo neoclássico básico, segundo Lucas, pode ser expressa por:

N ( t ) c ( t ) + K t = A ( t ) K t β N ( t ) 1 - β

Aí, o lado esquerdo expressa a demanda agregada da economia dada pelo consumo per capita (c(t)) multiplicado pela população N(t) mais o investimento líquido no mesmo período.

O lado direito, por sua vez, expressa a capacidade de produção da mesma economia, dada pela função de produção neoclássica, na qual A(t) representa o nível tecnológico, K(t) é o estoque de capital e β (0 < β < 1), a produtividade marginal do capital, sendo que 1-13 (a produtividade marginal do trabalho) pode ser estimada pela participação dos salários na renda nacional; define-se ainda a taxa de mudança tecnológica, dada exogenamente, como dA/dt=u(u>O). Como se sabe, a especificação Cobb-Douglas da função de produção permite decompor o crescimento percentual da produção potencial na soma dos fatores componentes, isto é, no crescimento percentual de A mais β vezes a taxa percentual do estoque de capital mais (1-β) vezes a taxa de crescimento populacional.

A trajetória de crescimento equilibrado que maximiza a utilidade do consumidor (dados o coeficiente de aversão ao risco, rt e a taxa de desconto inter-temporal, p) é dada por:

K ˙ _ ( t _ ) K ( t ) = N ˙ _ ( t _ ) N ( t ) + c _ ˙ ( t _ ) c ( t ) = k + α (1)

Em que k=μ1-β (2) e α é a taxa de crescimento populacional.

A taxa de poupança compatível com esta trajetória, por outro lado, é dada por:

s = K N ( t ) c ( t ) + K ˙ ( t ) = β ( k + α ) ρ + π k (3)

Em que ρ é o coeficiente de preferência inter-temporal e π, o coeficiente de aversão ao risco.

O significado dessas relações é bastante claro e tem implicações fundamentais.

Primeiro, como mostram as equações (1) e (2), o crescimento econômico, medido seja pelo aumento do estoque de capital, seja pelo incremento do consumo per capita, depende apenas do progresso técnico, dada a variação populacional. O corolário dessa proposição é que políticas que não afetem diretamente essa variável, como as de liberalização do comércio ou as de aumento da taxa de poupança interna por exemplo, são incapazes de elevar a taxa de crescimento de longo prazo. A taxa de crescimento da economia, portanto, e esta é a principal conclusão do modelo neoclássico, não pode ser alterada facilmente.

Segundo: a taxa de poupança, de acordo com a equação (3), depende da taxa de desconto dada pela preferência intertemporal e pelo coeficiente de aversão ao risco, mas não tem qualquer papel na determinação da taxa de crescimento, como já mencionado. Mas na medida em que poupanças maiores estão associadas com níveis de renda superiores, sociedades que poupam mais serão mais ricas, mesmo que não cresçam mais rapidamente.

Terceiro: o modelo é perfeitamente consistente, em primeiro lugar, com divergências das taxas de crescimento entre países, devido a diferenças nos parâmetros relativos à participação dos salários na renda nacional e à taxa de crescimento populacional: 1-B e a. As divergências entre os níveis de renda per capita nacionais, em segundo lugar, também não contradizem o modelo básico, desde que se assuma que os parâmetros representativos da taxa de desconto intertemporal e do grau de aversão ao risco, p e n: respectivamente, diferem entre os países.

Ocorre que sustentar a divergência persistente entre países em tais bases, isto é, sobre diferenças em parâmetros estruturais e comportamentais, significa fazer a teoria depender de fatores exógenos que, por definição, não podem ser explicados por si mesmos. Assim, por que deveria, por exemplo, a participação dos salários entre países (que expressam aproximadamente a produtividade marginal do trabalho) diferir persistentemente? Além disso, como mostra Lucas, simplesmente não há base empírica para afirmar que países onde essa participação seja menor, como nos menos desenvolvidos, a taxa de crescimento seja persistentemente maior do que nos demais. É possível, para explorar uma outra opção, afirmar que por exemplo o Japão apresente maiores níveis de renda per capita do que os países menos desenvolvidos, devido a seus habitantes serem dotados de uma menor aversão ao risco ou exigirem uma menor taxa de desconto para postergar seu consumo presente. Mas nesse caso, a taxa de juros do Japão seria muito menor do que nos demais, o que até pode ser verdade nesse caso específico, mas é insustentável quando se amplia mesmo que ligeiramente a amostragem, incluindo, digamos, alguns outros países desenvolvidos. Apoiar uma teoria de crescimento nessas bases, além disso, significaria reconhecer que o crescimento “explica-se” fundamentalmente por fatores - como diferenças culturais e psicológicas - eles mesmos inexplicáveis pela teoria que se construiu. Significaria, em outras palavras, raciocinar em termos não muitos distintos dos utilizados pela folclórica teoria do ciclo econômico originado pelas manchas solares, mencionada no início de qualquer curso de introdução à economia como um exemplo de amadorismo científico.

Mas o que de fato joga uma pá de cal nas tentativas de explicar as divergências entre países dessa forma é que simplesmente não é possível justificar a diferença nesses parâmetros sob a hipótese de economia aberta. Principalmente na era da globalização, insistir que as taxas de juro internas possam divergir significativamente (devido a diferenças nos parâmetros da equação (3)) ou que a produtividade do trabalho e do capital não apresentam tendência a convergir entre os países significaria renunciar aos próprios fundamentos da economia neoclássica.

De tudo isso, a conclusão inevitável para os novos teóricos do crescimento é que embora o modelo neoclássico básico possa ser compatível em termos estatísticos com divergências internacionais nos níveis de renda per capita e nas taxas de crescimento, em termos dinâmicos ele não o é (como aliás já havia concluído o próprio Solow na versão original do modelo). Como o que interessa, para a teoria do crescimento, é obviamente explicar a trajetória e não o estado, isto é, a dinâmica de longo prazo e não a posição que um conjunto de economias ocupa em um determinado momento de sua evolução, fica claro porque os autores aqui considerados desistem de defender a teoria do modo fácil sugerido acima. Ao contrário, e por mais dificuldades empíricas que isso venha a colocar como se verá logo à frente, preferem reconhecer que o modelo neoclássico básico sugere uma forte convergência a longo prazo entre as economias, no que diz respeito a taxas de crescimento e níveis de renda per capita.

A tese da convergência, como essa posição ficou conhecida, pode, portanto, ser considerada como uma proposição falseável do modelo neoclássico básico, visto decorrer necessariamente de suas premissas. O fato de que a experiência histórica no pós-guerra não a tenha ratificado, isto é, a evidência empírica de que aumentaram, ao invés de diminuírem, as diferenças entre os níveis de renda entre os países e de que não se manifesta qualquer tendência à convergência nas taxas de crescimento6 6 Embora possa se sustentar que esteja ocorrendo convergência condicional, isto é convergência nas taxas de crescimento depois de ajustadas pelas correspondentes taxas de investimento sobre o PIB e de crescimento populacional. Vários trabalhos recentes têm concluido pela existência de convergência condicional (ver por exemplo Barro, 1991 e Mankiw, Romer, Weil, 1992) entre os países da OECD. Mas o mesmo resultado não se verifica quando se expande a amostra para incluir países menos desenvolvidos. Segundo Pack (1994:64): “ ... many countries in Latin-America, Africa, Asia and Eastern Europe did not converge, even conditionally.” , ensejou as adaptações ao modelo neoclássico, revisadas a seguir, que deram origem à teoria do crescimento endógeno.

Definindo o capital humano ao nível individual, h(t), como o nível de habilidade geral do trabalhador, de modo que o trabalhador com capital humano h(t) é o equivalente produtivo de dois trabalhadores com 1/2 h(t) cada, a equação (1) incluindo o capital humano fica:

N ( t ) c ( t ) + K ˙ ( t ) = A K ( t ) β [ μ ( t ) h ( t ) N ( t ) ] 1 - β h a ( t ) (4)

Em que h(t), para simplificar a análise, representa o capital humano supondo que todos os trabalhadores têm o mesmo nível de habilidade e, ha, o capital humano médio (que é igual neste caso a h(t) mas utilizado para captar os efeitos externos do aumento do capital humano). As demais variáveis são as mesmas definidas na equação (1), com exceção de µ, que aqui representa a percentagem de tempo do trabalhador utilizada na produção, de modo que 1-µ representa o esforço devotado à acumulação de capital humano.

A taxa comum de crescimento do estoque de capital e do consumo per capita, definindo v=h˙(t)/h(t), será agora:

( 1 - β + ϕ ) 1 - β v (5)

E isso de modo que o numerador dessa fração cumpre aqui a mesma função da taxa de mudança tecnológica na equação (2). Se se supuser que o impacto das externalidades geradas pela acumulação de capital humano tende a convergir a longo prazo para todas as economias, o que é uma hipótese perfeitamente defensável do ponto de vista neoclássico7 7 Exatamente como a hipótese de não-divergência dos parâmetros estruturais no modelo básico. , as taxas de crescimento convergirão para um mesmo nível, exatamente como no modelo neoclássico básico.

O último passo para gerar um modelo neoclássico que admita disparidades persistentes nos níveis de renda e nas taxas de crescimento é permitir que v tenha uma evolução diferente, mas produzida endogenamente para os vários países. Para tanto, Lucas especifica a seguinte função de aprendizagem, que reflete a possibilidade de “learning by doing”:

h ˙ ( t ) = h ( t ) E μ ( t )

Isto significa que v(=h˙(t)/h(t)) aumenta ao longo do tempo com o esforço produtivo (µ), isto é, como resultado de “learning by doing”.

Sob a hipótese de economia aberta, e supondo-se que os países se especializem na produção de bens em que eles inicialmente possuam vantagens comparativas, v crescerá mais rapidamente naqueles países que se especializaram em bens cuja capacidade de gerar aprendizado (E) seja maior. É fácil ver, pela relação (5), que esses países apresentarão também uma taxa de crescimento de longo prazo mais elevada, não apenas porque v cresce continuamente, mas também devido aos spill overs desse incremento, captados por 0. Esse resultado é também consistente com níveis de renda per capita diferenciados, visto que os salários crescerão à taxa:

w = ϕ 1 - β v

A inclusão do capital humano portanto permite tornar o modelo neoclássico consistente com a evidência empírica internacional sobre taxas de crescimento e níveis de renda, embora, como sugerido pelo próprio Lucas, esse modelo expandido não possa ser considerado como uma descrição acurada desta mesma evidência empírica. O que o autor propõe é abrir novas possibilidades para o esforço de interpretação teórica das discrepâncias entre países. Os trabalhos examinados a seguir exploram exatamente essas possibilidades, adotando uma estratégia de modelagem e hipóteses derivadas diretamente do trabalho de Lucas examinado nesta seção.

3. DESENVOLVIMENTOS RECENTES DA TEORIA DO CRESCIMENTO ENDÓGENO

O que mais chama a atenção nos trabalhos dos autores dessa corrente é sua natureza basicamente de ciência normal e, neste sentido, é importante examinar em que medida eles adicionam poder explicativo à interpretação de Lucas resumida na seção anterior. Todos eles partem da especificação Cobb-Douglas do modelo neoclássico básico, introduzindo uma pequena modificação que, exatamente como fez Lucas, torna o modelo consistente com a evidência empírica de divergência entre países. A maior parte dessas extensões do modelo básico enfatiza a importância do capital humano, novamente como Lucas, na determinação da trajetória de longo prazo da economia.8 8 Algumas das mais importantes exceções são Grossman e Helpman (ver Grossman e Helpman, 1994, para um resumo das proposições mais relevantes) que atribuem um papel mais relevante às inovações tecnológicas como fator explicativo do crescimento a longo prazo e Romer (1987) que destaca a importância dos spil1 overs gerados pelo investimento em capital físico. Deve-se mencionar entretanto que este último (Romer, 1994), um dos mais importantes teóricos do crescimento endógeno, veio a reavaliar sua posição, aproximando-se mais dos teóricos do capital humano. A conclusão principal é que países que investem mais em capital humano, por qualquer motivo, apresentarão maiores taxas de crescimento e rendas per capita. O objetivo desses trabalhos é identificar as razões (endógenas) pelas quais alguns países investem mais do que outros em capital humano. Três textos recentes, Glomm e Ravikumar (1992GLOMM, G. & RAVIKUMAR, B. (1992). “Public versus private investments in human capital: endogenous growth and income inequality.” Journal of Political Economy, 100 (4), agosto.), Galor e Zeira (1993GALOR, O. & ZEIRA, J. (1993). “Income distribution and macroeconomics.” Review of Economic Studies, 60.) e Banerjee e Newman (1993BANERJEE, A. & NEWMAN, A. (1993). “Occupational choice and the process of development.” Journal of Political Economy, 101 (2), abril.) ajudam a esclarecer a estrutura básica dos modelos de crescimento endógeno.

O primeiro deles estuda os prováveis efeitos do regime educacional sobre o crescimento econômico. A principal conclusão é que, sob o regime privado de educação, a economia cresce mais a longo prazo, mas tende a eternizar a distribuição inicial de renda. No regime público, ao contrário, a taxa de crescimento de longo prazo é geralmente menor, mas a distribuição melhor.

A lógica do argumento é a seguinte, sob o regime privado (segundo a equação 9 do texto original) o crescimento da renda depende apenas da dotação inicial de capital humano dos indivíduos e da porcentagem de tempo investido na formação desse tipo de capital. Já sob o regime público (de acordo com a equação 7), o crescimento depende também e de forma importante de um termo H, indicando o capital humano total, que mede a magnitude das externalidades geradas pelo sistema público para o capital humano individual. A renda cresce mais sob o sistema privado porque neste os indivíduos investem mais em capital humano. Isto porque, sob este regime, os indivíduos percebem que seu progresso e de seus descendentes (devido aos agentes legarem a seus descendentes parte de seus estoques de capital humano) depende fundamentalmente de seus próprios esforços. No sistema público, ao contrário, cada indivíduo avalia sua contribuição para a qualidade da educação como negligível, isto é, como se ela de fato independesse de seus próprios esforços. Os indivíduos que herdam menos capital humano, entretanto, sempre estarão melhor neste último sistema. Isto é, na medida em que o progresso individual depende em parte de condições exógenas ao indivíduo, diminuindo a influência da sua dotação inicial de capital humano, ele tem mais chances de melhorar, se for pobre, sob o regime de educação pública. É possível identificar inclusive um caso especial em que a renda crescerá mais rapidamente sob o regime público. Trata-se da situação em que a renda é tão mal distribuída que a maioria dos indivíduos simplesmente não tem como investir em capital humano, visto que precisa dedicar a totalidade de seu tempo à produção de sua subsistência. Neste caso, o regime público pode não apenas melhorar a distribuição da renda, mas também fazê-la crescer mais rapidamente, devido a proporcionar à maioria dos indivíduos de baixa renda um estímulo exógeno à acumulação de capital humano.

O texto de Galor e Zeira é ainda mais enfático sobre o papel da distribuição no desempenho a longo prazo da economia. Supondo que os mercados de crédito são imperfeitos, na medida em que a taxa de juros para tomadores de empréstimos individuais é maior do que a taxa para os emprestadores, e que o investimento em capital humano é indivisível, refletindo não-convexidade tecnológica, eles mostram que os níveis de renda de longo-prazo dependem inteiramente da distribuição de renda inicial. Isto porque, na impossibilidade de investir “aos poucos” em capital humano, devido à não-convexidade mencionada, e de obter a soma mínima de recursos para fazê-lo no mercado de crédito, em razão da imperfeição deste, os indivíduos não terão condições de melhorar significativamente sua posição no longo prazo, preferindo dedicar a maior parte de seu tempo à produção (e consumo) de bens de consumo presente. A conclusão (desanimadora para os países pobres) dos autores, para o que interessa aqui, é que:

“[...] an economy which is initially poor ends poor in the long run as well. An economy which is initially rich and its wealth is distributed among many, ends up rich. But an economy with a large initial amount of wealth, which is held by few, ends up poor in the long run. If we would like to describe these results in more popular terms, we could say that a country has a better growth prospects if it has a relatively larger middle class.”

Mas além de apresentar melhores perspectivas de crescimento, as economias com renda mais distribuída são superiores às demais em um outro sentido. Elas são também mais flexíveis no que diz respeito à adaptação a choques macroeconômicos exógenos. A razão intuitiva para isso é que, como os trabalhadores são mais qualificados nas economias de renda mais bem distribuída, eles podem mover-se mais rapidamente para os setores que passam a ser mais importantes na nova conjuntura.

O terceiro texto citado, finalmente, procura estabelecer a relação entre estrutura ocupacional e desenvolvimento econômico, conferindo uma menor importância aos investimentos em capital humano (pelo menos explicitamente). O argumento básico é que a distribuição inicial de riqueza determina uma certa estrutura ocupacional que é fundamental para entender a trajetória de longo prazo da economia. Economias de renda muito concentrada, por exemplo, dispõem de uma grande massa de pobres com nenhuma possibilidade de adquirir a habilitação profissional (capital humano nos termos da teoria do crescimento endógeno, embora os autores não explicitem claramente isso) ou os bens de capital que lhes permitam tornar-se empresários ou mesmo trabalhar por conta própria. A única alternativa que lhes resta é aceitar trabalhar para os indivíduos mais ricos, de modo que os contratos salariais fazem o papel, nesse caso, dos contratos financeiros em outras sociedades. A estrutura ocupacional que desse modo se materializa condicionará o desenvolvimento futuro da economia de modo não-linear. Assim é que economias que apresentavam distribuições diferentes, mas não muito, em meados do século XVIII seguiram trajetórias de desenvolvimento bastante distintas. A França, por exemplo, segundo o texto, apresentava uma distribuição de renda muito menos concentrada que a Inglaterra nesse período, o que segundo a lógica do modelo em questão explica por que esta tenha aderido muito mais firmemente ao modelo de produção em larga escala do que a França, que permaneceu comprometida com a pequena produção agrícola e industrial nos próximos cem anos. Mas a elevada concentração de renda não é necessariamente desejável; dependendo do grau que atinja, ela pode conduzir ao que os autores chamam de dinâmica de baixos salários. Nessas condições, a economia tenderá a um estado de estagnação no longo prazo, enquanto países com um menor número (relativo) de pobres poderá decolar e convergir para uma trajetória decrescimento com altos salários e baixos níveis de desemprego. Não é objetivo do texto determinar a configuração particular que produzirá uma ou outra situação; o que se propõe é chamar a atenção para uma forma alternativa de tratamento das instituições pela teoria econômica, isto é, endogenamente como parte do processo de desenvolvimento.

Como se avaliar então a importância da teoria do crescimento endógeno, em sua versão mais recente, para as economias subdesenvolvidas?

Se se pudesse resumir suas proposições em uma única palavra de ordem (tendo em mente as exceções já mencionadas), tenho poucas dúvidas de que esta deveria ser: mais educação! Apenas por esta via poderiam os países subdesenvolvidos romper o círculo vicioso da pobreza. Não questiono obviamente a importância da educação, mas será esta uma condição suficiente para a superação do subdesenvolvimento? Na próxima seção, procurarei mostrar que não. O desenvolvimento dessas regiões parece depender, de forma muito mais importante na etapa atual, do investimento físico em proporções adequadas. Sem este, o investimento em capital humano pode muito bem representar não exatamente desperdício de recursos, porque níveis mais elevados de educação são fins justificáveis por si mesmos. Mas uma estratégia errônea, porque insuficiente, para a transformação social.

4. O CAPITAL HUMANO E O PROBLEMA DO SUBDESENVOLVIMENTO

Há mais de cinquenta anos, em Capitalismo, Socialismo e Liberdade, Schumpeter aventou a hipótese altamente polêmica, principalmente no contexto atual, de que o aumento da escolaridade da população poderia ser prejudicial ao futuro do capitalismo americano. Isto porque a grande maioria não poderia ser empregada de acordo com a qualificação que assim adquiriria ou imaginaria ter adquirido. A insatisfação resultante viria eventualmente a colocar em xeque o próprio sistema e não a aumentar a eficiência com que ele era operado.

Parafraseando Schumpeter, pode-se dizer que a economia capitalista só está apta a empregar uma parcela limitada de sua população em cargos realmente criativos. A grande maioria terá necessariamente de permanecer vinculada às linhas de montagem da produção em larga escala, em tarefas para as quais um maior nível educacional poderia até prejudicar a eficiência do trabalho. A imposição política por educação massificada nessas condições somente aumentaria o grau de frustração médio da sociedade.

Mas isso, pode-se argumentar, acontecia no antigo paradigma tecnológico denominado fordista. O atual, por ser intensivo em informação, requereria um nível mais alto de educação, o que sem dúvida é correto. Mas também é verdade que ele, ao que tudo indica, é ainda menos intensivo em mão-de-obra que o anterior. Pode ser, em outras palavras, que o novo paradigma requeira mão-de-obra mais especializada; o problema é que a proporção da mão-de-obra total que “cabe” neste paradigma é provavelmente menor do que a incorporada diretamente no antigo.

Num país como o Brasil esse problema é mais grave do que nas economias desenvolvidas. O completamento da industrialização, isto é, o catching-up com o paradigma tecnológico anterior, não gerou um setor moderno capaz de absorver parcela significativa da população. Ao contrário, implicou um aumento do grau de exclusão social medido por exemplo pelos indicadores de concentração de renda.9 9 Ver, entre outros, Paes de Barros e Mendonça (1995). O ponto que desejo destacar é que isso independeu do nível educacional da população. Explicando melhor: a dinâmica observada da economia brasileira nas últimas décadas, teve muito pouco (se é que teve algo) a ver com os investimentos em capital humano; assim como os anos de expansão não podem ser explicados por um dramático incremento do nível educacional (apesar da massificação do ensino de baixa qualidade em nível universitário), também a estagnação dos anos 80 decorreu muito mais de um esgotamento das possibilidades de um padrão ou de uma estratégia de desenvolvimento (de acordo com as interpretações da estagnação econômica mencionadas em parte anterior do trabalho) do que de um suposto sucateamento do estoque de capital humano nacional, embora isso, é claro, também tenha provavelmente ocorrido em alguma medida. O volume de emprego proporcionalmente reduzido (quando comparado com o emprego total) no setor moderno da economia brasileira, em que os requisitos educacionais são maiores, portanto, tem sido historicamente determinado por fatores alheios ao capital humano propriamente dito. Se, por algum milagre, tivesse sido possível aumentar significativamente o estoque de capital deste último tipo, nessas condições, o efeito sobre a taxa de crescimento e sobre o emprego teria sido, ao que tudo indica, muito pouco significativo.

Cabe perguntar, portanto: qual o efeito (econômico) do investimento em capital humano, quando feito isoladamente, em uma economia como a brasileira?

Tudo leva a crer que muito pequeno, embora pudesse vir a mudar radicalmente a correlação atual de forças políticas, o que seria um efeito colateral não previsto (mas sem dúvida desejável) pela teoria do crescimento endógeno. Mas, poder-se-ia argumentar, por que considerar o investimento em capital humano isoladamente, e não como um elemento de uma estratégia mais abrangente que incluísse também outros tipos de investimentos, por exemplo os realizados em pesquisa e desenvolvimento, em infraestrutura e em capital físico necessários para ocupar os trabalhadores progressivamente mais qualificados pelos investimentos em capital humano?10 10 Como faz Suzigan (op. cit).

Porque é assim que fazem os autores da teoria do crescimento endógeno. Ao incluir o capital humano em uma função de produção do tipo Cobb-Douglas, eles supõem que o aumento do estoque desse capital tenha um efeito isolado significativo sobre os níveis de produção e renda, dado pelo seu aumento percentual multiplicado pelo expoente dessa variável na função de produção.

Este é o meu ponto. A teoria do crescimento endógeno não é adequada para explicar o subdesenvolvimento exatamente porque apoia seu argumento em um fator que, embora importante, não é decisivo para a questão. É evidente que a educação é fundamental para a operação eficiente do aparato produtivo e para o próprio exercício da cidadania. Mas é ilusório pensar que nosso subdesenvolvimento decorra principalmente do baixo nível educacional imperante no país.11 11 Se isto fosse verdadeiro, uma economia como Cuba, que investiu pesadamente em capital humano desde a década de 60, teria inevitavelmente superado seu subdesenvolvimento. O mesmo também teria provavelmente ocorrido em países sul-americanos como a Argentina e Uruguai, cujos níveis de capital humano eram pelo menos comparáveis aos de Coreia e outros países asiáticos, quando estes fizeram o catching-up com as economias industrializadas. Referindo-se especificamente aos “tigres” asiáticos: Hong Kong, Coreia, Singapura e Taiwan, Pack (1994: 61) conclui que o efeito do capital humano parece não ter sido tão significativo para explicar seu desempenho atual em termos comparativos: “By 1960, most of the newly industrializing countries already had a higher level of education than would have been predicted by their national income -but many other poor countries that did not grow had similarly high levels (Pack & Page, 1994). Although there was substantial investment in education in these nations, growth in educational levels has not greatly exceeded that in many other less developed countries which have failed to grow” (Behrman). . Muito mais relevante como fator explicativo parece ser a incapacidade de absorção de mão-de-obra em seu setor moderno, que resultou da evolução do padrão de desenvolvimento anterior. A superação do subdesenvolvimento, portanto, parece requerer antes de tudo um conjunto articulado de medidas (sejam elas reformas de caráter liberalizante ou de natureza estrutural) que permita reanimar principalmente o investimento físico, de modo a alargar as dimensões de seu setor moderno. Pode ser que no futuro o estoque de capital humano venha de fato a constituir-se em um fator limitativo ao crescimento, mas, no momento, insistir que os investimentos em educação possam alavancar decisivamente o crescimento econômico significa defender um objetivo social indiscutivelmente válido, mas pelos motivos errados.

5. CONCLUSÃO

Procurei mostrar neste texto que a teoria do crescimento endógeno é de pouca valia para explicar as dificuldades atuais de economias como a brasileira.

Em economias como a nossa, a principal causa do subdesenvolvimento parece ser a incapacidade do seu setor moderno de absorver a maioria de suas populações trabalhadoras. Essa incapacidade não decorre do baixo nível educacional que prevalece nesses países, como sugere a teoria do crescimento endógeno. Pelo contrário, parece que boa parte da mão-de-obra qualificada não consegue ser absorvida permanentemente no setor moderno ou em posições compatíveis com sua formação. O emprego de mão-de-obra qualificada, em outras palavras, depende da inadequação da estrutura de oferta dessas economias, que se manifesta em uma dimensão reduzida do setor moderno, e não da disponibilidade desse tipo de mão de obra.12 12 A esse respeito, é interessante observar que países até mais pobres do que o Brasil, como a Índia e a China, não conseguem empregar seu capital humano por falta de oportunidades comerciais. É o que observa por exemplo Kennedy (1993: 181-2), utilizando dados de outros autores: na Índia e na China”[...] as oportunidades de ciência e tecnologia comerciais ainda são relativamente pequenas, com o resultado irônico de que embora apenas uma minúscula parcela da população chegue à educação superior, um número excessivo de pessoas talentosas lutam por um número demasiado restrito de empregos adequados”. Na Índia, mais da metade dos 3.3 milhões que procuravam trabalho em 1972 tinham qualificações além do nível vestibular. Em consequência, grande número de economistas, engenheiros e cientistas emigram para o mundo desenvolvido. Na China, segundo um outro relato, “mais de um terço do pessoal científico está, segundo estimativas, ocioso por falta de trabalho adequado. Até que apareça um setor industrial bastante grande, uma boa parte deste talento humano continuará sub-utilizada”. Os grifos são meus e visam a enfatizar que a incapacidade de empregar pessoal qualificado não deriva exatamente do grau de qualificação deste trabalho, se engenheiros ou trabalhadores especializados por exemplo, mas da inexistência de um setor industrial grande o bastante para fazê-lo. Assim, a ideia de que o capital humano não é uma restrição ao crescimento nesses países (como não é no Brasil) parece aplicar-se não só a engenheiros e cientistas, mas a qualquer trabalho que apresente produtividade superior à média da economia, que nas condições atuais só pode ser absorvido por um setor industrial moderno.

O fato de que o estoque de capital humano atual não possa ser considerado realisticamente como um fator limitativo ao crescimento não significa, é claro, que os investimentos em educação não sejam importantes. Ao contrário, eles são fundamentais inclusive para permitir aos grandes contingentes populacionais até hoje excluídos da modernidade exercer plenamente seus direitos de cidadania, pressionando pela transformação social. Mas acreditar que eles possam alavancar significativamente o crescimento nas condições atuais da economia brasileira é um engano. A tese deste trabalho é a de que, contrariamente ao prescrito pela teoria do crescimento endógeno, uma trajetória de crescimento sustentado só poderá ser alcançada, no Brasil, através de um dramático esforço de inversão física, dirigido sobretudo para a remodelação do aparato produtivo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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  • SUZIGAN, W (1992). “A indústria brasileira após uma década de estagnação: questões para política industrial.” Texto para Discussão, nº 5, Campinas, UNICAMP/IE.
  • 1
    Deve-se mencionar, entretanto, que nem todos os desenvolvimentos nessa vertente teórica enfatizam esse fator como a principal causa das divergências dos níveis de desenvolvimento dos países. Há importantes exceções, como mencionado na nota 8, à frente. Mas a ideia de que elevados níveis de educação, isto, é um adequado estoque de capital humano, constituem condição necessária se não suficiente para um país pobre superar o subdesenvolvimento é central na teoria do crescimento endógeno. A esse respeito, ver por exemplo Nelson (1994NELSON, R. (1994). “What has been the matter with neoclassical growth theory.” In Silverberg, G. & Soete, L. The Economics of Growth and Technical Change.: 306).
  • 2
    A formulação de Kaldor (1956KALDOR, N. (1956). “Alternative theories of distribution.” Review of Economic Studies, 23 (2).) ensejou ainda menos desenvolvimentos posteriores e ocupa um lugar secundário na evolução das teorias mainstream do crescimento econômico.
  • 3
    Pack (1994PACK, H. (1994). “Endogenous growth theory: intellectual appeal and empirical shortcomings.” Journal of Economic Perspectives, Vol. 8 (1), inverno.: 63) coloca a questão da convergência do seguinte modo: “Neoclassical theory can be viewed as implying convergence across countries in either growth rates or income levels. Poorer countries will initially exhibit lower capital-labor ratios, which implies a higher marginal product of capital. Given equal rates of domestic saving, labor force growth, and technical progress, their capital stock growth will exceed that in richer countries and they should converge to the capital-labor and capital-output ratio (and the income levels). There may be an added filip to groth from direct investment in factories and purchases of financial assets by foreigners who can obtain higher rates of return. As convergence occurs, the growth rates of the poorer nations should be greater”. É perfeitamente possível, no entanto, gerar trajetórias de crescimento e níveis de renda per capita distintos através do modelo neoclássico básico, desde que os parâmetros estruturais e comportamentais, acima mencionados, entre países difiram. Na seção seguinte, explico porque este não foi o caminho adotado pelos teóricos do crescimento endógeno, que preferiram assumir a tese da convergência em sua acepção forte, isto é, preconizando de fato a igualação das taxas de crescimento e dos níveis de renda “per capita” a longo prazo”.
  • 4
    Schmitz (1984SCHMITZ, H. (1984). “Industrialization strategies in less developed countries: some lessons of historical experience.” Journal of Development Studies, vol. 21, outubro.)
  • 5
    Embora sempre se possa argumentar que a convergência poderá vir a ocorrer no longo prazo, a evidência empírica sobre a evolução histórica das taxas de crescimento e dos níveis de renda per capita até o presente é amplamente desfavorável à tese. Utilizando dados estatísticos de Heston e Summers (1981) sobre níveis de renda per capita para vários países, Romer (1994ROMER, P. (1994). “The origins of endogenous growth.” Journal of Economic Perspectives, 8 (1), inverno.: 4) por exemplo conclui que “convergence clearly fails in this broad sample of countries [...] On average, poor countries in this sample grow no faster than the rich countries” (o que seria necessário até os níveis de renda se igualarem).
  • 6
    Embora possa se sustentar que esteja ocorrendo convergência condicional, isto é convergência nas taxas de crescimento depois de ajustadas pelas correspondentes taxas de investimento sobre o PIB e de crescimento populacional. Vários trabalhos recentes têm concluido pela existência de convergência condicional (ver por exemplo Barro, 1991BARRO, R. J. (1991). “Economic growth in a cross section of Countries.” Quartely Journal of Economics, 106, maio. e Mankiw, Romer, Weil, 1992MANKIW, G. ROMER, D. & WEIL, D. (1992). “A contribution to the empirics of economic growth.” Quarterly Journal of Economics, 152, maio.) entre os países da OECD. Mas o mesmo resultado não se verifica quando se expande a amostra para incluir países menos desenvolvidos. Segundo Pack (1994PACK, H. (1994). “Endogenous growth theory: intellectual appeal and empirical shortcomings.” Journal of Economic Perspectives, Vol. 8 (1), inverno.:64): “ ... many countries in Latin-America, Africa, Asia and Eastern Europe did not converge, even conditionally.”
  • 7
    Exatamente como a hipótese de não-divergência dos parâmetros estruturais no modelo básico.
  • 8
    Algumas das mais importantes exceções são Grossman e Helpman (ver Grossman e Helpman, 1994GROSSMAN, G. & HELPMAN, E. (1994). “Endogenous innovation in the theory of growth.” Journal of Economic Perspectives, 8 (1), inverno., para um resumo das proposições mais relevantes) que atribuem um papel mais relevante às inovações tecnológicas como fator explicativo do crescimento a longo prazo e Romer (1987ROMER, P. (1987). “Crazy explanations for the productivity slowdown.” In: Fisher, S. NBER Macroeconomic Annual. Cambridge, Mass. MIT Press.) que destaca a importância dos spil1 overs gerados pelo investimento em capital físico. Deve-se mencionar entretanto que este último (Romer, 1994ROMER, P. (1994). “The origins of endogenous growth.” Journal of Economic Perspectives, 8 (1), inverno.), um dos mais importantes teóricos do crescimento endógeno, veio a reavaliar sua posição, aproximando-se mais dos teóricos do capital humano.
  • 9
    Ver, entre outros, Paes de Barros e Mendonça (1995PAES DE BARROS, R. e MENDONÇA, R. (1995). “A evolução do bem-estar, pobreza e desigualdade no Brasil ao longo das últimas três décadas - 1960-90.” Pesquisa e Planejamento Econômico, 25 (1), abril.).
  • 10
    Como faz Suzigan (op. cit).
  • 11
    Se isto fosse verdadeiro, uma economia como Cuba, que investiu pesadamente em capital humano desde a década de 60, teria inevitavelmente superado seu subdesenvolvimento. O mesmo também teria provavelmente ocorrido em países sul-americanos como a Argentina e Uruguai, cujos níveis de capital humano eram pelo menos comparáveis aos de Coreia e outros países asiáticos, quando estes fizeram o catching-up com as economias industrializadas. Referindo-se especificamente aos “tigres” asiáticos: Hong Kong, Coreia, Singapura e Taiwan, Pack (1994PACK, H. (1994). “Endogenous growth theory: intellectual appeal and empirical shortcomings.” Journal of Economic Perspectives, Vol. 8 (1), inverno.: 61) conclui que o efeito do capital humano parece não ter sido tão significativo para explicar seu desempenho atual em termos comparativos: “By 1960, most of the newly industrializing countries already had a higher level of education than would have been predicted by their national income -but many other poor countries that did not grow had similarly high levels (Pack & Page, 1994PACK, H. & PAGE, J. M. (1994). “Accumulation, exports and growth in the high performing Asian countries.” Carnegie Rochester Papers on Public Policy, inverno.). Although there was substantial investment in education in these nations, growth in educational levels has not greatly exceeded that in many other less developed countries which have failed to grow” (BehrmanBEHRMAN, J. (1990). “Thoughts on human resource led development possibilities.” Mimeo. Department of Economics, University of Pennsylvania.).
  • 12
    A esse respeito, é interessante observar que países até mais pobres do que o Brasil, como a Índia e a China, não conseguem empregar seu capital humano por falta de oportunidades comerciais. É o que observa por exemplo Kennedy (1993KENNEDY, P. (1993). Preparando para o século XXI. Rio de Janeiro, Campus.: 181-2), utilizando dados de outros autores: na Índia e na China”[...] as oportunidades de ciência e tecnologia comerciais ainda são relativamente pequenas, com o resultado irônico de que embora apenas uma minúscula parcela da população chegue à educação superior, um número excessivo de pessoas talentosas lutam por um número demasiado restrito de empregos adequados”. Na Índia, mais da metade dos 3.3 milhões que procuravam trabalho em 1972 tinham qualificações além do nível vestibular. Em consequência, grande número de economistas, engenheiros e cientistas emigram para o mundo desenvolvido. Na China, segundo um outro relato, “mais de um terço do pessoal científico está, segundo estimativas, ocioso por falta de trabalho adequado. Até que apareça um setor industrial bastante grande, uma boa parte deste talento humano continuará sub-utilizada”. Os grifos são meus e visam a enfatizar que a incapacidade de empregar pessoal qualificado não deriva exatamente do grau de qualificação deste trabalho, se engenheiros ou trabalhadores especializados por exemplo, mas da inexistência de um setor industrial grande o bastante para fazê-lo. Assim, a ideia de que o capital humano não é uma restrição ao crescimento nesses países (como não é no Brasil) parece aplicar-se não só a engenheiros e cientistas, mas a qualquer trabalho que apresente produtividade superior à média da economia, que nas condições atuais só pode ser absorvido por um setor industrial moderno.
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    JEL Classification: J20; J24; B50.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 1998
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