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Reforma da previdência: o encontro marcado

RESENHAS

Reforma da previdência: o encontro marcado

Fabio Giambiagi (org.)

Rio de Janeiro: Elsevier, 2007

Talvez o melhor título para esse livro fosse "Tudo que você queria saber sobre previdência, mas não conseguia entender quando os economistas tentaram explicar". O texto em questão tem várias qualidades. Talvez a principal delas seja a capacidade de conciliar em uma só obra uma linguagem quase coloquial e uma abordagem que não perde o rigor e a precisão no uso dos conceitos e na análise dos dados.

A expressão "Reforma da previdência" tem nos acompanhado há mais de uma década. No mínimo desde o início do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso é raro o dia em que os meios de comunicação não trazem alguma notícia relacionada ao tema. Em parte por essa persistência na mídia e por algumas concepções erroneamente difundidas, criou-se uma grande resistência por parte de alguns grupos a qualquer proposta de reforma. Todos aqueles que defendem alguma mudança previdenciária são taxados de neoliberais, alheios à preocupações populares, insensíveis e outras qualificações menos elogiosas. Por outro lado, aqueles que pleiteiam constantes benefícios e vantagens arvoram-se como defensores dos pobres e dos trabalhadores. Como se não houvesse custos impostos à sociedade para suportar esses benefícios.

Sabedor desse fato e das resistências ao tema, o autor demonstra um cuidado extremo em sua abordagem inicial. Giambiagi retoma no primeiro capítulo um episódio marcante de sua vida privada, que serve de alerta ao leitor que a aridez do assunto não afeta sua sensibilidade frente a questões universais como a velhice e a incerteza a ela associada. Essa técnica de ilustrar passagens do texto com fatos do cotidiano e exemplos de fácil assimilação, empregada várias vezes, apresenta um bom resultado, pois facilita sobremaneira a leitura das mais de 220 páginas da obra.

Os capítulos do livro (alguns com títulos bastante espirituosos) são relativamente independentes entre si. O autor teve a preocupação de escolher alguns dos tópicos mais relevantes e controversos. Por meio desses, guia-se o leitor leigo, que parece ser o público-alvo, pelas inúmeras especificidades da questão previdenciária no Brasil.

No segundo capítulo, apropriadamente denominado "O Brasil está perdendo o bonde da história", Giambiagi faz uma contextualização sobre as recentes mudanças econômicas pelas quais o mundo vem passando. Em vários países predomina uma cultura de esforços para aumentar a produtividade, busca por novos mercados e incentivos econômicos na decisão correta, associados a investimentos governamentais em infra-estrutura. Já no Brasil, predomina o que o autor apropriadamente denomina de "cultura do coitadinho", em que sempre se espera que o governo solucione todos os problemas dos indivíduos. Nesse sentido, as perenes dificuldades em reformar a previdência podem ser entendidas como uma mostra desse traço da cultura brasileira. Qualquer tentativa de mudança na previdência é entendida como uma agressão aos direitos das pessoas.

No terceiro capítulo, o autor trata de algumas meias-verdades que permeiam o debate sobre a previdência. Inicialmente, mostra-se que o combate às fraudes, embora sempre necessário, não é uma questão trivial, nem de fácil execução. De forma análoga, a cobrança da dívida ativa (e a listagem dos maiores devedores do INSS apresentada no texto deixa isso claro) não pode ser feita de forma rápida, visto que algumas das empresas devedoras até já encerraram suas operações. No capítulo mostra-se ainda o quão falaciosos são os argumentos de que a previdência social é superavitária e que a idade legal de aposentadoria (particularmente por tempo de contribuição) é muito elevada, dada a expectativa de vida dos brasileiros.

Nos capítulos 5 e 6 apresenta-se um dos pontos mais relevantes para a compreensão dos motivos que levaram ao aumento do déficit do INSS: os aumentos reais do salário mínimo verificados nos últimos 12 anos. Nesse período, o SM teve aumento real de cerca de 91%. Como dois terços dos benefícios pagos pelo INSS tem valor de 1 SM, há uma forte pressão sobre os gastos previdenciários. Como no mesmo intervalo de tempo, os salários reais nas regiões metropolitanas apresentaram uma queda de mais de 5%, fica evidente o descompasso entre a evolução das receitas e despesas. Some-se a isso um quadro de crescimento medíocre do PIB, aumentos nos benefícios assistenciais, elevação acelerada na concessão de aposentadorias por tempo de contribuição para compor um quadro em que as despesas do INSS passam de menos de 5% do PIB em 1994 para 7,8% do PIB em 2006. Esse tema é posteriormente retomado no capítulo 12, no qual se mostra que as políticas de aumentos reais para o salário mínimo são pouco eficientes se o objetivo principal for combater a pobreza e a miséria.

Nos capítulos 7 e 8, o foco são as reformas previdenciárias. A evidência internacional mostra que as reformas devem ser graduais e tomam muito tempo. Também mostram que (e remete-se o leitor à epígrafe do livro) existe fundamentalmente um debate intergeracional, no qual se discute o ônus a ser arcado por cada geração. Tendo esses fatos como base, faz-se um breve apanhado das reformas previdenciárias efetuadas nos governos FHC e Lula. Talvez Giambiagi seja um tanto quanto rigoroso quando classifica que tais mudanças não serviram para (quase) nada. As evidências empíricas mostram que os ganhos, particularmente com a reforma de 2003, não foram tão reduzidos, embora se frise, sejam bem menores em relação à proposta original apresentada pelo Executivo.

Nos capítulos 9, 10 e 11 são tratadas algumas especificidades do INSS. A primeira é o fator previdenciário, incluído para dar mais justiça atuarial ao sistema previdenciário. Giambiagi mostra com base em exemplos simples que o fator não é tão draconiano com preconizam alguns. Uma professora que se aposente aos 56 anos (idade bastante inferior à média internacional) já terá o fator igual a um, ou seja não terá perdas. A seguir trata-se do auxílio-doença, que teve um crescimento vertiginoso, triplicando em apenas cinco anos. Não há uma explicação única para esse fenômeno. O autor levanta como hipóteses principais a não incidência do fator sobre esse tipo de benefício e a capacidade pericial do INSS e dos médicos contratados. O capítulo "INSS, essa grande mãe" encerra essa breve trilogia de particularidades do nosso sistema previdenciário. Giambiagi mostra com bons exemplos que o INSS é relativamente generoso. As regras de concessão de benefícios não são tão rigorosas. E ainda há privilégios para algumas categorias específicas, como os professores dos níveis mais básicos de ensino.

Os capítulos 14 e 15 são bastante interessantes. No primeiro, "Os gatões de meia-idade", mostra-se como a sociedade costuma ser relativamente condescendente com as aposentadorias precoces por tempo de contribuição. Já em "O que as mulheres querem", faz-se uma caprichada comparação de alguns direitos previdenciários e de características de inserção no mercado de trabalho, das mulheres do Brasil e de outros países do mundo. O autor conclui que nossos critérios de concessão de benefícios são bem menos rígidos, no tocante às mulheres, que em várias outras nações.

Nos capítulos finais, há um caráter policy paper, já manifestado em outros trabalhos acadêmicos do autor. Com base no quadro traçado nos capítulos precedentes, são feitas sugestões de mudanças em nosso sistema previdenciário. Além da correção técnica, fundamental a qualquer proposta de reforma, há uma clara preocupação com a viabilidade política das reformas propostas. Detalham-se valores e taxas de incremento reais viáveis para o salário mínimo. Também é apresentada uma versão de uma possível Proposta de Emenda Constitucional (PEC) por meio do qual a reforma proposta seria efetuada. Esse seria o caminho para que o país fizesse "A nova escolha de Sofia", como apropriadamente se denomina o 18º derradeiro capítulo.

Fica apenas uma breve ressalva quanto a um tema ausente no livro. O autor poderia ter incluído um capítulo específico para tratar da previdência dos funcionários públicos, visto que apesar das reformas recentes, os Regimes Próprios de Previdência Social ainda possuem particularidades importantes, que mereceriam uma análise mais acurada. Finalizando, pode-se concluir que esse livro é uma leitura obrigatória para todos aqueles que gostariam de compreender melhor esse importante tema.

Luís Eduardo Afonso

Professor do Departamento de Contabilidade e Atuária da FEA/USP

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Fev 2008
  • Data do Fascículo
    Dez 2007
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