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Representações sociais de ambientes sociais complexos através de desenhos e textos

Representaciones sociales de ambientes sociales complejos a traves de dibujos y textos

Social representations of complex social environments through drawings and texts

Resumos

O objetivo deste trabalho foi observar representações de ambientes sociais complexos por meio de desenhos e textos. Adotamos a teoria de Moscovici, que supõe o fenômeno das representações sociais como manifestação de sociedades modernas e democráticas. Para contornar constrangimentos/desigualdades existentes, adotamos o desenho como forma de expressão. Solicitamos a estudantes de ensino médio, autodefinidos como negros, morenos e brancos, que desenhassem a sala de aula. O material foi analisado segundo temas manifestos. Houve diferenciação estatística quanto a objetos, perspectivas espaciais, professor, colegas e estudante. Notamos, entre negros com desempenho acadêmico alto, mais referências a colegas e conflito/negociação com professores.

Percepção social; Desenhos; Ambiente


El objetivo de este trabajo fue observar representaciones de ambientes sociales complejos por medio de dibujos y textos. Adoptamos la teoría de Moscovici, que considera el fenómeno de las representaciones sociales como manifestación de sociedades modernas y democráticas. Para contornear las coacciones/desigualdades existentes, adoptamos el dibujo como forma de expresión. Solicitamos a estudiantes de secundaria, autodefinidos como negros, morenos y blancos, que dibujasen la clase. El material fue analizado según temas manifiestos. Hubo diferenciación estadística en cuanto a objetos, perspectivas espaciales, profesor, colegas y estudiante. Entre negros con alto rendimiento académico notamos más referencias a los colegas y conflicto / negociación con profesores.

Percepción social; Dibujos; Ambiente


The objective of this work was to observe representations of complex social environments through drawings and texts. We adopted Moscovici's theory, which supposes that the social representations phenomenon is a modern and democratic societies' manifestation. To overcame existing constraints/unequalities, we adopted drawings as a means of expression. We asked secondary students, self-defined as African-Brazilians, Mixeds and Whites, to drawn the classroom. The material was analysed according to manifest themes. There was statistical diferentiation on objects, spatial perspectives, teacher, colleagues and student. Among high academic performer African-Brazilians we noticed more references to colleagues and conflict/negotiation with teachers.

Social perception; Drawings; Environment


ARTIGO ORIGINAL

Representações sociais de ambientes sociais complexos através de desenhos e textos

Representaciones sociales de ambientes sociales complejos a traves de dibujos y textos

Social representations of complex social environments through drawings and texts

Edson de Souza Filho

Doutor em Psicologia Social, Professor Associado da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, Brasil

Endereço do autorEndereço do autor:Universidade Federal do Rio de Janeiro Instituto de Psicologia Programa de Pós-Graduação em Psicologia Av. Pasteur, 250, Pavilhão Nilton Campos 22290-240, Rio de Janeiro, RJ E-mail: edsouzafilho@gmail.com

RESUMO

O objetivo deste trabalho foi observar representações de ambientes sociais complexos por meio de desenhos e textos. Adotamos a teoria de Moscovici, que supõe o fenômeno das representações sociais como manifestação de sociedades modernas e democráticas. Para contornar constrangimentos/desigualdades existentes, adotamos o desenho como forma de expressão. Solicitamos a estudantes de ensino médio, autodefinidos como negros, morenos e brancos, que desenhassem a sala de aula. O material foi analisado segundo temas manifestos. Houve diferenciação estatística quanto a objetos, perspectivas espaciais, professor, colegas e estudante. Notamos, entre negros com desempenho acadêmico alto, mais referências a colegas e conflito/negociação com professores.

Descritores: Percepção social. Desenhos. Ambiente.

RESUMEN

El objetivo de este trabajo fue observar representaciones de ambientes sociales complejos por medio de dibujos y textos. Adoptamos la teoría de Moscovici, que considera el fenómeno de las representaciones sociales como manifestación de sociedades modernas y democráticas. Para contornear las coacciones/desigualdades existentes, adoptamos el dibujo como forma de expresión. Solicitamos a estudiantes de secundaria, autodefinidos como negros, morenos y blancos, que dibujasen la clase. El material fue analizado según temas manifiestos. Hubo diferenciación estadística en cuanto a objetos, perspectivas espaciales, profesor, colegas y estudiante. Entre negros con alto rendimiento académico notamos más referencias a los colegas y conflicto / negociación con profesores.

Descriptores: Percepción social. Dibujos. Ambiente.

ABSTRACT

The objective of this work was to observe representations of complex social environments through drawings and texts. We adopted Moscovici's theory, which supposes that the social representations phenomenon is a modern and democratic societies' manifestation. To overcame existing constraints/unequalities, we adopted drawings as a means of expression. We asked secondary students, self-defined as African-Brazilians, Mixeds and Whites, to drawn the classroom. The material was analysed according to manifest themes. There was statistical diferentiation on objects, spatial perspectives, teacher, colleagues and student. Among high academic performer African-Brazilians we noticed more references to colleagues and conflict/negotiation with teachers.

Descriptors: Social perception. Drawings. Environment.

INTRODUÇÃO

Nosso objetivo principal neste trabalho é apresentar uma proposta de pesquisa/avaliação de ambientes sociais complexos, como uma sala de aula ou local de atendimento de saúde, que envolvem objetos, ações e interações de indivíduos/grupos. Para tanto, adotamos o desenho como veículo de expressão por permitir/facilitar a emergência de conteúdos e formas de representação social, considerados menos legítimos e reconhecidos socialmente. Sabemos que existem muitas condições sociais que afetam os ambientes profissionais como estabelecimentos de ensino/saúde, em termos de clima psicossocial de interação, onde se espera uma postura mais/menos ativa/passiva do estudante/cliente, centrada na tarefa ou em relações sociais, por exemplo. Tais elementos parecem estar relacionados às concepções do indivíduo e possibilidades de expressão sócio-cultural existentes.

O fenômeno formalizado por Moscovici apontava para a reconstrução de saberes acadêmicos/profissionais entre indivíduos/grupos leigos em relação aos mesmos assuntos(1). Em geral, supomos que já existem representações sociais a respeito de salas de aula, tendo em vista a presença desses ambientes em quase todos os pontos do país. Apesar dessa presença tão ampla e numerosa, há sintomas claros de dificuldades para a inserção nesses ambientes por parte de muitos, tal como eles funcionam atualmente, sobretudo para certos grupos sócio-culturais como os étnicos, conforme alguns levantamentos permitiram saber(2).

Acreditamos que podemos atribuir parte dessas dificuldades aos fenômenos de representações sociais e culturais, ainda menos conhecidos. Como a sala de aula costuma ser vivida por muitos como uma situação constrangedora, consideramos a expressão verbal como prejudicada para manifestar mais abertamente alguns conteúdos problemáticos. Primeiro, porque existe freqüentemente uma censura pública em relação a indivíduos/grupos que se identificam com valores, normas e ideologias não dominantes. Em seguida, porque muitos empregam um repertório verbal considerado não pertinente para a vida escolar rotineira, como linguagem não abstrata, símbolos originados em outros contextos. Já o desenho costuma ser considerado um meio de expressão mais livre, que permite a emergência de conteúdos espontâneos e fora do que é esperado socialmente. Ademais, acreditamos que o desenho possa servir como instrumento de descrição objetiva, que nos permita realizar inferências seguras a respeito da vida psicossocial. Trata-se de linguagem não verbal utilizada corriqueiramente nos grupos sociais, inclusive através dos meios de comunicação social pública, como a publicidade. Nossa proposta de análise de desenhos seguiu procedimentos comparativos similares aos verbais. Ou seja, trabalhamos apenas com os conteúdos manifestos, procurando formular de modo descritivo os temas usados a fim de comparar indivíduos/grupos(3-5).

Nesse sentido, os eixos e recortes de análise de representações sociais do ambiente escolar que adotamos não esgotam todas as possibilidades analíticas a partir do mesmo material. O primeiro conjunto de temas em foco refere-se aos objetos, tais como os instrumentos de alunos/professores, currículo, símbolos institucionais, portas e janelas, entre outros, não diretamente relacionados às tarefas e atividades escolares. Outro conjunto de temas refere-se às perspectivas espaciais, relacionadas aos modos de inserção/avaliação do ambiente da sala de aula, tais como de cima para baixo, lateral, frontal, de trás para frente/da frente para trás, carteiras enfileiradas ou em outra posição, natureza, escola como um todo.

O professor pode ser tratado como personalizado, esquematizado, ensinando, em movimento/imóvel, disciplinando, negociando ou ausente. Muitos estabelecimentos de ensino público costumam manter relações mais impessoais entre alunos e professores, ao passo que os privados tendem a ter como ideal a interação entre pessoas(6). Apesar disso, considerar alguém como um indivíduo ou entidade autônoma, diferenciada e considerada à parte, é menos esperado, uma vez que outras pesquisas realizadas indicaram menor importância dessa forma de apresentação social entre professores/alunos autodefinidos como brancos em relação às suas autoridades familiares(7). Nesse sentido, acreditamos que as manifestações de personalização possam estar relacionadas à emergência do indivíduo na sala de aula. Em contraste, a esquematização de personagens pode indicar menor expressão de individualidade, maior massificação(8), perda de autonomia, diferenciação social. Em termos de ação, o ensino seria a atividade específica principal do papel do professor, que nos ambientes com certo esvaziamento da vida escolar é substituído por movimentos e/ou imobilidades. Já outros conteúdos, dizem respeito à disciplina/negociação que parecem estar mais presentes nos ambientes escolares onde predomina a substituição do ensino-aprendizagem por brincadeira, em geral considerada como desvio e em ausência de professor na sala de aula.

Os temas relativos aos colegas giram em torno dos mesmos usados para retratar o professor, apesar de variações em função do papel social na situação escolar. O aluno complementa o papel do professor, porém usualmente em posição hierárquica subordinada. Na escola tradicional, ele apareceria de forma não personalizada, em parte por estarem inseridos em multidões. Mas essa visão esquematizada dos colegas seria mais comum nas escolas periféricas; o que deve ser uma continuidade do que acontece com o próprio aluno.

Enfim, o aluno, incluído ou não no desenho, seria um sinal importante da existência ou não de expectativa positiva em relação ao indivíduo no ambiente escolar, sobretudo em faixas etárias com mais possibilidades de autonomia mental, diferenciação de personalidade e delimitação de fronteiras psicológicas/físicas entre o eu e não-eu(9). Em termos de ação, esperamos encontrar uma relação inversa entre atividades escolares típicas de ensino-aprendizagem e movimento/imobilidade do aluno.

Em outro trabalho com estudantes de ensino fundamental, brancos e morenos tenderam a representar o professor na escola usando temas de ensino/aprendizagem, enquanto os negros só manifestaram-se sobre os mesmos temas e a respeito do próprio aluno individualmente, em carta simulada dirigida à autoridade fora da escola(10). Nossa suposição é que, no ensino médio, os estudantes negros tendam a apresentar maior aproximação com os traços sócio-culturais dos brancos. Contudo, tal indiferenciação seria, sobretudo, a respeito da construção do próprio aluno como indivíduo, que tenderia a diluir-se dando lugar a outros conteúdos para adaptar-se socialmente. Já os brancos e, em menor medida, os morenos, a passagem para o ensino médio estaria sendo acompanhada por aumento de personalização no formato de auto-afirmação individual, acarretando em certo estresse interpessoal. Contudo, tais fenômenos têm ocorrido sem que isso implique, necessariamente, em reconhecimento de comportamento/mentalidade autônomo, diferenciado e fora do ambiente psicológico da vida privada/familiar, tendendo a não emancipar plenamente o jovem e, igualmente, os próprios grupos sócio-culturais considerados subordinados. Trata-se de algo que também ocorre nos países desenvolvidos, em torno de uma "individuação instrumental", sem um aperfeiçoamento moral/ético além das convenções sociais. Ou seja, muitos estudantes, sobretudo os brancos e morenos, enfrentam a competição interindividual e, ao mesmo tempo, conflitos familiares decorrentes de relações de poder e interpessoais não democráticas, transferindo para a escola parte dessas aspirações de autonomia e diferenciação.

Enfim, tendo em vista a dificuldade histórica atual para viabilizar tais elementos em espaço público, podemos esperar encontrar um acúmulo de tensão e frustração, que são canalizadas para condutas anômicas(11). Nesse sentido, a situação de menor reconhecimento social dos negros vai levá-los a buscar conteúdos temáticos que facilitem a expressão e comunicação com os personagens da situação escolar, bem como manifestar dificuldade de envolvimento com ensino-aprendizagem. Ademais, é preciso dizer que os negros costumam ser mais afirmativos individualmente, quando existe maior expectativa de que eles sejam submissos aos professores(10). Tal situação pode levá-los a auto-apresentar-se no ensino médio como vivendo conflito social.

Nossa hipótese é que os negros viveram em comunidades autônomas, diferenciadas e relativamente separadas por um longo período do século XX(12), quando outros grupos de brasileiros não negros vieram a se juntar a eles. Desde então, passaram a adotar uma postura parecida com a descrita por Kurt Lewin como a de um "homem marginal", entre os seus grupos/culturas de origem e os grupos externos, mais ou menos permeáveis à mobilidade/promoção de grupos não brancos(13). Como a manutenção de organizações negras, mesmo religiosas, foi algo muito difícil, houve grande dispersão, obrigando-os a adotar uma postura assertiva ao nível individual, procurando garantir a sua sobrevivência psicológica e social. Tal postura será um fator de dificuldade maior dos alunos autodefinidos como negros com interlocutores que valorizam mais a submissão e dependência do aluno.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo retrospectivo, trabalhando com dados já existentes, ainda que tenhamos preconizado o que determina a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde(14). Os participantes foram estudantes de ensino médio de escolas públicas da cidade do Rio de Janeiro de ambos os sexos, distribuídos segundo a autodefinição étnica-racial, como se segue: negros (N) (n=45; média de idade de 14,17 anos); morenos (M) (n=93; média de idade de 13,64 anos); brancos (B) (n=82; média de idade de 13,8 anos). Ademais, os participantes foram observados em termos de desempenho acadêmico em português e matemática, segundo duas avaliações institucionais anteriores, como satisfatório (S) e plenamente satisfatório (PS).

Trabalhamos apenas com imagens identificadas na superfície do papel que comunicassem intenção de tratar de temas em relação aos quais não houvesse dúvida entre analistas independentes a respeito dos seus significados. Os temas explicitamente usados e descritos por nós foram os seguintes:

a) objeto: instrumento do professor e do aluno (incluindo mobiliário, caderno, livro, lápis, mochila, entre outros); conforto ambiental (ventilador, entre outros); circulação (janela, portas, etc.); objeto não tipicamente escolar (jarro de flores); mural; símbolo institucional (nome do estabelecimento, bandeira do Brasil, etc.); currículo (conteúdos curriculares de disciplinas, notas e inscrições feitas na lousa);

b) perspectiva espacial: perspectiva do desenho de cima para baixo; perspectiva lateral; frontal; perspectiva de trás para frente/da frente para trás (sentados e/ou carteiras enfileiradas); escola como um todo; escola inserida na natureza/ambiente externo; disposição das carteiras enfileiradas; disposição das carteiras em outras posições (círculo, pequenos grupos, etc.); fora da escola;

c) professor: personalizado (descrições que indicam um indivíduo em particular, incluindo nome, traço físico não esquemático, vestuário, penteado, etc.); esquematizado (descrições/traços que não permitem dizer que é de alguém em particular); ensinando (atividades relacionadas ao ensino, tais como indicar informação/conhecimento na lousa ou verbalizar conteúdos curriculares); em movimento na sala de aula (de pé, andando); imóvel sentado; disciplinando (expressando verbalmente ou na expressão física, como apontando o dedo acusador através de punição ou ameaça); negociando (expressando situação em que alunos estão se manifestando junto com professor algum ponto de debate); ausente da sala de aula;

d) colega: personalizado (descrições que indicam um indivíduo em particular, incluindo nome, traço físico não esquemático, vestuário, penteado, etc.); esquematizado; estudando/disciplinado (concentrado na tarefa escolar e/ou no professor); brincando (em atividades não explicitamente escolares ou diretamente de brincadeiras); em movimento (não brincando nem estudando); imóvel (sem estar explicitamente estudando ou brincando); em grupo negociando ou em atividade autônoma em relação ao professor; ausente;

e) aluno (participante): personalizado (descrições que indicam um indivíduo em particular, incluindo nome ou menção de se tratar do próprio indivíduo ("eu"), traço físico não esquemático, vestuário, penteado, etc.); esquematizado; estudando/disciplinado (concentrado na tarefa escolar e/ou no professor); brincando (em atividades não explicitamente escolares ou diretamente de brincadeiras); em movimento (não brincando nem estudando); imóvel (sem estar explicitamente estudando ou brincando); em grupo negociando ou em atividade autônoma em relação ao professor; ausente.

Contamos freqüências de temas considerando a sua presença em até três vezes, evitando a possibilidade de participantes prolixos ou redundantes alterarem o conjunto dos resultados de cada grupo. Após a formação de tabelas segundo os grupos étnicos e desempenho acadêmico, fizemos comparações estatísticas por meio do teste de qui-quadrado. A seguir apresentamos alguns fac-símiles de desenhos da sala de aula feitos por alunos, seguidos de referências a sexo (m = masculino, f = feminino), idade, autodefinição étnica e desempenho acadêmico (Figuras 1-5).


 






RESULTADOS E DISCUSSÃO

É preciso mencionar que, nos vários estabelecimentos de ensino médio que pesquisamos, foram encontrados relativamente menos estudantes que se autodefiniram como negros. Mas também foram menos frequentes os estudantes com níveis de desempenho mais altos, independente de autodefinição étnica.

Constatamos similaridade entre os grupos de estudantes com desempenho plenamente satisfatório no conjunto dos temas gerais usados pelos mesmos para desenhar a sala de aula. Contudo, pontualmente, encontramos algumas diferenciações. Os brancos ressaltaram os objetos (B=26,8%; M=21,5%; N=20,3%); os morenos, as perspectivas espaciais (M=27,7%; B=20,2%; N=17,1) e o professor (M=13,8%; B=10,4%; N=10,9%) e, os negros, os colegas (N=42,5%; M=27,4%; B=33,8%). Contudo, houve certa uniformidade intergrupal na referência ao próprio estudante (N=8,9%; M=9,3%; B=8,6%).

A análise dos subtemas permitiu-nos verificar os pontos de diferenciação. Assim, os negros manifestaram sobre objeto mais temas de símbolo institucional, circulação e conforto ambiental; os morenos expressaram instrumento do aluno e do professor; e, os brancos, conteúdos de currículo, objeto não típico e instrumento do aluno (c2=32,544; gl=14; p<0,0034).

Em relação à perspectiva espacial, os morenos apresentaram mais a perspectiva frontal, de trás para frente e lateral; os brancos, carteira enfileirada e de trás para frente; e os negros, carteira enfileirada e em outra posição de carteira (c2=27,469; gl=14; p<0,0167).

Já o professor foi representado por morenos como personalizado e ensinando (junto com negros), ao passo que os brancos o apresentaram esquematizado, imóvel, em movimento (junto com negros) e disciplinando (c2=22,138; gl=14; p<0,0758).

Quanto ao colega, os negros o apresentaram esquematizado e imóvel (junto com brancos), negociando e isolado dos demais colegas. Os morenos o apresentaram personalizado, estudando e brincando; os brancos, em movimento (c2=57,45; gl=16; p<0,0000).

Enfim, o aluno foi apresentado por parte dos negros esquematizado, imóvel e negociando. Os morenos, por sua vez, o desenharam personalizado, estudando e em movimento, mas foi alta a percentagem desenhos em que ele estava ausente. Já os brancos, o mostraram imóvel (c2=31,378; gl=14; p<0,0049).

A análise de temas gerais usados por alunos de desempenho acadêmico satisfatório indicou aproximação entre os grupos étnico-raciais. Contudo, alguns resultados merecem menção. Os brancos e morenos enfatizaram mais o professor (B=12,5%; M=13,2%; N=10,9%), e, negros e morenos, o aluno (N=10,7%; M=9,5%; B=7,8%).

A comparação intragrupal étnica dos estudantes de desempenho PS e S indicou o seguinte: entre os negros, os PS mencionaram mais o colega, em detrimento de objeto, perspectiva espacial e o aluno (c2=18,615; gl=4; p<0,0009). Já os brancos PS também se referiram mais ao colega, ao passo que os S mencionaram mais perspectiva espacial e professor (c2=9,25; gl=4; p<0,0551). Enfim, os morenos praticamente não apresentaram diferenças, com exceção da perspectiva espacial.

Em seguida apresentamos os resultados de análises estatísticas para os subtemas usados pelos estudantes S. Assim, o objeto foi desenhado por parte de alunos negros a partir de símbolo institucional, mural e objeto não típico (negros e brancos). Os morenos (junto com brancos) o desenharam em termos de instrumento do professor e do aluno, além de indicarem maior presença de conteúdos temáticos currículo (c2=52,229; gl=14; p<0,0000).

Quanto à perspectiva espacial, os negros indicaram ênfase maior de carteira enfileirada. Já os morenos (junto com brancos) desenharam mais de cima para baixo e lateral, além de frontal (c2=30,007; gl=16; p<0,0180).

Em relação ao professor, os negros o desenharam em movimento, disciplinando (junto com morenos) e ausente. Os morenos, por sua vez, tenderam a mostrá-lo personalizado. Os brancos, enfim, desenharam o professor esquematizado, ensinando e em movimento (c2 [entre morenos e brancos] =14,072; gl=7; p<0,0499).

O colega foi apresentado por negros de modo esquematizado. Já os morenos (e brancos) o mostraram personalizado, brincando e ausente. Os brancos desenharam o colega estudando e em movimento (c2 [entre morenos e brancos] =14,072; gl=7; p<0,0499).

Enfim, o aluno foi desenhado por negros esquematizado (junto com brancos), estudando e imóvel (junto com brancos). Já os morenos se destacaram em fazer desenhos da sala de aula em que o aluno está ausente. Os brancos ainda deram ênfase no aluno como em movimento (c2=25,558; gl=14; p<0,0294).

A idéia do currículo está menos clara nos grupos – com exceção dos brancos -, apesar de algumas diferenças intergrupais (étnicas e de desempenho) encontradas. Ou seja, os objetos como instrumento do professor e do aluno não tão específicos, como carteira, lousa, lápis, caderno, foram mais referidas por todos os grupos, apesar de diferenças intergrupais apontadas. Mas é preciso mencionar que a maior presença de conteúdos temáticos como porta/janela entre negros, assim como preocupação com aspectos de conforto ambiental (junto com morenos), indicam certa dispersão psicológica individual em relação aos objetos/assuntos para fora da sala de aula, sinal de certa dificuldade de inserção em atividades de ensino e aprendizagem. Enfim, um dado importante para nossa discussão é o objeto não típico (jarro de flores, etc.), mais presentes, sobretudo entre brancos e, em menor medida, entre negros, indicando expectativa maior entre os primeiros de tornar aqueles ambientes mais domésticos ou similares à vida privada, sobretudo para os possíveis critérios dos brancos. Em estudo anterior ao avaliarem os professores(10), os alunos brancos tenderam a considerá-los a partir da vida privada (hábitos familiares, interação interpessoal e amorosa, etc.), em contraste com os negros que os avaliaram em função da sua possível vida pública (religião que adota, partido que vota, clube de futebol que torce, etc.). Nesse sentido, outra pesquisa recente indicou que o ambiente escolar era representado como o mais estressante entre estudantes de ensino médio e universitário autodefinidos como negros, o que estava associado seja a ansiedade/angústia diante da situação, seja a busca de atividades de brincadeira/dança relacionadas a aspectos sócio-culturais, como música hip-hop, possivelmente para tornar o ambiente mais próximo à sua cultura e oferecer relaxamento(15).

Já em relação à perspectiva espacial, configuraram-se outras representações e projetos junto à sala de aula. Assim, os morenos pareceram estar preocupados com a questão da relação interpessoal, tal como inferido de perspectivas frontal e lateral, conjectura reforçada a partir do modo de descrever os personagens da vida escolar (professor, colega e aluno). Parte da perspectiva espacial frontal, diz respeito à interação com um possível leitor do desenho, um pesquisador da vida acadêmica, indicando uma expectativa positiva de ser visto e manter possível interação interpessoal. Em contraste com o que foi desenhado por negros e brancos que foram apresentados como estando mais voltados para a idéia de ensino e aprendizagem tradicionais e disciplina corporal, em que os estudantes se dispõem a manter a atenção voltada para o professor. Nesse sentido, os negros manifestaram mais vontade de outras formas de aprendizagem através de outra posição de carteira, talvez também para interagir mais com colega.

A expectativa de relação interpessoal com o professor por parte dos morenos deve tê-los feito representá-lo personalizado, em contraste com a maneira esquematizada dos demais. Como os morenos não personalizaram a eles mesmos de modo destacado, podemos supor que este grupo também represente o professor como alguém que tem legitimidade para ser tratado como um "indivíduo", comum entre os que supõem as relações entre autoridades educacionais e os demais como as de comando/obediência, respectivamente. Outro aspecto interessante é a atividade do professor, mais importante entre os negros e brancos, o que tem certa coerência com a idéia de uma relação mais profissional e impessoal entre aluno e professor antes mencionada. Nesse sentido, estes últimos apresentaram mais temas sobre o professor disciplinando, cabendo saber se consideravam tal forma de atuação legítima (ou não). Ademais, o colega e o aluno foram representados mais como negociando entre negros, o que indica maior aspiração de autonomia social por parte deste grupo.

A maior freqüência de desenhos em que o aluno está ausente entre morenos, indica sua tendência de anulação do próprio "eu" na situação escolar, possivelmente sentindo dificuldade de reconhecimento individual/grupal, ainda não elaborado face ao modo de representar-se dos negros que, praticamente sozinhos, mostraram-se negociando com o professor. O fato de que os negros tenham incluído eles mesmos, individualmente, pode ser considerado em muitos ambientes sociais como sinal de arrogância, rebeldia, atrevimento, pois esperam que os negros, como minoria social, fiquem submissos à espera de um comando do professor. Ou seja, acreditamos que tais conteúdos mencionados conduzem os negros a avaliar a situação escolar como ocasião para a emergência de conflitos interpessoais/interculturais, como se estivessem defendendo-se e/ou atacando, enquanto os demais estudantes imaginam que o ambiente não tem conflito relevante além de algo redutível ao nível interpessoal/pessoal. Eles também manifestaram conteúdos que garantam uma "legitimação" (símbolos institucionais) de sua inserção no ambiente escolar, diante da "marginalização" crescente de muitos jovens negros nos últimos anos. Nesse sentido, os alunos negros considerados bem sucedidos academicamente, tenderam a diminuir sensivelmente a afirmação do "eu" nos seus desenhos, indicando uma forma flexível de negociar na situação escolar.

CONCLUSÕES

Historicamente, os negros têm adotado cada vez mais posturas afirmativas individuais, que incluem demarcação de fronteiras interindividuais e intergrupais.

Até certo ponto, há uma semelhança parcial entre a situação vivida por negros em bairros localizados na zona sul e central do Rio de Janeiro com aquela encontrada por grupos na periferia da cidade, de marginalidade sócio-cultural. Contudo, morenos e brancos têm procurado não problematizar a situação de sala de aula, tendendo a tratar os professores como funcionários impessoais, na tentativa de anular o conflito, assim como os morenos também tenderam a anular a si mesmos como indivíduos, talvez em acordo com a representação que eles supõem que os professores têm a respeito deles.

É possível, portanto, que a maior manifestação da situação de conflito vivida por negros reflita a sua necessidade de incluir na escola outros conteúdos, tais como o indivíduo e/ou aspectos sócio-culturais próprios aos seus grupos.

Recebido em: 06/04/2009

Aprovado em: 21/12/2009

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  • Endereço do autor:
    Universidade Federal do Rio de Janeiro
    Instituto de Psicologia
    Programa de Pós-Graduação em Psicologia
    Av. Pasteur, 250, Pavilhão Nilton Campos
    22290-240, Rio de Janeiro, RJ
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Out 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Aceito
      21 Dez 2009
    • Recebido
      06 Abr 2009
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