Acessibilidade / Reportar erro

Promoção da saúde da mulher lésbica: cuidados de enfermagem

Resumos

Objetivou-se analisar a produção científica nacional e internacional sobre a assistência de enfermagem à mulher lésbica. Realizou-se revisão integrativa a partir da busca de estudos nas bases MEDLINE, LILACS, BDENF e SCOPUS, nas bibliotecas SciELO e COCHRANE, utilizando os descritores: homossexualidade feminina, cuidados de enfermagem, promoção da saúde e saúde da mulher. Selecionaram-se estudos publicados no período de 1990 a 2013, nos idiomas inglês, português ou espanhol. Após a análise dos dados, foram selecionados quatro estudos em âmbito internacional, dos quais três eram dos Estados Unidos e um do Canadá. Este estudo evidenciou a escassez de estudos brasileiros e internacionais, traduzindo-se na importância de incrementar a produção científica relacionada ao tema em estudo.

Homossexualidade feminina; Cuidados de enfermagem; Promoção da saúde; Saúde da mulher


The aim of this study was to analyze national and international scientific literature on nursing care for lesbian women. An integrative approach was adopted to review studies from MEDLINE, LILACS, BDENF and SCOPUS databases and SciELO and Cochrane libraries using the keywords: female homosexuality, nursing care, health promotion and women's health. Studies published between 1990 and 2013 in English, Portuguese or Spanish were considered for analysis. After analyzing data, four international studies were selected, being that three were from the United States and one was from Canada. This study revealed a scarcity of Brazilian and international studies and the importance of increasing scientific literature on this topic.

Homosexuality, female; Nursing care; Health promotion; Women's health


Este estudio tuvo como objetivo analizar la literatura científica nacional e internacional en la atención de enfermería a las lesbianas. Revisión integradora se realizó a partir de la búsqueda de los estudios en MEDLINE, LILACS, BDENF, SCOPUS y bibliotecas SciELO y Cochrane usando las palabras clave: homosexualidad femenina, atención de enfermería, promoción de la salud y salud de la mujer. Se seleccionaron los estudios publicados desde 1990 hasta 2013 en inglés, portugués o español. Después de analizar los datos se seleccionaron cuatro estudios a nivel internacional, de los cuales tres eran de los Estados Unidos y uno de Canadá. Este estudio demostró una falta de estudios brasileños e internacionales, que se refleja en la importancia de aumentar la producción científica relacionada con el tema objeto de estudio.

Homosexualidad femenina; Atención de enfermería; Promoción de la salud; Salud de la mujer


INTRODUÇÃO

Alguns assuntos, como o conceito de Lésbica, que se refere à mulher que apresenta atrações homoafetivas por pessoas do mesmo sexo, são vistos com preconceito e tabus pela sociedade e são pouco discutidos para não gerarem influência no comportamento dos seres humanos( 11. Toledo LG, Teixeira Filho FS. Lesbianidades e as referências legitimadoras da sexualidade. Estud Pesqui Psicol. 2010;10(3):729-49. ).

Nos Estados Unidos da América foram realizados estudos sobre a homossexualidade feminina, que, majoritariamente, apontaram para um alto índice de morbidade a esta população, como câncer de mama e do colo do útero e obesidade. Os fatores que contribuíram para esta condição estavam relacionados ao uso abusivo de álcool, drogas ilícitas, tabagismo, a não utilização do serviço de saúde e a fragilidade de ações em saúde voltadas para as lésbicas( 22. Barbosa RM, Koyama MAH. Mulheres que fazem sexo com mulheres: algumas estimativas para o Brasil. Cad Saúde Pública. 2006;22(7):1511-4. ).

No Brasil, o estudo sobre a homossexualidade feminina encontra-se escasso, pois somente nos anos 1970 passaram a ser discutidas políticas de controle da fecundidade e, nos anos 1980, foram criadas condições politicas e culturais para que houvesse estudos sobre as questões reprodutivas das mulheres. Estudos sobre a homossexualidade feminina e a relação com a saúde mantiveram-se na marginalidade, com a realização de pesquisas sobre a sexualidade feminina, as quais abordaram a construção de identidades, a sociabilidade e a conjugalidade, bem como assuntos sobre a vulnerabilidade e a invisibilidade dessa população( 22. Barbosa RM, Koyama MAH. Mulheres que fazem sexo com mulheres: algumas estimativas para o Brasil. Cad Saúde Pública. 2006;22(7):1511-4. ).

O acesso universal à assistência à saúde integral e equânime é assegurado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), mas verifica-se que a assistência fornecida pelos profissionais da saúde não é adequada, sendo necessária readequação dos serviços e preparo dos profissionais, especialmente em temas relacionados à abordagem da sexualidade e o estabelecimento do vínculo entre profissional e usuário. As práticas dos profissionais são marcadas de preconceitos e tabus, principalmente quando se trata da homossexualidade feminina, o que evidencia a dificuldade na abordagem deste tema( 33. Araújo MAL, Galvão MTG, Saraiva MMM, Albuquerque AD. Relação usuária-profissional de saúde: experiência de uma mulher homossexual em uma unidade de saúde de referência de Fortaleza. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2006;10(2):323-7. ).

O atendimento às mulheres homossexuais é, muitas vezes, fragmentado e descontextualizado, pois não aborda a orientação sexual das mesmas, que são atendidas como heterossexuais. No entanto, os cuidados a essas mulheres devem ser culturalmente apropriados aos seus valores e estilos de vida, o que justifica a utilização de técnicas e habilidades específicas na entrevista para garantir uma adequada anamnese e condução das orientações( 33. Araújo MAL, Galvão MTG, Saraiva MMM, Albuquerque AD. Relação usuária-profissional de saúde: experiência de uma mulher homossexual em uma unidade de saúde de referência de Fortaleza. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2006;10(2):323-7. - 44. Barbosa RM, Facchini R. Acesso a cuidados relativos à saúde sexual entre mulheres que fazem sexo com mulheres. Cad Saúde Pública. 2009;25(Supl 2):291-300. ).

Embora o corpo da mulher homossexual seja semelhante ao de outras mulheres, o acesso à assistência integral não acontece com a mesma semelhança, pois a qualidade dos cuidados de saúde depende da relação entre profissional e cliente. Preconceitos interferem na compreensão e imparcialidade, aspectos destacados em revisão de estudos empíricos, os quais sugerem que um número significativo de profissionais de saúde sente-se desconfortável na prestação de cuidados aos clientes gays e lésbicas( 44. Barbosa RM, Facchini R. Acesso a cuidados relativos à saúde sexual entre mulheres que fazem sexo com mulheres. Cad Saúde Pública. 2009;25(Supl 2):291-300. - 55. Santos ML, Murai HC. Homossexualismo feminino: um novo contexto para o trabalho humanizado na enfermagem. Rev Enferm UNISA. 2011;12(1):48-51. ).

Pesquisas revelaram que após a lésbica manifestar a sua orientação sexual, os profissionais deram encaminhamento ao atendimento mais rápido ou não solicitaram exames, o que pode comprometer o atendimento. Além disso, sugeriram que as lésbicas são menos propensas a obter cuidados de rotina, o que inclui exames ginecológicos, mesmo tendo o risco aumentado de câncer de mama e do endométrio devido à alta incidência de nuliparidade( 66. Facchini R, Barbosa R. Dossiê Saúde das Mulheres Lésbicas: promoção da equidade e da integralidade. Belo Horizonte: Rede Feminista de Saúde; 2006. - 77. Valadão RC, Gomes R. A homossexualidade feminina no campo da saúde: da invisibilidade à violência. Physis. 2011;21(4):1451-67. ).

Os enfermeiros necessitam atentar para seus próprios preconceitos, os quais podem vir a prejudicar a qualidade do cuidado prestado a determinadas populações, em particular no contexto deste estudo, as mulheres lésbicas. Diante do exposto, este estudo teve como questão norteadora: Qual o panorama da produção científica nacional e internacional acerca da assistência de enfermagem à mulher homossexual? Objetivou-se analisar a produção científica nacional e internacional sobre a assistência de enfermagem à mulher lésbica.

METODOLOGIA

Trata-se de uma revisão integrativa, na qual é realizado um levantamento das produções científicas de forma concisa e ordenada que possibilita o conhecimento atual da temática estudada. Esse método de pesquisa proporciona aos profissionais da saúde dados relevantes acerca de determinado assunto, em diferentes lugares e momentos, os mantém atualizados e facilita as mudanças na prática clínica, a implementação de intervenções e a redução de custos( 88. Mendes KDS, Silveira RCCP, Galvão CM. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2008;17(4):758-64. ).

Para a realização desta revisão, foram adotadas as seguintes etapas para o estudo: 1) Identificação da questão norteadora; 2) Estabelecimento de critérios de inclusão e exclusão; 3) Categorização dos estudos; 4) Avaliação dos estudos incluídos; 5) Interpretação dos resultados e; 6) Apresentação da revisão( 88. Mendes KDS, Silveira RCCP, Galvão CM. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2008;17(4):758-64. ).

A coleta de dados ocorreu nos meses de setembro a novembro de 2013 e foi realizada através de busca online de artigos que respondessem a seguinte questão de pesquisa: Qual o panorama da produção científica nacional e internacional acerca da assistência de enfermagem à mulher homossexual?

O levantamento de dados foi realizado por pares, nas seguintes bases de dados: Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), Literatura Latino Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Bases de Dados em Enfermagem (BDENF) e Scopus, e nas bibliotecas virtuais Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Cochrane.

Os descritores utilizados nesta pesquisa, indexados nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), foram Homossexualidade Feminina, Cuidados de Enfermagem, Promoção da Saúde e Saúde da Mulher, bem como suas respectivas traduções em inglês e espanhol. Utilizaram-se como critérios de inclusão publicações no período de 1990 a 2013, nos idiomas inglês, português ou espanhol. Foram excluídos os trabalhos sem os resumos disponíveis para análise nas bases de dados e bibliotecas. O processo de busca pelos estudos está apresentado na Figura 1.

Figura 1.
Fluxograma do processo de seleção dos estudos. Recife, PE, 2014.

Para coleta de dados, foi utilizado um formulário, já validado( 99. Ursi ES, Galvão CM. Prevenção de lesão de pele no período perioperatório: revisão integrativa da literatura. Rev Latino-am Enfermagem. 2006;14(1):124-31. ), com informações sobre categoria profissional dos autores, local e ano da pesquisa, tipo de revista, título, tipo de estudo e nível de evidência científica. As informações foram extraídas mediante exaustiva leitura e releitura das publicações, que foram organizadas para análise de dados. Foram analisadas as características metodológicas dos estudos com a classificação dos níveis de evidência, em seis níveis: I) metanálise de múltiplos estudos controlados; II) estudo individual com delineamento experimental; III) estudo com delineamento quase-experimental; IV) estudo com delineamento não-experimental como pesquisa descritiva correlacional e qualitativa ou estudos de caso; V) relatório de casos ou dado obtido de forma sistemática, de qualidade verificável ou dados de avaliação de programas; VI) opinião de autoridades respeitáveis baseada na competência clínica ou opinião de comitês de especialistas( 1010. Stetler CB, Morsi D, Rucki S, Broughton S, Corrigan B, Fitzgerald J, et al. Utilization-focused integrative reviews in a nursing service. Appl Nurs Res. 1998;11(4):195-206. ).

RESULTADOS

Os resultados extraídos pautaram-se em quatro publicações que estão apresentadas no Quadro 1. Os estudos encontravam-se na língua inglesa, sendo dois de reflexão e dois de revisão bibliográfica. Quanto à força das evidências, os quatro artigos tiveram nível de evidência IV. Em relação à categoria profissional, as pesquisas foram realizadas por enfermeiras doutoras e mestras que atuavam na área acadêmica como professoras e pesquisadoras, não havendo produção científica por parte de acadêmicos.

Quadro 1.
Publicações selecionadas para integrar a revisão. Recife, PE, 2014.

DISCUSSÃO

A busca nas bases revelou poucos estudos acerca da temática investigada. Ao considerar as pesquisas nacionais, não foi incluído na amostra nenhum estudo que remeta a lésbicas e cuidados de enfermagem, visto que dos quatro artigos selecionados, três eram dos Estados Unidos da América e um do Canadá, o que demonstra a necessidade da realização de pesquisas nacionais para subsidiar o fortalecimento de estratégias voltadas às mulheres homossexuais.

Em relação à categoria profissional, cabe ressaltar a importância da construção de estudos por acadêmicos e profissionais com experiência assistencial para a formação de um elo entre visão prática e científica, cuja associação resulta em produção científica acurada e relevante( 1111. Walpin L. Combating heterosexism: implications for nursing. Clin Nurse Spec. 1997;11(3):126-32.

12. McDonald C, McIntyre M, Anderson B. The view from somewhere: locating lesbian experience in women's health. Health Care Women Int. 2003;24(8):697-711.

13. Dibble SL, Eliason MJ, Christiansen MA. Chronic illness care for lesbian, gay, & bisexual individuals. Nurs Clin North America. 2008;42(4):655-74.
- 1414. Weisz VK. Social justice considerations for lesbian and bisexual women's health care. J Obstet Gynecol Neonatal Nurs. 2009;38(1):81-7. ).

A ausência de pesquisas brasileiras nesta temática pode estar vinculada ao fato de que a homossexualidade feminina é um tema que entrou recentemente na agenda política brasileira, pois, somente em 2003, a partir do V Seminário de Mulheres Lésbicas, reconheceu-se que as políticas públicas precisavam contemplar as lésbicas no conjunto das ações de atenção à saúde da mulher( 1515. Avila MB. Direitos sexuais e reprodutivos: desafios para políticas de saúde. Cad Saúde Pública. 2006;19(Supl 2):465-9. ).

No tocante ao número reduzido de publicações e ao nível de evidência, este estudo evidenciou uma lacuna nos conhecimentos em relação aos dados publicados que possam validar os cuidados à saúde e considerar a diversidade da população composta por mulheres que têm desejos, práticas e/ou identidades que perpassam pelo homoerotismo.

Os tabus e preconceitos sobre a vida sexual e reprodutiva, pelas concepções de gênero e sexualidade, têm se constituído um impedimento para a atenção integral de qualidade à lésbica( 1616. Almeida GES. Da invisibilidade à vulnerabilidade: percursos do 'corpo lésbico' na cena pública face à possibilidade de infecção por DST e AIDS [tese]. Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social, Universidade Estadual do Rio de Janeiro; 2005. ). Nesta perspectiva, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tem identificado ações prioritárias para os serviços de saúde com equidade de gênero e direitos reprodutivos( 1414. Weisz VK. Social justice considerations for lesbian and bisexual women's health care. J Obstet Gynecol Neonatal Nurs. 2009;38(1):81-7. ) e, no Brasil, o Ministério da Saúde vem abrangendo a população LGBT em suas políticas públicas de saúde, em que destacam-se o Brasil sem Homofobia: Programa de Combate à Violência e Discriminação contra GLTB e de Promoção da cidadania Homossexual, desenvolvido em 2004 e, a Política Nacional de Saúde Integral Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, de 2011( 1717. Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Política nacional de saúde integral de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Brasília: Ministério da Saúde; 2013. ). Todavia, o que se observa é que enfermeiros atendem os clientes como se todos fossem heterossexuais( 1111. Walpin L. Combating heterosexism: implications for nursing. Clin Nurse Spec. 1997;11(3):126-32. ).

Temores relacionados ao preconceito e seus efeitos na vida cotidiana e nas relações sociais conduzem ao silêncio sobre as práticas e/ou desejos homoeróticos e a restrições que podem impactar negativamente as vivências amorosas. A invisibilidade individual contribui para a vulnerabilidade individual dessas mulheres e para a invisibilidade social, que, por sua vez, dificulta o atendimento de suas necessidades por parte de programas e políticas públicas, o que reforça a vulnerabilidade social e individual. É a partir deste enfoque que surge a omissão de prestação de serviços por parte dos profissionais da saúde( 1818. Lionço T. Que direito à saúde para população LGBT? considerando direitos humanos, sexuais e reprodutivos, em busca da integralidade e equidade. Saúde Soc. 2008;17(2);11-21. ).

O heterossexismo é definido como a crença de que o mundo é heterossexual e que qualquer outro tipo de orientação é considerado prática insalubre( 1414. Weisz VK. Social justice considerations for lesbian and bisexual women's health care. J Obstet Gynecol Neonatal Nurs. 2009;38(1):81-7. ). Este fato pode ser entendido quando a norma estabelecida é que as identidades de gênero e sexuais são compostas e definidas por relações sociais que definem a heterossexualidade como normal e marginalizam as relações homossexuais( 1919. Tiefer L. Uma perspectiva feminista sobre sexologia e sexualidade. In: Gerden MMC. O pensamento feminista e a estrutura do conhecimento. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, Editora da UNB; 1988. p. 37-47. ). Tal atitude tem impacto nas intervenções que poderiam ser favoráveis a este grupo, o que se deve a crenças fortemente arraigadas sobre o papel do enfermeiro em discutir sexualidade, o que pode ocasionar a transmissão das crenças e valores do enfermeiro para a cliente de forma discriminatória( 1414. Weisz VK. Social justice considerations for lesbian and bisexual women's health care. J Obstet Gynecol Neonatal Nurs. 2009;38(1):81-7. ).

Quando se fala em sexualidade, há dificuldade em abordar orientações sobre práticas sexuais até com pacientes heterossexuais. Por outro lado, a sexualidade tem sido tratada especialmente por sexólogos, o que lhe dá caráter normativo e majoritariamente marcado pelos aspectos biológicos, não havendo uma abordagem no âmbito da saúde com características que não sejam de ordem reprodutiva( 2020. Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Moraes, A, organizador. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2000. ).

Nesta nuance, cabe ressaltar algumas impressões de lésbicas a respeito do atendimento oferecido por profissionais de saúde, em que elas relatam episódios de negligência, discriminação e abuso por parte de prestadores de cuidados e acreditam que sua experiência de vida é mal compreendida pelos mesmos, pois, ao chegar ao serviço de saúde para realização do exame citopatológico, as lésbicas revelam o número de parceiras e o enfermeiro expressa repúdio, o que constrange as clientes( 1111. Walpin L. Combating heterosexism: implications for nursing. Clin Nurse Spec. 1997;11(3):126-32. ).

Um dos estudos ressaltou que esta população está exposta a doenças crônicas em percentuais significativos e refere que as taxas de notificação para doenças crônicas são maiores para populações homossexuais. Para mulheres heterossexuais, as taxas chegam a 70% e, para lésbicas, 80%, em que destacam-se as doenças cardiovasculares, câncer de pulmão e câncer de mama, todas associadas ao tabagismo. Outros fatores são o alcoolismo e uso de drogas para doenças cardiovasculares, as quais têm maior incidência, e nuliparidade e alcoolismo para câncer de mama( 1212. McDonald C, McIntyre M, Anderson B. The view from somewhere: locating lesbian experience in women's health. Health Care Women Int. 2003;24(8):697-711. ).

Essa alta incidência de doenças na população homossexual feminina ressalta a falta de atendimento em saúde para este grupo. Salienta-se que, muitas vezes, o profissional se confronta com preconceitos e pré-noções a respeito da homossexualidade feminina, o que dificulta a sua atuação com a informação trazida pela cliente, entendendo ser desnecessária a realização do exame citopatológico e de mamas, embora lésbicas possam ter risco aumentado de câncer de mama e de endométrio( 1212. McDonald C, McIntyre M, Anderson B. The view from somewhere: locating lesbian experience in women's health. Health Care Women Int. 2003;24(8):697-711. ). Com isso, faz-se alusão a Constituição Federal de 1988, a qual ressalta que o direito à saúde compõe os direitos sociais, devendo-se dispor de bem estar a todos, sem preconceito e discriminação( 2020. Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Moraes, A, organizador. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2000. ).

As considerações quanto à importância da enfermagem por meio de sua formação e contribuições que podem ser disponibilizadas para as lésbicas são relevantes, visto que a formação dos enfermeiros está pautada em teorias fundamentadas para atuar num cuidado que abrange a diversidade, a cultura e a religião. Assim, a prática ética em enfermagem envolve o saber ouvir e entender as angústias daqueles considerados marginalizados e desconhecidos por causa de inaceitável diversidade( 1414. Weisz VK. Social justice considerations for lesbian and bisexual women's health care. J Obstet Gynecol Neonatal Nurs. 2009;38(1):81-7. ). Por meio desta concepção, ressalta-se que os serviços de saúde se caracterizam como o cenário em que o enfermeiro desenvolve uma assistência direcionada a saúde da mulher.

Destaca-se que o enfermeiro pode criar um ambiente acolhedor a partir do diálogo que aborde as crenças, preocupações e orientações sobre sexualidade. No entanto, é preciso que os enfermeiros conheçam as necessidades das lésbicas, a fim de desenvolver uma desconstrução de ideologias e mitos sobre este grupo( 1212. McDonald C, McIntyre M, Anderson B. The view from somewhere: locating lesbian experience in women's health. Health Care Women Int. 2003;24(8):697-711. ). Assim, no âmbito dos sistemas de saúde, é imprescindível garantir a inclusão de lésbicas nos diversos cenários do cuidar para que tenham assegurados seus direitos de cidadania e liberdade de opção sexual e ações efetivas de promoção à saúde.

CONCLUSÃO

Diante dos resultados, pode-se destacar que a relevância da assistência de enfermagem à mulher lésbica parece não estar sendo investigada nas pesquisas científicas, considerando a incipiência das publicações sobre a temática no período estudado. Estas lacunas existentes no meio científico determinam a necessidade de políticas públicas que garantam e avaliem a assistência prestada a essa população.

Por se tratar de estudos de reflexão que convergem para despertar criticidade e sensibilização quanto à temática, de modo a provocar inquietação na comunidade acadêmica, as concepções sobre homossexualidade ainda se confundem com os conceitos de heterossexismo e a dificuldade dos enfermeiros em abordar a temática da sexualidade, o que compromete a assistência, de forma que as lésbicas passam a ser privadas de seus direitos. Por sua vez, as vivências e experiências das lésbicas precisam ser divulgadas a fim de que os profissionais da saúde conheçam suas necessidades para compreender e modificar a sua assistência.

Dessa forma, mais pesquisas nesta temática são necessárias para aumentar as evidências científicas, consolidar referências para atuação dos profissionais e as políticas públicas já existentes. Assim, é imprescindível que o enfermeiro se destitua de preconceitos para que possibilite a formação de uma assistência integral e igualitária.

REFERENCES

  • 1
    Toledo LG, Teixeira Filho FS. Lesbianidades e as referências legitimadoras da sexualidade. Estud Pesqui Psicol. 2010;10(3):729-49.
  • 2
    Barbosa RM, Koyama MAH. Mulheres que fazem sexo com mulheres: algumas estimativas para o Brasil. Cad Saúde Pública. 2006;22(7):1511-4.
  • 3
    Araújo MAL, Galvão MTG, Saraiva MMM, Albuquerque AD. Relação usuária-profissional de saúde: experiência de uma mulher homossexual em uma unidade de saúde de referência de Fortaleza. Esc Anna Nery Rev Enferm. 2006;10(2):323-7.
  • 4
    Barbosa RM, Facchini R. Acesso a cuidados relativos à saúde sexual entre mulheres que fazem sexo com mulheres. Cad Saúde Pública. 2009;25(Supl 2):291-300.
  • 5
    Santos ML, Murai HC. Homossexualismo feminino: um novo contexto para o trabalho humanizado na enfermagem. Rev Enferm UNISA. 2011;12(1):48-51.
  • 6
    Facchini R, Barbosa R. Dossiê Saúde das Mulheres Lésbicas: promoção da equidade e da integralidade. Belo Horizonte: Rede Feminista de Saúde; 2006.
  • 7
    Valadão RC, Gomes R. A homossexualidade feminina no campo da saúde: da invisibilidade à violência. Physis. 2011;21(4):1451-67.
  • 8
    Mendes KDS, Silveira RCCP, Galvão CM. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2008;17(4):758-64.
  • 9
    Ursi ES, Galvão CM. Prevenção de lesão de pele no período perioperatório: revisão integrativa da literatura. Rev Latino-am Enfermagem. 2006;14(1):124-31.
  • 10
    Stetler CB, Morsi D, Rucki S, Broughton S, Corrigan B, Fitzgerald J, et al. Utilization-focused integrative reviews in a nursing service. Appl Nurs Res. 1998;11(4):195-206.
  • 11
    Walpin L. Combating heterosexism: implications for nursing. Clin Nurse Spec. 1997;11(3):126-32.
  • 12
    McDonald C, McIntyre M, Anderson B. The view from somewhere: locating lesbian experience in women's health. Health Care Women Int. 2003;24(8):697-711.
  • 13
    Dibble SL, Eliason MJ, Christiansen MA. Chronic illness care for lesbian, gay, & bisexual individuals. Nurs Clin North America. 2008;42(4):655-74.
  • 14
    Weisz VK. Social justice considerations for lesbian and bisexual women's health care. J Obstet Gynecol Neonatal Nurs. 2009;38(1):81-7.
  • 15
    Avila MB. Direitos sexuais e reprodutivos: desafios para políticas de saúde. Cad Saúde Pública. 2006;19(Supl 2):465-9.
  • 16
    Almeida GES. Da invisibilidade à vulnerabilidade: percursos do 'corpo lésbico' na cena pública face à possibilidade de infecção por DST e AIDS [tese]. Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social, Universidade Estadual do Rio de Janeiro; 2005.
  • 17
    Ministério da Saúde (BR), Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa, Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Política nacional de saúde integral de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Brasília: Ministério da Saúde; 2013.
  • 18
    Lionço T. Que direito à saúde para população LGBT? considerando direitos humanos, sexuais e reprodutivos, em busca da integralidade e equidade. Saúde Soc. 2008;17(2);11-21.
  • 19
    Tiefer L. Uma perspectiva feminista sobre sexologia e sexualidade. In: Gerden MMC. O pensamento feminista e a estrutura do conhecimento. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, Editora da UNB; 1988. p. 37-47.
  • 20
    Brasil. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Moraes, A, organizador. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2000.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014

Histórico

  • Recebido
    27 Fev 2014
  • Aceito
    05 Dez 2014
Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Escola de Enfermagem Rua São Manoel, 963 -Campus da Saúde , 90.620-110 - Porto Alegre - RS - Brasil, Fone: (55 51) 3308-5242 / Fax: (55 51) 3308-5436 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: revista@enf.ufrgs.br