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Representações sociais da relação auxiliar de enfermagem-usuário no contexto do Programa Saúde da Família

Social representations of the relationship between the nursing assistant and the user in the Health Program context

Representaciones sociales de la relación auxiliar de enfermería-usuario en el contexto del Programa de Salud de la Familia

Resumos

Os profissionais da enfermagem têm se responsabilizado pela "arte" de cuidar, sendo eles os que dedicam a maior parte do seu tempo ao usuário. Neste estudo, objetivou-se compreender a relação entre auxiliar de enfermagem e usuário através das representações sociais do ato de tocar, construídas por esses profissionais no contexto do Programa Saúde da Família (PSF). Trata-se de uma pesquisa quali-quantitativa com 25 profissionais. Os instrumentos utilizados foram: associação livre de palavras, entrevista e questionário. Evidenciou-se que o toque representa possibilidades de aproximação entre profissional-usuário, expressando-se na prática cotidiana, pois auxilia na cura do usuário e humaniza a relação.

Relações profissional-paciente; Auxiliares de enfermagem; Programa Saúde da Família; Psicologia social; Humanização da assistência


Nursing professionals have themselves held liable for the "art" of take care of the users and are the ones who dedicate the major part of their time to them. The aim of this study is to understand the relationship between the nursing assistant and the user expressed by the social representations of the touch act by these professionals in the Family Health Program (PSF) context. The qualitative-quantitative research involved 25 nursing assistants. The instruments utilized were: free word association, interview, and questionnaire. It was observed that the touch represents possibilities of approximation between the professional and the user, as it helps in the user’s cure and humanizes the relationship.

Professional-patient relations; Nurses' aides; Family health program; Psychology, social; Humanization of assistance


Los profesionales de la enfermería tienen se responsabilizado por la "arte" de cuidar, siendo los que dedican la mayor parte de su tiempo al usuario. El objetivo de este trabajo es comprender la relación entre auxiliar de enfermería-usuario por las representaciones sociales del acto de tocar construidas por esos profesionales en el Programa Salud de la Familia. Se trata de una investigación cuali-cuantitativa con 25 profesionales. Los instrumentos utilizados fueron: asociación libre de palabras, entrevista y cuestionario. Se evidenció que el toque representa posibilidades de aproximación entre profesional-usuario, expresándose en la práctica cotidiana, pues posibilita la cura del usuario y humaniza la relación.

Relaciones profesional-paciente; Auxiliares de enfermería; Programa de Salud Familiar; Psicología social; Humanización de la atención


ARTIGO ORIGINAL

Representações sociais da relação auxiliar de enfermagem-usuário no contexto do Programa Saúde da Famíliaa a Este artigo constitui parte do relatório de pesquisa do Programa Interinstitucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Universidade Estadual da Paraíba (UEPB): "Representações sociais do toque na relação auxiliar de enfermagem-paciente".

Representaciones sociales de la relación auxiliar de enfermería-usuario en el contexto del Programa de Salud de la Familia

Social representations of the relationship between the nursing assistant and the user in the Health Program context

Maria do Carmo EulálioI; Ellis Regina Ferreira dos SantosII; Tiago Paz e AlbuquerqueIII

IDoutora em Psicopatologia Clínica, Professora do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação: Mestrado em Saúde Coletiva da UEPB, Campina Grande, Paraíba, Brasil

IIPsicóloga, Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), João Pessoa, Paraíba, Brasil

IIIPsicólogo, Mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Cidade, Rio de Janeiro, Brasil

Endereço da autora Endereço da autora: Maria do Carmo Eulálio Rua Rodrigues Alves, 1210, Edf. Sta. Marina, ap. 1402, Bela Vista 58101-290, Campina Grande, PB E-mail: carmitaeulalio@terra.com.br

RESUMO

Os profissionais da enfermagem têm se responsabilizado pela "arte" de cuidar, sendo eles os que dedicam a maior parte do seu tempo ao usuário. Neste estudo, objetivou-se compreender a relação entre auxiliar de enfermagem e usuário através das representações sociais do ato de tocar, construídas por esses profissionais no contexto do Programa Saúde da Família (PSF). Trata-se de uma pesquisa quali-quantitativa com 25 profissionais. Os instrumentos utilizados foram: associação livre de palavras, entrevista e questionário. Evidenciou-se que o toque representa possibilidades de aproximação entre profissional-usuário, expressando-se na prática cotidiana, pois auxilia na cura do usuário e humaniza a relação.

Descritores: Relações profissional-paciente. Auxiliares de enfermagem. Programa Saúde da Família. Psicologia social. Humanização da assistência.

RESUMEN

Los profesionales de la enfermería tienen se responsabilizado por la "arte" de cuidar, siendo los que dedican la mayor parte de su tiempo al usuario. El objetivo de este trabajo es comprender la relación entre auxiliar de enfermería-usuario por las representaciones sociales del acto de tocar construidas por esos profesionales en el Programa Salud de la Familia. Se trata de una investigación cuali-cuantitativa con 25 profesionales. Los instrumentos utilizados fueron: asociación libre de palabras, entrevista y cuestionario. Se evidenció que el toque representa posibilidades de aproximación entre profesional-usuario, expresándose en la práctica cotidiana, pues posibilita la cura del usuario y humaniza la relación.

Descriptores: Relaciones profesional-paciente. Auxiliares de enfermería. Programa de Salud Familiar. Psicología social. Humanización de la atención.

ABSTRACT

Nursing professionals have themselves held liable for the "art" of take care of the users and are the ones who dedicate the major part of their time to them. The aim of this study is to understand the relationship between the nursing assistant and the user expressed by the social representations of the touch act by these professionals in the Family Health Program (PSF) context. The qualitative-quantitative research involved 25 nursing assistants. The instruments utilized were: free word association, interview, and questionnaire. It was observed that the touch represents possibilities of approximation between the professional and the user, as it helps in the user’s cure and humanizes the relationship.

Descriptors: Professional-patient relations. Nurses' aides. Family health program. Psychology, social. Humanization of assistance.

INTRODUÇÃO

A relação que o auxiliar de enfermagem estabelece com o usuário, seja ele hospitalar ou de programas sociais, como o Programa Saúde da Família (PSF), perpassa pela compreensão da necessidade de auxiliá-lo, visto que, ao longo dos anos, a Enfermagem tem se responsabilizado pela "arte" de cuidar, principalmente por serem esses profissionais os que dedicam a maior parte do seu tempo ao usuário. A "arte" de cuidar, nesse sentido, está associada ao tocar o corpo com afeto, para despertar no indivíduo as suas pulsões de vida, além da sensação de segurança, conforto e afetividade(1).

No contexto institucional da prática desses profissionais, destacamos o PSF, pois tem entre seus objetivos, possibilitar um novo tipo de relação entre os profissionais da equipe multidisciplinar e o usuário; proporcionando um atendimento de qualidade ao usuário, que não seja restrita ao tratamento de doenças, mas que, sobretudo, se baseie na promoção da saúde e na percepção desse indivíduo como um ser biopsicossocial – que necessita ser escutado e compreendido em suas necessidades físicas, emocionais e sociais.

Na dinâmica do PSF, destacamos ainda o trabalho do auxiliar de enfermagem, uma vez que é ele quem primeiro atende o usuário. O fato de o atendimento poder ser realizado não só na unidade de saúde, mas também em seu domicílio, já revela uma característica peculiar desse programa. Essa prática permite com que esse profissional conheça e acompanhe, não só a vida do indivíduo assistido, mas a de toda sua família. Além disso, o trabalho preventivo também exige do auxiliar de enfermagem uma relação mais ampla e profunda com os usuários, sendo necessário o conhecimento dos hábitos e costumes da vida dos mesmos, para intervir no sentido de melhorar a qualidade de saúde desses indivíduos.

Assim, destaca-se o fazer desse profissional de saúde, pois se baseia na ação de prestar assistência e participação ativa na vida do usuário, desde prepará-lo para a consulta, acompanhá-lo no tratamento, até visitá-lo em seu domicílio.

Diante dos aspectos levantados, este trabalho objetiva compreender a relação entre auxiliar de enfermagem-usuário através das representações sociais do ato de tocar construídas por esses profissionais no contexto do PSF.

O toque na relação auxiliar de enfermagem-usuário

Por ser o auxiliar de enfermagem o profissional que, no dia-a-dia, primeiro atende o usuário em suas necessidades, tanto na Unidade de Saúde da Família quanto no domicílio, é ele quem, portanto, geralmente estabelece um maior envolvimento com o indivíduo assistido. Nessa relação, que passa pelo examinar e o atender, o tocar termina por se expressar de alguma maneira.

Em termos gerais, os cuidados prestados pela enfermagem podem acontecer de duas formas, através do toque instrumental (cuidado objetivo) – aquele que requer contato físico deliberado para que o profissional execute algum procedimento – e do toque afetivo (cuidado subjetivo) – que é espontâneo e demonstra apoio, conforto e proximidade com o usuário(2). Em outras palavras, "o toque na enfermagem dá-se através do cuidado e pode ser uma ação terapêutica que envolve não apenas um, mas vários aspectos do ser que estão no corpo que precisa de cuidados [...]. De acordo com o que pensamos, o toque deve estimular todo o ser que está recebendo, proporcionando-lhe oportunidade para reagir e recuperar as pulsões de vida e transcender a tênue distância entre o equilíbrio e o desequilíbrio de seus corpos (físico, emocional, mental pensante e espiritual)"(1).

Diante dessa compreensão, o auxiliar de enfermagem pode investir tanto no toque apenas instrumental quanto pode optar pelo toque afetivo, o que não inviabiliza a técnica, mas sim, soma-se às demonstrações de afeto e atenção para com o usuário, sendo fundamentais na recuperação do mesmo.

Teoria das representações sociais

A partir das contribuições da Psicologia Social e, fundamentalmente, das investigações de Moscovici(3), a representação social passa a constituir uma noção que, antes de tudo, concerne à maneira como nós, sujeitos sociais, apreendemos ou "teorizamos" sobre os acontecimentos da vida diária, as características de nosso ambiente, as informações que nele circulam e como identificamos as pessoas que nos cercam.

Uma representação não existe sem objeto, visto que toda representação é construída na relação do sujeito com o objeto representado(4). Logo, representação social não pode ser compreendida enquanto processo cognitivo individual, já que é produzida no intercâmbio das relações e comunicações sociais.

As representações sociais têm a finalidade de construir e interpretar o real, levando os indivíduos a se adaptarem e encontrarem um lugar nesse real, como também a darem um sentido às suas condutas. Elas, "[...] por serem dinâmicas, levam os indivíduos a produzir comportamentos e interações com o meio, ações que sem dúvida, modificam os dois"(5).

Essas representações são características de nossa época principalmente pela abundância das informações circulantes, por sua vigência relativamente breve e, conseqüentemente, pela improbabilidade de estruturar tantas idéias em um esquema teórico permanente. Nesse sentido, o senso comum se impõe como a explicação mais ampla e condicionante das relações de intercâmbio social.

A formação ou transformação de uma representação social acontece através de dois processos fundamentais: o processo de ancoragem e o processo de objetivação(6,7). O primeiro, em termos gerais, consiste em nomear e classificar, encontrar um lugar para "ancorar" o não-familiar. O segundo consiste em tornar concreto, visível uma "nova" realidade. Mas "o que confere sentido à representação não é tanto o seu conteúdo, os elementos que a formam, mas as relações entre esses elementos"(8).

Esses processos são mobilizados a partir de um pressuposto básico desta teoria, que é o conceito de familiarização, caracterizado como um processo psicossociológico (individual e social) cujo fim se destina a repelir a ausência de sentido e manter a estabilidade social.

METODOLOGIA

Na Teoria das Representações Sociais não existe um único método ou técnica que logre de especial privilégio ou uso, mas sim uma diversidade metodológica; o que não implica em caoticidade(9). Os fenômenos sociais, por serem diversos, exigem, igualmente, metodologias diversificadas para apreendê-los. Dessa forma, nosso estudo se apoiou de uma abordagem quali-quantitativa.

O trabalho de investigação foi realizado junto às unidades do Programa Saúde da Família, na cidade de Campina Grande, Paraíba, que, à época, contava com 49 equipes de saúde atuantes tanto na zona rural quanto na zona urbana. Os dados foram coletados no primeiro semestre de 2004, e respeitou-se resolução quanto às diretrizes e normas que regulamentam as pesquisas envolvendo seres humanos(10).

Nossa amostra foi não-probabilística e por acessibilidade, sendo formada por 25 pessoas, sendo 23 do sexo feminino (92%) e duas do masculino (8%). O número de participantes obedeceu ao ponto de saturação.

Para a obtenção dos dados foram utilizados como instrumentos: teste de associação livre de palavra, questionário e entrevista semi-estruturada.

No teste de associação livre de palavras o estímulo indutor verbal foi a palavra "toque". A aplicação da técnica se deu mediante a questão: Quando você vê ou escuta a palavra "toque" o que você pensa imediatamente? Para a resposta da questão solicitava-se ao participante que escrevesse as quatro primeiras palavras que esse estímulo lhes fizesse lembrar.

Esse método tem sido utilizado em diversas pesquisas e consiste em evidenciar a saliência dos elementos representacionais. "Os testes de associação ou evocação de palavras têm-se mostrado úteis nos estudos de estereótipos, percepções e atitudes, que são elementos importantes na organização das representações sociais"(11).

Para a análise da associação livre de palavras e entrevista semi-estruturada foi utilizada a análise de conteúdo categorial temática(12). Ainda na entrevista semi-estruturada, foi feita uma leitura flutuante de todo o material, seguindo-se da separação do mesmo em unidades de análise, as quais foram codificadas por temas e agrupadas em categorias.

No questionário foram elaboradas questões sobre idade, sexo, tempo de término do curso de auxiliar de enfermagem, nível de instrução, tempo de vinculação e zona de atuação no PSF, impressões sobre o que fazia um auxiliar antes de trabalhar na área, o que pensa hoje do trabalho e qual motivação para trabalhar no PSF. Para a análise das questões abertas, foi feito, quando necessário, cálculos de média, desvio-padrão, freqüência e percentual. Para as questões abertas, as respostas foram agrupadas em categorias que, a partir dos números absolutos de freqüências e porcentagem, nos indicaram possibilidades de leitura e inferências de sentidos referentes à vivência relatada pelos auxiliares de enfermagem na prática cotidiana.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A idade dos participantes variou entre 21 a 46 anos (média = 32,7, desvio padrão = 8,36). O tempo de término do curso de auxiliar de enfermagem variou entre 1 a 21 anos, destacando-se que 33% estavam cursando ou já possuíam uma formação superior.

O percentual de 43% dos auxiliares de enfermagem atuava na zona rural e 57% na zona urbana. A média de tempo de serviço no PSF foi de 3,09 anos, sendo que 66,7% têm menos de três anos e meio de serviço e 12,5% têm entre 6,5 e 9,5 anos, o que indica que mais da metade dos profissionais está em vias de consolidação do seu trabalho na zona assistida.

Antes de tornarem-se auxiliar de enfermagem, eles atribuíam a esse profissional essencialmente a execução de procedimentos técnicos, como as ações de medicar (26%), cuidar (24%) e fazer curativos (21%). Com a experiência profissional, eles passaram a associar à sua prática, além desses procedimentos, a preocupação com o escutar, cuidar, sentir e dialogar com o usuário.

Hoje, avaliando seu próprio trabalho como auxiliar de enfermagem, os participantes consideraram ser um trabalho gratificante (26%), porque, segundo um deles:

Estou fazendo um trabalho diferente do que fazia antes, acrescentando outras atividades, por exemplo: ação preventiva e educativa" (14-Fb b 14 – ordem do participante; F – feminino; M – masculino. ).

Um trabalho polivalente (18%) porque se faz de tudo um pouco, sendo essencialmente um trabalho que, embora árduo, envolve afeto e responsabilidade:

[...] é um trabalho digno, de muito respeito e que só deveria ser feito por pessoas que amassem e tivessem orgulho de sua profissão (4-F).

Sobre as motivações que os levaram a trabalhar no PSF, a resposta mais freqüente foi a remuneração (38%), que está associada à estabilidade e à segurança profissional; seguida da identificação do profissional com a filosofia do programa (28%) e de seu envolvimento com o trabalho junto à comunidade assistida (21%).

Estímulo indutor verbal "toque" e suas associações

O agrupamento das categorias evocadas para o estímulo indutor verbal se deu após um processo de combinação de significados, o qual foi feito separadamente por três pessoas, em momentos distintos; depois, os dados foram comparados e chegou-se ao consenso de seis categorias para as associações da palavra "toque" (Tabela 1).

A Tabela 1 evidencia a predominância das categorias carinho e contato como elementos de destaque da representação social de toque para os auxiliares de enfermagem. Elas indicam a expressão de um toque revestido por possibilidades de aproximação entre eles e o usuário do PSF, como um modo de transmitir sensibilidade e carinho àquele que está à procura de atenção. As demais categorias, com exceção de medo, complementam esse sentido, sugerindo que o toque pode significar um modo de fazer com que o usuário alcance o alívio dos sintomas ou mesmo a cura.

O significado do toque

O toque apresentou-se como recorrente na relação entre o auxiliar de enfermagem e o usuário, não apenas na predominância do toque técnico, mas de um toque envolto da fusão do procedimento técnico com a maneira afetiva de tocar o usuário, muitas vezes verbalizada na forma de "meu paciente". Essa fusão de sentimentos e ações relacionada ao toque é entendida em dois pontos. Primeiro, porque o toque, segundo eles, ajuda no processo de cura do usuário, interferindo positivamente no seu estado emocional, pois o mesmo:

[...] ajuda bastante, porque à medida que você vai conversando com o paciente, ele vai tendo, assim, mais segurança em você, ele vai ajudar, acho que vai ajudar a ele no processo de recuperação dele, com certeza, porque se você não demonstrar segurança ao paciente ele vai se tornar àquela pessoa que diz "Lá vem aquela enfermeira! Meu Deus, de novo!", aquele medo que eu acho que vai dificultar no processo de recuperação (1-F).

Em segundo, porque o toque modifica a relação auxiliar de enfermagem-usuário, dando a ela um sentido mais humanizado, pois:

O toque é imprescindível para a relação auxiliar-paciente, tem que existir; caso não, você não faz o seu trabalho humanizado. [...] O profissional tem que ser humano, em primeiro lugar, e técnico, em segundo lugar (13-F).

Referente a isso, considera-se que "o toque é um elemento essencial para a saúde. A espécie humana não existiria sem ele. [...] O toque de profissionais da área de saúde tem um poder curativo e quase mágico"(13).

Podem ser observados, na Tabela 2, os significados atribuídos ao toque.

A partir desses dados, percebe-se que o toque está associado: ao contato pessoal, sendo o primeiro contato com o usuário; à forma de acolhimento, considerada essencial por transmitir tranqüilidade e carinho; à humanização, que se configura dentro da proposta do PSF como o bom atendimento dispensado ao usuário; e ao manuseio, no sentido de examinar e de administrar o medicamento. A seguir, podem-se verificar exemplos de falas dos participantes da pesquisa:

[...] o toque tá relacionado ao contato pessoal, pelo menos para mim é o que eu imagino, é o contato pessoal, como vai se aproximar do paciente (1-F).

[...] o toque é uma forma de acolher [...], de cuidar do outro, [...] é uma palavra amiga (7-F).

[...] é manusear numa posição de exame, numa administração de medicamento (3-F).

Dessa forma, o toque pode ser compreendido como algo essencial, que envolve não só o ato de examinar, mas recebe, principalmente, conotações afetivas construídas a partir da maneira de se aproximar do usuário. Sobre a experiência do toque, "o ser humano pode sobreviver a privações sensoriais extremas de outra natureza, como a visual e a sonora, desde que seja mantida a experiência sensorial da pele"(14). Isso reafirma a importância de tocar para sentir, para transmitir sensações positivas que se sobreponham ao medo de tocar e evidenciem que o toque é uma necessidade humana.

Os auxiliares de enfermagem acreditam que o toque entre eles e os usuários despertam sentimentos que vão desde o ficar feliz até uma inesperada manifestação de timidez. De acordo com a Tabela 3, a sensação de felicidade é a maior expressão de aceitação do toque (72%), reforçando o seu efeito positivo sobre o tratamento do usuário.

Os participantes ressaltaram uma inter-relação da sensação de felicidade com expressão de gratidão, em função do resultado do atendimento. Entretanto, a sensação de constrangimento também foi registrada, sendo compreendida como uma dificuldade de o usuário se abrir para o toque por recebê-lo pouco das pessoas que o cercam. Logo, em situações em que ele recebe um abraço, um aperto de mão ou um olhar mais carinhoso, às vezes, os rejeita, por ser algo pouco familiar a sua realidade. Nesse sentido, um participante explica esse constrangimento:

[...] costume que eles não têm, por já vir de uma família tão assim, que não tem toque, não tem carinho, não tem diálogo, não tem nada e quando chega aqui, você conversa, que dá atenção, que toca, às vezes ele se retrai um pouco por pura timidez (11-M).

A Tabela 4 ilustra o sentido das falas dos participantes quando se referiram ao modo com que costumam tocar o usuário sob seu cuidado.

O toque, assim, manifesta-se principalmente através da conversa (36%), seja para saber como o usuário se sente em questões orgânicas quanto emocionais. Isso demanda, no primeiro caso, explicar ao usuário que tipo de procedimento vai ser realizado e de que modo. No segundo caso, envolve aconselhá-lo em suas necessidades emocionais. Houve, também, destaque para o toque enquanto contato físico, ao se aproximar do usuário tocando seu ombro, apertando a mão, alisando a pele, além de atitudes como escutar, chamar pelo nome e olhar.

Considera-se que, para minimizar os sentimentos negativos do usuário e promover uma relação positiva, deve-se utilizar o toque, de uma maneira expressiva e sincera, pois através desse pode-se transmitir cuidado e apoio a eles e às suas famílias(2). As características humanas da assistência – ouvir, dar atenção, envolver-se, tocar e compartilhar – não podem ser substituídas por tecnologia, elas são essenciais para uma boa relação profissional enfermagem-usuário, influenciando na recuperação do mesmo. Assim, algumas falas dos auxiliares de enfermagem podem ser destacadas:

[...] acho que não é só no abraço, no aperto de mão que você tá realizando o toque não, é no olhar, muitas vezes o olhar diz tudo, é tentar deixar ele à vontade para que ele se sinta bem (15-F).

[...] sempre me relaciono assim, às vezes no primeiro momento você não consegue, porque, às vezes, no acolhimento, o paciente, ele chega até às vezes agressivo, mas aí você vai conversando, né? Então você tem que saber ouvir, para poder depois você tentar dar resolução ao problema (6-F).

Sobre a existência de diferença entre tocar o usuário na unidade ou em sua residência, durante a visita domiciliar, 8% dos auxiliares de enfermagem avaliam ser melhor tocá-lo na unidade, por causa da existência de maior privacidade, como exemplifica o seguinte discurso:

O toque da gente conversar com o paciente eu acho mais difícil no domicílio, porque não tem o espaço adequado, não está sozinho em casa e é difícil, a gente vai fazer uma visita no quarto a gente não pode ir são pessoas carentes e as outras pessoas não saem da sala. Então, é melhor para a gente conhecer a realidade, mas torna-se necessário que se esteja numa sala como essa com o usuário e conversar sobre os problemas que a gente viu e não pode conversar em visita (20-F).

Para 24% dos participantes, essa diferença depende de onde o usuário possa se sentir mais à vontade para ser tocado através de, por exemplo, uma conversa mais íntima:

Depende do caso, às vezes [...] o paciente vem aqui porque tá realmente doente, tá precisando de uma consulta, e, na maioria das vezes, só em a gente ir visitar já resolve (11-F).

Porém, para 68% deles, é no espaço da visita domiciliar que o toque flui de uma maneira mais espontânea e mais tranqüila:

Porque aqui na unidade não, mesmo que a gente tente dar um acolhimento, mas às vezes fica inviável por causa da demanda que é grande e o tempo menos, mas na visita você conhece a realidade do paciente, você na casa tem espaço para conversar determinadas coisas que não dá para conversar na unidade, você faz saúde da família mesmo (E18-F).

Observa-se, assim, como a visita domiciliar é importante para o fazer da saúde da família, a qual assegura um espaço para o toque enquanto expressão de carinho e cuidado ao usuário. Ela "[...] traz consigo um envolvimento real na cura do paciente e no alívio do sofrimento. Além disso, ela faz muito bem ao visitante"(13).

No entanto, a diferença de se tocar o usuário na unidade ou na visita domiciliar envolve impasses que, necessariamente, não é apenas uma questão de mais privacidade na unidade ou uma sensação maior de liberdade e reconhecimento da realidade do usuário durante a visita domiciliar. Dizem respeito também ao fator tempo e à grande demanda de usuários, pois, geralmente, a rotina de trabalho do auxiliar de enfermagem do PSF, segundo os participantes, é agitada e o tempo é preenchido, em grande parte, pela triagem.

Essas limitações têm colaborado para que o espaço da unidade se diferencie da visita domiciliar no que se refere à realização do procedimento com o toque mais afetivo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através das questões levantadas neste estudo, foi possível identificar a importância do toque para os auxiliares de enfermagem do PSF e como eles atribuem significados diferenciados a realização de procedimentos técnicos e a demonstração de um tocar afetivamente.

Verificou-se que o toque está associado a uma inter-relação entre carinho e contato, significando que o mesmo aparece revestido por possibilidades de aproximação do auxiliar de enfermagem com o usuário. O toque mais afetivo possui um espaço na prática desse profissional porque acredita que o toque auxilia na cura do usuário e humaniza a relação.

Para esses profissionais, o toque é algo essencial na sua relação com o usuário, pois, além de significar uma válvula de escape para as tensões e medos do usuário, provenientes da incerteza do diagnóstico, simboliza a criação ou manutenção da relação entre ambos.

O discurso dos participantes em torno do tocar o usuário, associado às formas desse toque acontecer, sinalizaram pela busca de um toque baseado na conquista da confiança do usuário, através do qual, o ouvir, o conversar e o olhar carinhosamente são demonstrações que podem fluir naturalmente na relação auxiliar de enfermagem-usuário, sem inviabilizar a técnica necessária para o atendimento. Sendo assim, esse toque pode ser compreendido como um "toque terapêutico", num sentido físico e psíquico, pois age não só no corpo do indivíduo, mas atinge suas emoções, promovendo cura e bem-estar.

É interessante observar a mudança na percepção da prática do auxiliar de enfermagem antes e depois de se tornarem profissionais, atuando na área. Se antes estava associada à realização de práticas técnicas, como o medicar, cuidar, fazer curativos, hoje, esse mesmo trabalho é representado com algo mais complexo, em que, além dos procedimentos técnicos, o afeto e a responsabilidade se evidenciaram. Mas, apesar de ter sido apontado pelos auxiliares de enfermagem como um ofício árduo, é também uma prática extremamente gratificante, pois eles percebem o quão importante torna-se seu trabalho para a comunidade.

Apesar dos empecilhos diários, principalmente, quanto ao grande volume de atribuições dos auxiliares de enfermagem do PSF, existe, em sua prática, espaço para o toque. Esse se revela, principalmente, na visita domiciliar, quando o fluxo de atividades na unidade é substituído pelo voltar-se para o usuário, no espaço do seu domicílio. Na unidade, esse tocar refere-se, com freqüência, ao diálogo, a aplicação correta do procedimento e ao saber ouvir.

Assim, a relação que o auxiliar de enfermagem estabelece com o usuário, no contexto do Programa Saúde da Família, a partir de suas condições de trabalho e proposta de atuação, repercute no modo de interação entre ambos.

8 Andrade MAA. Identidade como representação e a representação da identidade. In: Moreira ASP, Oliveira DC, organizadoras. Estudos interdisciplinares de representação social. Goiânia: AB; 2000. p. 141-9.

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq/UEPB, pela concessão da bolsa de Iniciação Científica, no período de setembro de 2003 a agosto de 2004; à Coordenação do PSF de Campina Grande, que contribuiu na realização da pesquisa; e aos auxiliares de enfermagem do Programa.

Recebido em: 06/04/2009

Aprovado em: 21/12/2009

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  • Endereço da autora:
    Maria do Carmo Eulálio
    Rua Rodrigues Alves, 1210, Edf. Sta. Marina, ap. 1402, Bela Vista
    58101-290, Campina Grande, PB
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  • a
    Este artigo constitui parte do relatório de pesquisa do Programa Interinstitucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Universidade Estadual da Paraíba (UEPB): "Representações sociais do toque na relação auxiliar de enfermagem-paciente".
  • b
    14 – ordem do participante; F – feminino; M – masculino.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Out 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Aceito
      21 Dez 2009
    • Recebido
      06 Abr 2009
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