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O CUIDADO DO “POBRE” ENTRE OS SÉCULOS VIII E X: UMA QUESTÃO POLÍTICA “GLOBAL”? 1 1 O presente artigo não foi publicado previamente em plataforma de preprint. Todas as fontes e toda a bibliografia empregada são referidas no artigo.

THE CARE FOR THE “POOR” BETWEEN EIGHT AND TENTH CENTURIES: A “GLOBAL” POLITICAL MATTER?

Resumo

Entre os séculos VIII e X, diferentes autoridades governantes no Ocidente e no Oriente expediram normas em favor dos “pobres”. Neste artigo, pretende-se entender os motivos que as levaram a se ocuparem do tema, em especial da “opressão dos pobres”. Sob a perspectiva da “História Global”, realizou-se uma abordagem comparativa favorecendo a identificação de fenômenos transformadores e particulares, ao mesmo tempo em que se repensou as interpretações tradicionais da historiografia a respeito dos “pobres” em ambos espaços. Observou-se que os usos dos termos referentes a eles nos textos normativos bizantinos e carolíngios não foram apenas um testemunho estatístico do empobrecimento de suas respectivas sociedades, mas também resultado dos interesses dos agentes envolvidos na elaboração destes documentos, as cortes bizantina e carolíngia, tratando-se também de uma questão política.

Palavras-chave:
Império Carolíngio; Império Bizantino; Pobres; Alta Idade Média; Normas

Abstract

Between eight and tenth centuries, central powers in Occident and Orient issued legal documents in favor of the “poors”. This paper investigates the reasons why these authorities cared for the “poors”, specially for the “poor’s oppression”. Under a “Global History” view, we approached the subject in a comparative way, underlining the particularities of this phenomenon at same time that we take time to rethink the historiography’s vision about the “poor” in both societies. We came to the conclusion that the employ of the words which references the “poor” in byzantine and carolingian normative texts is not just a statistical testimonial of kingdoms impoverishment or seigniorial abuses. But as a result from authorities interests, the use of words “penetes” and “pauper” in these normative texts represents not only a possible socio-economic transformation but also a shift in the political culture at that period.

Keywords :
Carolingian Empire; Byzantine Empire; Poor; Early Middle Ages; Normative texts

Entre os séculos VIII e X, diferentes autoridades reais e imperiais no Ocidente e no Oriente expediram normas em favor dos “pobres”. Num dos mais importantes documentos normativos da segunda metade do século IX, o Edictum Pistense (Pîtres, FRA) de 864, Carlos o Calvo (m. 877) dedicou um de seus capítulos à proteção e realização da justiça para os pauperes.

Alguns poucos milhares de quilômetros a leste dali, imperadores bizantinos publicaram, ao longo do século X, dezenas de decretos em que procuravam cessar a opressão dos ptôchos/penês (“pobres”, “fracos”) pelos dunatoi (“poderosos”) (MORRIS, 1976MORRIS, Rosemary. The Powerful and the Poor in Tenth-Century Byzantium: Law and Reality, Past & Present, n. 73, 1976, p. 3-27., p. 3-27). Ora, quais motivos levaram diferentes cortes reais e imperiais, em diferentes localidades, a se preocuparem tão diligentemente com os “pobres”? Esta é a questão que este artigo pretende responder. Para isso, parte-se da ideia sugerida pela corrente interpretativa denominada “História Global” ou “História Conectada” que coloca como urgente a necessidade de se estudar as sociedades pré-industriais a partir de abordagens comparativas e transdisciplinares, favorecendo a identificação de fenômenos transformadores e repensando os parâmetros tradicionais da historiografia, quer sejam eles o espaço ou de cronologia (HOLMES, STANDEN, 2015, p. 106-117).

O Império Bizantino do século X foi marcado por disputas sociais e políticas. O centro dessas disputas era o arrendamento de terras, em especial daquelas propriedades que beneficiavam o fisco imperial; a ascensão de ricos proprietários nas províncias bizantinas que, ao comprarem as terras dos mais pobres, reduziam estes à servidão e tornavam privadas as rendas do fisco público (PATLAGEAN, 2007, p. 217). O reino, após 800,e império carolíngio passou por situação semelhante: não raro eram as medidas expedidas pela corte contra a ação dos “poderosos” que se apropriavam das terras dos “pobres” e da Igreja (DEVROEY, 2006, p. 317).

Temos, então, dois impérios de tamanho continental: a autoridade carolíngia - em seu apogeu no século IX, estendeu-se sobre grande parte da Europa ocidental, em localidades que hoje conhecemos por Alemanha, Áustria, Bélgica, Espanha, França, Holanda, Itália, Luxemburgo e Suíça -; e o Império Bizantino do século X tinha como limites a Itália meridional a oeste e as cabeceiras do Tigres e do Eufrates a leste, e a atual Bulgária no norte à atual Síria no sul. E ambos trataram o conflito entre “poderosos” e “pobres” de maneira semelhante: promulgando decisões normativas visando solucionar estes conflitos. Entre os bizantinos, encontramos bulas douradas (chrysobullos logos), novelas, e respostas da corte surgidas da promulgação das novelas com força de lei (conhecidas como prostaxis) (MORRIS, 1976, p. 6-7). Já os carolíngios lançaram mão de documentos conhecidos como capitulares, sobre os quais falaremos mais à frente.

A historiografia tradicional do mundo bizantino viu na “questão das terras” do século X a evidência de uma oposição social e econômica que marcava a própria estrutura da sociedade da época (cf. OSTROGORSKY, 1969, p. 269-287; LEMERLE, 1979, p. 90-108). Rosemary Morris, ao analisar o mesmo dossiê documental (composto de atos normativos expedidos pela corte bizantina entre 927 e 996) chegou a uma outra conclusão: o “conflito” entre ptôchos/penês e dunatoi seria uma construção do discurso normativo originário da corte imperial, refletindo a oposição vista ao longo de todo o século X pela supremacia do poder central contra as tendências separatistas da aristocracia rural (MORRIS, 1976, p. 11-27). A oposição linguística entre ptôchos/penês e dunatoi, inclusive, não seria uma novidade daquele período, mas remontaria aos códigos jurídico-legislativos do século IV (PATLAGEAN, 1977, p. 9-36, especialmente p. 11-17).

No que se refere ao período carolíngio, para parte da historiografia, a frequente menção dos “pobres” nos documentos do período seria testemunha da condição estrutural daquela sociedade: o verdadeiro colapso social ao qual estavam submetidas essa população, na medida em que a multiplicação de ocorrências de um termo que se traduz por “pobre” nas línguas modernas (“pauper”) refletiria i) o quão perene e amplo era o estado de penúria econômica vigente (cf. DUBY, 1966, p. 25-32; MOLLAT, 1976; FOSSIER, 1981, p. 261-274), e ii) a ineficiência da autoridade governante em fazer valer seus atos normativos, donde a usual repetição de preceitos com temas semelhantes - nos quais se incluem muitos sobre os “pobres” (FICHTENAU, 1958, p. 180; GASHOF, 1968, p. 30).

Ocorre que este pessimismo quanto às condições estruturais das sociedades da Alta Idade Média vem sendo contestado por diferentes correntes historiográficas nos últimos anos. Engajados numa outra perspectiva, os estudiosos do período têm apresentado evidências que nos permitem reavaliar esta “crise” generalizada que teria se abatido sobre o Ocidente no primeiro milênio de nossa era nas mais diversas esferas da vida social: da morfologia de povoamento aos modos de habitação (cf. WICKHAM, 2005), passando pela paisagem rural (cf. BONASSIE, 1990, p. 13-35; DEVROEY, 1993, p. 29-45) e os sistemas de trocas (ver, por exemplo, HODGES, 1989; VERHULST, 2002; DEVROEY, 2003; TOUBERT, 2004; FELLER, GRAMAIN, WEBER, 2005; INNES, 2009).

Igualmente, hoje em dia são raros os historiadores que aceitam a tese sobre a incapacidade dos governantes da Alta Idade Média em criar estruturas governamentais adequadas ao controle de seus reinos ou impérios. Nomes como Janet Nelson (NELSON, 1990, p. 258-296; NELSON, 1995, p. 110-141) e Matthew Innes (INNES, 2000) demonstraram como as instituições carolíngias funcionavam numa complexa rede de políticas central e locais, permeadas por interações conflitivas ou não.

Ora, é possível, então, que realizando um tipo de investigação semelhante àquela feita por Morris acerca da documentação normativa bizantina, encontre-se para o período carolíngio uma outra resposta além daquela tradicionalmente dada pela historiografia acerca do cuidado dos “pobres” pelos príncipes carolíngios? Para isso, iremos nos concentrar nas ocorrências do termo “pauper” nos apitulares naquele período, uma vez que é a que mais frequentemente ocorre na documentação.

O pauper nos capitulares carolíngios, 755-832 .

Antes de apresentar o problema do pauper nos capitulares carolíngios, convém explicar brevemente o que se entende por estes documentos. A explicação clássica entende por “capitulares” os decretos, ordenamentos ou anúncios de caráter legislativo, administrativo ou religioso provenientes dos príncipes francos reunidos em assembleia com os grandes personagens do reino e que eram divididos em cláusulas ou capítulos (os capitula).

Esta definição, porém, peca em precisão. Por exemplo, nem todos estes documentos categorizados como “capitulares” seguiam a forma de capitula: há cartas (Pippini ad Lullum epistola. MGH Leges, Capit. 1, no. 17, p. 42), preces (Precatio franconica. MGH Leges, Capit. 1, no. 109, p. 224) e mesmo inventários (Brevium exempla ad describendas res ecclesiasticas et fiscales. MGH Leges, Capit. 1, no. 128, p. 250) entre eles. Desta forma, os editores modernos criaram uma categoria artificialmente rígida que foi projetada num tipo “fluido” de documentos.

Tendo em vista estas limitações, os especialistas da área vêm propondo outras maneiras para entender os capitulares. A forma dos capitulares, por exemplo, que seria um aspecto que os distinguiria em relação a outros documentos não seria uma novidade, já que configurações semelhantes poderiam ser encontrados no direito romano ou no direito canônico, ou mesmo nas epístolas paulinas (MCKITTERICK, 2008).

Passou-se a se levar em conta também, no processo de composição dos capitulares, os destinatários do texto na medida em que um capitular seria influenciado, ou mesmo determinado, por estes personagens (bispos, abades, condes ou outros grandes do reino). Em decorrência disso, mesmo as reuniões entre o monarca e os grandes dos reino não seriam elementos imprescindíveis para a discussão ou composição de um capitular, tendo em vista que proclamação oral das medidas normativas, alegada como essencial até então pelos especialistas (GANSHOF, 1957, p. 227), poderia ser negligenciada em favor somente da redação dos desígnios reais (KIKUCHI, 2012, p. 67-80).

Pensar que o denominador comum dos capitulares, ou seja, aquilo que os faz serem capitulares seja a ideia de promover, numa forma escrita e normativa, a visão daqueles envolvidos no governo do reino franco (PÖSSEL, 2006, p. 253-276; MORDEK, 2000, p. 55-80). Eles seriam instrumentos políticos que, além de exprimir as intenções da corte, articulam o acordo das elites laicas e eclesiásticas, ao menos nominalmente.

Outra dimensão dos capitulares está em sua natureza simbólica. Os decretos expedidos pela autoridade governante fornecem evidências diretas da imagem que os príncipes carolíngios queriam transmitir de si mesmos (WORMALD, 1999, p. 50). Tome-se o capitular Admonitio generalis de 789 como exemplo: seu longo preâmbulo (MGH Leges, Capit. 1, no. 22, p. 53-54.) fala da necessidade de se garantir a salvação do povo franco por intermédio da ação tanto da elite eclesiástica quanto da elite laica, incluso aí a realeza. O próprio Carlos Magno se compara ao rei Josias, personagem do Antigo Testamento, que pela correção e exortação fez vingar o culto do verdadeiro Deus no reino que lhe havia sido entregue pelos céus (MGH Leges, Capit. 1, no. 22, p. 53; Reg 2:22-23). Assim, é preciso ter no horizonte que uma das funções dos capitulares também foi veicular por escrito as visões dos príncipes carolíngios sobre o papel exercido por eles no cumprimento de seu governo.

A primeira menção do termo “pauper” num documento normativo atribuído a um soberano carolíngio não se encontra num capitular per se, mas numa carta escrita pelo rei Pepino o Breve (m. 768) ao bispo Lullo de Mainz (m. 786) - o que por si só demonstra os problemas de se determinar o que vem a ser um capitular ou as justificativas para editá-los como tal, como discutido anteriormente. Nesta carta, datada entre 755 e 768 , o monarca comemora a superação das tribulações (tribulationem) que haviam afligido o reino e recomenda ao bispo, entre outras coisas, alimentar os pauperes em prol da continuidade da bonança .

Da carta de Pepino ao capitular de Pavia, promulgado em 832 por Lotário I (MGH Leges, Capit. 2, no. 201, p. 59-63), o número de menções à palavra “pauper” só fez crescer, passando de 12 ocorrências entre anos 755-800 para 82 ocorrências entre os anos 801-832. Este cenário pode ser esquematizado da seguinte maneira:

  • O maior número de ocorrências da palavra “pauper” nestes documentos se concentra entre os anos 800 e 830, embora a década de 780 também tenha testemunhado um uso acima da média vista no período entre 751 e 840;

  • Carlos Magno e Luís o Piedoso foram os governantes carolíngios que mais utilizaram a palavra “pauper” em seus capitulares, muitas vezes com mais de uma ocorrência por capitular - embora seja necessário notar que i) todos os reis ou imperadores entre os anos 751 e 840 tenham-na mencionado ao menos uma vez nos capitulares a eles atribuídos; ii) Carlos Magno e Luís o Piedoso têm mais capitulares atribuídos a eles do que os outros membros da dinastia carolíngia.

Mas, no fim das contas, o que isso significa? Pode-se especular, por exemplo, os motivos do elevado número de ocorrências nos anos 800-830. Período de maior produção de capitulares neste recorte, o momento também foi visto como sendo um dos mais afetados por anomalias climáticas, que teriam causado interrupções na produção e distribuição de alimentos (MCCORMICK, DUTTON, MAYEWSKI, 2007, p. 865-895). A frequente repetição da palavra “pauper” nestes documentos estaria, então, relacionada a eventos deste tipo, sendo os capitulares respostas às crises diversas (famélicas, bélicas ou outras) que acometiam o reino? É precipitado dizer, não só pelas limitações que tais aferições possuem , mas também em razão do emprego de “pauper” nos capitulares: é preciso ter em conta o contexto dos usos específicos que se fizeram dela.

Isto porque a questão da recorrência de palavras ou expressões sobre o tema nestes documentos serviu de base às interpretações que, a despeito de terem sido formuladas a mais de 50 anos atrás, ainda hoje são seguidas por boa parte da historiografia que lida com o assunto.

Isto se deve ao influente estudo sobre as palavras “potens” e “pauper” feito pelo historiador alemão Karl Bosl em 1963 (BOSL 1964; trad. it. 1983). Bosl fundamentou seu argumento no Capitulare missorum specialia de 802, atribuído a Carlos Magno, no qual se encontram prescrições para que os missi favorecessem a realização da justiça (iusticia) pelo reino. No capítulo 12 deste documento se lê: “De obpressionibus liberorum hominum pauperum, qui in exercitu ire debent et a iudicibus sunt obpressi” (MGH Leges, Capit. 1, no. 34, c. 12, p. 100).

Bosl caracterizou estes “liberi homines” como súditos (Königsfreien) livres, sujeitos ao serviço militar, e que por serem pauperes eram oprimidos pelos juízes e por isso seriam fortemente dependentes da autoridade real (BOSL, 1983, p. 99-100).

O autor compara então o trecho precedente com o capítulo conclusivo do mesmo documento: “Insuper totum, undecumque necesse fuerit, tam de iustitiis nostris quamque et iustitias ecclesiarum, viduarum, orfanorum, pupillorum et ceterorum hominum inquirant et perficiant.” (MGH Leges, Capit. 1, no. 34, c. 19, p. 101)

Embora o texto não seja claro, Bosl acreditou que a expressão “ceterorum hominum” presente neste capítulo se referia aos “liberorum hominorum pauperum” do capítulo 12. Esta constatação é importante para a teoria do autor tendo em vista o conteúdo do capítulo 18:

De banno domni imperatoris et regis, quod per semetipsum consuetus est bannire, id est de mundeburde ecclesiarum, viduarum, orfanorum et de minus potentium atque rapto et de exercitali placito instituto: ut hi qui ista inrumperint bannum dominicum omnimodis conponant.” (MGH Leges, Capit. 1, no. 34, c. 18, p. 101)

Note-se que, diferente do capítulo 19, onde as palavras “viduarum” e “orfanorum” são acompanhadas pela expressão “ceterorum hominum”, neste capítulo 18 elas são seguidas pela expressão “minus potentium”. Assim, por conclusão lógica, Bosl afirmou que os “liberi homines pauperes” presentes no capítulo 12 seriam equivalentes semanticamente ao “minus potentes” deste capítulo 18. Por isto, “pauper” teria uma definição negativa nos capitulares: quem não é “potens” (BOSL, 1983, p. 100). O historiador alemão supôs então que, à época carolíngia, “pauper” não faria referência à uma condição econômica, mas sim a critérios legais (liberdade) e sociais (dependência) (BOSL, 1983, p. 101-102).

Em que pese toda tradição da argumentação de Bosl , ela apresenta pontos a serem discutidos. O primeiro diz respeito a algumas leituras do autor. Por exemplo, o capítulo 12 do Capitulare missorum specialia, apresentado acima, não menciona os pauperes per se, mas sim os “liberi homines” qualificados pelo adjetivo “pauperes”. Não se justificaria, assim, igualar as expressões “liberi homines” e “minus potentes” . E mesmo a ideia de que a liberdade legal passou a ser um requisito para a definição de pauper não parece ser uma novidade carolíngia: em meados do século IV, o imperador Marciano (m. 457) esclareceu, por meio de medidas normativas, que uma mulher seria digna de casar-se com um senador a despeito de sua condição de pauper (entendida aqui como a falta de bens materiais) desde que ela tivesse nascido livre e cujos pais também fossem livres (mas não libertos) (HUMFRESS, 2006, p. 183-194).

Ao mesmo tempo, “pauper” não parece ser uma palavra comum no vocabulário normativo sobre a situação de liberdade de um indivíduo. A Fórmula de Tours 43 é bem clara a respeito: tal documento descreve o contrato que um sujeito sem condições de alimentar-se e vestir-se estabelece com um senhor para receber tais benefícios em troca de seus serviços . No caso, a fórmula estabelece que aquele que se recomenda deve servir e respeitar “como pode fazê-lo um homem livre (ingenuili ordine)”. Ainda que reforce o fato de pouco possuir (ego minime habeo), em nenhum momento a palavra “pauper” é utilizada no documento.

Nas poucas vezes em que se pode perceber uma definição mais objetiva de pauper nos capitulares, ela não faz qualquer menção ao estatuto jurídico do indivíduo. É o que se pode ler no capitular Summula de bannis: “Contra pauperinus qui se ipsus defendere non possunt, qui dicuntur unvermagon”. (MGH Leges, Capit. 1, no. 110, c. 4, p. 224).

O texto estabelece uma equivalência entre “pauperinus”, uma derivação do radical “pauper”, e “unvermagon”. Segundo Alfred Boretius, editor deste capitular nos MGH, “unvermagon” é a raiz do termo alemão moderno “unvermögend” que pode ser traduzido para o português como “desprovido” ou “sem recursos” (MGH Leges, Capit. 1, no. 110, p. 224, nota 1). Este “recurso” é apresentado na própria medida: pauper(rinus) seria aquele incapaz de se defender - embora o próprio Summula de banis não explicite o que se entende por “defender” e de quem se defende.

Esta noção é dada por outra caracterização dos pauperes nos capitulares: sua classificação como “minus potentes” ou “i(m)(n)potentes”. Em diversas ocasiões, “pauper” e as duas expressões parecem ser intercambiáveis. Por exemplo, no capítulo 2 do Capitulare de iustitiis faciendis, datado do ano de 811 e atribuído a Carlos Magno, é dito que:

Ut episcopi, abbates, comites et potentiores quique, si causam inter se habuerint ac se pacificare noluerint, ad nostram iubeantur venire praesentiam, neque illorum contentio aliubi diiudicetur neque propter hoc pauperum et minus potentium iustitiae remaneant. Neque comes palatii nostri potentores causas sine nostra iussione finire praesumat, sed tantum ad pauperum et minus potentium iustitias faciendas sibi sciat esse vacandum. (MGH Leges, Capit. 1, no. 80, c. 2, p. 176. Grifo nosso).

Ao se preocupar em precisar o papel da autoridade carolíngia na realização da justiça, esta determinação ilustra a maneira pela qual esta classificação era entendida: bispos, abades e condes fariam parte do grupo de potentes (“poderosos”), cujas causas ou processos judiciais requereriam a audiência real. O outro grupo seria composto pelos pauperes ou minus potent(i)um. A mesma ideia aparece no Capitulare e concilis excerpta de 813 :

Propter provisiones pauperum, pro quibus curam habere debemus, placuit nobis, ut nec episcopi nec abbates nec comites nec vicarii nec iudices nullusque omnino sub mala occasione vel malo ingenio res pauperum vel minus potentum nec emere nec vi tollere audeat; sed quisquis ex eis aliquid conparare voluerit, in publico placito coram idoneis testibus et cum ratione hoc faciat.” (MGH Leges, Capit. 1, no. 154, c. 2, p. 312. Grifo nosso).

Neste capitular, vemos a identificação de pauper com a expressão minus potentum (além de inferir que vigários e juízes também fariam parte do grupo de potentes, já que a medida os contrapõe aos pauperes ao impedi-los de comprar ou tomar as propriedades destes últimos). A classificação de pauperes como minus potentes aparece ainda em outros exemplos nos capitulares . Daí o argumento de Bosl, e de toda a historiografia que o seguiu, de que a diferenciação social no reino carolíngio operaria somente segundo o binômio potens-pauper.

Mas a ideia de que “pauper” não apresentaria um sentido econômico nos capitulares nos parece limitada. No capítulo 2 do Memoratorium de exercitu praeparando de 807 (MGH Leges, Capit. 1, no. 48) são previstos quais dos habitantes deveriam se apresentar ao exército franco e os critérios estabelecidos para isso tinham em conta as propriedades fundiárias (mansus) dos indivíduos. Aqueles que possuíam entre 5 e 3 mansi deveriam se apresentar ao exército. A mesma regra foi imposta a qualquer um que não tivesse terras ou recursos humanos (mancipium), mas bens no valor de até cinco solidos (moedas de ouro). Este sujeito foi classificado no capitular como pauper . Ainda no contexto dos serviços militares, o Capitulare de expeditione corsicana de 825, atribuído a Lotário I, recomenda aos sujeitos que, em razão de sua pobreza (pro paupertate sua) não pudessem se armar sozinhos com os equipamentos de guerra, eles deveriam se associar entre si para que um deles partisse para a expedição; e que aqueles, cuja extrema pobreza (nimia paupertate) impediria inclusive de participar de tal associação, seriam isentados pelo conde (comes) de tais serviços .

Já no Capitula de presbyteris admonendis (MGH Leges, Capit. 1, no. 120), de datação incerta ainda que atribuído a Carlos Magno, foi denunciada a elevação de alguns pauperes que, por meio da entrada no sacerdócio, vieram a comprar para si terras (alodium), mão-de-obra (mancipium) e outros recursos , demonstrando como alguém sem poder aquisitivo era classificado também como pauper. Esta ideia é encontrada também no Capitulare missorum Aquisgranense secundum, que face a uma crise epizoótica, estabelece que os pauperes pudessem pagar o mínimo - provavelmente o preço dos víveres básicos para sustento.

Estas ocorrências dialogam com o uso da palavra “pauper” em outros documentos do período. Eginardo (Einhardus, m. 840), ao descrever os espólios da guerra dos francos contra os ávaros em meados dos anos 790, comenta como os francos deixaram de ser considerados pauperes por tamanha riqueza em ouro e prata . Ora, então, “pauper” também possuía, à época carolíngia, um referencial econômico-financeiro desconsiderado por Bosl e seus seguidores.

Por fim, a conclusão do historiador alemão também merece questionamento. Bosl sintetiza assim seus argumentos:

No curso do declínio da antiga ordem municipal, o par conceitual honestiores e humiliores se transformou na oposição potentes-humiles (pauperes). Isto penetrou na linguagem oficial do império franco e se tornou particularmente difundido no século IX. A cultura urbana da Antiguidade desapareceu, e a antiga oposição liber-servus tornou-se ilusória numa sociedade agrária, feudalizada, dominada pelo exercício do poder. Oposta a esta classe governante portadora de espadas (schwerttragenden) no império estavam os liberi (Königsfreien) e os servi que necessitavam de proteção [...] agrupados sob o nome de pauperes, que se referia primariamente a sua necessidade de serem defendidos.” (BOSL, 1983, p. 107. Tradução nossa).

A suposta transformação da categoria social humiliores (e mesmo plebei) em pauperes teria ocorrido na própria Antiguidade, como testemunham os autores cristãos daquele período (FREU, 2007, p. 573). E a despeito de ventilar a ideia de existirem camponeses legalmente livres, na contramão das interpretações mais tradicionais daquela época (FREEDMAN, 1991, p. 2), Bosl ainda tinha em mente o esquema que coloca o período carolíngio em processos de transformação de longa duração: ao pensar as propriedades carolíngias como “feudalizadas”, o autor tinha em mente as estruturas agrárias vistas, talvez, somente nos séculos posteriores . Por fim, fiel à sua formação constitucionalista, Bosl tomou os capitulares apenas em seu viés legal, sem considerar outros fatores operantes em sua elaboração: afinal, das 9 ocorrências da expressão “liberi homines pauperes” nos capitulares datados entre 755 e 832, 5 se dão sob a mesma forma: “de oppressione liberorum hominum pauperum” . Aqui se entra no problema exposto no início deste artigo acerca das medidas em favor dos “pobres”.

O verbo “o(b)(p)rimo” é um dos mais comumentes associados à palavra “pauper” nos capitulares carolíngios. De fato, é possível contar 18 co-ocorrências entre os dois termos nestes documentos , 24 se contarmos a coleção de Ansegiso . Com um sentido que remonta desde a Antiguidade à ideia de “oprimir” (GAFFIOT, 1981, p. 1086.), a historiografia comumente interpretou esses números como testemunhas de um “tempo de abusos” , isto em razão da maneira como as determinações foram formuladas: elas buscavam impedir a “opressão dos pauperes”. O capítulo 16 do Capitula in Theodonis [Thionville, FRA] villa datum generale de 806, atribuído a Carlos Magno, é exemplo deste discurso: “De oppressione pauperum liberorum hominum, ut non fiant a potentioribus per aliquod malum ingenium contra iustitiam oppressi, ita ut coacti res eorum vendant aut tradant.” (MGH Leges, Capit. 1, no. 44, c. 16, p. 125).

Ou o capítulo 3 do Capitula legi addita de 816 e atribuído a Luís o Piedoso:

De mannire vero, nisi de ingenuitate aut de hereditate, non sit opus observandum. De ceteris vero inquisitionibus per districtionem comitis ad mallum veniant et iuste examinentur ad iustitias faciendum. Comites vero non semper pauperes per placita opprimere debent” (MGH Leges, Capit. 1, no. 135, c. 3, p. 270).

Ou ainda tão simples quanto o capítulo 51 do Capitulare missorum item speciale (802-806), de Carlos Magno: “Ut liberi homines pauperes a nullo iniuste opprimantur.” (MGH Leges, Capit. 1, no. 35, c. 51, p. 104).

Vê-se que a “opressão” sublinhada nestas determinações poderia tomar diversas formas, do abuso de poder nos tribunais à coação financeira. Em outras, ressalta-se a violência física dela decorrente . Este discurso se alinha com uma das poucas definições diretas de pauper nos capitulares: a de que pauperes não poderiam (ou conseguiriam) se defender. Não é de se espantar, portanto, que grupos vulneráveis, como viúvas e órfãos, também fossem incluídos ao lado dos pauperes nestas medidas que visavam proibir sua opressão, como demonstra o Capitulare missorum (818/819) de Luís o Piedoso:“De pauperibus et viduis et pupillis iniuste oppressis, ut adiuventur et releventur.” (MGH Leges, Capit. 1, no. 141, c. 3, p. 289).

Ora, a frequente proibição da opressão dos pauperes seria, então, evidência dos tempos de “abuso” ou “violência” daquele período? De fato, alguns registros ilustram uma imagem demasiadamente brutal para que se neguem as possíveis ocorrências de tais situações . No entanto, é preciso ter em conta um conjunto de circunstâncias que tornam a interpretação destes testemunhos mais complexa do que uma simples leitura estatística pode oferecer.

Por exemplo, deve-se atentar ao fato de que a opressão dos pauperes também é um tema bíblico. A co-ocorrência das palavras “pauper” e “oppressio” ocorrem em ao menos 7 passagens . Em duas delas, o texto cristão se assemelha ao discurso dos capitulares . Vê-se como a preocupação com a opressão dos pauperes (bem como viúvas, órfãos e destituídos) do texto bíblico dialoga com os elementos discutidos nos capitulares a respeito do tema. Não sem motivo, afinal algumas menções aos pauperes nestes documentos são citações da própria Bíblia .

A teologia cristã pode ser considerada um elemento essencial para a realeza carolíngia. Como vimos, Carlos Magno se comparou a Josias, rei do Antigo Testamento, em um de seus capitulares e ele mesmo foi apelidado de “Davi” por seus cortesãos, associando-o ao papel de salvador precursor do Cristo (DE JONG, 2005, p. 113). Além disso, seu filho Luís teria ganhado o qualificativo “Piedoso” justamente por promover uma política religiosa notavelmente favorável à Igreja e aos valores cristãos .

Ao incorporar elementos da retórica cristã ao seus decretos, no caso a proibição da opressão e defesa dos pauperes, viúvas, órfãos e igrejas, a autoridade carolíngia foi além de apenas professar valores religiosos, ela procurou demarcar para si uma posição em primeiro plano como governantes cristãos (MCKITTERICK, 2008, p. 136; CLOSE, 2011, p. 305-308), estabelecendo dentro da racionalidade do poder uma estratégia própria .

Ainda que esta tarefa não seja novidade dos monarcas carolíngios - num decreto datado do ano de 614, Clotário II (m. 629), rei franco da dinastia merovíngia, também se colocou como defensor das igrejas e dos pauperes - a iniciativa em coibir a opressão dos pauperes parece ser uma preocupação aguçada nos séculos VIII e IX, e que vai além dos capitulares. No Concílio de Paris de 829, por exemplo, os bispos ali reunidos descreveram como uma das atribuições do ministério real (ministerium regis) o dever do rei em não permitir que os pauperes fossem oprimidos .

Outra dimensão que ajuda a compreender os usos da palavra “pauper” nos capitulares carolíngios é o próprio status de alguns destes documentos nos quais se encontra o termo. É o caso dos capitulares ditos “programáticos”, isto é, capitulares nos quais se apresentam medidas com vistas à implementação de um programa/projeto de governo no reino carolíngio . Tome-se, por exemplo, o Admonitio Generalis de 789: a salvação do povo franco, por meio das ações da realeza, poderosos laicos e eclesiásticos, era o objetivo das discussões que deram origem ao capitular . Além de se comparar a Josias, o rei do Antigo Testamento, Carlos Magno se colocou como “gratia Dei eiusque misericordia donante rex et rector regni Francorum et devotus sanctae aeclesiae defensor humilisque adiutor” (MGH Leges, Capit. 1, no. 22, p. 53). Neste papel de defensor das igrejas e protetor (adiutor) dos humildes, o rei promulgou os capítulos 47 e 75. No capítulo 47, lê-se: “47. Omnibus. In concilio Gangarense, ut nulli liceat oblata, quae ad pauperes pertineant, rapere vel fraudare.” (MGH Leges, Capit. 1, no. 22, p. 57).

Já no capítulo 75, lê-se:

“75. Omnibus. Et hoc nobis competens et venerabile videtur, ut hospites, peregrini et pauperes susceptiones regulares et canonicas per loca diversa habeant: quia ipse Dominus dicturus erit in remuneratione magni diei: “hospes eram, et suscepistis me”; et apostolus hospitalitatem laudans, dixit: “per hanc quidam placuerunt Deo, angelis hospitio susceptis”.

Nestes dois capítulos se encontram as duas menções a “pauper”. No capítulo 47, endereçado a todos, é recuperado um cânone do Concílio de Çankırı realizado em 340 no qual se proíbe a apropriação ou roubo das oferendas (oblata), que pertenceriam aos pauperes. Em que pese a retórica cristã, que foi muito trabalhada ao longo dos concílios desde então , não há uma definição de pauper, apenas uma determinação direcionada a este grupo. O mesmo ocorre no capítulo 75: a medida preocupa-se, fazendo uso do texto bíblico, em admoestar monges e cônegos (canonicas) a oferecerem abrigo aos peregrinos, estrangeiros e pauperes. Vê-se que a ocorrência da palavra “pauper” aí nada tem a ver com a descrição das condições socioeconômicas dos habitantes do reino, mas sim com o ideal de poder da corte carolíngia.

Isto ganha mais efeito se atentarmos para dois fatos: o primeiro é que a ideia do poder secular estimular a hospedagem de peregrinos, estrangeiros e pauperes não é nova. Podemos encontrar uma medida semelhante no Corpus iuris civilis de Justiniano (m. 565) (Corpus Iuris Civilis, 1.2.22, MOMMSEN, 1888-1895) . A segunda é que ela foi retomada, em outro capitular dito programático, o Capitulare missorum generale de 802. No capítulo 27, o agora imperador Carlos Magno ordena que nenhum de seus súditos ousassem negar hospitalidade a quem estivessem em peregrinação a serviço de Deus, citando novamente, como havia feito no capitular Admonitio Generalis de 789, Mt 25:35 . Também não se define quem seriam os pauperes, embora no texto eles sejam opostos aos ricos (divites).

Esta postura de proteção e defesa dos pauperes pode ser vista ainda em outros trechos do mesmo documento: já no preâmbulo, Carlos Magno adverte que pauperes, viúvas, órfãos, peregrinos e igrejas tenham justiça e proteção ; discurso que foi elaborado nos capítulos 25 e 29, onde o imperador carolíngio determinou que os pauperes não fossem oprimidos pelos juízes no cumprimento da justiça. Foi determinado também que a isenção do bannus real concedida aos pauperes fosse respeitada por juízes e condes .

Uma postura semelhante foi desenvolvida no Capitulare de iustitiis faciendis expedido em 811: a preocupação demonstrada por Carlos Magno era de que a justiça devida aos pauperes não fosse atrapalhada pelas disputas jurídicas entre bispos, abades, condes e outros poderosos . Ambos os Capitulare missorum generale de 802 e o Capitulare de iustitiis faciendis de 811 mencionam os pauperes, mas o foco das medidas não são eles: não há preocupação em definir este grupo, à exceção de categorias amplas como oposição a divites ou os descrever como “menos poderosos”. Como vimos, as designações ainda carregam elementos da retórica cristã, quando se fala por exemplo, de viúvas, órfãos e pauperes. A intenção está em sublinhar os problemas aos quais os pauperes estão “colados”: opressão, realização da justiça e a caridade cristã, no caso dos abrigos a eles devidos. O rei, Carlos Magno, visa cumprir seu papel de defensor dos pauperes a partir de seus decretos.

E isto não foi exclusivo de Carlos Magno. Como também vimos, todos os príncipes carolíngios que promulgaram capitulares entre 755 e 832 mencionaram a palavra “pauper” em seus documentos. Luís o Piedoso o faz, entre outros exemplos, no Ordinatio Imperii de 817, outro capitular que incorpora uma visão específica do reino: o retrato do império como uma estrutura sagrada, que deveria estar unido “para que a unidade do império conservada para nós por Deus fosse dividida pelos humanos” . A menção à palavra “pauper” neste documento segue esta lógica. Observe-se:

Si autem, et quod Deus avertat et quod nos minime obtamus, evenerit, ut aliquis illorum propter cupiditatem rerum terrenarum, quae est radix omnium malorum, aut divisor aut obpressor ecclesiarum vel pauperum extiterit aut tyrannidem, in qua omnis crudelitas consistit, exercuerit, primo secreto secundum Domini praeceptum per fideles legatos semel, bis et ter de sua emendatione commoneatur, ut, si his renisus fuerit, accersitus a fratre coram altero fratre paterno et fraterno amore moneatur et castigetur. Et si hanc salubrem admonitionem penitus spreverit, communi omnium sententia quid de illo agendum sit decernatur; ut, quem salubris ammonitio a nefandis actibus revocare non potuit, imperialis potentia communisque omnium sententia coherceat.” (MGH Leges, Capit. 1, no. 136, c. 10, p. 27).

Neste capítulo, Luís propõe meios de regular a cobiça (cupiditatem), “a raiz de todos os males” segundo o texto, de seus filhos - à época Lotário, Pepino da Aquitânia e Luís, o Germânico. Em caso em que um deles oprimisse as igrejas ou os pauperes, os outros deveriam intervir, num primeiro momento de modo brando, e, em último caso, pela coerção do poder imperial.

Novamente, a ocorrência de pauper neste capitular pouco ou nada tem a ver com o testemunho das condições materiais de um grupo ou de sua situação sócio-jurídica. “Pauper” aqui serve à ideia de poder expressada no capitular: é dever dos príncipes carolíngios zelar pelos pauperes, e se ele não cumprisse este papel, caberia aos outros detentores da prerrogativa imperial impedi-lo.

Este uso da palavra “pauper” perdurou ainda por diversos capitulares publicados por Luís o Piedoso: no Capitula legibus addenda e no Capitulare missorum de 818-819 , no Capitula de iustiis faciendis (c. 820) , no Capitulare de disciplina palatii datado provavelmente do ano de 820 , no já mencionado capitular Admonitio ad omnes regni ordines de 825 ou no Capitulare Wormatiense (Worms, ALE) de 829 . Isso sem contar aqueles documentos, classificados como capitulares por Boretius mas cuja identidade é passível de discussão, como a carta de Luís aos bispos por ocasião do Concílio de Aachen de 816 .

Conclusões

Ao procurar responder à questão que abre este artigo, a saber, quais os motivos que levaram as cortes bizantina e carolíngia a se ocuparem dos “pobres” entre os séculos VIII e X, é possível percerber que essa atenção não se calcou exclusivamente na solução das agruras passadas por “penetes” ou “pauperes”. Vocabulário, construções discursivas e tópicos culturais demonstram como as autoridades bizantina e carolíngia engendraram um complexo discurso para demarcar suas posições políticas.

Se a “questão das terras” da dinastia macedônica, como o estudo de Rosemary Morris sugere, aponta mais para a preocupação com a estabilidade do trono do que resultantes de quaisquer crises climáticas ou derrotas militares, isso se deu pela via da expedição de atos normativos, utilizados como propaganda contra os dunatoi. Por isso estes documentos nos dizem pouco sobre real estado dos pobres naquele momento da história do Império Bizantino. O “conflito” entre dunatoi e penetes foi uma construção das normas expedidas pela corte imperial bizantina (MORRIS, 1976, 26-27).

O caso carolíngio não parece ser muito diferente. De fato, o crescimento do número de ocorrências da palavra “pauper” nos capitulares expedidos sob estes príncipes francos ao longo do período foi exponencial, principalmente a partir do ano 800. Mas ainda que todos os príncipes carolíngios, de Pepino o Breve a Lotário I, tenham mencionado o termo, foram Carlos Magno e Luís o Piedoso os monarcas que mais o empregaram em seus decretos. Isso não se deu somente pelo número de documentos atribuídos a eles, mas também pelo papel desempenhado por “pauper” nos capitulares.

Muitas das ocorrências do termo se dão num contexto de referência ao texto bíblico, como na condenação da “opressão dos pauperes”. Nota-se, então, que as medidas normativas acerca do pauper apresentam-se carregadas de sentidos ideológicos, a caridade cristã tão sublinhada por alguns autores (MOLLAT, 1978), mas que necessariamente não correspondem à descrição de uma condição de vida do pauper.

Isto leva a questionar a leitura apressada que os historiadores fizeram da legislação oferecendo proteção aos pauperes como uma resposta direta às condições estruturais da sociedade carolíngia: opressora e promotora do desaparecimento do campesinato livre, uma vez que eles teriam sido forçados às redes de dependência de grandes proprietários rurais, laicos ou eclesiásticos. O problema, e não é objetivo discuti-lo aqui, não está na existência ou não dessa estrutura (cf. MCCORMICK, 2001; VERHULST, 2002). A questão é se a análise feita das ocorrências do termo “pauper” sustentam esta argumentação. E, nesse sentido, creio que não. Isto porque estes fragmentos de legislação não devem ser divorciados do contexto no qual eles foram promulgados e tomados como provas das ocorrências desses “abusos”.

Como se viu, as denúncias se fiam à uma longa tradição cristã e passaram a ser veiculadas em maior número num período bastante específico, isto é, após o coroamento imperial de Carlos Magno em 800. É possível imaginar, então, que este maior volume faça referência a outros aspectos da realeza carolíngia que não necessariamente a alguma mudança social pela qual passava o reino naquele momento.

Assinalou-se como os capitulares podem ser vistos como evidência da promoção das agendas dos governantes carolíngios, afinal estes documentos veicularam, de forma escrita e valor normativo, seu entendimento do poder. Num momento em que a autoridade carolíngia consolida-se como império, não nos parece improvável imaginar que a promulgação dos capitulares servissem também a este propósito e, por fazer parte destes documentos, o discurso sobre o pauper também seguiria a mesma lógica.

Lógica a qual se desdobra em dois níveis: o material e o imaterial. De um lado, é possível observar que os príncipes carolíngios, em especial Carlos Magno e Luís o Piedoso, tomaram medidas objetivas em favor dos pauperes: condenou-se a usura (Admonitio Generalis de 789 ), estabeleceu-se preços máximos dos cereais (Synodus Francofurtenses de 794 ), proibiu-se a exportação de alimentos em tempos de escassez (Capitulare missorum in Theodonis villa datum secundum, generale, de 805 ), determinou-se que um especialista em leis os auxiliassem em procedimentos legais (Capitula legibus addenda de 818/819 ), determinou-se o número de assembleias (placita) máximo por ano (Capitulare Aquisgranense de 809 , recuperado no Capitulare pro lege habendum Wormatiense de 829 ), entre outros.

Percebe-se aí uma mudança na postura em relação ao cuidado dos pauperes feito pela realeza: se em 779, data do Capitulare episcoporum, Carlos Magno, face às tribulações contemporâneas, preocupou-se com a distribuição de alimentos e dinheiro a uma quantidade limitada de pauperes famelicos - uma medida que se inscreveria mais numa noção de caritas cristã do que numa proposta “efetiva”, sob parâmetros modernos, de resolução da crise famélica vivida pelo reino -, a partir de 789, data do Admonitio Generalis, viu-se uma realeza empenhada em tomar medidas calcadas na experiência material para contrapor estas crises. Seria uma nova concepção de poder, o qual Jean-Pierre Devroey categorizou segundo a teoria weberiana como wertrational, i. e., uma ação racional pautada por valores morais (DEVROEY, 2016, 349-350). E ela se traduziria em outros elementos dos quais também fez parte o pauper.

É o caso, por exemplo, das sentenças acerca de quem deveria prestar o serviço militar, como visto no Memoratorium de exercitu in Galia praeparando de 807 . Interpretadas tradicionalmente como uma maneira de aliviar a pressão econômica sobre os pauperes, permitindo que se juntassem uns aos outros para cumprir os requisitos do haribannus, estas sentenças podem ser lidas de outra forma: uma maneira de estender a obrigação do serviço militar a um maior número de pessoas, principalmente no contexto de um império crescente e que assumia cada vez mais uma postura defensiva (REUTER, 1990, p. 400). A este fato se contrapõe a simples constatação de que, em trinta anos de Guerras Saxãs (772-804), nunca houve uma medida de seleção como esta. A lógica de poder e administração se transformou, com sinais desse processo já nos anos 790, e acabou se consolidando com a adoção do título imperial pelos carolíngios.

Salientou-se que essa “nova” lógica de poder explicitada nos capitulares também se desdobraria no plano imaterial e que as medidas sobre os pauperes também se incluiriam neste processo. Uma das características do discurso sobre o pauper nos capitulares, como ressaltado em na presente análise, é a repetição de medidas, principalmente aquelas contra a “opressão dos pauperes”. A constatação deste fato foi interpretada por alguns historiadores como a prova da ineficiência da autoridade carolíngia em fazer valer seus atos normativos. Talvez, os critérios de “eficiência” não devam ser os únicos paradigmas interpretativos que se deva utilizar para referir-se a este fenômeno (AIRLIE, 2009, p. 233) - até porque as evidências documentais do período são particularmente limitadas para uma análise satisfatória do cumprimento ou não dos decretos reais .

O problema é que este tipo de interpretação tem como referência o direito moderno e sua estrutura burocrática: sem encontrar correspondência na Alta Idada Média, este período histórico foi categorizado pela historiografia como normativamente ineficaz. Mas é necessário observar que estas diferenças em relação à repetição ou não de medidas normativas não são fruto necessariamente da fraqueza das autoridades governantes ou do atraso destas sociedades, mas talvez do próprio papel da norma entre elas.

Num trabalho de fôlego, Ildar Garipzanov demonstrou como a linguagem simbólica permeou a autoridade política carolíngia: iconografia, cartulários, moedas, manuscritos litúrgicos serviram à comunicação das ideias de poder da corte (GARIPZANOV, 2008). Dado que esta linguagem variava de acordo com as circunstâncias políticas, acredita-se que ela levava em conta o “horizonte de expectativas” da audiência. Foi assim que se passou da fórmula que favorecia uma tradição franca, a mesma das elites, em nomear os monarcas como “rex Francorum” , para uma outra, que reforçava o título imperial, chamando-lhes de “Imperator Augustus” .

Ora, não seria possível pensar que os capitulares também serviriam a esta função? A ideia de que as normas do período alto-medieval possuiriam também uma dimensão simbólica já foi levantada (WORMALD, 1977, p. 136; WORMALD, 1999, p. 50), e faz muito sentido se pensarmos que os decretos escritos pelos governantes carolíngios visavam não só sua aplicação ostensiva por todo o reino, mas representavam uma imagem que os príncipes gostariam de passar de si mesmos. Luís o Piedoso, por exemplo, desejava ser visto como um homem “coroado pelo comando (nutu) divino, governante do Império romano e o mais sereno Augusto” .

Assim, ao se colocarem como defensores das igrejas, viúvas, órfãos e pauperes nos capitulares, os reis carolíngios demarcaram uma dupla posição: mostrarem-se como governantes cristãos e demarcarem um “espaço” distinto de atuação frente às elites, principalmente laicas.

Isto porque esta relação “especial” com os pauperes promoveria não só uma retórica legitimadora, como também abasteceria as críticas ao comportamento da aristocracia. Uma maneira, talvez, dos reis colocarem em prática seu papel de rector (“governante”, mas também “guia”) tal como explicitado por Carlos Magno no Admonitio generalis: educando a elite governante no exercício correto do poder cristão.

O cuidado reservado aos pauperes teria em conta não somente uma atitude moral, e muito menos limitada ao reino de Carlos Magno (v. NOËL, 2001, p. 53-73), mas estava inserida numa racionalidade política visível em boa parte da autoridade carolíngia ao longo dos séculos VIII e IX, ainda que com maior proeminência a partir dos anos 800. Assim, a proteção dos pauperes se transformou num elemento legitimador do poder dos príncipes, dando um sentido à luta pela salvação do reino, uma vez que ressalta uma estrutura social na qual a autoridade sobre os pauperes se transfiguraria como um símbolo do poder sócio-político.

É difícil mensurar se houve influência da práxis política carolíngia a respeito do pauper na corte bizantina do século X. O contato entre os impérios existiu, muitas vezes de maneira conflituosa como testemunham as primeiras décadas do século IX, mas terminado o governo dos carolíngios no Ocidente em 888, tais contatos são difíceis de traçar. Sabe-se, porém, que do outro lado do canal da Mancha, o rei inglês Æthelstan (m. 939) promulgou, na primeira metade do século X, um ordenamento sobre a caridade. Este texto ‒ que se assemelha bastante aos capitulares carolíngios em forma e função (WORMALD, 1999, p. 30) ‒, determina que os desamparados fossem alimentados pelos magistrados do rei. Se isto não fosse feito, a multa decorrente desta infração, deveria ser distribuída, com o conhecimento do bispo, aos “þearfum”, isto é, aos “pobres”, “mendicantes” ou “necessitados” numa tradução moderna .

Mas é mais provável que tal desenvolvimento tenha como berço a própria cultura cristã, popularizada pela produção literária dos séculos III, IV e V a respeito do tema (FREU, 2007, p. 9). Obviamente, não se quer aqui apagar as particularidades locais no desenvolvimento histórico do fenômeno analisado - isto seria ir na contramão da proposta da “História Global” -, mas, de fato, como se pretedeu demonstrar que mais do que buscar os “verdadeiros” pobres, viu-se que os usos dos termos referentes a eles nos textos normativos bizantinos e carolíngios não foram apenas um testemunho estatístico do empobrecimento seus respectivos reinos ou dos abusos senhoriais perpetrados naquelas sociedades. Mas também resultado dos interesses dos agentes envolvidos na elaboração destes documentos, as cortes bizantina e carolíngia, bem como a transformação das construções normativas neles desenvolvidas (e a proteção dos “pobres” pelo poder real é um exemplo significativo neste sentido) em categorias da prática social. Por isso, vê-se que o tema do “pobre” no período e sociedades aqui estudados de forma comparativa e perspectiva global compreende não só indicadores socioeconômicos ou religiosos, mas trata-se também de uma questão política.

  • Coordenação do Dossiê “Uma História Global antes da Globalização? Circulação e espaços conectados na Idade Média” Marcelo Cândido da Silva
  • 1
    O presente artigo não foi publicado previamente em plataforma de preprint. Todas as fontes e toda a bibliografia empregada são referidas no artigo.
  • 3
    Et quoniam audivimus occasione accepta pro rewadiato banno quosdam plus a pauperibus accepisse, quam bannus levet, hoc a missis nostris diligenter requiri volumus. Et quicumque plus ab eis acceperunt, quam iussimus, cogantur illis restituere, et illos absque ulla excusatione ad praesentiam nostram missi nostri adducant, quatenus per nostram harmiscaram ita castigentur, ne ulterius tali conludio cos delectet opprimere pauperes.” (Monumenta Germaniae Historica [doravante MGH] Leges, Capit. 2, no. 273, c. 21, p. 319).
  • 4
    Recentemente, a revista Past & Present lançou um suplemento em que aborda as diversas questões acerca da “História Global” e/ou “História Conectada” e suas aplicações aos estudos medievais. Estas contribuições podem ser vistas em Past & Present, v. 238, supl. 13, 2018, 441 p.
  • 5
    Este recorte temporal justifica-se em razão: i) da data inicial em que a primeira menção do termo “pauper” é observada num capitular carolíngio; ii) da data da última menção a “pauper” num capitular pré-Tratado de Verdun (843), que justamente é o último capitular sob o reinado de Luís o Piedoso (814-840), embora atribuído a seu filho, Lotário (m. 855). Ainda que existam testemunhos preciosos sobre o tema após esta data - o Edito de Pîtres promulgado por Carlos o Calvo em 864 é um exemplo notável a respeito −, a partição do reino dos francos em suas porções ocidental, central e oriental em 843 teve como efeito um descompasso na produção documental carolíngia. É o caso da Francia Oriental, que sob Luís o Germânico (m. 876), não deixou registro de capitulares − embora alguns autores (ver, entre eles, REUTER, 1991, p. 89) acreditem que isto se deva mais aos problemas de transmissão destes textos do que a não produção deles.
  • 6
    Advinda das edições de Étienne Baluze (BALUZE, 1677), de Alfred Boretius e Victor Krause (BORETIUS & KRAUSE, 1883-1887), além dos estudos especializados de François-Louis Ganshof (GANSHOF, 1957, p. 37-87 e 196-246) e Hubert Mordek (MORDEK, 2000, p. 55-80).
  • 7
    A data do documento, segundo os especialistas nos capitulares, é incerta: Alfred Boretius, seu editor nos MGH, a situa entre os anos 755 e 768 (v. MGH Leges, Capit. 1, no. 17, p. 42), opinião que é seguida por outro grande nome da área, Hubert Mordek (MORDEK, 1995, p. 1081). O editor do documento na seção Epistolae dos MGH, Michael Tangl, data-o do ano de 765, embora não apresente argumentos a favor desta decisão (MGH Epistolae, Epp. sel. 1, no. 118, p. 254).
  • 8
    Sic nobis videtur, ut absque ieiunio unusquisque episcopus in sua parrochia letanias faciat, non cum ieiunio, nisi tantum in laude Dei, qui talem nobis habundantiam dedit; et faciat unusquisque homo sua elemosina et pauperes pascat.” (MGH Leges, Capit. 1, no. 17, p. 42).
  • 9
    Estes números têm por a Elektronischen Monumenta Germaniae Historica (eMGH). A eMGH é um mecanismo de busca online que procura e identifica itens, correspondentes à palavras-chave ou caracteres especificados pelo usuário, num banco de dados composto pelos textos históricos medievais editados na coleção Monumenta Germaniae Historica (MGH). A eMGH foi desenvolvida pelo Centro “Traditio Litterarum Occidentalium” (CTLO), sob direção de Paul Tombeur (Université Catholique de Louvain, em Louvain-la-Neuve, Bélgica), e é mantida pela editora Brepols. Cabe ressaltar, porém, que a eMGH tem por repertório exclusivamente os textos tais como editados nos MGH. Isto quer dizer que as informações levantadas pela crítica documental posteriormente à publicação da coleção no final do século XIX, sejam elas concernentes à precisão da datação de um documento, como no caso do Capitular dos bispos de 779 (cf. MORDEK, 2005, p. 1-52) ou mesmo ao questionamento da autenticidade de outros, caso do “primeiro capitular de Carlos Magno” (cf. LOT, 1924, p. 7-13), não foram incorporadas ao mecanismo de busca.
  • 10
    No caso dos dados paleoclimáticos oferecidos pelo trabalho de McCormick, Dutton e Mayewski, referenciado acima, basicamente se cruza as menções de inverno extremo nos anais carolíngios com as flutuações vulcânicas dadas pelas concentrações de sulfato (SO4) nas geleiras da Groenlândia. Uma vez que a emissão massiva de gases vulcânicos na atmosfera diminui a insolação terrestre, uma queda sensível da temperatura poderia ser experimentada nas regiões próximas após uma erupção. No entanto, a extração de dados paleoclimáticos de uma só localidade (como feita pelos autores) não permite argumentações conclusivas, na medida em que a quantidade relativa de sulfato depositado depende de diversas variáveis, como a proximidade ou não do mar na coleta das amostras, local das erupções, direção dos ventos dominantes entre outras (v. DEVROEY, 2016, p. 311-313).
  • 11
    Entre os trabalhos que se inspiraram nos estudos de Karl Bosl podemos citar: LE JAN, 1968, p. 169-187; MOLLAT, 1978; OEXLE, 1992, p. 131-149; LE JAN, 1995, p. 144-147; DEVROEY, 2006, p. 317; CAMMAROSANO, 2009, p. 323-331.
  • 12
    Cf. SULLIVAN, 2001, p. 71. A ideia de que todos os homens livres eram “homens livres do rei” (Königsfreien), isto é, sujeitos que por estarem instalados nos limites do reino deviam serviços (principalmente militar) ao trono transformando-se numa espécie de arrendatários dependentes da coroa, também parece não se sustentar. Ela implica uma uniformidade nesta categoria de sujeitos que não se conseguiu provar. Além dos Königsfreien (pessoas legalmente livres trabalhando as terras do rei e a serviço do rei), existiria toda uma sorte de “homens livres comuns”, também legalmente livres, mas de diversas origens sociais (aqueles vivendo nas propriedades agrárias eclesiásticas, os artesãos, os mercadores ou os camponeses independentes, por exemplo). Sobre este tema, ver GOETZ, 1995, p. 459.
  • 13
    Domino magnifico illo ego enim ille. Dum et omnibus habetur percognitum, qualiter ego minime habeo, unde me pascere vel vestire debeam, ideo petii pietati vestrae, et mihi decrevit voluntas, ut me in vestrum mundoburdum tradere vel commendare deberem; quod ita et feci; eo videlicet modo, ut me tam de victu quam et de vestimento, iuxta quod vobis servire et promereri potuero, adiuvare vel consolare debeas, et dum ego in capud advixero, ingenuili ordine tibi servicium vel obsequium inpendere debeam et de vestra potestate vel mundoburdo tempore vitae meae potestatem non habeam subtrahendi, nisi sub vestra potestate vel defensione diebus vitae meae debeam permanere. Unde convenit, ut, si unus ex nobis de has convenentiis c se emu tare voluerit, solidos tantos pari suo conponat, et ipsa convenentia firma permaneat; unde convenit, ut duas epistolas uno tenore conscriptas ex hoc inter se facere vel ad firmare deberent; quod ita et fecerunt.” (MGH Leges, Formulae Merowingici et Karolini aevi 1, no. 43, p. 158).
  • 14
    Boretius, nos MGH, datou este capitular do ano de 826. Mordek, com base nos manuscritos sobreviventes, sugere que o mesmo seja do ano de 813 (MORDEK, 1995, p. 1089). De fato, o próprio capítulo 2, copiado acima, seria proveniente do Concílio de Arles de 813 (ver MGH Leges, Concilia 2,1, no. 34, c. 23, p. 23). A mesma medida seria recuperada em outro capitular, o Capitula Italica, atribuído a Carlos Magno (MGH Leges,Capit. 1, no. 105, c. 21, p. 220). Este, porém, não pode ser datado, já que sobreviveu apenas em fragmentos (como o Paris BnF lat. 9656 <http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/btv1b9078280f/> e o Wien Österreichische Nationalbibliothek 471 <http://data.onb.ac.at/rec/AL00168449>.
  • 15
    O Capitulare cum episcopis Langobardicis deliberatum é exemplo do uso da palavra “inpotentibus”: “De viduis et orfanis et pauperibus vel omnibus inpotentibus [...]” (MGH Leges, Capit. 1, no. 89, c. 7, p. 189). Para outras ocorrências, ver MGH Leges, Capit. 1, no. 105, c. 21, p. 220; no. 144, c. 1, p. 295.
  • 16
    Et qui sic pauper inventus fuerit qui nec mancipia nec propriam possessionem terrarum habeat, tamen in praecio valente ... solidos, quinque sextum praeparent; [et ubi duo, tercium de illis qui parvulas possessiones de terra habere videntur]. Et unicuique ex ipsis qui in hoste pergunt fiant coniectati solidi quinque a suprascriptis pauperioribus qui nullam possessionem habere videntur in terra.” (MGH Leges, Capit. 1, no. 48, c. 2, p. 134-135). A questão levantada por esta medida é se o valor de cinco sólidos pode ser entendido como uma “linha de pobreza”, isto é, um valor abaixo do qual se classifica um sujeito como pobre, ou a constatação de que os equipamentos e recursos necessários para a prestação do serviço militar convocado pelo imperador custariam ao menos cinco sólidos. Num capitular anterior, de 805, foi estabelecido o seguinte em relação ao haribannus - a contribuição obrigatória para o exército convocado pela autoridade carolíngia devida por aqueles que não serviriam à campanha, ou multa para aqueles convocados para o serviço militar, mas que não atenderam ao chamado (ver INNNES, 2000, p. 154) suporta a primeira interpretação, já Guy Halsall (HALSALL, 2008, p. 55) vê a coexistência de ambas): “De heribanno volumus, ut missi nostri hoc anno fideliter exactare debeant absque ullius personae gratia, blanditia seu terrore secundum iussionem nostram; id est ut de homine habente libras sex in auro, in argento, bruneis, aeramento, pannis integris, caballis, boves, vaccis vel alio peculio, et uxores vel infantes non fiant dispoliati pro hac re de eorum vestimentis, accipiant legittimum heribanmun, id est libras tres. Qui vero non habuerint amplius in suprascripto praecio valente nisi libras tres , solidi triginta ab eo exigantur; qui autem non habuerit amplius nisi duas libras, solidi decem; si vero una habuerit, solidi quinque, ita ut iterum se valeat praeparare ad Dei servitium et nostram utilitatem. Et nostri missi caveant et diligenter inquirant, ne per aliquod malum ingenium subtrahant nostram iustitiam, alteri tradendo aut commendando.” (MGH Leges, Capit. 1, no. 44, c. 19, p. 125). O haribannus de alguém que possuísse 1 libra em ouro, prata, cota metálica (bruneis), louças de bronze ou cobre, peças de pano, cavalos, bois, vacas e outros animais seria de cinco sólidos. Isto permitiria ao “contribuinte” preparar-se novamente para continuar servindo a Deus e à coroa numa nova convocação. Uma libra em posses é a menor unidade de medida especificada no capitular, assim sendo é provável que cinco sólidos seria o investimento mínimo para se equipar um combatente. No Capitulare Aquisgranense (datado entre 802 e 803 segundo Mordek (MORDEK, 1995, p. 1088), é especificado que os condes provessem os homens sob seu comando com uma lança, um escudo, um arco e uma corda reserva bem como doze flechas (MGH Leges, Capit. 1, no. 77, c. 9, p. 171). De acordo com a Lex Rib(p)uaria 40.11, o wergeld, valor de cada ser e propriedade segundo as leis gentílicas, do conjunto escudo e lança estava fixado em 2 sólidos, um cavalo sadio em 7 sólidos, uma espada em 3 sólidos, uma cota metálica em 12 sólidos e um elmo metálico em 6 sólidos (MGH Leges, LL nat. Germ. 3,2, p. 94) - porém se os valores da Lex Rib(p)uaria, originalmente datada do início do século VII, estariam atualizados à época carolíngia é um outro problema; ao menos seus manuscritos sobreviventes datam do período de Carlos Magno (ver RICHÉ, PÉRIN (ed.), 1996, p. 308). É possível, então, imaginar que o valor de cinco sólidos estabelecido no Memoratorium de exercitu praeparando de 807 represente não uma “linha de pobreza”, mas o valor mínimo para se equipar um combatente do exército carolíngio com uma lança, um escudo e uma espada. O que não invalida o argumento de que pauper, nos capitulares carolíngios, também possui um sentido econômico, afinal há um valor monetário atribuído à classificação de alguém como pauper no Memoratorium de exercitu praeparando.
  • 17
    Ceteri vero liberi homines quos vocant bharigildi, volumus ut singuli comites hunc modum teneant: videlicet ut qui tantam substantiae facultatem habent qui per se ire possint, et ad hoc sanitas et viris utiles adprobaverit, vadant; illi vero qui substantiam habent et tamen ipsi ire non valent, adiuvet valentem et minus habentem. Secundi vero ordinis liberis, quis pro paupertate sua per se ire non possunt et tamen ex parte possunt, coniungantur duo vel tres aut quattuor (alii vero si necesse fuerit), qui iuxta considerationem comitis a eunti adiutorium faciant quomodo ire possit; et in hunc modum ordo iste servetur usque ad alios qui pro nimia paupertate neque ipsi ire valent neque adiutorium eunti prestare. A comitibus habeatur ex cusatus post antiqua consuetudo eis fidelium comitibus observanda.” (MGH Leges, Capit. 1, no. 162, c. 3, p. 325).
  • 18
    Sexto, ut diligenter resciatis post ordinationem uniuscuiusque presbyteri, quantum quisque fecerit in suo ministerio: quia qui ante ordinationem pauperes fuerunt, post ordinationem vero de rebus cum quibus debuerant ecclesiis servire emunt sibi alodium et mancipia et caeteras facultates, et neque in sua lectione aliquid profecerunt neque libros congregaverunt aut ea quae pertinent ad cultum ad cultum religionis augmentaverunt, sed semper convitiis et contritionibus et rapina vivunt.” (MGH Leges, Capit. 1, no. 120, c. 6, p. 238).
  • 19
    De pauperibus qui minime solvere possunt.” (MGH Leges, Capit. 1, no. 65, c. 12, p. 154).
  • 20
    Quippe cum usque in id temporis poene pauperes viderentur, tantum auri et argenti in regia repertum, tot spolia pretiosa in proeliis sublata, ut merito credi possit hoc Francos Hunis iuste eripuisse, quod Huni prius aliis gentibus iniuste eripu erunt.” Eginardo, Vita Karoli 13 (MGH Scriptores, SS rer. Germ. 25, p. 16).
  • 21
    Não vamos entrar na querela da existência ou não do “feudalismo” no período carolíngio. O debate Bisson-White-Barthélemy-Reuter-Wickham de meados dos anos 1990 dá conta dos vários aspectos que os argumentos favoráveis ou contrários a esta hipótese podem tomar (ver BISSON, 1994, p. 6-42; BARTHELEMY, WHITE, 1996, p. 196-223; REUTER, WICKHAM, 1997, p. 177-208). O que gostaríamos de chamar a atenção é que pensar o período carolíngio em termos de “continuidade” ou “transformações” a partir de categorias analíticas estrangeiras aos séculos VIII e IX faz com que deixemos de entender as peculiaridades e especificidades deste período em seus próprios termos.
  • 22
    São 4 ocorrências nos MGH Leges, Capit. 1-2 (MGH Leges, Capit. 1, no. 34, c. 12, p. 100; no. 44, c. 16, p. 125; MGH Leges, Capit 2, no. 201, c. 7, p. 61) e 1 na Coleção de Ansegiso (MGH Leges, Capit. N. S., Livro 1, c. 115, p. 500).
  • 23
    A saber: MGH Leges, Capit. 1, no. 34, c. 12, p. 100; no. 44, c. 16, p. 125; no 136, c. 10, p. 272; no. 141, c. 3, p. 289; MGH Leges, Capit. 2, no. 201, c. 7, p. 61; no. 204, c. 7, p. 69; no. 206, c. 4, p. 75; no. 196, p. 47; no. 197, c. 3, 6, p. 54-55; no. 209, p. 80; no. 212, c. 2-3, p. 85; no. 242, p. 158; no. 248, p. 180; no. 267, c. 2, p. 292; no. 270, p. 300.
  • 24
    A saber, MGH Leges, Capit. N. S., Livro 1, c. 115, p. 500; Livro 4, c. 44, p. 649.
  • 25
    Embora esta interpretação tenha ganhado fôlego após os escritos de Karl Bosl (BOSL, K. Potens und Pauper, op. cit) e Michel Mollat (MOLLAT, 1978), é possível encontrar argumentos neste sentido já no período anterior à Segunda Guerra Mundial: no caso, explorando a representação dos “pobres” (pauperes) nas obras de Gregório de Tours (m. 594), Sarah MacGonagle apontou a violência generalizada, as contendas entre reis, os abusos dos poderosos e a fome como “dificuldades encontradas pelos pobres” no reino dos francos do século VI (MACGONAGLE, 1936). Ainda que diversos aspectos do período carolíngio (e da Alta Idade Média) tenham sido reavaliados desdes então (políticos, econômicos e a própria violência entre eles), a ideia de que as múltiplas ocorrências da palavra “pauper” nos capitulares e cânones conciliares carolíngios dos séculos VIII e IX fariam referência a esta situação permaneceu, de certa maneira, inquestionada. As obras recentes, ao menos, colocam-na em perspectiva (e. g. DEVROEY, 2016, p. 335-350), ainda que perpetuem em menor ou maior grau a interpretação majoritariamente corrente desde os anos 1960.
  • 26
    De diversis expeditionibus, quas in regno sibi commisso non solum inutiliter, sed etiam noxie sine consilio et utilitate fecit, in quibus nimirum multa et innumerabilia sunt in populo christiano flagitia perpetrata, in homicidiis et periuriis, in sacrilegiis, in adulteriis, in rapinis, in incendiis, sive in ecclesiis Dei, sive in aliis diversis locis factis, in direptionibus et oppressionibus pauperum miserabili et pene apud christianos inaudito patratu: quae omnia ad auctorem, sicut praemissum est, reflectuntur.” (MGH Leges, Capit. 2, no. 197, p. 55).
  • 27
    Sumula de bannis, c. 4. MGH Leges, Capit. 1, no. 110, p. 224.
  • 28
    Por exemplo: “Volumus etiam et expresse praecipimus, quod, si aliquis episcopus vel abbas aut abbatissa vel comes aut vassallus noster obierit, nullus res ecclesiasticas aut facultates diripiat vel comitis aut vassalli nostri aut alicuius defuncti res aut facultates invadere vel usurpare praesumat vel uxoribus defunctorum laicorum ac filiis quamcumque violentiam inferat et nullus ad illorum eleemosynam faciendam eleemosynarios eorum impediat.” (Capitula excerpta in conventu Carisiacense coram populo electa (877), c. 4. MGH Leges, Capit. 2, no. 282, p. 362-363).
  • 29
    Ex 22: 25; Lv 25: 39; Job 24: 4; Sap 2: 10; Is 10: 2; Ez 22: 29; Iac 2: 6.
  • 30
    Em Is 10:1-2 lê-se: “1 Vae, qui condunt leges iniquas et scribentes iniustitiam scribunt, 2 ut opprimant in iudicio pauperes et vim faciant causae humilium populi mei, ut fiant viduae praeda eorum, et pupillos diripiant!” (v. Nova Vulgata 1979. Disponível em: <http://www.vatican.va/archive/bible/nova_vulgata/documents/ nova-vulgata_vt_isaiae_lt.html#10>. Acesso em: 14 ago. 2019). E em Ez 22: 29: “29 Populus terrae calumniabatur calumniam et rapiebat violenter; egenum et pauperem affligebant et advenam opprimebant absque iudicio.” (Nova Vulgata 1979. Disponível em: <http://www.vatican.va/archive/bible/nova_vulgata/documents/ nova-vulgata_vt_isaiae_lt.html#10>. Acesso em: 14 ago. 2019).
  • 31
    MGH Leges, Capit. 2, no. 196, c. 56, p. 47 cita Job 29: 11-17; e MGH Leges, Capit. 2, no. 266, p. 288, cita Is 1: 23 e 3: 14.
  • 32
    O epíteto “piedoso” é geralmente atribuído a Luís por conta de duas obras. A primeira é a Gesta Hludovicum imperatoris (“Os feitos do imperador Luís”, em tradução livre) redigida por Thegan (lat. Theganbertus, m. ca. 850), corepíscopo (chorepiscopus) de Trier por volta dos anos 835. A segunda é a Vita Hludowici imperatoris (“Vida do imperador Luís”) escrita por volta dos anos 840 por Astrônomo, autor anônimo do século IX (Ernst Tremp, seguindo uma tradição dos anos 1940, acredita que “astrônomo” seja Hilduíno [lat. Hilduinus] de Saint-Denis [m. 860] (TREMP, 1991, p. 148); Matthias Tischler, por sua vez, aponta que ele seria Jonas de Orléans (m. 843) (v. TISCHLER, 2001). Em diversas ocasiões, estes autores descrevem Luís como “pius/piissimus imperator” (MGH Scriptores, SS rer. Germ. 64, p. 170, 174, 242, 254, 260, 344, 376, 420, 432, 484, 538). Este fato em conjunto com as diversas reformas monásticas e eclesiásticas propostas por Luís no início de seu reinado levou alguns historiadores a imaginarem-no como um “grande abade” que desejava transformar o império num grande monastério (ver NOBLE, 1976, p. 235-250). As evidências numismáticas, porém, não testemunham o uso prático dos adjetivos empregados por Thegan e Astrônomo: um denário cunhado entre os anos 820-840, por exemplo, tem a inscrição “+ HLVDOVVICVS IMP” (= Hludowicus imperator) no anverso e “+ XPISTIANA RELIGIO” (= Christiana religio) no reverso.
  • 33
    Ao comentar sobre os capitulares, François-Louis Ganshof ressaltou a falta de estrutura racional deste documentos normativos, tomando como exemplo o próprio Capitulare in Theodonis villa datum de 805. O historiador belga comentou que dos 22 capítulos dedicados à seção “geral” (em oposição à seção “eclesiástica”) do texto, quatro deles seria, em realidade, de preocupação dos bispos, entre eles o capítulo 16 sobre a “opressão dos pauperes” mencionado acima (GANSHOF, 1957, p. 75-76). Ora, o que temos demonstrado até aqui, e pretendemos argumentar mais adiante sobre este ponto, aponta justamente um outro entendimento da questão. A preocupação com os pauperes se tornaria sim uma matéria “geral”, com especial atenção do monarca carolíngio.
  • 34
    Ecclesiarum res sacerdotum et pauperum qui se defensare non possunt, a iudicibus publecis usque audientiam per iustitiam defensentur, salva emunitate praecidentium domnorum, quod ecclesiae aut potentum vel cuicumque visi sunt indulsisse pro pace atque disciplina facienda.” (MGH Leges, Capit. 1, no. 9, c. 14, p. 22). Esta é a única menção da palavra “pauper” nos capitulares francos antes do século VIII.
  • 35
    Scire etiam debet, quod causa, quam iuxta ministerium sibi commissum administrat, non hominum, sed Dei causa existit, cui pro ministerio, quod suscepit, in examinis tremendi die rationem redditurus est. Et ideo oportet, ut ipse, qui iudex est iudicum, causam pauperum ad se ingredi faciat et diligenter inquirat, ne forte illi, qui ab eo constituti sunt et vicem eius agere debent in populo, iniuste aut neglegenter pauperes oppressiones pati permittant.” (MGH Leges, Conc. 2,2, no. 50, c. 56, p. 652).
  • 36
    François-Louis Ganshof cunhou a expressão para se referir ao Capitulare missorum de 802 (MGH Leges, Capit. 1, no. 33; ver, por exemplo, GANSHOF, 1965, p. 49). Recentemente, Rosamond McKitterick argumentou que os capitulares pré-800 deveriam ser nomeados como “programáticos”, uma vez que muitos dos tópicos debatidos pelo Capitulare missorum, que ela classifica como “administrativo”, foram levantados por eles, além de serem conhecidos num número maior de manuscritos - o Capitulare missorum sobreviveu numa única (e minguada) cópia (MCKITTERICK, 2008, p. 236-237; 257). A meu ver, é difícil julgar a importância contemporânea de um capitular baseando-se somente no número de manuscritos dele sobreviventes: a tradição manuscrita destes documentos é por demais complexa para tomar os dados estatísticos como uma resposta definitiva a este respeito. Também é importante frisar que um programa vai além de uma lista de medidas: o Karoli Magni capitulare primum (MGH Leges, Capit. 1, no. 19), datado do período anterior a 800, é bastante breve e sequer conta com um preâmbulo explicativo. Na minha opinião, um programa envolveria instruções, unindo diferentes aspectos, pautados por uma orientação ideológica.
  • 37
    A ideia de trazer os bispos ao primeiro plano de governo, promovendo também seus objetivos, no Admonitio Generalis estaria ligada ao fato, segundo Elisabeth Magnou-Nortier, de que o texto deste capitular passou por posteriores manipulações e interpolações para ressaltar este aspecto (MAGNOU-NORTIER, 1992, p. 58-79).
  • 38
    MGH Leges, Capit. 1, no. 22, p. 60.
  • 39
    Relembremos que os 59 capítulos que abrem o Admonitio Generalis são provenientes de uma ou diversas coleções canônicas, entre elas a Dionysio-Hadriana.
  • 40
    A ratificação do Concílio de Çankırı pelo Concílio de Calcedônia em 451, o quarto concílio ecumênico da Igreja Católica depois do Concílio de Niceia em 325, sem dúvida alguma contribuiu para a posteridade de suas atas conciliares (SCHAFF, 2007, p. 89-90).
  • 41
    Esta constatação também adiciona uma outra camada ao entendimento do papel da Coleção de Ansegiso no período. Isto porque no segundo livro da coleção de capitulares de Ansegiso (MGH Leges, Capit. N. S. 1), que concerne à legislação eclesiástica de Luís o Piedoso, encontra-se uma porção de excertos de leis romanas retiradas do Epitoma Juliani, isto é, a compilação das constituições expedidas pelo imperador bizantino Justiniano após a publicação do Codex Justinianus em 829 feita pelo especialista em leis Juliano em meados dos século VI (LIEBS, 1987, p. 220-223 e 264-265). Em 2.29, ao tratar da inalienabilidade dos bens (res) pertencentes por locais “veneráveis”, são mencionadas diversas instituições eclesiásticas voltadas ao auxílio dos desfavorecidos como o xenedochia (abrigo dos estrangeiros), o ptochotropia (abrigo dos pobres), o nosochomia (hospital), o orphanotrophia/brephotrophia (orfanato) e o gerontochomia (asilo) (MGH Leges, Capit. N. S. 1, 2.29, p. 549-550). Ocorre que, à exceção do xenodochia, estas instituições não eram conhecidas no mundo franco do século IX, momento de escrita da Coleção de Ansegiso, levando alguns autores a apontar a falta de correspondência deste conjunto documental com a realidade vivida naquele momento (BOSHOF, 1984, p. 153). De fato, se levarmos em consideração que leis romanas dificilmente aparecem nos capitulares, que este trecho só aparece na Coleção de Ansegiso e que ele não tem nenhuma relação com a prática, é compreensível que se questione a atribuição deste texto a um capitular de Luís o Piedoso. No entanto, isto torna a Coleção de Ansegiso ainda mais peculiar: e se o abade de Fontenelle não realizou somente uma compilação de capitulares, mas estabeleceu um modelo de legislação? Neste sentido, tendo Carlos Magno como anteparo no que se refere à admoestação pela oferta de abrigo aos pauperes e atribuindo uma ação semelhante a Luís o Piedoso, não seria possível ver na seleção feita por Ansegiso um modelo de ação normativa dos reis carolíngios? É difícil provar este ponto, principalmente tendo em conta o reduzido número de evidências e a complexa tradição manuscrita da obra. Mas dado o sucesso do documento, que possui o maior número de cópias do que qualquer texto normativo até o século XII (WORMALD, 1999, p. 52), não nos parece improvável pensar a Coleção de Ansegiso como uma obra ligada à corte: ela difundiu uma mensagem ligada, em menor ou maior grau, ao palácio carolíngio. Assim seria ao menos plausível imaginar que Ansegiso acabou estabelecendo, por meio da sua seleção de capitulares, também um modelo de ação real, um modelo no qual a interdição da opressão dos pauperes e cuidado deles se entende como uma de suas prerrogativas.
  • 42
    Precipimusque ut in omni regno nostro neque divitibus neque pauperibus neque peregrinis nemo hospitium denegare audeat, id est sive peregrinis propter Deum perambulantibus terram sive cuilibet iteranti propter amorem Dei et propter salutem animae suae tectum et focum et aquam illi nemo deneget. Si autem amplius eis ali quid boni facere voluerit, a Deo sibi sciat retributionem optimam, ut ipse dixit: ‘Qui autem susceperit unum parvulum propter me, me suscepit ‘, et alibi: ‘Hospes fui et suscepistis me’.” (MGH Leges, Capit. 1, no. 33, p. 96).
  • 43
    Et ut ipsi missi diligenter perquirere, ubicumque aliquis homo sibi iniustitiam factam ab aliquo reclamasset, sicut Dei omnipotentis gratiam sibi cupiant custodire et fidelitate sibi promissa conservare; ita ut omnino in omnibus ubicumque, sive in sanctis ecclesiis Dei vel etiam pauperibus, pupillis et viduis adque cuncto populo legem pleniter adque iustitia exhiberent secundum voluntatem et timorem Dei.” (MGH Leges, Capit. 1, no. 33, p. 94); “Pauperes, viduae, orphani et peregrini consolationem adque defensionem hab eis habent; ut et nos per eorum bona voluntatem magis premium vitae eternae quam supplicium mereamur.” (MGH Leges, Capit. 1, no. 33, p. 96).
  • 44
    Ut comites et centenarii ad omnem iustitiam faciendum conpellent et iuniores tales in ministeriis suis habeant, in quibus securi confident, qui legem adque iustitiam fideliter observent, pauperes nequaquam oppriment, fures latronesque et homicidas, adulteros, malificos adque incantatores vel auguriatrices omnesque sacrilegos nulla adulatione vel praemium nulloque sub tegimine celare audeat, sed magis prodere, ut emendentur et castigentur secundum legem, ut Deo largiente omnia haec mala a christiano populo auferatur.” (MGH Leges, Capit. 1, no. 33, c. 25, p. 96); “De pauperinis vero qui in sua elymosyna domnus imperator concedit qui pro banno suo solvere debent, ut eos iudices, comites vel missi nostri pro concesso non habeant constringere parte sua.” (MGH Leges, Capit. 1, no. 33, c. 29, p. 96).
  • 45
    Ut episcopi, abbates, comites et potentiores quique, si causam inter se habuerint ac se pacificare noluerint, ad nostram iubeantur venire praesentiam, neque illorum contentio aliubi diiudicetur neque propter hoc pauperum et minus potentium iustitiae remaneant.” (MGH Leges, Capit. 1, no. 80, c. 2, p. 176).
  • 46
    “[...] Gratia unitas imperii a Deo nobis conservati divisione humana scinderetur.” (MGH Leges, Capit. 1, no.136, p. 270). O Ordinatio Imperii é visto por alguns historiadores como o mais importante documento constitucional do século IX, principalmente por sua tentativa de consolidar o processo de herança do título imperial (DUTTON, 2004, p. 199). No entanto, as razões que levaram Luís a se preocupar com a sucessão podem ter sido mais dramáticas do que essa perspectiva “francocêntrica” pode fazer-nos acreditar: segundo os Anais do reino dos francos (doravante ARF) no início de 817, Luís quase morrera em decorrência da queda de um pórtico no palácio de Aachen (ARF a. 817, 1895, p. 146). Passado este evento, o imperador teria visto a necessidade de garantir, enquanto estivesse vivo, a unidade do reino quando da sua sucessão. Carlos Magno também tivera estas preocupação, num capitular conhecido como Divisio regnorum de 806 (MGH Leges, Capit. 1, no. 45), mas as circunstâncias da convocação da reunião em que a matéria foi discutida parecem ter sido bem mais brandas (ARF a. 806, 1895, p. 121).
  • 47
    De viduis et pupillis et pauperibus. Ut quandocumque in mallum ante comitem venerint, primo eorum causa audiatur et definiatur.” (MGH Leges, Capit. 1, no. 139, c.3, p. 281). “De pauperibus et viduis et pupillis iniuste oppressis, ut adiuventur et releventur.” (MGH Leges, Capit. 1, no. 140, c. 3, p. 289).
  • 48
    Adtamen comes ille, si alicuius pauperis aut inpotentis personae causa fuerit, tunc comes ille diligenter, et tamen sine sacramento, per veriores et meliores pagenses inquirat.” (MGH Leges, Capit. 1, no. 144, p. 295).
  • 49
    Ut super mendicos et pauperes magistri constituantur qui de eis magnam curam et providentiam habeant, ut [...] ores et simulatores inter eos se celare non possint.” (MGH Leges, Capit. 1, no. 146, c. 7, p. 298).
  • 50
    Pupillorum et viduarum vero et ceterorum pauperum adiutores ac defensores et sanctae ecclesiae vel servorum illius honoratores iuxta vestram possibilitatem sitis.” (MGH Leges, Capit. 1, no. 150, p. 304).
  • 51
    Comites autem et missi nostri magnum studium habeant, ne forte propter eorum neglegentiam pauperes crucientur et nos taedium propter eorum clamores patiamur, si nostram gratiam habere velint.” (MGH Leges, Capit. 2, no. 192, p. 16).
  • 52
    MGH Leges, Capit. 1, no.169, p. 340. Estas ocorrências também colocam em xeque a tese de que existiu um hiato na legislação para os pauperes entre 819 e 829, creditada ou a uma melhoria das condições sociais deste grupo (CHRISTEL, 1955) ou à ascensão de personagens como Matfrido (lat. Matfridus, m. 836) e Hugo de Tours (m. 837), ambos grandes proprietários, à posição de conselheiros de Luís (SCHMITZ, 1990, p. 433; Sobre Matfrido ver DEPREUX, 1997, p. 329-331; sobre Hugo de Tours, ver idem, ibidem, p. 262-264). Como se viu, não somente os pauperes continuaram sendo objeto de medidas normativas quanto as próprias medidas sobre eles não correspondiam às agendas de outros personagens que não os interesses do imperador.
  • 53
    Omnibus. Item in eodem concilio seu in decretis papae Leonis necnon et in canonibus quae dicuntur apostolorurn, sicut et in lege ipse Dominus praecepit, omnino omnibus interdictum est ad usuram aliquid dare.” (MGH Leges, Capit. 1, no. 22, c. 5, p. 54).
  • 54
    Statuit piissimus domnus noster rex, consentienti sancta synodo, ut nullus homo, sive ecclesiasticus sive laicus sit, ut nunquam carius vendat annonam, sive tempore abundantiae sive tempore caritatis, quam modium publicum et noviter statutum, de modio de avena denario uno, modio ordii denarius duo, modio sigalo denarii tres, modio frumenti denarii quatuor. Si vero in pane vendere voluerit, duodecim panes de frumento, habentes singuli libras duas, pro denario dare debeat, sigalatius quindecim aequo pondere pro denario, ordeaceos viginti similiter pensantes, avenatios viginti quinque similiter pensantes. De vero anona publica domni regis, si venundata fuerit, de avena modius II pro denario, ordeo den .I, sigalo den .II, frumento modius denar .III. Et qui nostrum habet beneficium, diligentissime praevideat, quantum potest Deo donante, ut nullus ex mancipiis ad illum pertinentes beneficium famen moriatur; et quod superest illius familiae necessitatem, hoc libere vendat iure praescripto.” (MGH Leges, Capit. 1, no. 28, c. 4, p. 74).
  • 55
    De hoc si evenerit fames, clades, pestilentia, inaequalitas aeris vel alia qualiscumque tribulation, ut non expectetur edictum nostrum, sed statim depracetur Dei misericordia. Et in praesenti anno de famis inopia, ut suos quisque adiuvet prout potest et suam annonam non nimis care vendat; et ne foris imperium nostrum vendateur aliquid alimoniae.” (MGH Leges, Capit. 1, no. 44, c. 4, p. 122-123).
  • 56
    De viduis et pupillis et pauperibus. Ut quandocumque in mallum ante comitem venerint, primo eorum causa audiatur et definiatur. Et si testes per se ad causas suas quaerendas habere non potuerint vel legem nescierint , comes illos vel illas adiuvet, dando eis talem hominem qui rationem eorum teneat vel pro eis loquatur.” (MGH Leges, Capit. 1, no. 139, c. 3, p. 281).
  • 57
    Ut nullus alius de liberis hominibus ad placitum vel ad mallum venire cogatur, exceptis scabinis et vassis comitum, nisi qui causam suam aut quaerere debet aut respondere.” (MGH Leges, Capit. 1, no. 61, c. 5, p. 148).
  • 58
    De vicariis et centenariis, qui magis propter cupiditatem quam propter iustitiam faciendam saepissime placita tenent et exinde populum nimis adfligunt, ita teneatur, sicut in capitulare domni Karoli imperatoris continetur in libro III. capitulo XL: ‘ Ut nullus ad placitum manniatur, nisi qui causam suam quaerit, aut si alter ei quaerere debet, exceptis scabinis septem, qui ad omnia placita adesse debent. ‘Item de eadem re in capitulari nostro libro IV, capitulo LV: ‘ De placitis siquidem, quos liberi homines observare debent, constitutio genitoris nostri penitus observanda atque tenenda est, ut videlicet in anno tria solummodo generalia placita observent, et nullus eos amplius placita observare conpellat, nisi forte quilibet aut accusatus fuerit aut alium accusaverit aut ad testimonium perhibendum vocatus fuerit. Ad cetera vero, quae centenarii tenent, non alius venire iubeatur, nisi qui aut litigat aut iudicat aut testificatur.’ Et quicumque huius constitutionis transgressor a missis nostris inventus fuerit, bannum nostrum persolvat.” (MGH Leges, Capit. 2, no. 193, c. 5, p. 19). O “livro” mencionado no texto é a Coleção de Ansegiso (o capitular de Carlos Magno mencionado está em MGH Leges, Capit. N. S. 1, III.40, p. 590).
  • 59
    Episcopi et abbates atque abbatissae pauperes famelicos quatuor pro isto inter se instituto nutrire debent usque tempore messium; et qui tantum non possunt, iuxta quod possibilitas est, aut tres aut duos aut unum.” (MGH Leges, Capit. 1, no. 21, p. 52).
  • 60
    Valentina Toneatto sugere que este tipo de prática é uma reinterpretação cristã da ideia de largitas, existente no comportamento do poder público romano em relação aos cives (principalmente sob o modelo de distribuição de alimentos) e do patrono em relação a seus clientes (TONEATTO, 2012, p. 139, 144-146, 155-181). Uma ilustração típica desse comportamento seria dada pela atuação dos bispos, simultaneamente uma figura eclesiástica e pública, desde o século IV ao promover a distribuição de alimentos e vestimentas aos matricularii, pobres matriculados nas listas das igrejas. Sobre os matricularii, ver ROUCHE, 1974, p. 83-110.
  • 61
    MGH Leges, Capit. 1, no. 48, c. 2, p. 134-135.
  • 62
    Nesse ponto, o dossiê documental bizantino se destaca, uma vez que também é composto de respostas às indagações feitas à corte na aplicação das medidas normativas promulgadas por ela.
  • 63
    Pode-se ler nas moedas de prata (denarii) datadas entre os anos 790 e 813 a inscrição “Karolus rex Francorum”, por exemplo (GARIPZANOV, 2008, p. 208-216).
  • 64
    Fenômeno também visível tanto nos denários de Carlos Magno quanto, e principalmente, nos de Luís o Piedoso (ver GARIPZANOV, 2008, p. 208-216, ver também DAVIS, 2014, p. 19-27).
  • 65
    “[...] Hludowicus divino nutu coronatus, Romanum regens imperium, serenissimus augustus” [...] (MGH Leges, Capit. 1, no. 134, p. 267).
  • 66
    Karolus gratia Dei eiusque misericordia donante rex et rector regni Francorum et devotus sanctae ecclesiae defensor humilisque adiutor [...]”. (MGH Leges, Capit. 1, no. 22, p. 53).
  • 67
    Ver a palavra “þearfa” no Old English to Modern English Translator. Disponível em: <http://www.oldenglishtranslator.co.uk>. Acessado dia 09 de ago. 2019.

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Editado por

Editores Responsáveis Júlio Pimentel Pinto e Flavio de Campos

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    19 Ago 2019
  • Aceito
    18 Fev 2020
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