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A CABEÇA BRANCA DA HIDRA, E SEUS PÂNTANOS: SUBSÍDIOS PARA NOVAS PESQUISAS SOBRE COMUNIDADES INDÍGENAS, QUILOMBOLAS E CAMPONESAS NA AMAZÔNIA MARANHENSE

THE WHITE HEAD OF THE HYDRA, AND ITS SWAMPS: SUBSIDIES FOR NEW RESEARCHES ON INDIGENOUS, QUILOMBOLA AND PEASANT COMMUNITIES IN THE MARANHÃO AMAZON

Resumo

Em 2013, os Gamela, até então considerados extintos, iniciaram várias manifestações para pressionar o Estado brasileiro a reconhecer sua identidade indígena e, assim, assumir a responsabilidade de proteger seus território e direitos específicos. Vários aspectos da história, da etnohistória e do processo de etnogênese dos Gamela abordados neste artigo ensejam reflexões significativas e ainda atuais sobre as relações interraciais e interétnicas na Amazônia, mais especialmente sobre as alianças e conflitos envolvendo comunidades quilombolas, indígenas e camponesas. Apresento, aqui, informações colhidas em projetos de extensão e pesquisa que atualizam e trazem novos subsídios a referências disponíveis a respeito.

Palavras-chave:
Gamela; quilombola; Ka’apor; relações interétnicas; Maranhão

Abstract

In 2013, the Gamela, until then considered extinct, began several manifestations to press the Brazilian State to recognize its indigenous identity and, thus, to assume the responsibility to protect their territory and specific rights. Several aspects of the history, ethnohistory and ethnogenesis of the Gamela discussed in this article provide significant and still current reflections on interracial and interethnic relations in Amazonia, especially on alliances and conflicts involving quilombola, indigenous and peasant communities. Here I present information gathered in extension and research projects that update and bring new subsidies to some of the available references about.

Keywords:
Gamela; quilombola; Ka’apor; interethnic relations; Maranhão

Introdução: de “camponês” a Gamela

Em 2013, no município de Viana, estado do Maranhão, os indígenas Gamela (considerados “extintos” até então pelo órgão indigenista oficial e pelo senso comum, mesmo entre indigenistas e antropólogos) iniciaram uma mobilização pelo reconhecimento de sua identidade e território e, em 2 de agosto de 2014, realizaram sua Assembleia de Autodeclaração.

Reivindicando atuação da Fundação Nacional do Índio (Funai) para seu reconhecimento oficial como povo indígena, diante da lentidão desta fundação na tomada desta providência e na desintrusão de seu território,1 1 Território demarcado em cerca de 14.000 hectares que, como veremos adiante, lhes fora inicialmente destinado como “sesmaria” pela Coroa portuguesa em 1759, tendo sido sucessivamente referendado, em seu nome, por disposições judiciais do 1º Império, até ser alvo de fraude cartorial, perpetrada entre 1968 e 1969, que deu início a seu esbulho por também fraudulentos processos de loteamento e venda de lotes a terceiros. os Gamela promoveram, entre 2015 e 2016, a reocupação de três fazendas e de um sítio, nele ilegalmente instalados, às margens da rodovia MA-014 e do rio Piraí, entre os municípios de Viana, Matinha e Penalva. As “retomadas” - como são chamadas pelos Gamela - dessas fazendas levaram seus alegados proprietários a, além de tentar aterrorizá-los (com incursões intimidatórias de pistoleiros disfarçados de policiais e incêndios de casas e roças), ingressar com ações de reintegração de posse junto ao Poder Judiciário, ora em tramitação (já tiveram seus pedidos de liminar negados, tendo sido as ações remetidas à Justiça Federal). Em 30 de abril de 2017, durante a retomada de mais uma fazenda pelos Gamela, populares de Viana, incitados e armados por políticos regionais e fazendeiros locais, empreenderam um ataque, no povoado Bahia, que resultou em 20 feridos e teve grande repercussão nacional.

A violência, o esbulho e a grilagem, que marcam profundamente o tecido social e a estrutura fundiária da Amazônia contemporânea,2 2 Cf. CONCEIÇÃO, Manoel da. Essa terra é nossa: depoimento sobre a vida e a luta de camponeses no Estado do Maranhão. Entrevista e edição de Ana Maria Galano. Petrópolis: Vozes, 1980. ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Getat: segurança nacional e o revigoramento do poder regional. In: Idem. Transformações econômicas e sociais no campo maranhense. Rio de Janeiro: CPT-MA, 1980; ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Conflitos e mediação - os antagonismos sociais na Amazônia segundo os movimentos camponeses. Tese de doutorado, UFRJ, Rio de Janeiro, mimeo, 1993; Idem. Carajás: A guerra dos mapas. Belém: Falangola, 1994. ASSELIN, Victor. Grilagem, violência e corrupção nas terras de Carajás. Petrópolis: Vozes, 1982. ARCANGELI, Alberto. O mito da terra: uma análise da colonização da pré-Amazônia maranhense. São Luís: Edufma, 1987. TROVÃO, José Ribamar Lopes. “Ilha” latifundiária na Amazônia maranhense. São Luís: Edufma, 1989. KOWARICK, Marcos. Amazônia-Carajás na trilha do saque: os grandes projetos amazônicos. São Paulo: Editora Anita Garibaldi, 1995. nos desafiam a inverter o sentido com que seus agentes se apropriam das teses que afirmam a “aculturação”, o “acaboclamento” e/ou o “acamponesamento” de povos e grupos indígenas, para argumentar que seus descendentes não poderiam mais ser considerados indígenas e, portanto, não seriam mais sujeitos de direito a seu território, com o objetivo inverso: o de lhes reconhecer e enfatizar, a esses grupos e populações ditas “caboclas” ou “camponesas”, suas inconfundíveis ascendências indígenas e/ou africanas, e seus correspondentes direitos, portanto, a territórios protegidos e a implementação de medidas protetivas e reparatórias (por parte do Estado brasileiro, cujo processo de formação violentou, escravizou e expropriou seus antepassados) que lhes permitam sua “reprodução física e cultural” (conforme artigo 231 da Constituição em vigor) e seu “bem viver” (palavra de ordem de alguns movimentos populares na região).

O caso dos Gamela, assim como os de vários outros povos e grupos indígenas ditos “mestiços”, “desaldeados”, “urbanizados”, e as etnias indígenas ditas “reemergentes” ou “ressurgentes”, como afirmávamos em 2003,3 3 VARGA, István van Deursen. Dos medicamentos aos índios “genéricos”: os campos da política indigenista e de saúde para os povos indígenas no Brasil frente ao Censo Demográfico de 2000. Revista de Direito Sanitário, vol. 4, 2003, p. 38. impõem uma rediscussão sobre as próprias categorias “índio” e “indígena” e os critérios de “indianidade”, sobre suas aplicações e, consequentemente, sobre as políticas indigenistas do governo e de ONGs, assim como sobre seus respectivos estatutos, campos de ação e responsabilidades sociais.

Os “Gamela”

Gamela era o modo como os luso-brasílicos se referiam, genérica e pejorativamente no início do século XVIII, a alguns dos grupos indígenas (Acroá, Gueguê e Timbira)4 4 MOTT, Luís Roberto de Barros. Piauí colonial; população, economia e sociedade. Teresina: Projeto Petrônio Portela, 1985. que vagavam pelas bacias dos rios Gurguéia e Gilbués (em terras que posteriormente seriam regionalizadas pela Coroa portuguesa como capitania colonial do Piauí) no chamado Sertão de Rodelas. Esta área era uma imensidão ainda “a desbravar” pelos projetos coloniais do então estado do Brasil que se estendia a oeste da frente pecuarista, a qual, expandindo-se a partir do Recôncavo Baiano, já atingira o vale do rio São Francisco, a cujo montante de uma sequência de três curvas fechadas se localizava o povoado (hoje sede de município) de Rodelas. Esta categoria de heteroclassificação, Gamela, deve-se ao uso entre esses grupos indígenas de disco de madeira em lábio inferior.

Esses grupos teriam atravessado o rio Parnaíba em meados do século XVIII e adentrado o que corresponde ao território do atual estado do Maranhão, em fuga das tentativas jesuíticas para sua “redução” - às concessões territoriais que a eles pretendiam destinar -, seguidas pela repressão da grande rebelião indígena de 1713 que, iniciada no Ceará, rapidamente alastrou-se pelo Piauí.5 5 CARVALHO, João Renôr Ferreira de. Resistência indígena no Piauí colonial. Imperatriz: Ética, 2005. As sucessivas crises e abandonos dos aldeamentos jesuíticos até a expulsão final dos missionários da Companhia de Jesus no período pombalino arrefeceram a presença de luso-brasílicos e dos agentes do Estado colonial no alto e médio vale do Pindaré, facilitando a ocupação da região pelos grupos Gamela e Timbira.

Além de resistentes, fortes e aguerridos, os Gamela ganharam, entre a população regional e os gestores do Estado colonial e imperial nos séculos XVIII e XIX, a reputação de serem especialmente perigosos por sua tendência a abrigar escravos fugidos e se aliar a comunidades quilombolas.6 6 Idem. Os sucessivos conflitos com as frentes de expansão que os atingiram a partir de então resultaram na separação desses grupos Gamela em dois subgrupos: um concentrado nas matas de Codó, outro nos arredores do lago Capivari, na vila de Viana (em região localizada entre os atuais municípios de Viana, Matinha e Penalva), a cujo processo de “ressurgência”, a partir de 2013, me refiro no presente trabalho.

A “pacificação” (derrota e dominação militar) e “redução” dos Gamela, assim como a dos Caicaí e dos Guanaré em 1693 e dos regionalmente denominados Barbados em 1727 (liberando sucessivamente à frente pecuarista em expansão os vales do Parnaíba, do Itapecuru e do Mearim) era, já de longo tempo, meta da Coroa portuguesa e do governo do Maranhão-Grão Pará. A partir da década de 1730, “pacificados” os Barbados, os Gamela e os Timbira passaram a representar a grande ameaça às fazendas do vale do Mearim, considerada, então, a região mais fértil do Estado.

Vítimas de uma expedição militar, os Gamela de Codó foram derrotados, escravizados e dispersos em 1856, ano que, para Curt Unckel Nimuendaju,7 7 NIMUENDAJU, Curt Unckel. The Gamella Indians. Primitive Man, vol. 10, n. 3-4, Washington, 1937, p. 65. marcaria sua extinção enquanto grupo indígena. Para os Gamela de Viana, o projeto de redução (já nos moldes da administração pombalina) se materializou com a “Carta Regia de Sesmaria e por mercê de sua Majestade”, de 30 de outubro de 1759, concedendo-lhes território de cerca de 14.000 ha fixo e demarcado nas proximidades da vila de Viana. Apesar do inconformismo dos Gamela com essa restrição territorial e com as regras, interlocutores, atores e práticas que a sociedade envolvente lhes impunha (o que motivou seus ataques às fazendas nos arredores da vila em 1810, 1818, 1819 e 1820), esta sesmaria foi sucessivamente referendada em seu nome por disposições judiciais do 1º Império.8 8 NIMUENDAJU, op. cit., p. 63.

De “Gamela” a “caboclo”

Como consequência de médio e longo prazo da guinada da política colonial portuguesa em relação à população indígena, em meados do século XVIII, em decorrência da administração pombalina, seguiram-se quase dois séculos de incentivo oficial à miscigenação e à integração das comunidades e aldeamentos indígenas à sociedade e economias regionais, processo que engendrou e reificou, portanto, essa nova categoria social/racial no cenário amazônico: os “caboclos”.

Ao longo dos séculos XVIII e XIX, “caboclo” (palavra originária do Nheengatu do Norte9 9 O Nheengatu ou língua geral foi a língua construída pelos jesuítas, com base no Tupi, como língua do comércio e das relações cotidianas tanto no então estado do Brasil como no do então Maranhão-Grão Pará. Em função de diferenças na composição étnica dos grupos indígenas Tupi com que missionários, prepostos da Coroa portuguesa e colonos se relacionaram, nestes dois estados coloniais, o Nheengatu falado nas capitanias/estados/províncias do “Norte” (Maranhão-Grão Pará) era um pouco distinto do falado nas do “Sul” (Brasil) e no Paraguai. Cf. EDELWEISS, Frederico G. Estudos Tupis e Tupi-Guaranis - confontos e revisões. Rio de Janeiro: Livraria Brasiliana Editora, 1969. incorporada à língua portuguesa) terminou por se constituir em categoria da classificação luso-brasileira dos grupos indígenas da Amazônia. Em Nheengatu, eram genericamente denominados “Ca’aboco” (retirados das matas) - na condição oposta aos “Ca’apor”10 10 Povo indígena tido como irredutível, selvagem e canibal (o último a ser considerado “pacificado” na região em 1928). (moradores das matas) - os indígenas considerados já “pacificados” e integrados subalternamente à economia agrícola/extrativista local.

É o caso dos Gamela, que chegaram a ser considerados oficialmente extintos como povo indígena até muito recentemente, não só pelas instituições indigenistas oficiais (o Serviço de Proteção aos Índios - SPI e sua sucedânea, a Fundação Nacional do Índio - Funai), como por indigenistas e antropólogos que, alegando sua intensa miscigenação, não mais os distinguiam da população regional, identificando seus descendentes ora como caboclos, neobrasileiros, mestiços ou camponeses.

Os Gamela de Viana como os de Codó também mantiveram convívio pacífico e especialmente intenso com comunidades quilombolas e, tudo indica, formavam parte do grande apoio indígena armado à chamada Insurreição de Escravos em Viana em 1867. Em 10 de julho de 1867, os insurretos, que haviam ocupado a fazenda Santa Bárbara, enviaram a seguinte carta às autoridades de Viana:


Destaco e transcrevo os seguintes trechos, da carta acima:

Ilmos. Senhores Delegado e Commandante do Destacamento de Vianna

Santa Barbara, 10 de julho de 1867

Comunico a Vªs. Sªs. que nos ac[h]amos em campo atratar da Liberdade dos Ctivos, P. amtº que esperamos P. ella, e como o noço desejo é par contodos e não fazer mal aninguem esperamos P. ella em Santo Ignacio e quando não apareça athe o dia 15 do meis vindouro não teremos remédio senão lançar-mos mão nas armas e la hirmos, podendo Vªs. Sªs. contarem que temos 1000 armas de fogo e contamos com todos os arcos dos Caboclos gentios em noça defesa e da liberdade (...). Somos de Vªs. Sªs.

Daniel Antº de Araujo

João Antonio de Araujo.11 11 Os trechos aqui citados não foram copiados da transcrição feita pela autora. Cf. ARAÚJO, Mundinha, Insurreição de escravos em Viana..., op. cit., 2014, p. 46, mas foram transcritos diretamente da fotocópia do mesmo documento, anexa a sua p. 47; a transcrição da autora à página anterior não atenta para, nem registra ou comenta o detalhe - interessante, para nós - da palavra “Caboclos”, claramente manuscrita, depois riscada e substituída por “gentios” pelos autores do documento original (que o teriam ditado ao administrador da fazenda Santa Bárbara, feito refém).

Note-se, no trecho acima, que a palavra “Caboclos” constava do manuscrito original e, na sequência de sua redação, foi riscada e substituída por “gentios”, registrando a correção, pelos próprios autores, de seu primeiro impulso em designar os indígenas já “pacificados” na região, o que reforça ainda mais a hipótese de que se tratava dos Gamela, que os apoiavam. Riscaram-na depois e, provavelmente para obter uma redação que ressaltasse sua valentia e ferocidade e incutir maior temor em seus interlocutores, substituíram-na por “gentios”.

Em contraste com essa indicação imprecisa na carta dos quilombolas sobre a identidade dos grupos indígenas que os apoiavam, a representação enviada pela Câmara Municipal de Pinheiro ao presidente da província, em 15 de julho de 1867, foi bem precisa e objetiva a respeito, conforme se depreende do trecho a seguir:

Este município (...) jamais supôs que tão de próximo podesse temer a invazão de malfeitores, em que soem ser convertidos os escravos, quando desenfreados abandonão os lares de seus senhores, e o que hé mais que este mal fosse ainda agravado pelo receio de igual invazão por parte dos índios Gamelas, que demorando no lugar Cabeça Branca deste município, além das trepolias que cometem quase diariamente nas proximidades da sua residencia, ameação a cada momento invadir esta Villa.12 12 Arquivo Público do Estado do Maranhão. Representação da Câmara Municipal de Pinheiro ao ilmº. e exmº. sr. dr. Franklin Américo de Menezes Doria, presidente da província, em 15 de julho de 1867. Doc. avulso. Citado em ARAÚJO, Mundinha. Insurreição de escravos em Viana, op. cit., 2014, p. 59-60.

As pesquisas que vimos desenvolvendo indicam que este “lugar Cabeça Branca” acima mencionado foi efetivamente de grande importância estratégica e simbólica na construção da aliança que se estabeleceu entre grupos e comunidades quilombolas, Gamela e Ka’apor na região, como veremos adiante. No século seguinte, em visita que realizou em março de 1936, Curt Unckel Nimuendaju, então a mando do Serviço de Proteção aos Índios (SPI), teceu os seguintes comentários a este respeito:

...desembarcamos em Ponta do Armazem, o outrora assentamento de Julião, o último chefe Gamella. Os mestiços sobreviventes, que se consideram como descendentes dos antigos Gamella, vivem uma légua mais para oeste-noroeste em território de matas, pelas nascentes do riacho Gemedor, que deságua no Lago Capivari do oeste. Na manhã seguinte eu cheguei lá e fui hospitaleiramente recebido na tapera espaçosa da velha Maria Cafuza. Sua avó ainda tinha sido uma Gamella pura, e Maria é geralmente apontada como a melhor guardiã da tradição Gamella hoje. Fiquei aqui durante seis dias, na esperança de descobrir algo sobre a cultura e, acima de tudo, sobre a fala dos velhos Gamella, mas os resultados mostraram-se, lamentavelmente, escassos.

Algumas trinta a quarenta pessoas (...) preservam a tradição da descendência, na quarta geração, desta ou daquela mulher Gamella (...) o cruzamento ocorreu quase exclusivamente com os Afro-Brasileiros (...) consequentemente, os traços indígenas desses mestiços foram tão completamente mascarados por características negras que dificilmente alguém inferiria ascendência indígena em sua aparência.

Estas pessoas falavam o habitual português da população neo-brasileira rural da região. Sua cultura material não revelou uma única característica distinguindo-os dos vizinhos não-relacionados com os Gamella. Seu caráter e aspecto de sábio nada preservam de sua herança indígena.13 13 NIMUENDAJU, Curt Unckel, The Gamela Indians..., op. cit., 1937, p. 66-67 (tradução minha).

O texto acima expressa uma das contradições ideológicas mais flagrantes do SPI de então: embora orientando-se à época por um projeto oficialmente assimilacionista para os indígenas (dando continuidade à política dos Estados colonial e imperial sobre essas populações desde o Diretório pombalino), prepostos e agentes a serviço do SPI - como também frequentemente ocorre com os de sua sucedânea, a Funai, ainda hoje - instrumentalizavam-se de critérios francamente segregacionistas (o isolamento e a “pureza” genética, fenotípica e/ou cultural, como no texto acima) para reconhecerem-nos como objetos de serviços da instituição, como que buscando eximir-se de responsabilidades em relação aos grupos que não preenchessem plenamente estes critérios; admissão tácita, portanto, de que o SPI atuava transformando índios em não-índios, com o objetivo final de desincumbir-se deles.

“Caboclo” e “descendente de índio” foram as categorias de autoidentificação que Maristela de Paula Andrade14 14 ANDRADE, Maristela de Paula. Terra de índio - terras de uso comum e resistência camponesa. Tese de doutorado, Departamento de Antropologia Social, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 1990. encontrou, mais de cinquenta anos após Curt Unckel Nimuendaju, entre os habitantes da “Terra de Índio” (que atualmente se reivindicam Gamela) em Viana, na pesquisa de doutorado que desenvolveu na região ao longo da década de 1980.

Segundo Luís da Câmara Cascudo,15 15 CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. Brasília: Instituto Nacional do Livro/Ministério da Educação e Cultura, 1972, p. 192. a palavra “caboclo” proviria do Tupi e se comporia de caa (mato, monte, selva) e boc (retirado, provindo, oriundo). Este autor lembra que a palavra “foi vocábulo injurioso e El-Rei D. José de Portugal, pelo alvará de 4 de abril de 1755, mandava expulsar das vilas os que chamassem aos filhos indígenas de caboclos”.

Já em Clóvis Chiaradia,16 16 CHIARADIA, Clóvis. Dicionário de palavras brasileiras de origem indígena. São Paulo: Limiar, 2008. encontramos outras variações bastante significativas para sua etimologia: “...b) do T. G. caá - mato boco = (m)bocó - fazer roça; o que faz roça, cultiva o mato; c) do T. G. capo(r) = caapo(r) - morador do mato; bocó = (m)bocó - o mateiro que faz roça”.17 17 Idem, p. 128. Interessante notar, nessas variações, a referência a um ator social que transforma o mato em roça e, ao mesmo tempo, promove e é resultante da transição do ambiente da selva e da condição de “selvagem” errante - e, por isso, ameaçador para os projetos coloniais - para a de “fazedor de roça”, “pacificado” e “reduzido” ao ambiente da produtividade agrícola integrada à economia regional. Utilizada inicialmente, portanto, como categoria de heteroclassificação, da mesma maneira que as demais categorias de cor e raça, a palavra caboclo (assim como a palavra gamela) terminou sendo incorporada pela própria população por ela designada.

Uma das expressões mais bem-humoradas que conheço deste sentimento e desta prática está no depoimento abaixo, colhido por mim18 18 VARGA, István van Deursen. Pelas fronteiras e trincheiras do indigenismo e do sanitarismo - a atenção às DSTs em comunidades indígenas no contexto das políticas e práticas indigenistas e de saúde, na pré-Amazônia. Tese de doutorado, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, 2002. em fins da década de 1990, em trabalho de campo para pesquisa de doutorado em Buriticupu (município também localizado na Amazônia maranhense), entre os que chegaram à região nas primeiras levas de trabalhadores rurais envolvidos (os “pioneiros”) pelo Projeto de Colonização Agrícola de Buriticupu. Note-se a oposição da condição de “caboclo” (à qual o depoente preferia à designação de “trabalhador rural”) e “bravo” (qualificativo utilizado, ainda hoje, na referência a grupos indígenas rebeldes e “arredios”), à do “doutor”, “saído da faculdade”:

(...) Nós chegamo aquela caboclada, desinformada (...) Hoje a gente já, mais ou menos, a gente já... já se educou, politicamente, a gente já... já... Mas quando nós chegamos, o rapaz que antecedeu a mim falou... que os doutor era os bom... E que eu sou uma pessoa bravo... eu sou uma pessoa de... bravo!... E quando é a primeira reunião, foi dado por uma senhora, nunca me esqueci do nome dela, uma moça nova, Dra. S., parece que tinha saído da faculdade e... botaram ela pra cá pra lutar com os caboclo, com nós, os caboclo, que tinha vindo pra Buriticupu, os colonos. Na primeira reunião, R., tu que me antecedeu, eu já não gostei nada: ela chamou a gente de caboclo... caboclo... caboclo!... E repetiu caboclo!... Que caboclo não gosta de ser chamado de caboclo, viu?... [risadas dos demais “pioneiros” presentes] Chamasse de homem do campo (...) trabalhador rural!...19 19 Idem, p. 27.

Este depoimento me leva a aventar que talvez a resistência de Maristela de Paula Andrade20 20 ANDRADE, Maristela de Paula. Terra de índio..., 1990, op. cit. em adotar as autoidentificações “caboclo” e “descendente de índio” dos próprios entrevistados em sua pesquisa de doutorado (optando por designá-los por “camponeses”)21 21 Opção não explicada pela autora em sua acima referida tese. devia-se à conotação ainda predominantemente pejorativa à época da palavra caboclo.

É forçoso notar, entretanto, que, em conexão e ao mesmo tempo em contraste com o que se passa no universo dessas relações socioeconômicas e inter-raciais gestadas pelo Estado, no universo das religiões afro-brasileiras gestadas pelos Orixás, “Encantados” e seus mediadores, muito ao contrário, os (Encantados) denominados Caboclos ocupam posições e desempenham papéis de grande importância nos rituais e na vida dos terreiros de diversas religiões, a eles geralmente sendo atribuídos grandes poderes de cura, tanto maior quanto menos “civilizado” se mostrar o Caboclo.22 22 BOYER, Véronique. O pajé e o caboclo: de homem a entidade. Mana, vol. 5, n. 1, Rio de Janeiro, 1999, p. 30. Assim, talvez este expresse os sentimentos de identidade na rebeldia, de solidariedade e mesmo gratidão da parte da população negra pelo precioso abrigo que pôde encontrar entre grupos indígenas em vários momentos das histórias de suas fugas e rebeliões.

Como registrou fartamente Maristela de Paula Andrade,23 23 ANDRADE, Maristela de Paula. Terra de índio..., 1990, op. cit. os Ka’apor, último dos grupos indígenas na região a ser oficialmente considerado “pacificado” em 1928, ocupavam, à época de sua pesquisa (e ainda ocupam em nossos dias), no imaginário da população acerca do campo das relações sociais, inter-raciais e interétnicas na região - e na ideologia de sua gestão pelo Estado -, a condição oposta à dos civilizados, habitantes das cidades, materializando a ideia do indígena selvagem e irredutível que, ainda em fins do século XIX, aterrorizava a região entre o rio Gurupi e o lago de Viana.24 24 Idem, p. 114.

Proponho aqui que, não só no imaginário, mas na prática concreta da operacionalização dessa rede de relações e alianças interétnicas e inter-raciais, os Gamela estariam em algum lugar a meio-termo entre estes dois polos (civilizados-Ka’apor) em posição que lhes facultaria ser o elo promotor também da aliança entre quilombolas e Ka’apor, de modo que Daniel e João Antônio de Araújo não estariam exatamente blefando (como se poderia aventar) ao referir-se a “todos os arcos dos gentios” na região, em seu ultimato de 1867. Tratava-se, efetivamente, dos Gamela e também de grupos Ka’apor. A estreita aliança que aquelas comunidades quilombolas construíram com os Gamela já havia, àquele momento, possibilitado a elas estabelecer paz e mesmo aliança com grupos Ka’apor, que estariam igualmente de prontidão para um ataque conjunto a Viana em 10 de julho de 1867.

Os Ka’apor

Os chamados Urubu-Ka’apor (autodenominados Ka’apor: “moradores da mata”)25 25 CHIARADIA, Clóvis. Dicionário de palavras brasileiras de origem indígena, op. cit., 2008, p. 683. descendem do que teria sido, até o início do século XVI, um complexo mais homogêneo de grupos Tupi, habitantes da região do baixo rio Amazonas. Os sucessivos massacres e as epidemias que marcam a história das campanhas portuguesas e brasileiras de conquista da Amazônia teriam causado sua grande redução populacional, com casos de extinção de grupos inteiros e a dispersão dos sobreviventes ao longo dos séculos seguintes.26 26 GOMES, Mércio Pereira. O povo Guajá e as condições reais para sua sobrevivência. Rio de Janeiro: mimeo, 1989. Habitavam a região do baixo rio Tocantins e médio Moju (atual estado do Pará) quando, em meados do século XIX, buscando terras mais tranquilas e a salvo dos combates da Cabanagem, iniciaram, assim como os Awá, uma migração para o leste,27 27 SALES, Noêmia Pires. Pressão e resistência dos índios Tembé-Tenetehara do alto rio Guamá e a relação com o território. Relatório final de pesquisa, Departamento de Ciências Sociais, Diretoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Extensão, União das Escolas Superiores do Pará, 1993. tendo atravessado o rio Gurupi em 185628 28 RIBEIRO, Darcy. Diários índios: os Urubus-Kaapor. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 216. e ocupado as matas entre este e o vale do Turiaçu. Nesta mesma época, também começava a correr a notícia da descoberta feita pelos quilombolas, que começaram a explorá-las, de minas de ouro na região. Instalando-se inicialmente no topo dos montes e nas cabeceiras dos igarapés, os Ka’apor terminaram disputando território tanto com os Awá (de população muito menor) quanto com grupos Tenetehara29 29 Provenientes do Sudeste, em fuga da frente pecuarista em expansão na região de Grajaú, passariam a ser denominados Tembé/Tenetehara após assentar-se na margem esquerda do rio Gurupi, para diferenciá-los dos Guajajara/Tenetehara que decidiram permanecer na região e cooperar com os criadores de gado, indicando o melhor itinerário para a chamada estrada do Sertão ou estrada da Boiada, destinada a levar o gado produzido no sul, na região de Carolina, até o rio Pindaré (em sua porção navegável), para embarcá-lo para São Luís; entraria em funcionamento em 1863. Cf. SALES, Noêmia Pires. Pressão e resistência dos índios Tembé/Tenetehara..., op. cit.; VARGA, István van Deursen. Resistências e mobilizações populares nos vales do Pindaré e do Turiaçu. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL CARAJÁS 30 ANOS: RESISTÊNCIAS E MOBILIZAÇÕES FRENTE A PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO NA AMAZÔNIA ORIENTAL. Anais. São Luís, Editora da Universidade Federal do Maranhão, 2014, p. 45-82; MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico e geográfico da província do Maranhão. 3ª edição. Rio de Janeiro: Fon-Fon/Seleta, 1970, p. 180. que ocuparam suas margens e cursos médios.

Sempre citado como um dos maiores focos brasileiros de escravatura, sobretudo dos chamados Trato da Alta Guiné e Trato da Costa da Mina30 30 ALENCASTRO, Luís Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 250. no Maranhão, a entrada de escravos africanos dava-se, além do porto de São Luís e das frentes pecuaristas vindas do Leste e Sudeste (da Bahia em direção à vila de Aldeias Altas de Caxias), também pelos portos de Turiaçu e arredores. Estes se constituíram numa das mais importantes regiões de desembarque do tráfico clandestino de escravos,31 31 Contingentes estes não quantificados nas estatísticas publicadas por diversos autores. Cf. Projeto Vida de Negro. Terras de Preto no Maranhão: quebrando o mito do isolamento. São Luís: Centro de Cultura Negra do Maranhão, Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, 2002. perdurando muito ativa mesmo após a Lei Euzébio de Queirós de 1850 que proibira seu tráfico transatlântico. Disso resultou que, nessa região, também se formasse grande número de combativas comunidades quilombolas que terminaram por se encontrar e/ou confrontar com grupos Ka’apor, Timbira e Tenetehara que, à mesma época, buscaram abrigo e perambulavam pelas mesmas matas.32 32 SALES, Noêmia Pires. Pressão e resistência dos índios Tembé-Tenetehara..., op. cit., 1993; GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (séc. XVII-XIX). Tese de doutorado, Departamento de História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, 1997.

Estes encontros frequentemente resultavam em escaramuças, por vezes verdadeiras chacinas, especialmente entre os Ka’apor e grupos quilombolas, estes buscando se (re)agrupar após os ataques das tropas do governo enviadas para destruí-los, aqueles buscando demarcar e desintrusar seu território na região. Os Tenetehara e os Timbira optaram por evitar estes confrontos e atravessaram o Gurupi, fixando-se inicialmente em sua margem esquerda, rapidamente aliando-se e miscigenando-se com as comunidades quilombolas já ali estabelecidas (inclusive em fuga dos ataques Ka’apor), como na de Itamoary.33 33 Idem; ibidem.

Como indicam vários autores34 34 ARAÚJO, Mundinha, Insurreição de escravos em Viana, op. cit., 2014; GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (séc. XVII-XIX), op. cit., 1997; CLEARY, David. A garimpagem de ouro na Amazônia: uma abordagem antropológica. Tradução de Virgínia Rodrigues Malm. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1992; ANDRADE, Maristela de Paula. Terra de índio..., op. cit., 1990; entre outros. e informações por mim colhidas na região, além dos confrontos (especialmente nos anos 1870, após a insurreição de Viana), há indícios de experiências de convívio amistoso e alianças econômicas, militares e familiares entre grupos Tenetehara, Ka’apor e comunidades quilombolas que demandam pesquisas mais aprofundadas. Para Flávio dos Santos Gomes, as comunidades quilombolas foram as grandes articuladoras das alianças e movimentos populares contra as frentes de expansão, constituindo, assim, o por ele designado “campo negro” na região, categoria central de análise em sua pesquisa.35 35 GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (séc. XVII-XIX), op. cit., 1997, p. 266, 270, 271, 276, 297, 299, 345.

De imediato, importa frisar que já seria um erro imaginar totalidades, conjuntos homogêneos e coesos, tanto entre os grupos indígenas como entre os quilombolas, do ponto de vista étnico/racial ou do ponto de vista “político” e “militar” (de suas posições e ações nas redes de alianças e antagonismos com os demais atores sociais na região), como já ressaltou o autor anteriormente citado.36 36 GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (séc. XVII-XIX), op. cit., 1997, p. 423. Diversos autores relatam que Timbira e Gamela foram inimigos, por exemplo, sendo que aqueles (ao contrário dos Gamela) em diversas ocasiões atacaram, capturaram e/ou denunciaram quilombolas em fuga às autoridades. Mesmo entre as próprias famílias e subgrupos Ka’apor havia (como há ainda hoje) diferenças marcantes tanto no que se refere ao histórico de relações inter-raciais e interétnicas (resultando em diferenças fenotípicas importantes entre eles) quanto em suas estratégias em relação às frentes de expansão.

Darcy Ribeiro, por exemplo, referiu-se a dois subgrupos Ka’apor bem distintos e mesmo inimigos entre si: os Urubus brancos e os Urubus negros. Segundo seu informante, os Urubus negros - assim chamados por descenderem de Ka’apor e quilombolas e terem pele mais escura e cabelos encaracolados - sempre hostilizaram os Urubus brancos e seriam os mais aguerridos e que mais reagiam às incursões de invasores em suas terras. Instalados nas margens do Turiaçu, teriam sido autores do ataque e chacina dos homens do quilombo Limoeiro para rapto de suas mulheres; de ataques ao batelão do próprio SPI em 1928 (ano da “pacificação” oficial dos Ka’apor); e, ainda, à época das visitas de Darcy Ribeiro (entre 1949 e 1951), constava que planejavam ataques aos Apinayé e outros grupos indígenas para obter mulheres.37 37 RIBEIRO, Darcy, Diários índios, op. cit., 1996, p. 28.

No que se refere às alianças, além das materializadas em uniões conjugais, nas trocas, no manejo conjunto de roças e pomares e na defesa de São Benedito do Céu, como veremos adiante (e supomos, como Flávio dos Santos Gomes, que possa ter ocorrido em outros quilombos, mas também em comunidades indígenas), foram registrados ataques conjuntos (entre quilombolas e Ka’apor) aos acampamentos da Companhia Maranhense de Mineração, próximos às minas do rio Maracaçumé na década de 1860,38 38 GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (séc. XVII-XIX), op. cit., 1997, p. 289. por exemplo. Num destes ataques, teriam saqueado um depósito de materiais, levando todo um lote de peças de aço.39 39 Idem, p. 294. Vários autores40 40 CLEARY, David. A garimpagem de ouro na Amazônia..., op. cit., 1992; GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (séc. XVII-XIX), op. cit., 1997. ressaltam a técnica do uso de flechas com pontas de metal (inclusive aço) como indicadora da aliança de grupos Ka’apor com quilombolas, já que o uso de metais não era prática conhecida entre os povos Tupi. Em julho de 1867, a fazenda Santa Estela, em Pinheiro, sofreu ataque conjunto de quilombolas e indígenas41 41 GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos..., op. cit., p. 421. que também se supõe terem sido Ka’apor e/ou Gamela.

As informações compiladas por esse autor42 42 Idem, p. 366, 369. parecem indicar um recrudescimento dos conflitos entre grupos Ka’apor e quilombolas a partir da década de 1870 que mereceria investigações mais detalhadas, época em que tanto os prisioneiros da expedição militar contra o quilombo São Sebastião como contra Limoeiro relataram que vinham sendo vítimas de ataques constantes de “gentios” e “índios” (supostamente grupos Timbira e Ka’apor). Na década de 1880, iniciava-se a abertura das primeiras picadas da linha de telégrafo São Luís-Belém (a capital da borracha), cortando as matas do Alto Turiaçu ao norte, o que desencadeou violentas batalhas com os Ka’apor, que evoluíram para uma guerra aberta do governo e das elites regionais contra eles.43 43 SALES, Noêmia Pires. Pressão e resistência dos índios Tembé-Tenetehara..., op. cit., 1993

Para os Ka’apor, as duas primeiras décadas do século XX foram marcadas pela intensificação das escaramuças com vários invasores em trânsito pela região, atraídos pelo ciclo da borracha e pelas notícias sobre o garimpo, e com os trabalhadores da linha de telégrafo. Em 1910, era criado o Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN) vinculado ao Ministério da Agricultura e, já em 1911, iniciavam-se os trabalhos de “pacificação” dos Ka’apor pelo órgão. Em 1918, era criado o posto de vigilância do Serviço de Proteção aos Índios (SPI, sucedâneo do SPILTN) no Turiaçu para impedir os conflitos entre índios e os trabalhadores da linha telegráfica. Segundo Darcy Ribeiro:

Estes se haviam especializado nas chacinas aos Urubu-Kaapor. Um certo João Grande, agente da linha, perseguia atrozmente os índios, organizando expedições contra suas aldeias e espetando as cabeças das vítimas, homens, mulheres e crianças, nos postes telegráficos, como advertência para que os índios não cortassem mais a linha. Os relatórios do S.P.I. da época mencionam ataques atribuídos ora a índios Urubu-Kaapor, ora a Timbira que, provindos do rio Caru, também se infiltraram na área, sem que pudessem ser precisamente identificados uns e outros.

No mesmo ano, os Urubu-Kaapor atacaram o Posto Indígena Gonçalves Dias, do rio Pindaré, que assiste aos índios Guajajara.44 44 RIBEIRO, Darcy. A pacificação dos índios Urubu Kaapor. In: A política indigenista brasileira. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura, 1962, p. 85.

Os Gamela da comunidade hoje denominada Imbiral-Cabeça Branca (localizada no município de Pedro do Rosário/MA), com quem vimos trabalhando há mais de três anos, guardam ainda a memória de alguns desses episódios e relatam que os Ka’apor teriam se afastado daquele local justamente após o assassinato e decapitação de um dos seus em Roque, povoado próximo a Imbiral, em que o assassino teria espetado sua cabeça numa longa vara, fincada no chão em frente à entrada do terreiro em que uma festa dos índios estaria acontecendo.

Recrudesciam, em retaliação, os ataques dos Ka’apor às frentes de expansão em atividade sobre o território que lutavam para se consolidar na região, e a seus agentes e/ou arregimentados: os cearenses e demais imigrantes do semiárido, atraídos pelo governo da província para as chamadas “colônias” instaladas sobre comunidades quilombolas destruídas (caso da colônia Prado, instalada sobre as moradias e roças do quilombo Limoeiro, após ataque das tropas do governo);45 45 GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (séc. XVII-XIX), op. cit., 1997; ARAÚJO, Mundinha. Insurreição de escravos em Viana, op. cit., 2014 as próprias comunidades quilombolas em formação e/ou fuga; os estabelecimentos de comerciantes de produtos de extrativismo das matas, garimpeiros, madeireiros, batelões e canoas em trânsito pelo rio Gurupi; e povoados.

Darcy Ribeiro comenta que os Ka’apor eram ferozes e eficientes nesses ataques e que este fato, assim como seu uso de flechas com pontas de metal, teriam levado a população local a crer que seriam dirigidos por “criminosos evadidos dos presídios do Maranhão, do Pará e mesmo de Caiena e por negros remanescentes de antigos quilombos”.46 46 RIBEIRO, Darcy. A pacificação dos índios Urubu Kaapor, op. cit., 1962, p. 86. Visivelmente, esse autor não valorizou estas informações que qualificou de “boatos” e prosseguiu com mais alguns detalhes:

Era voz corrente, também, que aventureiros de toda ordem, atraídos pelas ricas minas de ouro do Gurupi, incitavam os índios ao saque e eram os maiores interessados em mantê-los aguerridos para servir aos seus propósitos de traficância clandestina do ouro. A explicação servia, principalmente, para justificar as chacinas empreendidas ou tentadas contra os índios.

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Outra lenda, corrente na época, descrevia os Urubu-Kaapor como mestiços de Timbira e negros quilombolas.47 47 RIBEIRO, Darcy. A pacificação dos índios Urubu Kaapor, op. cit., p. 86

Como se vê, em meio àquela guerra de todos contra todos, se já era difícil para os agentes do SPI distinguirem grupos indígenas de aparências e línguas tão diversas (Ka’apor e Timbira), considerem-se as dificuldades dos grupos indígenas e comunidades quilombolas em distinguirem-se mutuamente as intenções, e as dos diferentes agentes “brancos” das frentes de expansão com que se deparavam no meio da mata e dos rios.

Ao longo da década de 1920, prosseguia e intensificava-se a guerra dos Ka’apor com as frentes de expansão no interflúvio Gurupi-Pindaré, a ponto dos governos do Maranhão e do Pará decretarem estado de sítio em toda a região. Foram realizadas várias expedições militares contra eles. Em 1927, reiniciavam-se os trabalhos de sua “pacificação”, com a instalação do posto Pedro Dantas na ilha de Canindé-Açu48 48 Transferido da ilha para a margem maranhense, em 1929. nas proximidades do local onde faziam a travessia do Gurupi e, em 1928, os Ka’apor foram oficialmente declarados “pacificados”.

Nos anos 1980, quando realizou sua pesquisa de doutorado, Maristela de Paula Andrade entrevistou alguns “camponeses” (Gamela) idosos, com mais de 80 anos, que lembravam de, em sua infância, ter presenciado visitas periódicas a suas famílias de índios “diferentes”, vindos da região do Gurupi, o que teria se repetido até por volta de 1960 e depois cessado.49 49 Época de produção do inventário fraudulento sobre a “Terra dos Índios”. Cf. ANDRADE, Maristela de Paula. Terra de índio..., op. cit., 1990, p. 120. A autora deduziu que se tratasse dos Urubu (Ka’apor), pois além da menção à região do Gurupi como de sua procedência, vários de seus informantes teriam mencionado o nome de Zé Gurupi, importante liderança Ka’apor à época do processo de consolidação de seu território, quando realizavam frequentes jornadas de inspeção de seus limites até os lagos de Viana, tendo, por isso, também a memória dos marcos dos limites do território Gamela.

A “Cabeça Branca” da “Hidra” e seus “pântanos”: anotações de campo sobre a geografia da história de um lugar encantado

Flávio dos Santos Gomes intitulou sua tese de doutorado sobre quilombos e mocambos no Brasil (séc. XVII-XIX)50 50 Subtítulo de sua tese. com a expressão “A Hidra e os pântanos”, por referência à alegoria ao mito grego da Hidra de Lerna (derrotada por Hércules no pântano em que habitava), utilizado no despacho do Ministério da Justiça ao presidente da província do Maranhão, datado de 21 de agosto de 1867, para referir-se às redes de comunicação e alianças estabelecidas entre quilombolas, indígenas e seus colaboradores na região, que ele recomendava fossem urgentemente aniquiladas “por meio de ferro e fogo” e lhes fossem removidas as cabeças.51 51 GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (séc. XVII-XIX), op. cit., 1997, p. 193.

A geografia e a cobertura vegetal da localidade denominada Cabeça Branca, por exemplo, anteriormente citada,52 52 Cf. Arquivo Público do Estado do Maranhão. Representação da Câmara Municipal de Pinheiro ao ilmº. E exmº. Sr. Dr. Franklin Américo de Menezes Doria, presidente da província, em 15 de julho de 1867. Doc. Avulso, citado em ARAÚJO, Mundinha. Insurreição de escravos em Viana, op. cit., 2014, p. 59-60. a tornou de grande importância estratégica e simbólica neste encontro interétnico entre grupos Gamela, Ka’apor e quilombolas, no (re)conhecimento de, e troca de informações sobre seus inimigos comuns na região e no plano nacional, e na deliberação sobre a conveniência do ano de 1867 para um ataque armado conjunto às fazendas de Pinheiro e Viana, em função da conjuntura excepcionalmente favorecida pelo deslocamento de tropas de todo o país e da região para o front da guerra com o Paraguai.53 53 GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (séc. XVII-XIX), op. cit., 1997, p. 358, 359, 441.

Conforme depoimentos colhidos por mim em Imbiral54 54 Depoimentos colhidos em atividades de campo realizadas nos projetos Comunidades quilombolas e indígenas entre as bacias dos rios Turiaçu e Gurupi: construindo agendas comuns, pela qualidade de vida, e Qualidade de vida e controle da hipertensão arterial em comunidades quilombolas no Maranhão, ambos com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (Fapema). (comunidade vizinha a Cabeça Branca), o nome se deve a uma “encantaria” que ali apareceria frequentemente, à noite, à entrada de um emaranhado de braços de lagoa e igarapés, no atualmente denominado povoado Imbiral Cabeça-Branca: uma misteriosa esfera branca, pouco maior que uma cabeça humana, que pairava a cerca de dois metros de altura sobre as águas dos igarapés e dessa grande lagoa de margens sinuosas, acidentadas e cheias de vegetação alta, habitada por gigantescas sucuris, criando ali um ambiente assustador e de fortes “visagens”, conforme me informaram seus moradores.55 55 Arquivos em video do projeto Qualidade de vida e controle da hipertensão arterial em comunidades quilombolas, no Maranhão. Entrevista registrada em vídeo com sra. Servina Silva (filha do sr. Olegário Meireles que será mencionado em depoimentos citados adiante, inclusive colhidos por outros autores) e Luís Carlos Teixeira (conhecido como Luís Lopes), realizada na Unidade Escolar Boa Esperança da comunidade Imbiral, em Pedro do Rosário/MA, aos 27 de dezembro de 2015. Núcleo de Extensão e Pesquisa com Populações e Comunidades Rurais, Negras, Quilombolas e Indígenas (NuRuNI). Apoio Fapema. Edital Fapema 006/2015 TECS. O nome Imbiral derivaria da grande quantidade que também ali havia de árvores com casca, das quais os indígenas e quilombolas retiravam as “enviras” (tiras das cascas mais resistentes) para os mais diversos usos. Essa lagoa formava uma barreira natural aparentemente intransponível para as expedições militares vindas de qualquer direção para atacar as comunidades ali instaladas.

Ainda segundo esses depoimentos de habitantes de Imbiral, várias comunidades quilombolas (entre as quais São Benedito do Céu, seu centro de referência, como na Insurreição de Viana)56 56 Cf. ARAÚJO, Mundinha. Insurreição de escravos em Viana, op. cit., 2014. e indígenas (Gamela e Ka’apor) se distribuíam e conviviam às margens desse emaranhado de igarapés e da lagoa, partilhando dos produtos da caça e da pesca, e de grandes pomares e roças comuns, afamadas à época (especialmente a de fumo e a de café), comunicando-se, miscigenando-se, realizando atividades produtivas,57 57 Entre elas, segundo sr. Luís Carlos Teixeira, os Gamela e Ka’apor ajudavam no trato do cafezal dos quilombolas, os quilombolas no trato do fumal dos Gamela e Ka’apor. Arquivos em video do projeto Qualidade de vida e controle da hipertensão arterial em comunidades quilombolas no Maranhão. Entrevista registrada em vídeo com Luís Carlos Teixeira, realizada na Unidade Escolar Boa Esperança da comunidade Imbiral, em Pedro do Rosário/MA, aos 27 de dezembro de 2015. Núcleo de Extensão e Pesquisa com Populações e Comunidades Rurais, Negras, Quilombolas e Indígenas (NuRuNI). Apoio Fapema. Edital Fapema 006/2015 TECS. rituais religiosos e ações militares conjuntas - e rápidos e silenciosos deslocamentos em massa, quando necessário, por meio de passagens camufladas por baixo da vegetação, de um lado a outro da lagoa, na dependência da direção de que vinham os inimigos.

Os batedores da tropa para lá enviada em 1874 com o objetivo de exterminar os quilombos denominados Braço do Laranjal e São Sebastião, formados pelos fugitivos da destruição de São Benedito do Céu, localizaram, nas imediações das ruínas deste, uma longa trilha com sinais de que ainda vinha sendo utilizada pelos quilombolas, que chegava à beira do rio Tury no lugar denominado Pedreiras, dali dando rápido acesso aos lagos de Capivari e de Viana58 58 Cf. GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (séc. XVII-XIX)., op. cit., 1997, p. 359. - o que reafirma a conveniência da geografia da região para abrigar o centro tático da Insurreição de Viana.

Segundo depoimentos colhidos em Imbiral,59 59 Arquivos em vídeo do projeto Qualidade de vida e controle da hipertensão arterial em comunidades quilombolas no Maranhão. Entrevista registrada em vídeo com sr. Luís Carlos Teixeira, realizada na Unidade Escolar Boa Esperança da comunidade Imbiral, em Pedro do Rosário/MA, aos 27 de dezembro de 2015. a sapopemba de uma grande laranjeira às margens da lagoa, à qual se dependurava uma barra de ferro (na localidade atualmente denominada Pau Ferrado), servia de instrumento de emissão do aviso de chegada de visitantes ou de alerta na aproximação de forças inimigas - avisos recebidos e retransmitidos, à distância, em outra localidade ainda hoje denominada Escuta. As maneiras como se percutiam as raízes da árvore com a barra de ferro indicavam tanto a presença de visitantes atravessando a lagoa como a direção, o tamanho e o tipo de ameaça a caminho - e as direções que deveriam ser tomadas, portanto, como rota de fuga ou pelas forças de retaguarda e contra-ataque. Foram provavelmente estes dispositivos de camuflagem, conjugados a vários outros, arranjados/adaptados pelos quilombolas e indígenas em Cabeça Branca e em outros locais de seus territórios, que permitiram a rápida evacuação prévia dos habitantes de São Benedito do Céu nos sucessivos ataques das tropas enviadas para destruí-lo,60 60 Conforme relatam ARAÚJO, Mundinha. Insurreição de escravos em Viana, op. cit., 2014, e GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (séc. XVII-XIX), op. cit., 1997. frustrando seu principal objetivo: cortar as cabeças da “Hydra”, aprisionando ou matando todos os seus líderes.

Conforme depoimentos que colhemos em Imbiral,61 61 Arquivos em vídeo do projeto Qualidade de vida e controle da hipertensão arterial em comunidades quilombolas no Maranhão. Entrevista registrada em vídeo com Luís Carlos Teixeira, realizada na Unidade Escolar Boa Esperança, da comunidade Imbiral, em Pedro do Rosário/MA, aos 27 de dezembro de 2015. Núcleo de Extensão e Pesquisa com Populações e Comunidades Rurais, Negras, Quilombolas e Indígenas (NuRuNI). Apoio Fapema. Edital Fapema 006/2015 TECS. as comunidades indígenas/quilombolas ali instaladas deram origem aos seguintes atuais povoados: Jandiá (originalmente quilombola e Gamela), Roque (Gamela e quilombolas), Capoeira Grande (Ka’apor, com presença de pajé/feiticeiro), Imbiral (Gamela e quilombolas), Cabeça Branca (quilombolas e Ka’apor), Limeira (Gamela com os chamados “índios fule”, descendentes de Ka’apor e quilombolas) e Pimenta (de índios vindos posteriormente do Amazonas, de etnia desconhecida, trazidos pelos portugueses para trabalhar em seus canaviais), onde teria havido um grande cafezal em localidade chamada Três Furos.

Estes depoimentos reforçam outros, por nós colhidos entre os Ka’apor da Terra Indígena Alto Turiaçu,62 62 Arquivos em vídeo do projeto Comunidades quilombolas e indígenas entre as bacias dos rios Turiaçu e Gurupi, construindo agendas comuns, pela qualidade de vida. Entrevista registrada em vídeo com Valdemar Ka’apor, aos 24 de fevereiro de 2015, na então casa de apoio da Associação Ka’apor Ta Hury do rio Gurupi, em Zé Doca/MA. Núcleo de Extensão e Pesquisa com Populações e Comunidades Rurais, Negras, Quilombolas e Indígenas (NuRuNI). Apoio Fapema. Edital Fapema 022/2013 AEXT. reafirmando essa memória comum de relatos de antepassados acerca da conveniência, especialmente das lagoas e rios largos e piscosos da região frequentados por grupos indígenas e quilombolas (que ali podiam se avistar e se comunicar a distância segura para evitar eventuais ataques mútuos a flecha) para o estabelecimento de contatos e início de relacionamentos interétnicos amistosos.

Além do convívio amistoso entre quilombolas e indígenas, do acesso comum e fácil à pesca, caça, produtos de coleta e minas de ouro (cuja produção lhes permitia comprar itens essenciais como pólvora, sal, facas e armas de comerciantes locais), da miscigenação e de cooperação no trato de roças e em estratégias militares conjuntas, experimentados sobretudo em São Benedito do Céu, as muitas “casas de santo” ali encontradas e em vários outros quilombos destruídos (como em São Sebastião e em Limoeiro, algumas contendo, inclusive, artefatos indígenas e plantas de uso sagrado e/ou medicinal em seus “assentamentos”) atestam a vitalidade e a profundidade dessas alianças e de seus produtos culturais, como registra a descrição de 24 de janeiro de 1878 de João Manoel da Cunha, comandante da primeira expedição militar enviada para exterminar o quilombo Limoeiro:

(...) têm 91 casas, em cada uma morando três, quatro e cinco pretos com suas mulheres e filhos, e tem mais duas casas destinadas à oração, a que chamam casas de santos; sendo uma com imagens de Santos, e outra onde encontramos figuras extravagantes feitas de madeira, cabaças com ervas podres e uma porção de pedras de que em tempos muito remotos os indígenas se serviam como machados, as quais a maior parte dos mocambeiros venera com a invocação de Santa Bárbara, porém, não passa tudo isto de uma casa de pajés.63 63 Relatório de João Manoel da Cunha sobre a primeira invasão do quilombo Limoeiro, 24 de janeiro de 1878. Apud GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (séc. XVII-XIX), op. cit., 1997, p. 427-428.

O capitão Feliciano Xavier Freire Jr., comandante da segunda expedição militar enviada para exterminar os remanescentes do primeiro ataque ao quilombo Limoeiro, em 22 de maio de 1878, descreveu o que designou como “festa de pajés” que teria ali presenciado de um esconderijo, antes do início do ataque, em que seu então líder, Estevão, em transe, retransmitia revelações de santa Bárbara.64 64 Idem, p. 428.

Darcy Ribeiro registrou e comentou em vários pontos de seu Diários índios que os Ka’apor teriam perdido seus próprios pajés e pajelança, buscando-os, na época, entre os Tembé/Tenetehara65 65 RIBEIRO, Darcy. Diários índios, op. cit., 1996, p. 419, 486-487, 600. - comentário que me parece válido até nossos dias: os Ka’apor têm recorrido, atualmente, a um terreiro de pajelança66 66 Trata-se da religião de matriz afro-brasileira, não do xamanismo indígena. Cf. FERRETTI, Mundicarmo Maria Rocha, Tambor, maracá e brincadeiras de negro do Maranhão na virada do século XIX e início do século XX. In: Idem (org.). Um caso de polícia! Pajelança e religiões afro-brasileiras no Maranhão 1876-1977. São Luís: Editora da Universidade Federal do Maranhão, 2015, p. 13-34; MOTA, Christiane. Pajés, curadores e encantados - pajelança na Baixada Maranhense. São Luís: Editora da Universidade Federal do Maranhão, 2009. em um dos municípios da Baixada. Já os Gamela de Imbiral, ao contrário, mantém viva sua pajelança. Meu principal interlocutor nesta comunidade, sr. Luís Carlos Teixeira, “trabalha com pajelança”, com barracão ali instalado e longa história de muitos serviços demandados e prestados a pessoas e comunidades na região e em várias outras do estado.

De “caboclo” a “camponês”

Como Curt Unckel Nimuendaju,67 67 NIMUENDAJU, Curt Unckel. The Gamella Indians, op. cit., 1937, p. 58-71. Maristela de Paula Andrade, em sua tese de doutorado de 1990ANDRADE, Maristela de Paula. Terra de Índio - terras de uso comum e resistência camponesa. Tese de doutorado, Departamento de Antropologia Social, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 1990., também partiu do pressuposto (reafirmando-o) que os Gamela seriam “uma nação indígena extinta”.68 68 Idem, p. 6, 93. Afirmou que os Gamela, assim como vários outros povos indígenas, terminaram se “acamponesando”69 69 Ibidem, p. 97. e, ao longo de toda sua tese, insistiu em referir-se aos habitantes da “Terra de Índio” de Viana como “camponeses” - apesar de relatar que estes sempre se autoidentificassem como “caboclos” e “descendentes dos índios”. Sobre o “acamponesamento” de grupos indígenas amazônicos, Fábio Fonseca de Castro70 70 CASTRO, Fábio Fonseca de. A identidade denegada. Discutindo as representações e a autorrepresentação dos caboclos da Amazônia. Revista de Antropologia, vol. 56, n. 2, São Paulo, 2013, p. 456. afirma o seguinte:

O cânone da representação reificada sobre os caboclos fica translúcido quando se os concebe como um campesinato tradicional, próprio do espaço amazônico. Ou melhor, produzido pela história violenta da ocupação fundiária amazônica, com suas peculiaridades ou com as generalidades do processo fundiário brasileiro. A questão fundiária brasileira inclui, como se sabe, “terras de preto”, “terras de índio”, “terras de santo”, “terras de caboclo” e outras variedades de ocupação do território que vão muito além do campesinato clássico, baseado na produção familiar ou na lógica produtivista do mercado nacional.

(...)

No caso dos caboclos ocorre um processo mais lento. Não lhes é possível reivindicar a identidade e, consequentemente, o território, da mesma forma que os povos indígenas ou as populações quilombolas.”71 71 CASTRO, Fábio Fonseca de. A identidade denegada., op. cit., 2013, p. 458.

Este, definitivamente, não é o caso dos Gamela de Viana, aos quais é plenamente factível reivindicar território, cujo reiterado reconhecimento oficial, tanto pelos agentes do Estado português, como, posteriormente, pelos do Estado brasileiro, é facilmente comprovável pela documentação dominial já disponível. Conforme seus relatos, a fraude cartorial que deu início ao esbulho do território, por meio de também fraudulentos e sucessivos processos de loteamento e venda de lotes a terceiros, ocorreu entre 1968 e 1969, iniciada no Cartório de Registros de Imóveis de Matinha e acolhida pelo Cartório de Registro de Imóveis de Viana.

A por eles denominada “escritura velha” (a “Carta Regia de Sesmaria e por mercê de sua Majestade” de 30 de outubro de 1759) e seu respectivo mapa estavam sob a guarda de sr. Maximino Silva, do povoado Laranjal. Com a morte deste, o sr. Olegário Meireles, mencionado anteriormente, teria assumido a responsabilidade pela guarda desses documentos, acondicionando-os numa lata. Com a morte, por sua vez, do sr. Olegário, os documentos passaram aos cuidados de pessoas próximas ao então proprietário do Cartório de Matinha que teria fraudado a “escritura velha” (inserindo o nome do sr. Olegário como seu proprietário), forjando um inventário fraudulento deste72 72 Que só teria vindo a ser por eles conhecido anos após sua publicação oficial pelo Poder Judiciário, impossibilitando sua contestação. e dando início, assim, ao loteamento do território Gamela para posterior venda a terceiros.

Em 1982, quando começavam a se agravar os conflitos envolvendo a venda desses “lotes” forjados, cinco dos líderes e representantes dos Gamela, orientados por um padre em Viana, deslocaram-se a São Luís em meados de abril, na época da “Semana do Índio”, para, apresentando-se como “descendentes de índios”, buscar apoio a sua luta, fazendo contatos com a Cáritas Brasileira (entidade ligada à Igreja Católica), a Sociedade Maranhense de Defesa dos Direitos Humanos (SMDH) e a então Federação dos Trabalhadores da Agricultura do Estado do Maranhão (Fetaema).

Nestas circunstâncias é que fizeram contato com Maristela de Paula Andrade que, à época, trabalhava com a Cáritas Brasileira.73 73 ANDRADE , Maristela de Paula. Terra de índio..., op. cit., 1990, p. 22. Reiterando o já mencionado anteriormente e conforme seus próprios relatos, esta autora resistiu em reconhecer e adotar as autoidentificações “caboclo” e “descendente de índio” com que se apresentavam - optando por sistematicamente designá-los por “camponeses” ao longo de toda sua tese de doutorado.

Tidos até então, como vimos, pelo SPI e pela Funai como “mestiços” “neobrasileiros” e acolhidos em 1982 como “camponeses” (não como Gamela, sequer como indígenas) pela Cáritas Brasileira e demais entidades ligadas à Igreja Católica, as lutas dessas famílias Gamela por seu território confundiu-se com as lutas de camponeses, quilombolas e quebradeiras de coco da região que experimentaram importante processo de organização ao longo das décadas seguintes, inclusive com a criação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) e do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), de forte presença e atuação na região.

O que ocorreu em 2013 é que esse grupo Gamela decidiu romper com os processos de invisibilização étnica e perda da memória coletiva que lhe vinham sendo impostos ao longo dos últimos dois séculos de “acaboclamento” e de “acamponesamendo” de sua história, e com o conformismo às sucessivas fraudes documentais e esbulhos, insidiosamente praticados sobre o território que o próprio Estado lhe destinou - partindo para a retomada física das porções esbulhadas deste seu território. O processo de tomada dessa decisão, bem como as estratégias adotadas para fazê-lo, merecem estudos e discussões que demandariam depoimentos dos próprios Gamela e de outros atores, maiores espaços e outros momentos.

Considerações finais, e apontamentos para futuras pesquisas

  • 1 - Coincidência que merece estudo, as regiões do Maranhão onde é mais praticada a pajelança e onde se concentram seus terreiros são a Baixada Ocidental Maranhense e a região de Codó,74 74 NUNES, Herliton Rodrigues. Perseguição religiosa: a pajelança na imprensa codoense entre os anos de 1894-1896. In: FERRETTI, Mundicarmo Maria Rosa (org.). Um caso de polícia! Pajelança e religiões afro-brasileiras no Maranhão 1876-1977. São Luís: Editora da Universidade Federal do Maranhão, 2015, p. 76, 78. justamente as de maior concentração de comunidades quilombolas e em que se instalaram os dois grupos Gamela em meados do século XVIII. Mundicarmo Maria Rosa Ferretti75 75 Idem, p. 132. comenta, inclusive, que o termo pajelança poderia ter surgido na cidade de Codó “...porque aquela área [fora] habitada no passado por índios”.76 76 Ibidem, p. 78.

Mereceria também maiores pesquisas o culto a santa Bárbara, amplamente difundido tanto entre comunidades quilombolas (e algumas Gamela, como em Imbiral) do interflúvio Gurupi-Pindaré quanto entre os da região de Codó. Além do culto à santa, na região de Codó, entre 1894 e 1896, o jornal Monitor Codoense77 77 FERRETTI, Mundicarmo Maria Rocha. Tambor, maracá e brincadeiras de negro do Maranhão na virada do século XIX e início do século XX. In: FERRETTI, Mundicarmo Maria Rocha (org.). Um caso de polícia! Pajelança e religiões afro-brasileiras no Maranhão 1876-1977. São Luís: Editora da Universidade Federal do Maranhão, 2015, p. 22. fazia referência a uma congregação de pajés residentes em muitas fazendas da região, denominada Irmandade Santa Bárbara, que “aterrorizava” outros moradores para forçar sua “transferência”.78 78 Forçoso recordar a coincidência de que justamente uma fazenda, também denominada Santa Bárbara, em Viana, de propriedade do barão de Turiaçu, era uma das que, de mais longa data, abrigava uma comunidade quilombola que as autoridades não conseguiam exterminar e que funcionava como ponto de comunicação e articulação entre comunidades quilombolas e escravos. Cf. GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (séc. XVII-XIX), op. cit., 1997, p. 332. Nela também é que Daniel e João Araújo fizeram escrever, em 10 de julho de 1867, sua anteriormente citada carta às autoridades de Viana.

Proponho, aqui, a tese de que o ritual das visitas anuais desse(s) grupo(s) Ka’apor aos Gamela de Taquaritiua (Viana/MA), mantido até a década de 1960, expressava e reiterava a importância para ambos, a um tempo política e espiritual, da experiência partilhada no “Céu” de São Benedito do Céu, a realização da aliança Ka’apor-Gamela-Quilombola, pelas seguintes razões:

  • 1.1 - Essas visitas tinham um sentido fortemente, digamos, político, de vigilância conjunta das fronteiras de seus territórios frente a uma sociedade envolvente em contínua expansão - os Ka’apor, após visita a Taquaritiua, partiam para Matinha para verificar a localização e manutenção das pedras por eles ali “plantadas” no passado e, por isso, chamadas de “pés de cará”,79 79 ANDRADE, Maristela de Paula. Terra de índio..., op. cit., 1990. p. 116-117. que serviam de marcos de referência para as linhas cartográficas imaginárias (por eles ainda denominadas “místicas”, como nos documentos dos séculos XVIII e XIX),80 80 ARAÚJO, Mundinha. Insurreição de escravos em Viana, op. cit., 2014, p. 66. que demarcam as fronteiras dessa porção de “Terra dos Índios” sob guarda dos Gamela.

Essa conotação “política” da relação dos Gamela com os Ka’apor é reforçada pela reafirmação, em vários depoimentos colhidos por Maristela de Paula Andrade,81 81 Idem. do papel de “mediadores” que os Ka’apor, especialmente Zé Gurupi, teriam desempenhado - na posição de os “verdadeiros” “índios” e, por isso, portadores de uma memória ancestral a respeito, reconhecida por todos82 82 Ibidem, p. 119-120. - em conflitos e desentendimentos entre os próprios Gamela, e entre esses e os regionais, sobre os limites de seus territórios.

  • 1.2 - Essas visitas anuais dos Ka’apor aos Gamela de Taquaritiua também tinham um forte caráter “religioso” de reafirmação de suas identidades e cultos sagrados, de seus “assentamentos” de santo, como se depreende de depoimentos colhidos pela mesma autora, como o seguinte:

Eles vinham em casa desse velho Olegário83 83 Sr. Olegário mudou-se para Imbiral (onde o sr. Luís Carlos Teixeira, nosso principal interlocutor nessa comunidade, o conheceu) e ali faleceu. e faziam a festa deles e traziam aqueles assentamento tecido de guarimã e quando era na hora de dançar moleca dançava que rolava... Homens e mulheres... esturravam o pé no chão, lhe garanto. E quando eles vinham traziam cará, traziam macaxeira, vinha tudo carregado presse velho Olegário. Eu ainda fui lá expectar a festa deles...84 84 ANDRADE, Maristela de Paula. Terra de índio..., op. cit., 1990, p. 116.

Segundo depoimentos por mim colhidos entre os habitantes de Imbiral,85 85 Arquivos em vídeo do projeto Qualidade de vida e controle da hipertensão arterial em comunidades quilombolas no Maranhão. Entrevista registrada em vídeo com a sra. Servina Silva (filha do acima mencionado sr. Olegário Meireles) e sr. Luís Carlos Teixeira, realizada na Unidade Escolar Boa Esperança da comunidade Imbiral, em Pedro do Rosário/MA, aos 27 de dezembro de 2015. em suas visitas anuais à região, os Ka’apor realizavam o seguinte percurso ritual: saíam de Pinheiro, onde iam apanhar a “verdadeira” estatueta milagrosa de santo Inácio86 86 Segundo os relatos colhidos, seria uma estatueta de santo Inácio de Loyola, em que um “índio velho” por nome Inácio (não se sabe de que etnia) teria se “encantado”, pois “anoiteceu e não amanheceu”: desapareceu e, no lugar onde deveria estar dormindo, teria aparecido essa imagem. A imagem era considerada milagrosa pois sangrava ao ser furada e os indígenas construíram, em Pinheiro, uma casinha de oratório para ela. Uma família de portugueses instalou-se posteriormente em Pinheiro, onde estabeleceu um armazém em que os indígenas passaram a se abastecer dos itens necessários e se endividar; após certo tempo passaram a arrebanhar esses indígenas como mão-de-obra para seus canaviais e engenho, e os pagavam com melado e cachaça. O alcoolismo e o ciclo de endividamento, assim induzidos pelos portugueses entre os indígenas, possibilitaram a tomada das terras ocupadas por essas comunidades na região. Após tomá-las, esses portugueses teriam desmanchado o oratório dos índios e em seu lugar construíram a Igreja de Santo Inácio de Loyola, padroeiro da cidade. que, após ser por eles espetada, sangrava, e eram realizadas as respectivas danças. Seguiam para vários povoados indígenas/quilombolas da região, onde novamente com ela dançavam: Roque, Jandiá, Pimenta, Cabeça Branca e Limeira. Pernoitavam, então, em Pau de Cedro e seguiam para Capoeira Grande (então no município de Viana), onde também dançavam e concluíam o circuito.

Maristela de Paula Andrade registrou em suas pesquisas de campo na década de 1980 a prática dos moradores da “Terra de Índio” de manter um terceiro roçado em que cultivavam melancia e mandioca, a que ainda chamavam de “fumal” (mesmo não cultivando nele pés de tabaco, por já preferirem fumo picado industrializado).87 87 ANDRADE, Maristela de Paula. Terra de índio..., op. cit., 1990, p. 193. Os depoimentos por ela colhidos à época apontam o fumo como um dos itens mais demandados pelos Ka’apor em suas visitas a Taquaritiua, o que se repetia também nas outras localidades e comunidades Gamela que visitavam na região (conforme depoimentos colhidos por mim, bem mais recentemente, em Imbiral).

Ressalte-se que grandes roças de fumo (tabaco) e diamba (maconha) - plantas bastante utilizadas até hoje em rituais indígenas,88 88 Cf. PERRIN, Michel. Enfoque antropológico sobre las drogas. Takiwasi, usos y abusos de sustancias psicoactivas y estados de concencia. Tarapoto, n. 1, ano 1, 1992, p. 36-38; SHEPARD Jr. & HARVEY, Glenn. Venenos divinos: plantas psicoativas dos Machiguenga do Peru. In: LABATE, Beatriz Caiuby & GOULART, Sandra Lúcia (org.). O uso ritual das plantas de poder. Campinas: Mercado de Letras, 2005, p. 187-200. de pajelança e em outros cultos afro-brasileiros89 89 Cf. PERRIN, Michel. Enfoque antropológico sobre las drogas, op. cit., 1995. - haviam sido encontradas em São Benedito do Céu pela expedição enviada em 1862 para destruí-lo,90 90 Cf. GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (séc. XVII-XIX), op. cit., 1997, p. 265. o que me parece reforçar a hipótese de que a religiosidade fosse um dos aspectos fundamentais da amizade e da aliança estabelecida entre os Gamela, os Ka’apor e as comunidades quilombolas na região.

  • 2 - Hoje, Imbiral-Cabeça Branca identifica-se oficialmente como comunidade quilombola, organizando-se em torno da Associação do Desenvolvimento Comunitário Quilombolas do Povoado Imbiral Cabeça-Branca Pedro do Rosário-MA e em nome de seus habitantes consta, no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), processo para titulação da Terra Quilombola por nome Imbiral, Cabeça Branca e São Benedito do Céu.

Note-se que, reivindicando-se publicamente como comunidade quilombola, invocando a guarda conjunta da memória e das ruínas do quilombo São Benedito do Céu, ali localizadas, as famílias do povoado se reconhecem como indígenas Gamela ou descendentes de Gamela e quilombolas, ou de Gamela e “índios caboclos” (descendentes de Ka’apor), ou de quilombolas e “índios caboclos”. Por conveniências de conjuntura, no entanto, a identidade quilombola é que fundamentou a estratégia escolhida em sua luta por território. Mais recentemente, as resistências dos sucessivos gestores municipais de Pedro do Rosário em lhes prestar assistência e, sobretudo, em atender minimamente a suas necessidades de saúde, estão levando-as a considerar a possibilidade de acionar suas identidades indígenas para, assim, reivindicar o acesso a serviços de saúde de melhor qualidade prestados pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) do Ministério da Saúde, por meio de seu Distrito Sanitário Especial Indígena do Maranhão (DSEI-MA) - cujo gestor já começa a planejar ações de saúde voltadas especificamente aos Gamela nesse território entre Viana, Matinha e Penalva/MA. A discussão dessa possiblidade entre os habitantes de Imbiral reforça a hipótese de que essas categorias étnicas sejam também acionadas/assumidas como instrumentos de defesa e afirmação de direitos, conforme conveniências em conjunturas políticas específicas.

  • 3 - Final e principalmente, os resultados de nossas pesquisas também indicam que a categoria “campo negro” utilizada por Flávio dos Santos Gomes91 91 Ibidem. para indicar a rede de alianças, articuladas e protagonizadas pelas comunidades quilombolas, inclusive com grupos indígenas, por si só não faz justiça à importância dos Gamela como atores nesse processo, por exemplo. Se não admitirmos um campo propriamente indígena (estreita e organicamente articulado ao mencionado “campo negro”) a operacionalizar a “Hidra” que ameaçava os fazendeiros, as frentes de expansão e projetos do Império na região, certamente teremos de admitir, ao menos à época da Insurreição de Viana, um “campo Gamela” (e, talvez, um Ka’apor) em intensa atividade em Cabeça Branca.

Importante ressaltar que também “lavradores” e “camponeses” (segundo as fontes pesquisadas), considerados “brancos”, de famílias imigrantes (cearenses, especialmente), além de terem tido participações importantes como aliados nas articulações protagonizadas pelos quilombolas, protagonizaram e lideraram importantes alianças com grupos indígenas e quilombolas, praticamente nas mesmas regiões, na década de 1920.:

  • Antônio Bastos no vale do Pindaré,92 92 Cf. CONCEIÇÃO, Manoel da. Essa terra é nossa, op. cit., 1980; VARGA, István van Deursen. Resistências e mobilizações populares nos vales do Pindaré e do Turiaçu, op. cit., 2014, p. 45-82. vale paralelo e quase contíguo ao do Turiaçu, que resultados preliminares de nossas pesquisas indicam terem envolvido, além dos Tenetehara/Guajajara, grupos Ka’apor e quilombolas;

  • Manoel Bernardino de Oliveira, em Mata do Nascimento (município de Dom Pedro) e região de Codó.93 93 Cf. ALMEIDA, Giniomar Ferreira. O Lenine maranhense: fuzilamentos e cultura histórica no interior do Maranhão (1921). Dissertação de mestrado, História e Cultura Histórica, Programa de Pós-Graduação em História, Centro de Ciência Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal da Paraíba, 2010; BARROS, Rafael Henrique Silva. Fuzilamentos no sertão maranhense (1921): “conspiração” política e repressão oligárquica nos escritos jornalísticos de José do Nascimento Moraes. Dissertação de mestrado, Programa de Pós-Graduação em História Social, Centro de Ciências Humanas, Universidade Federal do Maranhão, 2015.

Como demonstra Flávio dos Santos Gomes,94 94 Cf. GOMES, Flávio dos Santos A Hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (séc. XVII-XIX), 1997, op. cit. há relações e descrições de dezenas de “mocambos de índios fugidos” de aldeamentos, assim como de dezenas de “mocambos de negros e índios juntos” pela Amazônia, a partir do século XVIII.

Reafirmando, mas ao mesmo tempo propondo uma profunda reavaliação da importância e ampliação do universo de aplicação de uma das conclusões deste autor, alguns resultados preliminares de nossas próprias pesquisas indicam que, além dos muitos quilombos que se tornaram espaços e territórios multirraciais e multiétnicos de resistência às frentes de expansão na região, o mesmo (ou processo bastante semelhante) se passou com várias “aldeias”95 95 “Aldeia” não é palavra de origem indígena, mas de origem ibérica, de aldeya e aldea, por sua vez originados do árabe ad-day’a. Cf. CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982, p. 28. No século XIII, período de ocupação da península ibérica pelos árabes, designou o povoado camponês feudal e foi aplicada pelos colonizadores para designar tanto os povoados indígenas que já encontraram ao chegar as “aldeias” quanto os “aldeamentos”: assentamentos (verdadeiros campos de concentração) de mão-de-obra indígena, os chamados “índios públicos”, instalados nas imediações dos núcleos coloniais, com os grupos para ali trazidos pelos missionários nos chamados “descimentos”. Frequentemente, aldeias já instaladas serviam de base para a formação de aldeamentos, de modo que esses conceitos se confundem ao longo da história. e grupos indígenas, como também com povoados e grupos camponeses. De nosso ponto de vista, a região toda foi - como continua sendo em nossos dias - palco e território de históricos encontros e articulações de campos de luta de quilombolas, indígenas e trabalhadores rurais, num talvez mais abrangente campo dos “povos tradicionais” e/ou “povos do campo e da floresta”, conforme enunciados de algumas políticas públicas contemporâneas.

Fontes primárias: entrevistas e depoimentos citados

  • Universidade Federal do Maranhão (Ufma)/Programa de Pós-Graduação em Saúde e Ambiente (PPGSA)/Núcleo de Extensão e Pesquisa com Populações e Comunidades Rurais, Negras, Quilombolas e Indígenas (NuRuNI). Arquivos em video do projeto Qualidade de vida e controle da hipertensão arterial em comunidades quilombolas, no Maranhão. Entrevista registrada em vídeo com a sra. Servina Silva e o sr. Luís Carlos Teixeira, realizada na Unidade Escolar Boa Esperança da comunidade Imbiral, em Pedro do Rosário/MA, aos 27 de dezembro de 2015. Apoio Fapema. Edital Fapema 006/2015 TECS.
  • __________. Arquivos em video do projeto Comunidades quilombolas e indígenas entre as bacias dos rios Turiaçu e Gurupi: construindo agendas comuns, pela qualidade de vida. Entrevista registrada em vídeo com Valdemar Ka’apor, aos 24 de fevereiro de 2015, na então casa de apoio da Associação Ka’apor Ta Hury do rio Gurupi, em Zé Doca/MA. Apoio Fapema. Edital Fapema 022/2013 AEXT.

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  • MOTA, Christiane. Pajés, curadores e encantados - pajelança na Baixada Maranhense. São Luís: Edufma, 2009.
  • MOTT, Luís Roberto de Barros. Piauí colonial; população, economia e sociedade. Teresina: Projeto Petrônio Portela, 1985.
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  • NUNES, Herliton Rodrigues. Perseguição religiosa: a pajelança na imprensa codoense entre os anos de 1894-1896. In: FERRETTI, Mundicarmo Maria Rosa (org.). Um caso de polícia! Pajelança e religiões afro-brasileiras no Maranhão 1876-1977. São Luís: Edufma, 2015, p. 75-86.
  • PERRIN, Michel. Enfoque antropológico sobre las drogas. Takiwasi, usos y abusos de sustancias psicoactivas y estados de concencia. Tarapoto, n. 1, ano 1, 1992, p. 31-52.
  • Projeto Vida de Negro. Terras de Preto no Maranhão: quebrando o mito do isolamento. São Luís: Centro de Cultura Negra do Maranhão, Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, 2002.
  • Projeto Vida de Negro. Terras de Preto no Maranhão: quebrando o mito do isolamento. São Luís: Centro de Cultura Negra do Maranhão, Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, 2002.
  • RIBEIRO, Darcy. A pacificação dos índios Urubu Kaapor. In: Idem. A política indigenista brasileira. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura, 1962, p. 85.
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  • SALES, Noêmia Pires. Pressão e resistência dos índios Tembé-Tenetehara do alto rio Guamá e a relação com o território. Relatório final de pesquisa, Departamento de Ciências Sociais, Diretoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Extensão, União das Escolas Superiores do Pará, 1993.
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  • Takiwasi - Usos y abusos de sustancias psicoactivas y estados de concencia. Tarapoto, n. 1, ano 1, 1992.
  • __________. Tarapoto, n. 3, ano 2, 1995.
  • TROVÃO, José Ribamar Lopes. “Ilha” latifundiária na Amazônia maranhense. São Luís: Edufma, 1989.
  • VARGA, István van Deursen. Pelas fronteiras e trincheiras do indigenismo e do sanitarismo - a atenção às DSTs em comunidades indígenas no contexto das políticas e práticas indigenistas e de saúde, na pré-Amazônia. Tese de doutorado, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, 2002.
  • __________. Dos medicamentos aos índios “genéricos”: os campos da política indigenista e de saúde para os povos indígenas, no Brasil, frente ao Censo Demográfico de 2000. Revista de Direito Sanitário, vol. 4, 2003, p. 32-45.
  • __________. Resistências e mobilizações populares nos vales do Pindaré e do Turiaçu. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL CARAJÁS 30 ANOS: RESISTÊNCIAS E MOBILIZAÇÕES FRENTE A PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO NA AMAZÔNIA ORIENTAL. Anais. São Luís: Edufma, 2014, p. 45-82.
  • 1
    Território demarcado em cerca de 14.000 hectares que, como veremos adiante, lhes fora inicialmente destinado como “sesmaria” pela Coroa portuguesa em 1759, tendo sido sucessivamente referendado, em seu nome, por disposições judiciais do 1º Império, até ser alvo de fraude cartorial, perpetrada entre 1968 e 1969, que deu início a seu esbulho por também fraudulentos processos de loteamento e venda de lotes a terceiros.
  • 2
    Cf. CONCEIÇÃO, Manoel da. Essa terra é nossa: depoimento sobre a vida e a luta de camponeses no Estado do Maranhão. Entrevista e edição de Ana Maria Galano. Petrópolis: Vozes, 1980CONCEIÇÃO, Manoel da. Essa terra é nossa: depoimento sobre a vida e a luta de camponeses no Estado do Maranhão. Entrevista e edição de Ana Maria Galano. Petrópolis: Vozes, 1980.. ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Getat: segurança nacional e o revigoramento do poder regionalALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Getat, segurança nacional e o revigoramento do poder regional. In: Idem. Transformações econômicas e sociais no campo maranhense. Rio de Janeiro: CPT-MA, 1980.. In: Idem. Transformações econômicas e sociais no campo maranhense. Rio de Janeiro: CPT-MA, 1980__________. Carajás: a guerra dos mapas. Belém: Falangola, 1994.; ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Conflitos e mediação - os antagonismos sociais na Amazônia segundo os movimentos camponeses. Tese de doutorado, UFRJ, Rio de Janeiro, mimeo, 1993ALMEIDA, Giniomar Ferreira. O Lenine maranhense: fuzilamentos e cultura histórica no interior do Maranhão (1921). Dissertação de mestrado, História e Cultura Histórica, Programa de Pós-Graduação em História, Centro de Ciência Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal da Paraíba, 2010.; Idem. Carajás: A guerra dos mapas. Belém: Falangola, 1994. ASSELIN, Victor. Grilagem, violência e corrupção nas terras de Carajás. Petrópolis: Vozes, 1982ASSELIN, Victor. Grilagem, violência e corrupção nas terras de Carajás. Petrópolis: Vozes, 1982.. ARCANGELI, Alberto. O mito da terra: uma análise da colonização da pré-Amazônia maranhense. São Luís: Edufma, 1987ARCANGELI, Alberto. O mito da terra: uma análise da colonização da pré-Amazônia maranhense. São Luís: Editora da Universidade Federal do Maranhão (Edufma), 1987.. TROVÃO, José Ribamar Lopes. “Ilhalatifundiária na Amazônia maranhense. São Luís: Edufma, 1989TROVÃO, José Ribamar Lopes. “Ilha” latifundiária na Amazônia maranhense. São Luís: Edufma, 1989.. KOWARICK, Marcos. Amazônia-Carajás na trilha do saque: os grandes projetos amazônicos. São Paulo: Editora Anita Garibaldi, 1995KOWARICK, Marcos. Amazônia-Carajás na trilha do saque: os grandes projetos amazônicos. São Paulo: Editora Anita Garibaldi, 1995..
  • 3
    VARGA, István van Deursen. Dos medicamentos aos índios “genéricos”: os campos da política indigenista e de saúde para os povos indígenas no Brasil frente ao Censo Demográfico de 2000. Revista de Direito Sanitário, vol. 4, 2003, p. 38VARGA, István van Deursen. Pelas fronteiras e trincheiras do indigenismo e do sanitarismo - a atenção às DSTs em comunidades indígenas no contexto das políticas e práticas indigenistas e de saúde, na pré-Amazônia. Tese de doutorado, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, 2002..
  • 4
    MOTT, Luís Roberto de Barros. Piauí colonial; população, economia e sociedade. Teresina: Projeto Petrônio Portela, 1985MOTT, Luís Roberto de Barros. Piauí colonial; população, economia e sociedade. Teresina: Projeto Petrônio Portela, 1985..
  • 5
    CARVALHO, João Renôr Ferreira de. Resistência indígena no Piauí colonial. Imperatriz: Ética, 2005CARVALHO, João Renôr Ferreira de. Resistência indígena no Piauí colonial. Imperatriz: Ética, 2005..
  • 6
    Idem.
  • 7
    NIMUENDAJU, Curt Unckel. The Gamella Indians. Primitive Man, vol. 10, n. 3-4, Washington, 1937, p. 65NIMUENDAJU, Curt Unckel. The Gamella Indians. Primitive Man, vol. 10, n. 3/4. Washington, 1937, p. 58-71..
  • 8
    NIMUENDAJU, op. cit., p. 63.
  • 9
    O Nheengatu ou língua geral foi a língua construída pelos jesuítas, com base no Tupi, como língua do comércio e das relações cotidianas tanto no então estado do Brasil como no do então Maranhão-Grão Pará. Em função de diferenças na composição étnica dos grupos indígenas Tupi com que missionários, prepostos da Coroa portuguesa e colonos se relacionaram, nestes dois estados coloniais, o Nheengatu falado nas capitanias/estados/províncias do “Norte” (Maranhão-Grão Pará) era um pouco distinto do falado nas do “Sul” (Brasil) e no Paraguai. Cf. EDELWEISS, Frederico G. Estudos Tupis e Tupi-Guaranis - confontos e revisões. Rio de Janeiro: Livraria Brasiliana Editora, 1969EDELWEISS, Frederico G. Estudos Tupis e Tupi-Guaranis - confontos e revisões. Rio de Janeiro: Livraria Brasiliana Editora, 1969..
  • 10
    Povo indígena tido como irredutível, selvagem e canibal (o último a ser considerado “pacificado” na região em 1928).
  • 11
    Os trechos aqui citados não foram copiados da transcrição feita pela autora. Cf. ARAÚJO, Mundinha, Insurreição de escravos em Viana..., op. cit., 2014, p. 46, mas foram transcritos diretamente da fotocópia do mesmo documento, anexa a sua p. 47ARAÚJO, Mundinha. Insurreição de escravos em Viana - 1867. 3ª edição. São Luís: Maria Raymunda Araújo, 2014.; a transcrição da autora à página anterior não atenta para, nem registra ou comenta o detalhe - interessante, para nós - da palavra “Caboclos”, claramente manuscrita, depois riscada e substituída por “gentios” pelos autores do documento original (que o teriam ditado ao administrador da fazenda Santa Bárbara, feito refém).
  • 12
    Arquivo Público do Estado do Maranhão. Representação da Câmara Municipal de Pinheiro ao ilmº. e exmº. sr. dr. Franklin Américo de Menezes Doria, presidente da província, em 15 de julho de 1867. Doc. avulso. Citado em ARAÚJO, Mundinha. Insurreição de escravos em Viana, op. cit., 2014, p. 59-60.
  • 13
    NIMUENDAJU, Curt Unckel, The Gamela Indians..., op. cit., 1937, p. 66-67 (tradução minha).
  • 14
    ANDRADE, Maristela de Paula. Terra de índio - terras de uso comum e resistência camponesa. Tese de doutorado, Departamento de Antropologia Social, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 1990ANDRADE, Maristela de Paula. Terra de Índio - terras de uso comum e resistência camponesa. Tese de doutorado, Departamento de Antropologia Social, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, 1990..
  • 15
    CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. Brasília: Instituto Nacional do Livro/Ministério da Educação e Cultura, 1972, p. 192CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. Brasília: Instituto Nacional do Livro/Ministério da Educação e Cultura, 1972..
  • 16
    CHIARADIA, Clóvis. Dicionário de palavras brasileiras de origem indígena. São Paulo: Limiar, 2008CHIARADIA, Clóvis. Dicionário de palavras brasileiras de origem indígena. São Paulo: Limiar, 2008..
  • 17
    Idem, p. 128.
  • 18
    VARGA, István van Deursen. Pelas fronteiras e trincheiras do indigenismo e do sanitarismo - a atenção às DSTs em comunidades indígenas no contexto das políticas e práticas indigenistas e de saúde, na pré-Amazônia. Tese de doutorado, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, 2002__________. Dos medicamentos aos índios “genéricos”: os campos da política indigenista e de saúde para os povos indígenas, no Brasil, frente ao Censo Demográfico de 2000. Revista de Direito Sanitário, vol. 4, 2003, p. 32-45..
  • 19
    Idem, p. 27.
  • 20
    ANDRADE, Maristela de Paula. Terra de índio..., 1990, op. cit.
  • 21
    Opção não explicada pela autora em sua acima referida tese.
  • 22
    BOYER, Véronique. O pajé e o caboclo: de homem a entidade. Mana, vol. 5, n. 1, Rio de Janeiro, 1999, p. 30BOYER, Véronique. O pajé e o caboclo: de homem a entidade. Mana, vol. 5, n. 1, Rio de Janeiro, 1999, p. 29-56..
  • 23
    ANDRADE, Maristela de Paula. Terra de índio..., 1990, op. cit.
  • 24
    Idem, p. 114.
  • 25
    CHIARADIA, Clóvis. Dicionário de palavras brasileiras de origem indígena, op. cit., 2008, p. 683.
  • 26
    GOMES, Mércio Pereira. O povo Guajá e as condições reais para sua sobrevivência. Rio de Janeiro: mimeo, 1989GOMES, Mércio Pereira. O povo Guajá e as condições reais para sua sobrevivência. Rio de Janeiro: mimeo, 1989..
  • 27
    SALES, Noêmia Pires. Pressão e resistência dos índios Tembé-Tenetehara do alto rio Guamá e a relação com o território. Relatório final de pesquisa, Departamento de Ciências Sociais, Diretoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Extensão, União das Escolas Superiores do Pará, 1993SALES, Noêmia Pires. Pressão e resistência dos índios Tembé-Tenetehara do alto rio Guamá e a relação com o território. Relatório final de pesquisa, Departamento de Ciências Sociais, Diretoria de Pesquisa, Pós-Graduação e Extensão, União das Escolas Superiores do Pará, 1993..
  • 28
    RIBEIRO, Darcy. Diários índios: os Urubus-Kaapor. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, p. 216RIBEIRO, Darcy. A pacificação dos índios Urubu Kaapor. In: Idem. A política indigenista brasileira. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura, 1962, p. 85..
  • 29
    Provenientes do Sudeste, em fuga da frente pecuarista em expansão na região de Grajaú, passariam a ser denominados Tembé/Tenetehara após assentar-se na margem esquerda do rio Gurupi, para diferenciá-los dos Guajajara/Tenetehara que decidiram permanecer na região e cooperar com os criadores de gado, indicando o melhor itinerário para a chamada estrada do Sertão ou estrada da Boiada, destinada a levar o gado produzido no sul, na região de Carolina, até o rio Pindaré (em sua porção navegável), para embarcá-lo para São Luís; entraria em funcionamento em 1863. Cf. SALES, Noêmia Pires. Pressão e resistência dos índios Tembé/Tenetehara..., op. cit.; VARGA, István van Deursen. Resistências e mobilizações populares nos vales do Pindaré e do Turiaçu. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL CARAJÁS 30 ANOS: RESISTÊNCIAS E MOBILIZAÇÕES FRENTE A PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO NA AMAZÔNIA ORIENTAL. Anais. São Luís, Editora da Universidade Federal do Maranhão, 2014, p. 45-82__________. Resistências e mobilizações populares nos vales do Pindaré e do Turiaçu. In: SEMINÁRIO INTERNACIONAL CARAJÁS 30 ANOS: RESISTÊNCIAS E MOBILIZAÇÕES FRENTE A PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO NA AMAZÔNIA ORIENTAL. Anais. São Luís: Edufma, 2014, p. 45-82.; MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico e geográfico da província do Maranhão. 3ª edição. Rio de Janeiro: Fon-Fon/Seleta, 1970, p. 180MARQUES, César Augusto. Dicionário histórico e geográfico da província do Maranhão. 3ª edição. Rio de Janeiro: Fon-Fon/Seleta, 1970..
  • 30
    ALENCASTRO, Luís Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000, p. 250ALENCASTRO, Luís Felipe de. O trato dos viventes: a formação do Brasil no Atlântico Sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000..
  • 31
    Contingentes estes não quantificados nas estatísticas publicadas por diversos autores. Cf. Projeto Vida de Negro. Terras de Preto no Maranhão: quebrando o mito do isolamento. São Luís: Centro de Cultura Negra do Maranhão, Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, 2002Projeto Vida de Negro. Terras de Preto no Maranhão: quebrando o mito do isolamento. São Luís: Centro de Cultura Negra do Maranhão, Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, 2002..
  • 32
    SALES, Noêmia Pires. Pressão e resistência dos índios Tembé-Tenetehara..., op. cit., 1993; GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (séc. XVII-XIX). Tese de doutorado, Departamento de História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, 1997GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (séc. XVII-XIX). Tese de doutorado, Departamento de História, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, 1997..
  • 33
    Idem; ibidem.
  • 34
    ARAÚJO, Mundinha, Insurreição de escravos em Viana, op. cit., 2014; GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (séc. XVII-XIX), op. cit., 1997; CLEARY, David. A garimpagem de ouro na Amazônia: uma abordagem antropológica. Tradução de Virgínia Rodrigues Malm. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1992CLEARY, David. A garimpagem de ouro na Amazônia: uma abordagem antropológica. Tradução de Virgínia Rodrigues Malm. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1992.; ANDRADE, Maristela de Paula. Terra de índio..., op. cit., 1990; entre outros.
  • 35
    GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (séc. XVII-XIX), op. cit., 1997, p. 266, 270, 271, 276, 297, 299, 345.
  • 36
    GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (séc. XVII-XIX), op. cit., 1997, p. 423.
  • 37
    RIBEIRO, Darcy, Diários índios, op. cit., 1996, p. 28__________. Diários índios: os Urubus-Kaapor. São Paulo: Companhia das Letras, 1996..
  • 38
    GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (séc. XVII-XIX), op. cit., 1997, p. 289.
  • 39
    Idem, p. 294.
  • 40
    CLEARY, David. A garimpagem de ouro na Amazônia..., op. cit., 1992; GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (séc. XVII-XIX), op. cit., 1997.
  • 41
    GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos..., op. cit., p. 421.
  • 42
    Idem, p. 366, 369.
  • 43
    SALES, Noêmia Pires. Pressão e resistência dos índios Tembé-Tenetehara..., op. cit., 1993
  • 44
    RIBEIRO, Darcy. A pacificação dos índios Urubu Kaapor. In: A política indigenista brasileira. Rio de Janeiro: Ministério da Agricultura, 1962, p. 85.
  • 45
    GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (séc. XVII-XIX), op. cit., 1997; ARAÚJO, Mundinha. Insurreição de escravos em Viana, op. cit., 2014
  • 46
    RIBEIRO, Darcy. A pacificação dos índios Urubu Kaapor, op. cit., 1962, p. 86.
  • 47
    RIBEIRO, Darcy. A pacificação dos índios Urubu Kaapor, op. cit., p. 86
  • 48
    Transferido da ilha para a margem maranhense, em 1929.
  • 49
    Época de produção do inventário fraudulento sobre a “Terra dos Índios”. Cf. ANDRADE, Maristela de Paula. Terra de índio..., op. cit., 1990, p. 120.
  • 50
    Subtítulo de sua tese.
  • 51
    GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (séc. XVII-XIX), op. cit., 1997, p. 193.
  • 52
    Cf. Arquivo Público do Estado do Maranhão. Representação da Câmara Municipal de Pinheiro ao ilmº. E exmº. Sr. Dr. Franklin Américo de Menezes Doria, presidente da província, em 15 de julho de 1867. Doc. Avulso, citado em ARAÚJO, Mundinha. Insurreição de escravos em Viana, op. cit., 2014, p. 59-60.
  • 53
    GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (séc. XVII-XIX), op. cit., 1997, p. 358, 359, 441.
  • 54
    Depoimentos colhidos em atividades de campo realizadas nos projetos Comunidades quilombolas e indígenas entre as bacias dos rios Turiaçu e Gurupi: construindo agendas comuns, pela qualidade de vida, e Qualidade de vida e controle da hipertensão arterial em comunidades quilombolas no Maranhão, ambos com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa e ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Maranhão (Fapema).
  • 55
    Arquivos em video do projeto Qualidade de vida e controle da hipertensão arterial em comunidades quilombolas, no Maranhão. Entrevista registrada em vídeo com sra. Servina Silva (filha do sr. Olegário Meireles que será mencionado em depoimentos citados adiante, inclusive colhidos por outros autores) e Luís Carlos Teixeira (conhecido como Luís Lopes), realizada na Unidade Escolar Boa Esperança da comunidade Imbiral, em Pedro do Rosário/MA, aos 27 de dezembro de 2015. Núcleo de Extensão e Pesquisa com Populações e Comunidades Rurais, Negras, Quilombolas e Indígenas (NuRuNI). Apoio Fapema. Edital Fapema 006/2015 TECSUniversidade Federal do Maranhão (Ufma)/Programa de Pós-Graduação em Saúde e Ambiente (PPGSA)/Núcleo de Extensão e Pesquisa com Populações e Comunidades Rurais, Negras, Quilombolas e Indígenas (NuRuNI). Arquivos em video do projeto Qualidade de vida e controle da hipertensão arterial em comunidades quilombolas, no Maranhão. Entrevista registrada em vídeo com a sra. Servina Silva e o sr. Luís Carlos Teixeira, realizada na Unidade Escolar Boa Esperança da comunidade Imbiral, em Pedro do Rosário/MA, aos 27 de dezembro de 2015. Apoio Fapema. Edital Fapema 006/2015 TECS..
  • 56
    Cf. ARAÚJO, Mundinha. Insurreição de escravos em Viana, op. cit., 2014.
  • 57
    Entre elas, segundo sr. Luís Carlos Teixeira, os Gamela e Ka’apor ajudavam no trato do cafezal dos quilombolas, os quilombolas no trato do fumal dos Gamela e Ka’apor. Arquivos em video do projeto Qualidade de vida e controle da hipertensão arterial em comunidades quilombolas no Maranhão. Entrevista registrada em vídeo com Luís Carlos Teixeira, realizada na Unidade Escolar Boa Esperança da comunidade Imbiral, em Pedro do Rosário/MA, aos 27 de dezembro de 2015. Núcleo de Extensão e Pesquisa com Populações e Comunidades Rurais, Negras, Quilombolas e Indígenas (NuRuNI). Apoio Fapema. Edital Fapema 006/2015 TECS__________. Arquivos em video do projeto Comunidades quilombolas e indígenas entre as bacias dos rios Turiaçu e Gurupi: construindo agendas comuns, pela qualidade de vida. Entrevista registrada em vídeo com Valdemar Ka’apor, aos 24 de fevereiro de 2015, na então casa de apoio da Associação Ka’apor Ta Hury do rio Gurupi, em Zé Doca/MA. Apoio Fapema. Edital Fapema 022/2013 AEXT..
  • 58
    Cf. GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (séc. XVII-XIX)., op. cit., 1997, p. 359.
  • 59
    Arquivos em vídeo do projeto Qualidade de vida e controle da hipertensão arterial em comunidades quilombolas no Maranhão. Entrevista registrada em vídeo com sr. Luís Carlos Teixeira, realizada na Unidade Escolar Boa Esperança da comunidade Imbiral, em Pedro do Rosário/MA, aos 27 de dezembro de 2015.
  • 60
    Conforme relatam ARAÚJO, Mundinha. Insurreição de escravos em Viana, op. cit., 2014, e GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (séc. XVII-XIX), op. cit., 1997.
  • 61
    Arquivos em vídeo do projeto Qualidade de vida e controle da hipertensão arterial em comunidades quilombolas no Maranhão. Entrevista registrada em vídeo com Luís Carlos Teixeira, realizada na Unidade Escolar Boa Esperança, da comunidade Imbiral, em Pedro do Rosário/MA, aos 27 de dezembro de 2015. Núcleo de Extensão e Pesquisa com Populações e Comunidades Rurais, Negras, Quilombolas e Indígenas (NuRuNI). Apoio Fapema. Edital Fapema 006/2015 TECS.
  • 62
    Arquivos em vídeo do projeto Comunidades quilombolas e indígenas entre as bacias dos rios Turiaçu e Gurupi, construindo agendas comuns, pela qualidade de vida. Entrevista registrada em vídeo com Valdemar Ka’apor, aos 24 de fevereiro de 2015, na então casa de apoio da Associação Ka’apor Ta Hury do rio Gurupi, em Zé Doca/MA. Núcleo de Extensão e Pesquisa com Populações e Comunidades Rurais, Negras, Quilombolas e Indígenas (NuRuNI). Apoio Fapema. Edital Fapema 022/2013 AEXT.
  • 63
    Relatório de João Manoel da Cunha sobre a primeira invasão do quilombo Limoeiro, 24 de janeiro de 1878. Apud GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (séc. XVII-XIX), op. cit., 1997, p. 427-428.
  • 64
    Idem, p. 428.
  • 65
    RIBEIRO, Darcy. Diários índios, op. cit., 1996, p. 419, 486-487, 600.
  • 66
    Trata-se da religião de matriz afro-brasileira, não do xamanismo indígena. Cf. FERRETTI, Mundicarmo Maria Rocha, Tambor, maracá e brincadeiras de negro do Maranhão na virada do século XIX e início do século XXFERRETTI, Mundicarmo Maria Rocha. Tambor de Mina e Terecô no Maranhão. Pesquisa em Foco, vol. 6, n. 7, São Luís, 1998, p. 125-142.. In: Idem (org.). Um caso de polícia! Pajelança e religiões afro-brasileiras no Maranhão 1876-1977. São Luís: Editora da Universidade Federal do Maranhão, 2015, p. 13-34__________. Tambor, maracá e brincadeiras de negro do Maranhão na virada do século XIX e início do século XX. In: Idem (org.). Um caso de polícia! Pajelança e religiões afro-brasileiras no Maranhão 1876-1977. São Luís: Edufma, 2015, p. 13-34.; MOTA, Christiane. Pajés, curadores e encantados - pajelança na Baixada Maranhense. São Luís: Editora da Universidade Federal do Maranhão, 2009MOTA, Christiane. Pajés, curadores e encantados - pajelança na Baixada Maranhense. São Luís: Edufma, 2009..
  • 67
    NIMUENDAJU, Curt Unckel. The Gamella Indians, op. cit., 1937, p. 58-71.
  • 68
    Idem, p. 6, 93.
  • 69
    Ibidem, p. 97.
  • 70
    CASTRO, Fábio Fonseca de. A identidade denegada. Discutindo as representações e a autorrepresentação dos caboclos da Amazônia. Revista de Antropologia, vol. 56, n. 2, São Paulo, 2013, p. 456CASTRO, Fábio Fonseca de. A identidade denegada. Discutindo as representações e a autorrepresentação dos caboclos da Amazônia. Revista de Antropologia, vol. 56, n. 2. São Paulo, 2013, p. 431-475..
  • 71
    CASTRO, Fábio Fonseca de. A identidade denegada., op. cit., 2013, p. 458.
  • 72
    Que só teria vindo a ser por eles conhecido anos após sua publicação oficial pelo Poder Judiciário, impossibilitando sua contestação.
  • 73
    ANDRADE , Maristela de Paula. Terra de índio..., op. cit., 1990, p. 22.
  • 74
    NUNES, Herliton Rodrigues. Perseguição religiosa: a pajelança na imprensa codoense entre os anos de 1894-1896. In: FERRETTI, Mundicarmo Maria Rosa (org.). Um caso de polícia! Pajelança e religiões afro-brasileiras no Maranhão 1876-1977. São Luís: Editora da Universidade Federal do Maranhão, 2015, p. 76, 78NUNES, Herliton Rodrigues. Perseguição religiosa: a pajelança na imprensa codoense entre os anos de 1894-1896. In: FERRETTI, Mundicarmo Maria Rosa (org.). Um caso de polícia! Pajelança e religiões afro-brasileiras no Maranhão 1876-1977. São Luís: Edufma, 2015, p. 75-86..
  • 75
    Idem, p. 132.
  • 76
    Ibidem, p. 78.
  • 77
    FERRETTI, Mundicarmo Maria Rocha. Tambor, maracá e brincadeiras de negro do Maranhão na virada do século XIX e início do século XX. In: FERRETTI, Mundicarmo Maria Rocha (org.). Um caso de polícia! Pajelança e religiões afro-brasileiras no Maranhão 1876-1977. São Luís: Editora da Universidade Federal do Maranhão, 2015, p. 22FERRETTI, Mundicarmo Maria Rocha (org.). Um caso de polícia! Pajelança e religiões afro-brasileiras no Maranhão 1876-1977. São Luís: Edufma, 2015..
  • 78
    Forçoso recordar a coincidência de que justamente uma fazenda, também denominada Santa Bárbara, em Viana, de propriedade do barão de Turiaçu, era uma das que, de mais longa data, abrigava uma comunidade quilombola que as autoridades não conseguiam exterminar e que funcionava como ponto de comunicação e articulação entre comunidades quilombolas e escravos. Cf. GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (séc. XVII-XIX), op. cit., 1997, p. 332. Nela também é que Daniel e João Araújo fizeram escrever, em 10 de julho de 1867, sua anteriormente citada carta às autoridades de Viana.
  • 79
    ANDRADE, Maristela de Paula. Terra de índio..., op. cit., 1990. p. 116-117.
  • 80
    ARAÚJO, Mundinha. Insurreição de escravos em Viana, op. cit., 2014, p. 66.
  • 81
    Idem.
  • 82
    Ibidem, p. 119-120.
  • 83
    Sr. Olegário mudou-se para Imbiral (onde o sr. Luís Carlos Teixeira, nosso principal interlocutor nessa comunidade, o conheceu) e ali faleceu.
  • 84
    ANDRADE, Maristela de Paula. Terra de índio..., op. cit., 1990, p. 116.
  • 85
    Arquivos em vídeo do projeto Qualidade de vida e controle da hipertensão arterial em comunidades quilombolas no Maranhão. Entrevista registrada em vídeo com a sra. Servina Silva (filha do acima mencionado sr. Olegário Meireles) e sr. Luís Carlos Teixeira, realizada na Unidade Escolar Boa Esperança da comunidade Imbiral, em Pedro do Rosário/MA, aos 27 de dezembro de 2015.
  • 86
    Segundo os relatos colhidos, seria uma estatueta de santo Inácio de Loyola, em que um “índio velho” por nome Inácio (não se sabe de que etnia) teria se “encantado”, pois “anoiteceu e não amanheceu”: desapareceu e, no lugar onde deveria estar dormindo, teria aparecido essa imagem. A imagem era considerada milagrosa pois sangrava ao ser furada e os indígenas construíram, em Pinheiro, uma casinha de oratório para ela. Uma família de portugueses instalou-se posteriormente em Pinheiro, onde estabeleceu um armazém em que os indígenas passaram a se abastecer dos itens necessários e se endividar; após certo tempo passaram a arrebanhar esses indígenas como mão-de-obra para seus canaviais e engenho, e os pagavam com melado e cachaça. O alcoolismo e o ciclo de endividamento, assim induzidos pelos portugueses entre os indígenas, possibilitaram a tomada das terras ocupadas por essas comunidades na região. Após tomá-las, esses portugueses teriam desmanchado o oratório dos índios e em seu lugar construíram a Igreja de Santo Inácio de Loyola, padroeiro da cidade.
  • 87
    ANDRADE, Maristela de Paula. Terra de índio..., op. cit., 1990, p. 193.
  • 88
    Cf. PERRIN, Michel. Enfoque antropológico sobre las drogas. Takiwasi, usos y abusos de sustancias psicoactivas y estados de concencia. Tarapoto, n. 1, ano 1, 1992, p. 36-38PERRIN, Michel. Enfoque antropológico sobre las drogas. Takiwasi, usos y abusos de sustancias psicoactivas y estados de concencia. Tarapoto, n. 1, ano 1, 1992, p. 31-52.; SHEPARD Jr. & HARVEY, Glenn. Venenos divinos: plantas psicoativas dos Machiguenga do PeruSHEPARD Jr. & HARVEY, Glenn. Venenos divinos: plantas psicoativas dos Machiguenga do Peru. In: LABATE, Beatriz Caiuby & GOULART, Sandra Lúcia (org.). O uso ritual das plantas de poder. Campinas: Mercado de Letras, 2005, p. 187-218.. In: LABATE, Beatriz Caiuby & GOULART, Sandra Lúcia (org.). O uso ritual das plantas de poder. Campinas: Mercado de Letras, 2005, p. 187-200LABATE, Beatriz Caiubi & GOULART, Sandra Lúcia (org.). O uso ritual das plantas de poder. Campinas: Mercado de Letras, 2005..
  • 89
    Cf. PERRIN, Michel. Enfoque antropológico sobre las drogas, op. cit., 1995.
  • 90
    Cf. GOMES, Flávio dos Santos. A Hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (séc. XVII-XIX), op. cit., 1997, p. 265.
  • 91
    Ibidem.
  • 92
    Cf. CONCEIÇÃO, Manoel da. Essa terra é nossa, op. cit., 1980; VARGA, István van Deursen. Resistências e mobilizações populares nos vales do Pindaré e do Turiaçu, op. cit., 2014, p. 45-82.
  • 93
    Cf. ALMEIDA, Giniomar Ferreira. O Lenine maranhense: fuzilamentos e cultura histórica no interior do Maranhão (1921). Dissertação de mestrado, História e Cultura Histórica, Programa de Pós-Graduação em História, Centro de Ciência Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal da Paraíba, 2010__________. Conflitos e mediação. Os antagonismos sociais na Amazônia segundo os movimentos camponeses. Tese de doutorado, UFRJ, Rio de Janeiro, mimeo, 1993.; BARROS, Rafael Henrique Silva. Fuzilamentos no sertão maranhense (1921): “conspiração” política e repressão oligárquica nos escritos jornalísticos de José do Nascimento Moraes. Dissertação de mestrado, Programa de Pós-Graduação em História Social, Centro de Ciências Humanas, Universidade Federal do Maranhão, 2015BARROS, Rafael Henrique Silva. Fuzilamentos no sertão maranhense (1921): “conspiração” política e repressão oligárquica nos escritos jornalísticos de José do Nascimento Moraes. Dissertação de mestrado, Programa de Pós-Graduação em História Social, Centro de Ciências Humanas, Universidade Federal do Maranhão, 2015..
  • 94
    Cf. GOMES, Flávio dos Santos A Hidra e os pântanos: quilombos e mocambos no Brasil (séc. XVII-XIX), 1997, op. cit.
  • 95
    “Aldeia” não é palavra de origem indígena, mas de origem ibérica, de aldeya e aldea, por sua vez originados do árabe ad-day’a. Cf. CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982, p. 28CUNHA, Antônio Geraldo da. Dicionário etimológico Nova Fronteira da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.. No século XIII, período de ocupação da península ibérica pelos árabes, designou o povoado camponês feudal e foi aplicada pelos colonizadores para designar tanto os povoados indígenas que já encontraram ao chegar as “aldeias” quanto os “aldeamentos”: assentamentos (verdadeiros campos de concentração) de mão-de-obra indígena, os chamados “índios públicos”, instalados nas imediações dos núcleos coloniais, com os grupos para ali trazidos pelos missionários nos chamados “descimentos”. Frequentemente, aldeias já instaladas serviam de base para a formação de aldeamentos, de modo que esses conceitos se confundem ao longo da história.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Mar 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    28 Set 2017
  • Aceito
    13 Set 2018
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