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GILDA DE MELLO E SOUZA E A EMERGÊNCIA DO CAMPO DA MODA NO BRASIL (1800 - 1990)

GILDA DE MELLO E SOUZA AND THE EMERGENCE OF THE FASHION FIELD IN BRAZIL (1800 - 1990)

Resumo

O objetivo deste artigo é recompor a história de uma obra: a tese-ensaio que, em 1950, conferiu a Gilda de Mello e SouzaSOUZA, Gilda de Mello e. O espírito das roupas. São Paulo: Cia. das Letras , 1987. grau de doutoramento em Ciências Sociais, situando-a no contexto acadêmico e da geração intelectual da época em que foi escrita, assim como no desenvolvimento do campo da moda no Brasil. Lançada em livro 37 anos depois, com o título O espírito das roupas - a moda no século XIX, ganhou reconhecimento e se tornou uma obra-monumento para o campo da moda ou, pelo menos, para a produção histórica da moda no Brasil. Para além de suas qualidades intrínsecas, só é possível alcançar sua significação revisitando as fontes que lhe deram sustentação, sua temporalidade e as circunstâncias que circundaram sua elaboração; sobretudo, localizando-a no âmbito da emergência do campo - conforme conceituou o sociólogo Pierre Bourdieu.

Palavras-chave:
História da moda; moda; estética; economia; sociologia

Abstract

The aim of this paper is to reconstruct the history of a work: the dissertation-essay, which in 1950 conferred to Gilda de Mello e SouzaSOUZA, Gilda de Mello e. O espírito das roupas. São Paulo: Cia. das Letras , 1987. the doctoral degree in Social Sciences, situating it in the academic context and intellectual generation of the time in which it was written, as well as in the development of the field of fashion, in Brazil. Published in book form 37 years later, entitled O espírito das roupas - a moda no século XIX, it gained recognition and became a monument-work for its field. Beyond its intrinsic qualities, it is only possible to reach its significance by revisiting the sources that gave it its support, its temporality as well the circumstances that surrounded the field elaboration; above all, situating it within the scope of the emergence of the field - as conceptualized by the sociologist Pierre Bourdieu.

Keywords:
History of fashion; fashion; aesthetics; economy; sociology

Introdução

Pesquisas acadêmicas dialogam com referências teóricas e buscam suporte em documentação e recursos metodológicos condicionados às circunstâncias históricas, sociais e às correntes ideológicas às quais o autor se vincula. Interessam-nos aqui os contextos - pessoais, acadêmicos/profissionais - que circundaram a elaboração da tese A moda no século XIX, defendida aos 31 anos por Gilda de Mello e Souza (1919-2005), e “aprovada com distinção”1 1 Revista de História, n. 6, Departamento de História da USP, São Paulo, 2º trimestre de 1951. no doutoramento em Ciências Sociais na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFLCH) da USP, em 20 de junho de 1950, publicada no ano seguinte na Revista do Museu Paulista.2 2 SOUZA, Gilda de Mello e. A moda no século XIX, ensaio de sociologia estética. Revista do Museu Paulista, nova série, vol. 5, São Paulo, 1951, p. 7-97. São conhecidas as narrativas sobre o impacto causado pelo tema escolhido por Gilda, razão de preconceitos já destilados em sua banca de avaliação - composta apenas por homens -, assim como de sua quase obliteração por 37 anos, até ser lançada em 1987 com o título O espírito das roupas,3 3 SOUZA, Gilda de Mello e. O espírito das roupas. São Paulo: Cia. das Letras, 1987. pela editora Companhia das Letras. Alcançou, a partir de então, sucesso editorial e respeito acadêmico, a ponto de já ter motivado cerca de uma dezena de artigos e ensaios científicos (aos quais este vem se somar), sendo ainda a obra mais citada da autora.4 4 “Numa pesquisa realizada no site www.google.scholar.com.br em 04/05/2015, O espírito das roupas é seu livro que mais acumula citações, 210 no total, ao passo que O tupi e o alaúde, publicado há mais tempo, conta com 77 menções na base científica”. BONADIO, Maria Claudia. Por que (re)ler O espírito das roupas? In: 11º COLÓQUIO DE MODA; 8ª EDIÇÃO INTERNACIONAL. Anais. Curitiba, out. 2015.

O esquecimento por décadas da tese só se explica pelo androcentrismo estulto que orientava as academias (e as ciências humanas) pelo menos até meados do século XX, que considerava as vestimentas humanas, suas formas e modismos temas menores - com raras exceções. A tese de Gilda constituiu uma espécie de desvio tanto pelo tema como pelo tratamento ensaístico que, “se estava em conformidade com o ‘espírito científico’ vigente na época na Faculdade de Filosofia, dele destoava e se distanciava em muitos aspectos. (...) Concebido como um ensaio de sociologia estética, o tema da tese de Gilda foi considerado à boca pequena como fútil. Coisa de mulher”.5 5 PONTES, Heloísa. Modas e modos: uma leitura enviesada de O espírito das roupas. Cadernos Pagu, vol. 22, Campinas, SP: Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2004, p. 13-46. Obs.: Heloisa explora as diferenças de posicionamentos entre as bancas que julgaram Gilda e Florestan Fernandes, cuja tese de doutorado apresentada em 1951 intitulava-se A função social da guerra entre os Tubinambá.

Diferenciava-se, ainda, da “concepção de sociologia dominante na época, animada por um ‘espírito’ cientificista, afeita à ideia positivista de pesquisa como sinônimo de análise sistemática da realidade”.6 6 PONTES, Heloísa. A paixão pela forma. In: MICELI, Sérgio & MATTOS, Franklin de (org.). Gilda, a paixão pela forma. Rio de Janeiro: Fapesp/Ouro Sobre Azul, 2017, p. 81-110.

Já havia, na década de 1940,7 7 Ver nesta edição: DULCI, Luciana. Moda e modas no vestuário: da teoria hierárquica ao pluralismo do tempo presente. Revista de História, Departamento de História, n. 178, 2019. um considerável arcabouço teórico (assim como produção histórica) sobre moda, concentradamente em línguas europeias - em maior parte em inglês, alemão e francês.8 8 Obs.: Citada frequentemente como autora pioneira em trabalho sobre o tema moda no Brasil, foi, todavia, antecedida pela obra do jornalista e escritor maranhense João Affonso do Nascimento (1855-1924), escrita entre 1915 e 1916 fora do ambiente acadêmico, qual seja: AFFONSO, João. Três séculos de moda. Belém: Tavares Cardoso & Cia. 1923, 128 p. Disponível em: https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/2346. Acesso em: 20 out. 2017. Como teria se dado, então, a escolha de tão inusitado tema e abordagem por uma jovem integrante de uma das primeiras turmas egressas da Faculdade de Filosofia da recém-fundada (em 1934) Universidade de São Paulo (USP)? Gilda ingressou no curso em 1937, às vésperas de completar 18 anos; obteve bacharelado em 1939 e, em 1941, a licenciatura, mesmo ano em que participou da criação da revista cultural Clima (1941-1944), ao lado de Antônio Candido (com quem se casou em 1943), e dos críticos Décio de Almeida Prado, Emilio Salles Gomes, Ruy Coelho e Lourival Gomes Machado. Teve ali uma breve incursão literária, escrevendo contos. Mas acabou por se concentrar na carreira acadêmica: já após o bacharelado, se tornou assistente da cadeira de Sociologia I, então ocupada por Roger Bastide, que substituíra Claude Lévi-Strauss, ambos integrantes do grupo de intelectuais da chamada “missão francesa”, que incluiu ainda Paul-Arbousse Bastide (Sociologia), Fernand Braudel (História), Jean Maugüé (Filosofia), entre outros.

Do grupo francês, Bastide teve permanência longa e uma interação profícua com o Brasil, interessando-se pelo estudo das relações raciais e das religiões afro-brasileiras, a ponto de, em agosto de 1951, ter se iniciado no candomblé como filho de Xangô, passando a usar o colar de contas vermelho e branco: “A ação que desenvolveu foi além da sociologia, da antropologia social, da psicologia social, disciplinas que se aninham sob o título de ciências sociais, estendendo-se à psicanálise e à psiquiatria, à filosofia e à moral, chegando à literatura e às artes...”.9 9 QUEIRÓZ, Maria Isaura Pereira de. Roger Bastide, professor da Universidade de São Paulo. Estudos Avançados, vol. 8, n. 22, São Paulo, set./dez. 1994. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40141994000300023. Acesso em: 18 mar. 2017. Em 1942, Bastide escreveu uma resenha sobre o livro Salões e damas no Segundo Reinado, de Wanderley Pinho, que talvez lhe tenha motivado a propor o tema moda à sua orientanda:

Roger Bastide me sugeriu uma série de assuntos e entre eles escolhi a moda. O que pude fazer sem qualquer imposição foi a maneira de abordar o assunto. De imediato, vi que tinha de abordá-lo de acordo com minhas possibilidades. Me informei na biblioteca da Cultura Inglesa, onde obtive a bibliografia mais atualizada, e levantei tudo que era possível.10 10 SOUZA, Gilda de Mello e; GALVÃO, Walnice Nogueira (org.). A palavra afiada. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2014, p. 89-112.

Confirmando a forte influência do orientador, ela acrescentou:

Sem ele eu não teria feito a tese. Não teriam deixado. Bastidinho tinha uma mentalidade pré-histórica do cotidiano, daí ter feito Psicanálise do cafuné [1941]; sabia retirar coisas extremamente significativas de elementos desprezados. (...). Foi Bastidinho que me aconselhou, sob a influência da leitura de Gilberto FreyreFREYRE, Gilberto. Modos de homem, modas de mulher. Rio de Janeiro: Record, 1987. , a ler os anúncios da época e as crônicas de moda. Depois me ocorreu pedir a alguns alunos que levantassem a descrição de moda feita nos romances.11 11 Idem.

Durante a elaboração da tese, na segunda metade dos anos 1940, o orientador “discutia e mandava comentários: bon; excellent; maintenant, très bien. Quando dizia maintenant, très bien, é porque havia proposto mudança. Mas acompanhou tudo de acordo com um pedido meu: “Só entrego quando o capítulo estiver pronto...”.12 12 Ibidem, p. 101. Gilda destacou outras ajudas importantes que teve, como a de “Maria Isaura Pereira de Queiroz, que fichou com paciência os romances brasileiros da segunda metade do século XIX”, 13 13 Ibidem, p. 99. ou de Sérgio Buarque de Holanda, que traduziu para ela ensaios de Steinmetz e Simmel, indicou Veblen e foi responsável pela publicação da tese na Revista do Museu Paulista em 1951. Por sinal, é preciso atentar para o subtítulo que aparece nesta edição: A moda no século XIX, ensaio de sociologia estética. É determinante na trajetória de Gilda o estudo da estética pela via da sociedade, tanto que, em 1954, ela deixou o Departamento de Ciências Sociais para assumir a cadeira de Estética no Departamento de Filosofia:

No princípio, tive que mudar minha orientação, que era mais sociológica. (...) Empurrada por Baudelaire, estudei as transformações da arte no século XIX, as novas relações do pintor com a figura do marchand. Na verdade, encontrei um modo de manter a minha velha polaridade: criação e crítica.14 14 Ibidem, p. 104.

Gilda apreende o valor do detalhe, a “desentranhar o sentido da obra”, sem perder sua inter-relação com o social.

Citada com frequência como referência de história da moda no Brasil, o objeto da tese de Gilda não foi apenas detalhar variações ou sazonalidade nas vestes usadas pela elite brasileira, no século XIX:

[...] nossa visão como que se empobrece ao encararmos um fenômeno de tão difícil explicação unilateral com os olhos ou do sociólogo, ou do psicólogo, ou do esteta. A moda é um todo harmonioso e mais ou menos indissolúvel. Serve à estrutura social, acentuando a divisão de classe; reconcilia o conflito entre o impulso individualizador de cada um de nós [...] e o socializador [...]; exprime ideias e sentimentos, pois é uma linguagem que se traduz em termos artísticos.15 15 SOUZA, Gilda de Mello e. Op. cit., 1987, p. 29.

Sua análise, portanto, inter-relaciona a estética das vestes às suas razões sociais, em perspectiva histórica; além disso, põe abaixo a barreira divisória epistemológica entre o fictício e o real, ao retirar da literatura excertos de comportamento de moda com a mesma naturalidade com que lança mão de pinturas ou fotografias - no caso de personagens da elite brasileira - para ilustrar seus argumentos. É a pintura ou a fotografia retrato do real ou arte? Haveria, então, um diálogo possível entre real e arte/ficção?

O entrelace entre científico e artístico é um ponto inovador, que incomodou na tese de Gilda:

Foi totalmente intuitivo. Sempre gostei de moda. Considero a moda bem menos leviana do que parece. À medida que lia os romances, sentia a importância crescente da moda neles; isso está no meu ensaio Macedo, Alencar, Machado e as roupas. Conforme o escritor, a moda mostra uma nova face.16 16 SOUZA, Gilda de Mello e; GALVÃO, Walnice Nogueira (org.). Op. cit., 2014, p. 89-112.

O entendimento de que as narrativas de ficção e a factual ou documental - historiográfica ou jornalística - são divergentes desconsidera tanto a subjetividade inerente a todo relato historiográfico e factual/jornalístico, quanto a capacidade do escritor de ficção de se colocar como observador social. Mas a tese de Gilda foi elaborada numa época em que a sociologia buscava reforçar um estatuto científico afeito “à ideia positivista de pesquisa como sinônimo de análise sistemática da realidade”,17 17 PONTES, Heloísa. Op. cit., 2004, p. 13-46. ao passo que o campo da história aprofundava interações com a economia, ciências sociais e humanas em geral. Seu texto transita “da história para a sociologia, desta para a antropologia e para a estética, mobilizando fontes diversas e pontos de vista inesperados”, e ainda sua “própria experiência numa chave sutil de inflexão analítica”,18 18 PONTES, Heloísa. Op. cit. 2017, p. 105. para lançar um olhar sobre o século XIX enraizado no comportamento feminino do tempo de escritura e na experiência subjetiva da autora: “O estilo do livro era aberrante para a época. Era como se, num momento de linguagem puríssima, você fizesse um livro cheio de modismo. Não era o estilo que estava em voga para as teses universitárias”,19 19 SOUZA, Gilda de Mello e; GALVÃO, Walnice Nogueira (org.). Op. cit, 2014, p. 89-112. ela reavaliou. Ou seja, não se enquadrava na academia de seu tempo, porque se desenvolvia “não sob a forma das costumeiras discussões bibliográficas que acompanham os trabalhos escritos como teses de doutorado e, sim, como fios discretos que a autora vai desfiando no andamento da análise”.20 20 PONTES, Heloísa. Op. cit., 2017, p. 32, 105.

A estrutura do livro

Subdividida em introdução e cinco capítulos, a tese é acompanhada por um apêndice (textos curtos complementares sobre o rapé, o xale e o colete ou espartilho), um álbum fotográfico (o gesto, a atitude, a roupa do brasileiro como foram fixados pela fotografia de meados do século XIX a primeira Grande Guerra), notas e bibliografia. Em linhas gerais, o ensaio utiliza e aprofunda os conceitos e teorias já mencionados sobre o campo, disponíveis até a primeira metade do século XX, restringindo o conceito de moda às vestimentas e acessórios (como faz Steinmetz), próprio a certas sociedades e épocas, em contraposição a conceitos mais abrangentes (como os de Tarde e Blondel), aplicáveis também aos costumes, política, ciência etc. Atrela, portanto, a moda ao processo de urbanização ocorrido no Ocidente a partir do Renascimento e efetivado com o “advento da burguesia e do industrialismo, dando origem a um novo estilo de vida; a democracia, tornando possível a participação de todas as camadas no processo, outrora apanágio das elites”.21 21 SOUZA, Gilda de Mello e. Op. cit., 1987, p. 22. Limita-se ao século XIX porque o julgamento de manifestações do gosto que se desenvolvem sob nossas vistas “é provisório e depende de revisão futura” e, ainda, porque o período oferecia fontes visuais como as “pranchas de moda e fotografias”,22 22 Ibidem, p. 23, 24. além das observações e relatos dos romancistas, cronistas e estudiosos, que permitiram conferir, “movimento” às roupas - já que Gilda parte do conceito de que a arte da vestimenta não apenas é tridimensional, como só pode se concretizar plenamente em uso, pelos movimentos corporais e gestuais - ponto estrutural de sua análise.

No capítulo 1, “A moda como arte”, referenciado especialmente nos franceses estudiosos das artes, Charles Lalo (1877-1953), filósofo, e Henri Focillon (1881-1943), historiador, Gilda refaz a caprichosa trama de relações e interações entre a moda e as artes, para inferir que a criação das efêmeras vestimentas humanas é, sim, uma forma de arte, mesmo quando sua produção é industrial e disseminada por campanhas mercadológicas, considerada ofício artesanal no correr do século XVIII.23 23 SVENDSEN, Lars. Moda, uma filosofia. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 2010, p. 102. Mas, desde que a alta costura se instaurou, em meados do século XIX, a moda aspirou à condição de arte, alçando o costureiro à condição de livre criador, aos moldes dos artistas plásticos, escritores, músicos etc.: “...fechado em seu estúdio, o costureiro, ao criar um modelo, resolve problemas de equilíbrio de volumes, de linhas, de cores, de ritmo. Como o escultor ou pintor, ele procura, portanto, uma forma que é a medida do espaço e que, segundo Focillon, é o único elemento que devemos considerar na obra de arte”,24 24 SOUZA, Gilda de Mello e. Op. cit., 1987, p. 33. ela afirma. Paul Poiret já em 1913 declarava: “Sou um artista, não um costureiro”.25 25 TROY, Nancy J. Couture culture, a study in modern art and fashion. Cambridge: Mass.: MIT Press, 2003. Apud SVENDSEN, Lars. Op. cit., 2010, p. 103.

Essa inter-relação com a arte foi determinante para a emergência do campo da moda, atalhando para intepretação proposta pelo sociólogo francês Pierre Bourdieu (1930-2002)26 26 BOURDIEU, Pierre; DELSAUT, Yvette. O costureiro e sua grife: contribuição para uma teoria da magia. Tradução de Maria das Graças Jacintho Setton. Educação em Revista, nº 34, Belo Horizonte, 2001. em artigo de 1975 - bem posterior, portanto -, no qual demonstrou que, ao afixar etiquetas com seu nome às peças, o costureiro da haute couture adicionou valor simbólico ao que era somente artesanato, seguindo estratégia equivalente à do artista plástico: “Este capital, simbolizado por seu nome [...] pode converter-se em capital econômico sob certas condições e dentro de certos limites, em particular, aqueles que definem a duração do renome”.27 27 Idem, p. 22. Mas Gilda não analisa a moda pelo viés mercadológico, não estabelece paralelo entre os desfiles de moda, nem aborda a aura de peça única artesanal da alta costura, que justificariam os altos preços cobrados pelas maisons, estratégia, naquele contexto, também similar à singularidade da obra de arte valiosíssima que Walter Benjamin28 28 BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica. São Paulo: Abril Cultural, 1975. viu ameaçada pelas técnicas de reprodução introduzidas no correr do século XX. O que de fato não ocorreu, assim como a introdução do prêt-à-porter nos anos 1960 não destituiu a moda de seu valor simbólico. Mas faz considerações nessa direção:

[...] não é possível estudar uma arte tão comprometida pelas injunções sociais, como é a moda, focalizando-a apenas nos seus elementos estéticos. [...] Esse fenômeno social, não há dúvida, está jogando a todo instante com os princípios artísticos, que reorganiza num novo todo cada vez que o estilo varia.29 29 SOUZA, Gilda de Mello e. Op. cit., 1987, p. 50-51.

E referenda a elevação do status do costureiro de artesão a livre criador ao situá-lo no mesmo patamar dos gênios criadores dos demais campos das artes, processo que (como demonstrou Bourdieu)30 30 BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. Introdução, organização e seleção de Sérgio Miceli. 8ª edição. São Paulo: Perspectiva, 2015. perpassa a emergência dos campos artísticos, acrescendo valor simbólico aos produtos artísticos: “A moda sempre se situou num espaço entre arte e capital, no qual muitas vezes abraçou o lado cultural para abrandar seu lado financeiro”.31 31 SVENDSEN, Lars. Op. cit, 2010, p. 102.

Gilda enfatiza as relações entre moda e sociedade por suas implicações estéticas, quando constata, por exemplo, que vestimentas desequilibradas estiveram em voga em vários momentos da história: “Contudo, vários estilos [desproporcionados] se difundiram, o que prova a relatividade do elemento artístico num fenômeno social como a moda. A forma não corresponde, pois, a uma preferência arbitrária da estética, mas é imposta quer pela tradição, quer pelas condições sociais”. Se a estética em si não justifica o desejo por moda, de onde ele provém é a questão que anima os teóricos, desde os primeiros estudos da moda: “O que explica a necessidade constante de renovação, o cansaço ininterrupto das antigas formas? Esta pergunta quem a responde a nosso ver não é mais a estética e sim a sociologia”,32 32 SOUZA, Gilda de Mello e. Op. cit., 1987, p. 45, 51. ela afirma, apostando na teoria de Simmel da imitação entre classes.

De mãos dadas com Focillon argumenta ainda que, sendo a forma essencial a todas as artes, os estilos de época poderiam ser explicados pela absorção das tendências estéticas de um campo das artes pelo outro; assim, no século XIX, haveria, por exemplo, uma interação entre a estética das chaminés das fábricas (arquitetura) e os ternos e cartolas cinzentos (moda) usados por seus sisudos industriais; ou, ainda, entre o design de objetos como as taças e abajures e as roupas femininas do período, ponto de vista referendado por autores como Gerald Heard, Cunnington33 33 CUNNINGTON, Cecil Willett. Why women wear clothes. Londres: Faber&Faber, 1931. Idem. Feminine attitudes in the nineteenth century. Londres: W. Heinemann Ltd., 1935. Idem. English women’s clothing in the nineteenth century. Londres: Courier Dover Publications, 1937. Idem. Feminine fig-leaves. Londres: Faber&Faber, 1938. Idem. The perfect lady. Londres: M. Parrish, 1948. Idem. The art of English costume. Londres: Collins Clear-Type Press, 1948. Idem. The history of underclothes. Londres: Courier Dover Publications, 1951. Handbook of English mediaeval costume. Londres: Faber&Faber, 1952. Idem. Handbook of English costume in the sixteenth century. Londres: Faber&Faber, 1954.Idem. A dictionary of English costume. Londres: Black, 1960. Idem. Handbook of English costume in the seventeenth century. Londres: Faber&Faber, 1963. Idem. Handbook of English costume in the nineteenth century. Londres: Faber&Faber, 1966. e James Lever, derivado da concepção de zeitgeist, qual seja, do “espírito de uma época”, naturalmente submetido à moral e às convenções sociais nele vigentes. De Cunnington, ela retirou o “esboço de uma teoria artística da vestimenta” baseada nos seguintes elementos: a forma (reta, angular ou curva), a cor (contrastes, combinações, estamparia etc.), o tecido (consistência e espessura, disposição das fibras, brilho, relevo etc.) e, por último, a mobilidade (evoluindo para maior liberação dos membros), no que nos lega uma definição definitiva: “Recompondo-se a cada momento, jogando com o imprevisto, dependendo do gesto, é a moda a mais viva, a mais humana das artes”.34 34 SOUZA, Gilda de Mello e. Op. cit., 1987, p. 45, 41. Ou ainda: “Enquanto o quadro só pode ser visto de frente e a estátua nos oferece sempre a sua face parada, a vestimenta vive na plenitude não só do colorido, mas dos movimentos”.35 35 Ibidem, p. 40.

A constatação (quase axiomática) de que a arte da moda só se realiza vestindo o corpo humano e em movimento, proveniente de Cunnington e reelaborada por Gilda, só mereceu maior atenção a partir dos anos 1970, época em que, com o aumento no número de museus de moda, dificuldades na exposição de seus acervos passaram a ser vivenciadas concretamente36 36 The Museum of Costume/Fashion Museum (1963) em Londres; Fashion Institute of Technology (FIT) de Nova York (com exposições a partir de 1975); Museu Nacional do Traje em Lisboa (1976); Musée de la Mode et du Costume de la Ville de Paris no Palais Galliera (1977); The Kyoto Costume Institute (1978), entre outros. devido a uma certa monotonia e até morbidez da apresentação de roupas em “manequins estáticos, deixando de lado todo o potencial do movimento sobre a roupa”.37 37 BONADIO, Maria Claudia. Algumas anotações (e questões) sobre Gilda de Mello e Souza e a moda como objeto de estudo. Revista Prâksis, vol. 1, Novo Hamburgo, jan./jun. 2017. Pela mesma razão, ao comprar roupas, necessitamos experimentá-las, já que observadas em manequins ou cabides sugerem possibilidades que só podemos concretizar testando-as no corpo. Gilda assevera: “Arte por excelência do compromisso, o traje não existe independentemente do movimento, pois está sujeito ao gesto, e a cada volta do corpo ou ondular dos membros é a figura total que se recompõe, afetando novas formas e tentando novos equilíbrios”.38 38 SOUZA, Gilda de Mello e. Op. cit., 1987, p. 40.

No capítulo 2, “O antagonismo”, Gilda explora as distinções de gênero nas vestimentas. É ainda Cunnington sua referência na acentuação das diferenças nas vestes de homens e mulheres, ampliadas a partir do século XIX, avaliação consensual entre historiadores da moda. “A indumentária masculina evoluiu na sua trajetória de um ‘oblongo em pé’, sólido dos ombros aos tornozelos, ao segmento de uma estrutura assemelhando-se no desenho a um H. A feminina tomou como ‘símbolo básico de sua construção um X’”,39 39 Ibidem, p. 59. diversificação formal que traduzia um antagonismo entre os ideais de masculinidade e feminilidade do período. Gilda adentra, então, o debate sobre a “‘grande renúncia masculina’ de que falam os psicanalistas”40 40 Ibidem, p. 80. pela moda, referindo-se a Flügel e admitindo que “a explicação pode valer para o século XIX”.41 41 Ibidem, p. 80. Segundo o teórico inglês, “os homens abdicaram de seu direito a todas as formas mais claras, mais alegres, mais elaboradas e mais variadas de ornamentação, deixando-as inteiramente para o uso das mulheres, tornando assim o seu corte de roupa a mais austera e ascética de todas as artes”.42 42 FLÜGEL, John Carl. A psicologia das roupas. Rio de Janeiro: Mestre Jou, 1965, p. 100. A abordagem de Gilda segue essa direção ao apontar uma simplificação progressiva das vestes masculinas “tendendo a cristalizar-se num uniforme”.43 43 SOUZA, Gilda de Mello e. Op. cit., 1987, p. 64. Todavia, sem entender que, com isso, tenha havido uma total eliminação da moda no vestuário masculino:44 44 Ver: BONADIO, Maria Claudia. Op. cit., jan./jun. 2017.

[...] a renúncia dos elementos decorativos não se faz abruptamente e se a roupa se despoja e o homem desiste das rendas e plumas, que se tornam o apanágio das mulheres, não abandona outras formas mais sutis de afirmação social e prestígio, fixadas agora na exploração estética do rosto e no domínio de certas insígnias de poder e erotismo, como os chapéus, as bengalas e os charutos e as joias.45 45 SOUZA, Gilda de Mello e. Op. cit., 1987, p. 75.

A diferenciação intensificada entre os gêneros, no século XIX, seria reflexo da “divisão nítida de dois mundos se espelhando no conjunto das atividades humanas, a barreira inexorável se elevando a todo momento entre os dois sexos”. As vestes expressam esse antagonismo; o traje feminino “se lançou novamente numa complicação de rendas, bordados e fitas, a indumentária masculina partiu, num crescente despojamento, do costume de caça do gentil-homem inglês para o ascetismo da roupa moderna”.46 46 Ibidem, p. 45, 60. As reflexões da brasileira parecem menos interessadas em contestar Flügel do que - par e passo também com o clássico estudo do filósofo e sociólogo francês Edmond Goblot (1858-1935)47 47 GOBLOT, Edmond. La barrière et le niveau, nouvelle. 1ª edição de 1925. Paris: Édition Flélix Alcan, 1930. Apud SVENDSEN, Lars. Op. cit., 2010. - identificar as motivações sociais das alterações nas formas das vestes de ambos os gêneros:

O homem só se desinteressou da vestimenta quando esta [...] deixou de ter importância excessiva na competição social. A Revolução Francesa, consagrando a passagem de uma sociedade estamental a uma sociedade de classes, e estabelecendo a igualdade política entre os homens, fez com que as distinções não se expressassem mais pelos sinais exteriores da roupa, mas através das qualidades pessoais de cada um. [...] É esse o ideal masculino do século XIX, que se reflete no traje [...], pois a beleza agora se tornou privativa da mulher.48 48 SOUZA, Gilda de Mello e. Op. cit., 1987, p. 80, 81.

Mesmo esta reserva de excessos no vestuário ao sexo feminino não pode ser vista inteiramente como apanágio, porque está vinculada ao papel restrito ao lar reservado à mulher burguesa. Para teóricos mais recentes, como Anne Hollander, o terno, “um traje de classe média que a classe alta passou a usar”, teria representado uma ruptura em que “a moda masculina deu um salto radical para a era moderna, enquanto a moda feminina foi deixada para trás”.49 49 SVENDSEN, Lars. Op. cit., 2010, p. 47.

O 3º capítulo, “Cultura feminina”, se ocupa justamente em desvelar o universo da mulher da elite burguesa, alijada do mundo produtivo e profissional externo ao lar: “À mulher do século XIX, restava, portanto, apenas o casamento. Esta única alternativa permitida ao sexo feminino não podia deixar de favorecer o desenvolvimento intensivo da arte da sedução. E se a moda agora era acessível a todos através da prancha colorida que a revista de senhoras publicava [...]”.50 50 SOUZA, Gilda de Mello e. Op. cit., 1987, p. 92. À mulher burguesa - vale frisar, já que o contexto da mulher proletária era diverso -, coube potencializar seus meios de expressão:

Tendo a moda como único meio lícito de expressão, a mulher atirou-se à descoberta de sua individualidade, inquieta, a cada momento insatisfeita, refazendo por si o próprio corpo, aumentando exageradamente os quadris, comprimindo a cintura, violentando o movimento natural dos cabelos. Procurou em si - já que não lhe sobrava outro recurso - a busca de seu ser, a pesquisa atenta de sua alma.

Apoiada na ideia de “alienação para o exterior” (um outro “si-mesmo”) de Hegel51 51 HEGEL, G. W. F. Esthétique. 2 volumes. Paris: 1944. Apud SOUZA. Gilda de Mello e. Op. cit. 1987. - Gilda interpreta os excessos da moda feminina no período também como uma forma de criar “com o próprio corpo, substituindo o belo natural pelo belo artístico, produto de uma disciplina do espírito”.52 52 SOUZA, Gilda de Mello e. Op. cit., 1987, p. 100, 101. Depreende-se que a autora não entendia a moda “apenas como uma forma de opressão feminina, mas também uma válvula de escape para as mulheres das elites que, entregues às sedas e brocados, podiam constituir um universo próprio, sobretudo nas ocasiões de festas”.53 53 BONADIO, Maria Claudia. Op. cit. 2015, p. 4.

No capítulo 4, “A luta de classe”, a moda é interpretada como forma de “preservar uma demarcação social existente, mas ameaçada”,54 54 SOUZA. Gilda de Mello e. Op. cit. 1987, p. 111. num século em que as hierarquias sociais transitavam do sistema fixo, aristocrático, para o sistema móvel, democrático-burguês, afetando as formas de vestir especialmente nos meios urbanos e na Europa. A moda tem, portanto, função de distinção social entre classes, decorrendo da imitação das modas usadas pelas camadas mais altas pelas camadas médias: “E como as modas vigentes são sempre as da classe dominante, os grupos mais próximos estão, a cada momento, identificando-se aos imediatamente superiores, através da imitação da vestimenta”.55 55 SOUZA, Gilda de Mello e. Op. cit., 1987, p. 123, 130. As sofisticações e exageros das vestes femininas (anáguas em camadas, saias-balão de crinolina, seguidas por armações de aço, tournures ou anquinhas; espartilhos, coletes, caldas, fofos, apanhados, pouffs, chapéus enormes, mangas longas, luvas etc.) seriam, portanto, armas usadas pelas burguesas para provar seu ócio, isso mesmo nos últimos decênios, quando as mulheres já haviam ampliado sua inserção social - contradição indicativa de que a moda tanto reflete como se opõe às mudanças sociais.

A moda decorrente da imitação entre classes seria, portanto, a coluna dorsal da engrenagem montada a partir de Paris, pela interpretação de Gilda. Fazendo um retrospecto, ela informa que, já nas primeiras décadas do século XIX, “por uma curiosa inversão de papéis”, a moda teria deixado de ser liderada pelos monarcas e nobres, sendo apoderada, inicialmente, por “arrivistas e, principalmente, cocottes e atrizes”.56 56 Ibidem, p. 133, 134. Mas eis que a partir de meados do século,

[...] começam a surgir os donos do gosto, a nova raça de ditadores da moda, de que Worth [Charles Frederick Worth, 1825-1895] é o primeiro e talvez o maior representante do século. [...] Um pouco afastado desse núcleo central, um público sôfrego [...] aspira à mesma existência de beleza. Seu orçamento é limitado e, para satisfazê-lo, surgem os ersatz da moda, a cópia fiel do modelo ou a mistificação bon marché. Quanto mais rapidamente se exibe a cópia, tanto mais depressa o estilo muda. [...] Não é o vestido que importa, mas a etiqueta do criador. [...] reforçando o desejo de igualdade da burguesia através da propaganda e atirando fora da competição todo o proletariado. [...] uma moda que a classe média persegue sem jamais alcançar e que os pequenos funcionários e todos os párias sociais espiam nas vitrinas com olhar sequioso.57 57 Ibidem, p. 139, 140, 141.

Fica evidenciado, portanto, que Gilda abraça a teoria da moda gerada a partir do ciclo de imitação das modas burguesas pelas classes médias, mesmo após o advento da alta costura. Cabe ainda questionar: essa interpretação pode ser transposta automaticamente para o Brasil? A esse respeito, Gilda observa apenas que, em uma sociedade de “formação recente” como a nossa, “a posse da riqueza é a grande modificadora da estrutura social”, e classe é uma “coisa relativa” - o que nos colocaria mais próximos do contexto contemporâneo, em que a moda não tem mais a função explícita de distinção social, que se faz pela posse de capital.

No substancioso capítulo final, “O mito da borralheira”, o foco é a vida de exceção: as festas e o veraneio das elites, espaços abertos ao exibicionismo e à competição social, nos quais a roupa assumia “forma elaborada, impregnada de erotismo” e quando se abriam brechas aos mais aptos para “ingresso ao mundo dos eleitos”.58 58 Ibidem, p. 146, 150, 167. Reflexão diretamente conectada às de seu orientador, como se pode constatar pelo texto que ele escreveu sobre Salões e damas do Segundo Reinado, de Wanderley Pinho, a respeito do qual ela mesma destacou: “A seu ver [de Bastide], os salões mundanos, sob a aparência de futilidade, podem ser um excelente instrumento para se conhecer o estilo de vida de uma época...”.59 59 SOUZA, Gilda de Mello e. Exercícios de leitura. São Paulo: Duas Cidades/Editora 34, 1980, p. 25. Mas tanto este capítulo quanto os apêndices finais não oferecem acréscimos teóricos substantivos à análise empreendida pela tese sobre os mecanismos que regulavam a moda no século XIX e cujo enquadre principal seria a chamada “teoria do gotejamento”,60 60 SVENDSEN, Lars. Op. cit. 2010, p. 39. pela qual a moda ocorreria nos estratos mais elevados para ser “gotejada” (ou seja, imitada ou copiada) nas camadas mais baixas, ideia que apareceu em 1759 com Adam Smith e ganhou enquadres específicos com Kant (para quem moda seria imitação e vaidade), Spencer (que previu o fim da moda das elites com sua democratização), Veblen (que apontou o desperdício conspícuo), Simmel (base da reflexão de Gilda), Tarde (que retomou a imitação) e mesmo com Bourdieu (que enfatizou a moda como consumo simbólico e estratégia de diferenciação das elites). É um conceito que prevalece apenas parcialmente, na revisão proposta pelo filósofo francês Gilles LipovetskyLIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero. São Paulo: Cia. das Letras, 2009. no mesmo ano em que Gilda lançava seu livro no Brasil.61 61 Obs.: Em 1987, Lipovetsky propôs três periodizações para a moda com regimes específicos: Momento aristocrático, da metade do século XIV até metade do século XIX, em que a moda ocorria “essencialmente de cima para baixo”; Moda dos cem anos, da haute couture, em 1858, à emergência do prêt-à-porter nos anos 1960, período de democratização da moda para as classes médias; e Moda aberta, em vigor deste então, desierarquizada e de hiperconsumo. LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero. São Paulo: Cia. das Letras, 2009, p. 80.

A banca de avaliação

Um documento importante para se entender o contexto acadêmico na Faculdade de Filosofia da USP no surgimento da tese de Gilda é o relato, em tom cartorial - sempre na terceira pessoa - da própria banca que a avaliou, em junho de 1950, disponível na Revista de História da USP.62 62 Revista de História, n. 6, Departamento de História da USP, São Paulo, 2º trimestre de 1951. Banca presidida por Roger Bastide e composta pelo sociólogo Fernando de Azevedo (1894-1974), da cadeira Sociologia II, Alfredo Ellis Júnior (1896-1974), da cadeira História da Civilização Brasileira, João Cruz Costa (1904-1978), da cadeira de Filosofia, e pelo crítico de arte Sérgio Miliet (1898-1966), diretor da Biblioteca Municipal de São Paulo. Aparecem ali comentários esclarecedores, entre outros que, por vezes, denotam pouco conhecimento dos escrutinadores sobre história da moda. Por exemplo, o professor Fernando de Azevedo, então titular de Sociologia II, contesta a afirmação da autora de que a facilitação dos movimentos de pernas e braços nas vestes (as juntas móveis) só tivesse ocorrido no século XVIII; ou, ainda, que o estilo diretório tivesse sido o apogeu do exibicionismo do corpo, no mesmo período: “[...]esquece-se a candidata de que os gregos e romanos tinham resolvido o problema, pois chiton, clâmide, toga ou túnica deixavam os membros completamente desembaraçados. [...] em Roma, se faziam trajes em tecidos inteiramente transparentes”. Gilda explica, então, que “Grécia e Roma não podem servir de pontos de referência por várias razões. Em primeiro lugar, porque a roupa moderna deriva não da toga ou da túnica, mas de uma nova concepção de vestimenta que surge a partir do contato com os bárbaros do Norte, produzindo a roupa medieval; o ponto de partida tem que ser este”. Também deixando entrever pouca familiaridade com consensos já estabelecidos entre historiadores da moda, seu próprio orientador, Bastide, a lembra “que, embora não faça referências, existe também moda entre primitivos e selvagens” - que não é cabível pelos mesmos argumentos já explicitados.

Por sua vez, o professor Alfredo Ellis Jr. lamentou o fato de que, “sendo tantos os problemas brasileiros por estudar, tenha a candidata escolhido um tema geral” - querendo quem sabe dizer “menor”. E também discordou - equivocadamente - da data de 1814 para o aparecimento das calças compridas masculinas, alegando que, na Revolução Francesa, “a burguesia evolucionária usava calças compridas (pantalons)” e, ainda, de que os séculos XVI e XVIII tenham sido “épocas de cara raspada”, já que foram “justamente a época dos Bandeirantes e de Tiradentes”. Gilda reafirma a data de introdução da calça masculina e justifica que, “mal grado certas variações locais (dos Bandeirantes, cujas barbas longas estavam condicionadas à vida rude dos desbravadores)”, os séculos em questão “eram épocas de cara raspada, bastando notar que são esses os séculos das perucas e cabeleiras”. Sobre Tiradentes, Gilda não fez considerações, mas é amplamente sabido que o mártir da Inconfidência Mineira não usava barbas mesmo quando caminhou para o patíbulo, no Rio de Janeiro, em 21 de abril de 1792. Sua imagem de barba e cabelos longos foram representações imaginárias (já que não há registro pictórico ou mesmo descrição do rosto do mártir) feitas por pintores após a República.63 63 Obs.: Registros pictóricos que contribuíram para fixar a imagem de Tiradentes com barba: Tiradentes esquartejado, de Pedro Américo, 1893 (Museu Procópio Mariano, Juiz de Fora, MG); Martírio de Tiradentes, de Francisco Aurélio de Figueiredo e Melo, c/d 1893 (acervo do Palácio Pedro Ernesto, RJ); Prisão de Tiradentes, de Antônio Diogo da Silva Parreiras, 1914; A leitura da sentença de Tiradentes, de Leopoldino Faria, 1921; Tiradentes ante o carrasco, de Rafael Falco, 1941.

A despeito desses desconsertos, a defesa contém dados importantes para entender a tese, como a explicação de Gilda de que “sua intenção era justamente estudar a evolução da moda brasileira no século XIX; todavia, foi obrigada a abandonar seu intento dada a deficiência de elementos; tentou suprir esta falha usando a maior quantidade possível de exemplos brasileiros, como se pode verificar da tese”, sugerindo que a literatura e as fotos de personagens da elite brasileira foram utilizadas para suprir uma carência de dados empíricos objetivos, e não como método previamente planejado, emenda que acabou por se converter em trunfo:

A intimidade de Gilda com o universo literário adquirida desde muito cedo, como leitora compenetrada e reforçada por meio da longa e decisiva influência de seu primo em segundo grau, Mário de Andrade, seria revigorada, no período em que escreveu a tese, pela convivência e troca intelectual intensa com o marido, Antônio Candido [...] e pela orientação que recebera de Roger Bastide, sociólogo interessado em todas as manifestações simbólicas da vida social, entre elas, as artes e a literatura.64 64 PONTES, Heloísa. A paixão pelas formas. Novos Estudos, n. 74, São Paulo, Cebrap, mar. 2006. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0101-33002006000100006. Acesso em: 23 mar. 2017.

Ainda durante a banca, respondendo a Bastide, Gilda registrou uma autocrítica ao afirmar que “se fosse refazer a tese, talvez desse menos importância à função econômica da moda, mesmo em relação ao século XX” - em referência mais provavelmente aos parágrafos finais do capítulo “A luta de classes”, justamente aquele em que destaca o poder adquirido pelos costureiros da alta costura, “ditadores” que “forçam o ritmo da moda”, “Steinmetz afirma que é o público o responsável pelas mudanças da moda e a candidata concorda; longe de serem provocadas pelo costureiro, são nocivas a ele, podendo provocar encalhes de mercadorias e obrigando os criadores a uma procura ininterrupta de novas formas e novas cores”. E conclui que “o que há realmente é uma colaboração estreita entre público e alta costura, na qual o elemento mais poderoso talvez seja o público”. Gilda parecia intuir que a moda imposta por Paris estava com os dias contados; logo, entraria em vigor a moda massificada de consumo da era pop, passando as passarelas a acompanhar o movimento das ruas. Não fica inteiramente esclarecido o que ela quis dizer com “dar menos importância à função econômica da moda”, até porque este não é um ponto pelo qual a tese tenha recebido crítica da banca - antes, até, pelo contrário. Considerando, ainda, que apenas alterações pontuais foram feitas para a edição de 1987, podemos entender que a autora optou por preservar a interpretação de que a alta costura mais angariava lucros do que prejuízos, com seus lançamentos sazonais.

No campo da estética, atendendo ao crítico de arte Sérgio Milliet, Gilda expôs discordância em relação à assertiva atribuída ao filósofo Lalo de que a pintura moderna se caracterizasse por uma predominância da cor sobre a forma:

Impressionismo e cubismo dão a impressão que sim, desmentida inteiramente pelo exemplo admirável de Cèzanne e pelo ecletismo da arte atual. Em relação à vestimenta de hoje, não é exato que ela despreze o colorido, cujos matizes os grandes costureiros renovam a cada estação. O predomínio do preto e do branco no guarda-roupa feminino deriva não de um abandono da cor, por parte da alta costura, mas da necessidade da pequena burguesia em harmonizar as imposições da profissão com o desejo de estar bem vestida.

O comentário denota clara consciência de que a alta costura não mais se dirigia apenas ao topo da hierarquia social, e já era moda para o mercado adaptada às necessidades das classes médias - como preconizou Lipovetsky. Para além disso, Gilda faz observações clarividentes a respeito das distinções de gênero na moda (“produto de condições sociais”), para a perspectiva de 1950:

A moda hoje - que no século XIX refletira o forte dismorfismo da sociedade - quase iguala a mulher ao homem, com o tailleur feminino, réplica do terno masculino. Mas a participação intensa do grupo feminino na vida profissional vai afetando o conceito de masculinidade; o preto restringe-se às roupas de cerimônia e nas de esporte; a principiar pelas gravatas, reinam a cor e o arabesco, o que nos leva a crer que talvez estejamos no limiar de uma era assexuada, de uma era andrógina, na qual homens e mulheres, emprenhados nas mesmas tarefas, se distinguirão pouco na aparência física.

De fato, não tardou para que em meados dos anos 1960 surgisse a moda unissex; hoje, falamos em moda fluida.

Uma elite desterrada

Não foi objetivo da tese de Gilda de Mello e Souza estabelecer relações entre o sistema simbólico da moda (observado como fenômeno internacional) e os processos de produção e comércio do vestuário vigentes no século XIX. A análise de um fenômeno multifacetado como a moda, contudo, não pode desconsiderar esses mecanismos de difusão e mercado, em particular as condições específicas a cada país e camada social. As distâncias econômicas e sociais entre Europa (capitalismo central) e Brasil (capitalismo periférico) eram enormes naquele século, como permanecem sendo, complexificadas, então, pelas dificuldades existentes de transporte e veiculação de informações. É factível que as formulações de Gilda desconsiderem possíveis abrasileiramentos nas modas usadas aqui, já que a moda de Paris constituía, desde o período aristocrático, referencial para todo o mundo ocidental; e, ainda, porque cultivávamos aqui um sentimento que Sérgio Buarque de Holanda definiu, provavelmente se referindo às elites e classes médias como de desterro: “Somos ainda hoje uns desterrados em nossa terra. (...) o certo é que todo fruto de nosso trabalho ou de nossa preguiça parece participar de um sistema de evolução próprio de outro clima e de outra paisagem”.65 65 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª edição. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. Esse sentimento poderia ser equiparado, de certo modo, ao “banzo” dos afrodescendentes, estes, todavia, desterrados à força.

A nostalgia de populações desterradas diz respeito a seus territórios e culturas de origem. O primeiro Censo Demográfico realizado no país, em 1872, identificou que a maioria da população brasileira, 58%, era constituída por pretos e pardos; e, ainda, que desses, 15,24% eram escravos.66 66 PAIVA. Clotilde A. et al. Publicação crítica do recenseamento geral do Império do Brasil de 1872. Núcleo de Pesquisa em História Econômica e Demográfica (NPHED)/UFMG. Dados do censo demográfico realizado em 1872 como parte das políticas inovadoras de d. Pedro II revelaram que o país tinha cerca de 10 milhões de habitantes, distribuídos em 21 províncias: 58% se declaravam pardos ou pretos (15,24% escravos) e 38% brancos. Os estrangeiros somavam 3,8% (portugueses, alemães, africanos livres e franceses); indígenas perfaziam apenas 4%. Disponível em: http://www.nphed.cedeplar.ufmg.br/wp-content/uploads/2013/02/Relatorio_preliminar_1872_site_nphed.pdf. Acesso em: 15 mai. 2017. Não é cabível, todavia, imaginar que essa maioria afrodescendente cultivasse gosto pela moda francesa, ainda que acabassem sendo por ela influenciados, pelo contato com as elites locais. Observar o tema das vestimentas no Brasil do século XIX apenas pelo viés do eurodescendente só se justifica pelo fato de ser o viés da cultura dominante e hegemônica. Assim, para referendar a tese da moda como distinção social, Gilda utiliza com naturalidade (e sem qualquer justificativa teórica) fotografias de personagens da elite e da classe média brasileira, em maior parte datadas das três últimas décadas do século;67 67 Obs.: Gilda esclarece ter usado para sua análise uma grande coleção de retratos de seu tio Pio Lourenço Corrêa. SOUZA, Gilda de Mello e; GALVÃO, Walnice Nogueira (org.). Op. cit., 2014, p. 89-112. e, ainda, trechos de literatura brasileira que descrevem vestimentas, deixando implícito que as modas das nossas elites seriam equivalentes às das elites europeias. No vasto período de um século, nada houve que se pudesse considerar em termos de características ou adaptações locais? A resposta é complexa: de fato, é improvável que tivesse havido criação de modas entre as (ou voltadas às) elites brasileiras no decorrer do século XIX - mesmo porque a própria Europa já se curvara à França neste quesito. Também a indústria têxtil, motor por trás da criação da moda democratizada burguesa, só deu seus primeiros vagarosos passos por aqui na segunda metade do século XIX.

Mas é preciso reconhecer que a extrema inadequação da moda europeia ao nosso clima, assim como a carência de tecidos (parte substancial era ainda produção caseira ou de contrabando, nas primeiras décadas), a miscigenação cultural e tipológica que caracterizam nossa sociedade constituíam motivos suficientes para adaptações ou adequações locais a serem consideradas. Por exemplo, um viajante registrou que habitantes do Rio costumavam trajar, no começo do século, “túnicas de algodão ou quimonos chineses provenientes das embarcações (de contrabando) vindas da Índia ou da China, o que dava um aspecto oriental/asiático à cidade”.68 68 TOSTES. Vera Lúcia Brottel. Um novo mundo, um novo império: a Corte portuguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 2008, p. 43. Apud ITALIANO, Isabel; VIANA, Fausto. Para vestir a cena contemporânea: moldes e moda no Brasil do século XIX. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2015. Por certo, não se tratava de tendência de moda, mesmo sendo vestes mais adequadas ao nosso clima. Mas que grupos sociais as usaram e por quanto tempo? No registro de suas impressões sobre o Brasil pós-República, o francês Max Leclerc - citado por Gilberto FreyreFREYRE, Gilberto. Modos de homem, modas de mulher. Rio de Janeiro: Record, 1987. - notou serem “os ingleses os senhores do mercado financeiro” e recomendou aos fabricantes franceses atenção no comércio com o país, cujo gosto tendia “a mudar com a latitude e cor da pele”:

Menciona Leclerc uma “grande cordonnerie de Paris” ter enviado ao Brasil um representante que, mal chegado ao Rio, constatou que os artigos enviados não correspondiam aos gostos e aos hábitos dos brasileiros. O que fez? Inteirou-se desses gostos e desses hábitos e fez fabricar na França artigos de acordo com eles, e o resultado foi imediato para o ano seguinte: encomendas no valor de 200.000 francos. Artigos mais requintados de moda estavam entre os que mais precisavam ser assim considerados.69 69 FREYRE, Gilberto. Modos de homem, modas de mulher. Rio de Janeiro: Record, 1987, p. 134.

Freyre concorda com a penetração da moda vinda da França durante o século XIX - que considera o “primeiro século de vida e de cultura nacionalmente brasileiras” -, à qual as brasileiras, “quando de gentes mais altas, das cidades principais, teve de adaptar-se, desabrasileirando-se e, até, torturando-se, sofrendo no corpo, martirizando-se”.70 70 Ibidem, p. 106. Para o sociólogo, as décadas de 1840 e 1850 teriam sido de transição “entre presenças coloridas, exóticas, (...) como sobrevivências de influências, sobre alguns elementos da população, de orientalismos e africanismos e começos de afirmações mais empáticas de influências europeias em trajes e sapatos”.71 71 Ibidem. p. 120, 133. Freyre registra ainda a presença, no Rio de meados dos XIX, de “africanos e africanas, nas lojas mais elegantes, confeccionando roupas e chapéus; e particularmente algumas negras, elegantemente vestidas e, nas lojas mais requintadas de vestidos para mulheres, várias ocupadas em bordar esses vestidos do modo mais delicado”.72 72 Ibidem, p. 126. A inglesa Mary Graham, por sua vez, teria se escandalizado, em 1821, ante o descuido das mulheres de Salvador, Bahia, em cobrir seus corpos:

[...] dificilmente poder-se-ia acreditar que a metade delas eram senhoras de sociedade. Como não usam nem coletes nem espartilhos, o corpo torna-se quase indecentemente desalinhado logo após a primeira juventude; e isso é tanto mais repugnante quanto elas se vestem de modo muito ligeiro, não usam lenços ao pescoço e raramente os vestidos têm qualquer manga.73 73 PRIORI, Mary Del (org.). História das mulheres no Brasil. 2ª edição. São Paulo: Contexto, 1997, p. 57. Apud SOUZA, Maria Julia Alves de. Forma, textura e estilo da sociabilidade e intimidade femininas - Bahia, séculos XIX, XX. Salvador: Museu do Traje e do Têxtil. Fundação Instituto Feminino da Bahia, 2003.

Havia uma clara dicotomia entre vestes do dia-a-dia, usadas dentro de casa, e aquelas reservadas a eventos sociais: a mesma observadora destacou que “durante reunião social à noite teve dificuldades em reconhecer as ‘desmazeladas’ que vira durante o dia, pois tais senhoras estavam ‘vestidas à moda francesa’”, todavia “os vestuários, ainda que elegantes, quando não são usados habitualmente, não fazem senão embaraçar e estorvar os movimentos espontâneos...”.74 74 REIS, Adriana Dantas. Cora: lições de comportamento feminino na Bahia do século XIX. Salvador: Centro de Estudos Baianos da UFBA, 2000, p. 27.

A visão “civilizada” de mrs. Graham denota uma europeia que se colocava em superioridade frente à elite da ex-colônia - o que se pode tomar como exemplo do que Bourdieu definiu como habitus, sistema gerado no curso da história coletiva que faz a mediação entre o campo social e o indivíduo:

Um tipo de habitus (ou um tipo de gosto) corresponde a cada classe de posições, causado pelo condicionamento social que está ligado a condições correspondentes. [...] O gosto classifica, e classifica a pessoa que classifica: os sujeitos diferem uns dos outros no modo como distinguem entre o belo e o feio, o requintado e o comum ou vulgar e, através dessas distinções, a posição que os próprios sujeitos ocupam dentro de classificações objetivas é expressa ou revelada.75 75 BOURDIEU, Pierre. Distinksjonen, Oslo, 1995, os. 36, 76. Apud SVENDSEN, LARS. Op. cit., 2010.

O gosto cultivado coletivamente, portanto, opera como um marcador social: as senhoras baianas esforçavam-se para se adequar aos ditames da etiqueta e da moda europeias, com evidente dificuldade, porque desajustados de seu ambiente e cultura. Para elas, seria comum, por exemplo, comer com as mãos ou ficar “[...] descalças dentro de casa, hábito que pensávamos ser exclusivo das escravas e que parece ter sido usual também entre as senhoras aristocratas”.76 76 REIS, Adriana Dantas. Op. cit., 2000, p. 28. Esse ajuste das elites e classes médias locais, consideradas atrasadas ante os costumes europeus, é parte do processo civilizatório higienista em curso no século XIX no Brasil que implicou, também, transferência das populações rurais para os centros urbanos e o incremento da infraestrutura nas cidades.

A despeito do esforço de adequação das senhoras baianas, não foram as desconfortáveis vestes usadas por elas que se tornaram referência de identidade do vestuário local; ao contrário, foram as de suas escravas - que, de modo peculiar, parodiavam a moda europeia das ricas donas:

As senhoras exibiam-se com suas mulatas e pretas vestidas com ricas saias de cetim, becas de lemiste finíssimo e camisa de cambraia ou cassa, bordadas de forma tal que vale o lavor três ou quatro vezes mais que a peça; e também é o ouro que cada uma leva em fivelas, pulseiras, colares e braceletes e bentinhos que, sem hipérbole, basta comprar duas ou três negras ou mulatas com a que leva.77 77 PRIORI, Mary del. Op. cit. 1997, p. 57.

Este gosto por manter bem vestidas as mucamas ou “negras de dentro” (que cuidavam dos afazeres domésticos), era comum às sinhás na Bahia, como em outras províncias, e contribuiu para o surgimento da roupa típica da baiana que sofreu acréscimos próprios à cultura dos afrodescendentes e foi incorporada como indumentária ritual do candomblé, composta por bata bordada por fora e camisu por baixo, saia rodada até os pés avolumada por anáguas, pano da costa dobrado no ombro, turbante (torço ou ojá de descendência muçulmana) na cabeça e, de ornamento, balangandãs (figa, moeda, chave, presa de animais em argola), colares, brincos, broches e pulseiras. Ao gravar em 1939 a canção de Dorival Caymmi O que é que a baiana tem? que descreve a vestimenta, Carmen Miranda projetou a baiana à condição de ícone nacional, depois reconhecido internacionalmente.

Estando as elites locais ocupadas em se adequar à moda europeia - referências identitárias nacionais só poderiam advir das roupas populares: “No século XIX, houve uma difusão bastante limitada para as classes sociais mais baixas das roupas que a classe alta considerava moda. A classe trabalhadora pouco imitava as roupas usadas pelas classes mais altas e, quando o faziam, as peças costumavam ser radicalmente alteradas para se tornar mais funcionais”,78 78 SVENDSEN, Lars. Op. cit., 2010, p. 52. avaliou SvendsenSVENDSEN, Lars. Moda, uma filosofia. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 2010.. Se assim era na Europa, mais ainda era - podemos deduzir - no Brasil escravagista, o que permitiu a cristalização naquele século de vestes populares (folclóricas) demarcadoras de identidades regionais, resultantes dos fluxos migratórios, dos rituais religiosos e tradições culturais, caso dos trajes típicos do gaúcho do Sul, do caipira do Sudeste, do vaqueiro e cangaceiro do Nordeste etc., alguns dos quais dialogam com a moda das elites, caso já citado da roupa da baiana. Esses trajes, que pertencem à tradição e não à moda, têm sido fontes às quais muitos estilistas brasileiros recorrem (e recorreram) em busca de inspiração local para suas criações.

Gilda e os formadores do Brasil79 79 Obs.: As reflexões deste artigo decorrem do seminário sobre a obra do sociólogo Antônio Cândido e sua relação com os formadores do Brasil, realizado no 2º semestre de 2016 pelo grupo Estudos Historiográficos Ibero-Americanos (Ehia), locado na cátedra Jaime Cortesão, FFLCH/USP, sob coordenação do prof. dr. José Jobson de Andrade Arruda.

O trabalho de Gilda de Mello e Souza é contemporâneo de uma geração que inclui vários dos intelectuais nomeados “intérpretes do Brasil”, dedicados ao estudo do processo formador da nação brasileira ou de sua identidade cultural.80 80 Obs.: Estudo da cultura aqui entendido como: “[...] o estudo das formas simbólicas - isto é, ações, objetos e expressões significativas de vários tipos - em relação a contextos e processos historicamente específicos e socialmente estruturados dentro dos quais e por meio dos quais, essas formas simbólicas são produzidas, transmitidas e recebidas. Os fenômenos culturais, deste ponto de vista, devem ser entendidos como formas simbólicas em contextos estruturados; e a análise cultural como o estudo da constituição significativa e da contextualização social das formas simbólicas”. THOMPSON, John Brookshire. Ideologia e cultura moderna. Teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 2009, p. 181. Arriscamo-nos a propor um paralelo entre o conceito de formação e a teoria dos campos de Pierre Bourdieu que, por sua vez, busca compreender os processos de emergência e legitimação social das diversas áreas das ciências e da criação artística.81 81 BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. Introdução, organização e seleção de Sérgio Miceli. 8ª edição. São Paulo: Perspectiva, 2015, p. 183-202. Segundo Bourdieu “a autonomização progressiva do sistema de relações de produção, circulação e consumo de bens simbólicos” decorreu de transformações condicionantes, como: “a) a constituição de um público de consumidores virtuais cada vez mais extenso (...) b) a constituição de um corpo cada vez mais numeroso e diferenciado de produtores e empresários de bens simbólicos (...) c) a multiplicação e a diversificação das instâncias de consagração competindo pela legitimidade cultural, como por exemplo as academias, os salões (...), as instâncias de difusão [e consagração...]”. De forma similar, nossos formadores desenvolveram estudos sobre (ou a partir de) campos específicos das ciências humanas, todavia menos ocupados em delinear emergências que enquadres específicos de um país periférico ou atrelado (dependente) do eixo central europeu. Senão, vejamos: entre nossos teóricos da formação constam Antônio Cândido, marido de Gilda, que, quase ao mesmo tempo em que ela escrevia sua tese sobre a moda no século XX, desenvolveu pesquisas que geraram o hoje clássico Formação da literatura brasileira - Momentos decisivos (1750-1880), lançado em 1959, mesmo ano de Formação econômica do Brasil, de Celso Furtado; ambos antecedidos por Formação do Brasil contemporâneo, de Caio Prado Júnior, de 1942, Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, de 1936, e Casa-grande & senzala, de Gilberto Freyre, publicado em 1933 - para citar os autores mais recorrentes nessa vertente, notadamente masculinos.

Nessa perspectiva, seria cabível incluir Gilda entre os estudiosos da formação do Brasil? A se tomar como referência artigo dos filósofos Paulo e Otília ArantesARANTES, Paulo Eduardo; ARANTES, Otília Beatriz. Sentido da formação: três estudos sobre Antônio Cândido, Gilda de Mello e Souza e Lúcio Costa. São Paulo: Paz e Terra, 1997., seus ex-alunos e autores de Moda caipira, ensaio de 1996, “quem porventura quiser se arriscar a encarar em nova chave o problema da Formação da Pintura Brasileira [...] poderá pelo menos contar com o apoio decisivo de dois estudos pioneiros de Gilda de Mello e Souza que, por sua vez, repercutem num sem número de preciosas observações discretamente dispersas nos seus outros escritos”.82 82 ARANTES, Paulo Eduardo & ARANTES, Otília Beatriz. Sentido da formação: três estudos sobre Antônio Cândido, Gilda de Mello e Souza e Lúcio Costa. São Paulo: Paz e Terra, 1997. Apesar do título, o artigo não trata de moda - talvez mais de modo no sentido dado à palavra por Gilberto Freyre -, mas de um conjunto de artigos da década de 1970 sobre três exposições de pinturas, sendo a primeira, de acadêmicos do século XIX; a segunda, com obras de nossos modernistas e, ainda, uma retrospectiva de Milton Dacosta83 83 SOUZA, Gilda de Mello e. Op. cit., 2009. que, em conjunto, compõem um atinado painel sobre o desenvolvimento desse campo das artes entre nós, identificando “elementos de interesse”, por exemplo, já na pintura de origem acadêmica ainda presa aos preceitos clássicos das belas artes, caso de Almeida Jr., precursor da chamada temática regionalista que teria, na pena de Gilda, ajudado “a suprimir a monumentalidade das obras, a renovar os assuntos e as personagens, a vincular organicamente as figuras ao ambiente e talvez reformular o tratamento da luz. É com ele que ingressa pela primeira vez na pintura o homem brasileiro”.84 84 Ibidem, p. 274. É com a introdução dos “gestos de sua gente”, a começar pela pintura de Almeida Jr. (o caipira, o trabalhador rural etc.), continuada pelo traço de outros pioneiros, que os Arantes identificam um “marco divisório na linha evolutiva da pintura de cunho brasileiro”, a desembocar numa “nova descoberta do Brasil”, sob o impacto do nacionalismo de estandarte dos modernistas - aqui já se referindo ao texto de Gilda sobre os artistas desse período: “Assim como o expressionismo visava a destruição do homem clássico, a volta à realidade brasileira tinha por objetivo destruir por sua vez a europeização do brasileiro educado, desentranhando os traços inconscientes e fatais da nacionalidade na carreira de cinco artistas representados naquela mostra” -,85 85 ARANTES, Paulo Eduardo, ARANTES, Otília Beatriz. Op. cit., 1997. quais sejam, Lasar Segall, Ismael Nery, Anita Malfatti, Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral. Disso, os ArantesARANTES, Otília Beatriz Fiori. Notas sobre o método crítico de Gilda Mello e Souza. São Paulo: Discurso, 2005. apreendem:

Estamos supondo que acharemos uma nova chave para a interpretação da Formação da Pintura Brasileira (supondo igualmente que ela seja um fato tão palpável quanto o similar literário, para recorrer ao termo de comparação clássico estabelecido por Antônio Cândido), caso juntemos as meadas que começamos a desfiar nos estudos de dona Gilda, a saber: numa ponta Almeida Júnior, na outra, para abreviar, ponhamos Tarsila dos anos 20. Quer dizer, numa ponta, a estreia do “homem brasileiro” na pintura, na outra, sua reaparição explosiva na forma brutal da Negra, ou paródica das Moças de Guaratinguetá, a versão cabocla que Di Cavalcanti encontrou para as Demoiselles d’Avignon, como relembra ainda dona Gilda, repisando a nota que nos interessa, a persistência da “cor local”.86 86 Idem.

Nos artigos de Gilda há, é verdade, elementos substanciosos para uma reflexão sobre a formação de uma estética nacional nas artes plásticas no Brasil, o que seria uma “pintura de cunho brasileiro”, ou com “identidade brasileira”, etapa que, naquele ponto, os nossos formadores tomavam como indispensável para a autonomização/legitimação dos campos das artes entre nós, adentrando o conceito de Bourdieu. Esse movimento, além do estético-social, pelos alinhavos do sociólogo francês, alcança também a formação do mercado e das estruturas de difusão e consagração, que não reconhecem como válidas imitações desprovidas de identidade. Ou seja, para se legitimar, nossas artes precisavam sair da condição imitativa. Em qualquer campo do saber ou das artes, tivemos que percorrer etapas constitutivas de autonomização e legitimação já cumpridas nos países centrais, estando um passo atrás, seguindo a marcha atrelada de nação dependente e capitalismo tardio. O momento dos formadores - a primeira metade do século XX - era de busca e construção da identidade nacional, como bem definiu Paulo Emílio Salles Gomes (outro contemporâneo de Gilda): “Não somos europeus nem americanos do Norte, mas destituídos de cultura original, nada nos é estrangeiro, pois tudo o é. A penosa construção de nós mesmos se desenvolve na dialética rarefeita entre o não ser e o ser outro”.87 87 GOMES, Paulo Emílio Salles. Cinema: trajetória no subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Paz e Terra, [1973] 1996, p. 90.

A concisa obra de Gilda, em boa parte constituída por ensaios e artigos esparsos reunidos em livros, não oferece muito mais que se possa colocar na perspectiva dos estudos de longa duração empenhados na busca de matriz ou molde para nossa sociedade, ainda que a pequena joia intitulada O tupi e o alaúde88 88 SOUZA, Gilda de Mello e. O tupi e o alaúde, uma interpretação de Macunaíma. São Paulo: Duas Cidades, 1979. Idem. A ideia e o figurado, cinco textos sobre Mário de Andrade e nove ensaios sobre arte moderna. São Paulo: Editora 34, 2005. _________. A palavra afiada. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2014. - sobre o emblemático Macunaíma de seu primo modernista -, funcione, de certo modo, como um adendo à ambiciosa “síntese de tendências universalistas e particularistas” sobre nossa literatura empreendida por Antônio Cândido em seu estudo clássico e por textos esparsos posteriores igualmente relevantes, como Dialética do malandro, com o qual parece dialogar. Em seu ensaio, Antônio Cândido diverge das interpretações dadas até então ao clássico Memórias de um sargento de milícias,89 89 ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um sargento de milícias. [Rio de Janeiro: Correio Mercantil, 1852, 1853]. São Paulo: Saraiva, 2009. Obs.: Originalmente publicado como folhetim pelo carioca Correio Mercantil, entre 1852 e 1853. de Manuel Antônio de Almeida, como romance de costume (como o definiu o crítico José Veríssimo, em 1894) ou romance picaresco (para Mário de Andrade, em 1941), para situá-lo como “o primeiro grande malandro que entra na novelística brasileira”, descendente de uma tradição “quase folclórica e correspondendo, mais do que se costuma dizer, a certa atmosfera cômica e popularesca de seu tempo, no Brasil. Malandro que seria elevado à categoria de símbolo por Mário de Andrade em Macunaíma”.90 90 SOUZA, Gilda de Mello e. Antônio Cândido. Dialética da malandragem (caracterização das Memórias de um sargento de milícias). Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, nº 8, São Paulo, USP, 1970, p. 67-89. Gilda, por sua vez - um tanto mais pela via da estética do que da sociologia cultural, também se opõe às interpretações que entendiam Macunaíma como um mosaico ou bricolagem de elementos pré-existentes da tradição oral ou escrita, popular ou erudita, europeia ou brasileira:

Minha convicção é que, ao elaborar seu livro, Mário de Andrade não utilizou processos literários correntes, mas transpôs duas formas básicas da música ocidental, comuns tanto à música erudita quanto à criação popular: a que se baseia no princípio rapsódico da suíte - cujo exemplo popular mais perfeito podia ser encontrado no bailado nordestino do bumba meu boi - e a que se baseia no princípio da variação, presente no improviso do cantador nordestino, onde assume forma muito peculiar.91 91 SOUZA. Gilda de Mello e. Op. cit., 1979, p. 10.

É principalmente no populário, portanto, que se manifestaram culturas locais ou regionais autênticas, utilizadas na forja de uma identidade nacional. A lapidação da identidade brasileira se tornou necessidade já a partir da Independência e, mais fortemente, após a República, em 1899. A fonte da cultura popular foi recorrente já no século XIX - inicialmente com o indianismo. O que Antônio Cândido enxergou em Memórias de um sargento de milícias foi um veio identitário original, que teria sido recapturado na saga de Mário de Andrade. Mas Gilda toma uma via tangente e demonstra que, a despeito das referências tupi-guarani e afro-brasileira, a rapsódia de Macunaíma teria como eixo estrutural o romance de cavalaria - ou seja, o romance picaresco que Cândido descartou para o Sargento de milícias: “...não obstante os mascaramentos de toda ordem que despistam ininterruptamente o leitor”. O que equivale a dizer que Macunaíma permanece “europeu, ou, mais exatamente, universal, e se liga ao tema eterno da busca do objeto mágico, de que a demanda do Graal representa no Ocidente a realização mais perfeita”.92 92 SOUZA, Gilda de Mello e. Op. cit. 1978, p. 92, 93. A metáfora criada por Mário, ainda que como mote “insincero”, por meio da busca do fugidio muiraquitã93 93 “De fato, o motivo central do livro [Macuinaíma] fora a busca da muiraquitã, condição da volta ao Uraricoera e da realização da identidade brasileira; ora, este móvel nobilitador era, no entanto, insincero e escondia como uma máscara a realidade primeira, inconfessável e recalcada; a aspiração ao progresso, e o desejo de embarcar para a Europa a bordo do Conte Verde”. SOUZA, Gilda de Mello e. Op. cit. 1978, p. 95. - amuleto perseguido inutilmente pelo herói sem nenhum caráter -, está perdido em algum lugar na confluência entre o popular e o erudito, o nacional e o estrangeiro, o subjetivo e o social, no complexo e “assombroso” fenômeno da criação artística.

O que nos faz retornar à “rarefeita dialética” de Salles Gomes, dado que o uso e reuso do folclórico e/ou dos diversos matizes culturais aos quais estamos umbilicalmente vinculados nos lançam à condição de tudo ser, equivalente a nada ser - tema que permeou os debates sobre identidade nacional nos anos formadores e ainda nos assombra. Culturas originais e puras, todavia, inexistem (sejam de classe ou territorial/nacional, exceto talvez por raras tribos em total isolamento, se ainda existem), assim como não é possível dotar uma cultura de impermeabilidades - regionais, nacionais ou de classe. O folclórico sempre se engendrou a partir de uma relação ativa com o erudito, como indicou o filósofo francês Charles Lalo (1877-1953) - citado por Gilda -, com a teoria do “nivelamento estético” (quando gêneros populares ascendem à arte culta) e seu contrário, o “desnivelamento estético” (quando a cultura popular absorve elementos eruditos).94 94 Ibidem, p. 20. Esses entrelaces sinuosos nutriram a produção cultural brasileira, até o período modernista da primeira fase (nacionalista) e segunda (social) - à qual pertence a geração de Gilda.

Mas subdivisões entre popular e erudito, nacional e estrangeiro se esgarçaram com a massificação midiática após a Segunda Grande Guerra, transmutando tudo em cultura pop de consumo - com hegemonia das culturas centrais ao capitalismo, mais apegadas ao mercado que a valores identitários. Os produtos simbólicos culturais estão integrados aos mecanismos do capital, negociados e tratados como mercadoria - as razões “intestinas e imorais da arte”, apontadas por Mário de Andrade - o que não os destituiria, de todo modo, de um sentido humano e artístico mais profundo, advindo de “forças subconscientes, sentimentos recalcados, noções e causas secretas, enfim”.95 95 ANDRADE, Mário de. O empalhador de passarinho. São Paulo: FFLCH-USP, 2013 [1939], p. 182-187. Disponível em: www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/.../2013_MarinaDamascenoDeSa_VOrig_V1.pdf. Acesso em: 23 mai. 2017.

É para essa direção que se volta o olhar de Gilda (que Heloísa PontesPONTES, Heloísa. Modas e modos: uma leitura enviesada de O espírito das roupas. Cadernos Pagu, vol. 22, Campinas, SP: Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2004. denominou “de esguelha” ou “enviesado”), dialogando com as ideias de Antônio Cândido, mas delas se descolando porque estariam calcadas na abordagem de longa duração que caracterizou os formadores. Se a inserção de Gilda não se viabiliza inteiramente entre os formadores, mesmo tomando em consideração seus já citados artigos sobre artes plásticas, menos o seria por seu ensaio sobre a moda que nem mesmo tangencia a ideia da formação ou da busca de identidade para a moda feita no Brasil; até porque, desde o século XIX até os anos 1940, éramos mercado consumidor dos produtos simbólicos vestíveis dos franceses.

Conclusão

O espírito das roupas é uma das obras mais citadas entre títulos brasileiros, em teses, artigos e livros sobre moda e, como já indicamos, é, entre os títulos da autora, o que mais angariou referências.96 96 BONADIO, Maria Claudia. Op. cit., out. 2015. Procuramos situá-lo no contexto da emergência do campo no Brasil, considerando que somente nos anos 1950 e 1960 emergiram criadores de modas entre nós. Impulsionada pelo crescimento das exportações durante a Segunda Grande Guerra, a indústria têxtil nacional compreendeu a necessidade de adicionar valor simbólico a seus produtos e, portanto, de valorizar o criador de modas local, caminho para se alcançar este fim, passando a promover, então, eventos que viabilizaram o surgimento de nossos primeiros costureiros, entre os quais, José Ronaldo, Dener Pamplona de Abreu, Clodovil Hernandes.97 97 Ver: PRADO, Luís André; BRAGA. João. História da moda no Brasil, das influências às autorreferências. São Paulo: Disal, 2011, capítulos 4 e 5, p. 185-403. Gilda escreveu sua tese às vésperas deste período; e não deixa de ser intrigante seu desinteresse em investigar o tema da identidade, ainda que “rarefeita”, na moda usada no Brasil, sendo a criação de vestimentas, para ela, uma forma de arte e tendo em vista que suas análises sobre artes sempre perpassam pela perspectiva do nacional, ainda que pela constatação da inexistência desse elemento. Seria a moda, para a jovem Gilda dos anos 1940, impermeável ao debate identitário - ainda que pela negação - que tanto ocupou sua geração?

A despeito da ausência de resposta satisfatória à questão, não é difícil entender - e já foram bastante analisados - os motivos pelos quais sua obra recebeu um reconhecimento tardio compensatório à rejeição do berço. Quando do lançamento em livro em 1987, o campo da moda justamente cumpria as últimas etapas para completar sua autonomização e legitimação entre nós, com o surgimento do primeiro curso em nível superior de graduação em moda do país, implantado pela Faculdade Santa Marcelina em São Paulo, logo seguido por outros. A difusão e consagração dos criadores locais completou no início dos anos 1990, com o surgimento de espaços adequados à difusão: os calendários de moda, a exemplo do Phitoervas Fashion e, mais tarde, da São Paulo Fashion Week (SPFW), criados para acolher os jovens estilistas que se formavam nos cursos de moda recém-criados; a primeira edição da SPFW, em julho de 1996, contou com desfiles de Alexandre Herchcovitch, Lino Villaventura, Glória Coelho, Reinaldo Lourenço e Walter Rodrigues, entre outros. “O trabalho [de Gilda] logo se tornou bibliografia desses cursos, o que possivelmente impulsionou a popularidade do texto, uma vez que, em 1987, eram escassas as fontes oriundas de estudos acadêmicos e que abordassem o tema, em português”.98 98 BONADIO, Maria Claudia. Op. cit., out. 2015, p. 5.

Assim, a obra tornou-se “canônica no campo da moda no Brasil”,99 99 Idem. ou seja, uma obra-monumento, pode-se dizer, tomando-se aqui o conceito de Jacques Le Goff, para quem “todo documento (ou pelo menos aqueles que reverberam em âmbitos locais ou globais) acaba por se converter em monumento, por reconhecimento acadêmico ou por alcançar repercussão e absorção pela cultura social como um todo”.100 100 LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Editora Unicamp, 1996, p. 535.

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  • SVENDSEN, Lars. Moda, uma filosofia. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 2010.
  • 1
    Revista de História, n. 6, Departamento de História da USP, São Paulo, 2º trimestre de 1951.
  • 2
    SOUZA, Gilda de Mello e. A moda no século XIX, ensaio de sociologia estética. Revista do Museu Paulista, nova série, vol. 5, São Paulo, 1951, p. 7-97.
  • 3
    SOUZA, Gilda de Mello eSOUZA, Gilda de Mello e. O espírito das roupas. São Paulo: Cia. das Letras , 1987.. O espírito das roupas. São Paulo: Cia. das Letras, 1987.
  • 4
    “Numa pesquisa realizada no site www.google.scholar.com.br em 04/05/2015, O espírito das roupas é seu livro que mais acumula citações, 210 no total, ao passo que O tupi e o alaúde, publicado há mais tempo, conta com 77 menções na base científica”. BONADIO, Maria ClaudiaBONADIO, Maria Claudia. Algumas anotações (e questões) sobre Gilda de Mello e Souza e a moda como objeto de estudo. Revista Prâksis, vol. 1, Novo Hamburgo, jan./jun. 2017.. Por que (re)ler O espírito das roupas? In: 11º COLÓQUIO DE MODA; 8ª EDIÇÃO INTERNACIONAL. Anais. Curitiba, out. 2015.
  • 5
    PONTES, HeloísaPONTES, Heloísa. Modas e modos: uma leitura enviesada de O espírito das roupas. Cadernos Pagu, vol. 22, Campinas, SP: Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2004. . Modas e modos: uma leitura enviesada de O espírito das roupas. Cadernos Pagu, vol. 22, Campinas, SP: Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2004, p. 13-46. Obs.: Heloisa explora as diferenças de posicionamentos entre as bancas que julgaram Gilda e Florestan Fernandes, cuja tese de doutorado apresentada em 1951 intitulava-se A função social da guerra entre os Tubinambá.
  • 6
    PONTES, HeloísaPONTES, Heloísa. Modas e modos: uma leitura enviesada de O espírito das roupas. Cadernos Pagu, vol. 22, Campinas, SP: Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2004. . A paixão pela forma. In: MICELI, Sérgio & MATTOS, Franklin de (org.). Gilda, a paixão pela forma. Rio de Janeiro: Fapesp/Ouro Sobre Azul, 2017, p. 81-110.
  • 7
    Ver nesta edição: DULCI, Luciana. Moda e modas no vestuário: da teoria hierárquica ao pluralismo do tempo presente. Revista de História, Departamento de História, n. 178, 2019.
  • 8
    Obs.: Citada frequentemente como autora pioneira em trabalho sobre o tema moda no Brasil, foi, todavia, antecedida pela obra do jornalista e escritor maranhense João Affonso do Nascimento (1855-1924), escrita entre 1915 e 1916 fora do ambiente acadêmico, qual seja: AFFONSO, João. Três séculos de moda. Belém: Tavares Cardoso & Cia. 1923, 128 p. Disponível em: https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/2346. Acesso em: 20 out. 2017.
  • 9
    QUEIRÓZ, Maria Isaura Pereira de. Roger Bastide, professor da Universidade de São Paulo. Estudos Avançados, vol. 8, n. 22, São Paulo, set./dez. 1994. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-40141994000300023. Acesso em: 18 mar. 2017.
  • 10
    SOUZA, Gilda de Mello e; GALVÃO, Walnice Nogueira (org.). A palavra afiada. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul, 2014, p. 89-112.
  • 11
    Idem.
  • 12
    Ibidem, p. 101.
  • 13
    Ibidem, p. 99.
  • 14
    Ibidem, p. 104.
  • 15
    SOUZA, Gilda de Mello e. Op. cit., 1987, p. 29.
  • 16
    SOUZA, Gilda de Mello e; GALVÃO, Walnice Nogueira (org.). Op. cit., 2014, p. 89-112.
  • 17
    PONTES, Heloísa. Op. cit., 2004, p. 13-46.
  • 18
    PONTES, Heloísa. Op. cit. 2017, p. 105.
  • 19
    SOUZA, Gilda de Mello e; GALVÃO, Walnice Nogueira (org.). Op. cit, 2014, p. 89-112.
  • 20
    PONTES, Heloísa. Op. cit., 2017, p. 32, 105.
  • 21
    SOUZA, Gilda de Mello e. Op. cit., 1987, p. 22.
  • 22
    Ibidem, p. 23, 24.
  • 23
    SVENDSEN, LarsSVENDSEN, Lars. Moda, uma filosofia. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 2010.. Moda, uma filosofia. Rio de Janeiro: Zahar Editor, 2010, p. 102.
  • 24
    SOUZA, Gilda de Mello e. Op. cit., 1987, p. 33.
  • 25
    TROY, Nancy J. Couture culture, a study in modern art and fashion. Cambridge: Mass.: MIT Press, 2003. Apud SVENDSEN, Lars. Op. cit., 2010, p. 103.
  • 26
    BOURDIEU, Pierre; DELSAUT, Yvette. O costureiro e sua grife: contribuição para uma teoria da magia. Tradução de Maria das Graças Jacintho Setton. Educação em Revista, nº 34, Belo Horizonte, 2001.
  • 27
    Idem, p. 22.
  • 28
    BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era da reprodutibilidade técnica. São Paulo: Abril Cultural, 1975.
  • 29
    SOUZA, Gilda de Mello e. Op. cit., 1987, p. 50-51.
  • 30
    BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. Introdução, organização e seleção de Sérgio Miceli. 8ª edição. São Paulo: Perspectiva, 2015.
  • 31
    SVENDSEN, Lars. Op. cit, 2010, p. 102.
  • 32
    SOUZA, Gilda de Mello e. Op. cit., 1987, p. 45, 51.
  • 33
    CUNNINGTON, Cecil Willett. Why women wear clothes. Londres: Faber&Faber, 1931. Idem. Feminine attitudes in the nineteenth century. Londres: W. Heinemann Ltd., 1935. Idem. English women’s clothing in the nineteenth century. Londres: Courier Dover Publications, 1937. Idem. Feminine fig-leaves. Londres: Faber&Faber, 1938. Idem. The perfect lady. Londres: M. Parrish, 1948. Idem. The art of English costume. Londres: Collins Clear-Type Press, 1948. Idem. The history of underclothes. Londres: Courier Dover Publications, 1951. Handbook of English mediaeval costume. Londres: Faber&Faber, 1952. Idem. Handbook of English costume in the sixteenth century. Londres: Faber&Faber, 1954.Idem. A dictionary of English costume. Londres: Black, 1960. Idem. Handbook of English costume in the seventeenth century. Londres: Faber&Faber, 1963. Idem. Handbook of English costume in the nineteenth century. Londres: Faber&Faber, 1966.
  • 34
    SOUZA, Gilda de Mello e. Op. cit., 1987, p. 45, 41.
  • 35
    Ibidem, p. 40.
  • 36
    The Museum of Costume/Fashion Museum (1963) em Londres; Fashion Institute of Technology (FIT) de Nova York (com exposições a partir de 1975); Museu Nacional do Traje em Lisboa (1976); Musée de la Mode et du Costume de la Ville de Paris no Palais Galliera (1977); The Kyoto Costume Institute (1978), entre outros.
  • 37
    BONADIO, Maria ClaudiaBONADIO, Maria Claudia. Algumas anotações (e questões) sobre Gilda de Mello e Souza e a moda como objeto de estudo. Revista Prâksis, vol. 1, Novo Hamburgo, jan./jun. 2017.. Algumas anotações (e questões) sobre Gilda de Mello e Souza e a moda como objeto de estudo. Revista Prâksis, vol. 1, Novo Hamburgo, jan./jun. 2017.
  • 38
    SOUZA, Gilda de Mello e. Op. cit., 1987, p. 40.
  • 39
    Ibidem, p. 59.
  • 40
    Ibidem, p. 80.
  • 41
    Ibidem, p. 80.
  • 42
    FLÜGEL, John Carl. A psicologia das roupas. Rio de Janeiro: Mestre Jou, 1965, p. 100.
  • 43
    SOUZA, Gilda de Mello e. Op. cit., 1987, p. 64.
  • 44
    Ver: BONADIO, Maria Claudia. Op. cit., jan./jun. 2017.
  • 45
    SOUZA, Gilda de Mello e. Op. cit., 1987, p. 75.
  • 46
    Ibidem, p. 45, 60.
  • 47
    GOBLOT, Edmond. La barrière et le niveau, nouvelle. 1ª edição de 1925. Paris: Édition Flélix Alcan, 1930. Apud SVENDSEN, Lars. Op. cit., 2010.
  • 48
    SOUZA, Gilda de Mello e. Op. cit., 1987, p. 80, 81.
  • 49
    SVENDSEN, Lars. Op. cit., 2010, p. 47.
  • 50
    SOUZA, Gilda de Mello e. Op. cit., 1987, p. 92.
  • 51
    HEGEL, G. W. F. Esthétique. 2 volumes. Paris: 1944. Apud SOUZA. Gilda de Mello e. Op. cit. 1987.
  • 52
    SOUZA, Gilda de Mello e. Op. cit., 1987, p. 100, 101.
  • 53
    BONADIO, Maria Claudia. Op. cit. 2015, p. 4.
  • 54
    SOUZA. Gilda de Mello e. Op. cit. 1987, p. 111.
  • 55
    SOUZA, Gilda de Mello e. Op. cit., 1987, p. 123, 130.
  • 56
    Ibidem, p. 133, 134.
  • 57
    Ibidem, p. 139, 140, 141.
  • 58
    Ibidem, p. 146, 150, 167.
  • 59
    SOUZA, Gilda de Mello e. Exercícios de leitura. São Paulo: Duas Cidades/Editora 34, 1980, p. 25.
  • 60
    SVENDSEN, Lars. Op. cit. 2010, p. 39.
  • 61
    Obs.: Em 1987, Lipovetsky propôs três periodizações para a moda com regimes específicos: Momento aristocrático, da metade do século XIV até metade do século XIX, em que a moda ocorria “essencialmente de cima para baixo”; Moda dos cem anos, da haute couture, em 1858, à emergência do prêt-à-porter nos anos 1960, período de democratização da moda para as classes médias; e Moda aberta, em vigor deste então, desierarquizada e de hiperconsumo. LIPOVETSKY, GillesLIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero. São Paulo: Cia. das Letras, 2009.. O império do efêmero. São Paulo: Cia. das Letras, 2009, p. 80.
  • 62
    Revista de História, n. 6, Departamento de História da USP, São Paulo, 2º trimestre de 1951. Banca presidida por Roger Bastide e composta pelo sociólogo Fernando de Azevedo (1894-1974), da cadeira Sociologia II, Alfredo Ellis Júnior (1896-1974), da cadeira História da Civilização Brasileira, João Cruz Costa (1904-1978), da cadeira de Filosofia, e pelo crítico de arte Sérgio Miliet (1898-1966), diretor da Biblioteca Municipal de São Paulo.
  • 63
    Obs.: Registros pictóricos que contribuíram para fixar a imagem de Tiradentes com barba: Tiradentes esquartejado, de Pedro Américo, 1893 (Museu Procópio Mariano, Juiz de Fora, MG); Martírio de Tiradentes, de Francisco Aurélio de Figueiredo e Melo, c/d 1893 (acervo do Palácio Pedro Ernesto, RJ); Prisão de Tiradentes, de Antônio Diogo da Silva Parreiras, 1914; A leitura da sentença de Tiradentes, de Leopoldino Faria, 1921; Tiradentes ante o carrasco, de Rafael Falco, 1941.
  • 64
    PONTES, HeloísaPONTES, Heloísa. Modas e modos: uma leitura enviesada de O espírito das roupas. Cadernos Pagu, vol. 22, Campinas, SP: Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu/Unicamp, 2004. . A paixão pelas formas. Novos Estudos, n. 74, São Paulo, Cebrap, mar. 2006. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S0101-33002006000100006. Acesso em: 23 mar. 2017.
  • 65
    HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 26ª edição. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
  • 66
    PAIVA. Clotilde A. et al. Publicação crítica do recenseamento geral do Império do Brasil de 1872. Núcleo de Pesquisa em História Econômica e Demográfica (NPHED)/UFMG. Dados do censo demográfico realizado em 1872 como parte das políticas inovadoras de d. Pedro II revelaram que o país tinha cerca de 10 milhões de habitantes, distribuídos em 21 províncias: 58% se declaravam pardos ou pretos (15,24% escravos) e 38% brancos. Os estrangeiros somavam 3,8% (portugueses, alemães, africanos livres e franceses); indígenas perfaziam apenas 4%. Disponível em: http://www.nphed.cedeplar.ufmg.br/wp-content/uploads/2013/02/Relatorio_preliminar_1872_site_nphed.pdf. Acesso em: 15 mai. 2017.
  • 67
    Obs.: Gilda esclarece ter usado para sua análise uma grande coleção de retratos de seu tio Pio Lourenço Corrêa. SOUZA, Gilda de Mello e; GALVÃO, Walnice Nogueira (org.). Op. cit., 2014, p. 89-112.
  • 68
    TOSTES. Vera Lúcia Brottel. Um novo mundo, um novo império: a Corte portuguesa no Brasil. Rio de Janeiro: Museu Histórico Nacional, 2008, p. 43. Apud ITALIANO, Isabel; VIANA, Fausto. Para vestir a cena contemporânea: moldes e moda no Brasil do século XIX. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2015.
  • 69
    FREYRE, GilbertoFREYRE, Gilberto. Modos de homem, modas de mulher. Rio de Janeiro: Record, 1987. . Modos de homem, modas de mulher. Rio de Janeiro: Record, 1987, p. 134.
  • 70
    Ibidem, p. 106.
  • 71
    Ibidem. p. 120, 133.
  • 72
    Ibidem, p. 126.
  • 73
    PRIORI, Mary Del (org.). História das mulheres no Brasil. 2ª edição. São Paulo: Contexto, 1997, p. 57. Apud SOUZA, Maria Julia Alves de. Forma, textura e estilo da sociabilidade e intimidade femininas - Bahia, séculos XIX, XX. Salvador: Museu do Traje e do Têxtil. Fundação Instituto Feminino da Bahia, 2003.
  • 74
    REIS, Adriana Dantas. Cora: lições de comportamento feminino na Bahia do século XIX. Salvador: Centro de Estudos Baianos da UFBA, 2000, p. 27.
  • 75
    BOURDIEU, Pierre. Distinksjonen, Oslo, 1995, os. 36, 76. Apud SVENDSEN, LARS. Op. cit., 2010.
  • 76
    REIS, Adriana Dantas. Op. cit., 2000, p. 28.
  • 77
    PRIORI, Mary del. Op. cit. 1997, p. 57.
  • 78
    SVENDSEN, Lars. Op. cit., 2010, p. 52.
  • 79
    Obs.: As reflexões deste artigo decorrem do seminário sobre a obra do sociólogo Antônio Cândido e sua relação com os formadores do Brasil, realizado no 2º semestre de 2016 pelo grupo Estudos Historiográficos Ibero-Americanos (Ehia), locado na cátedra Jaime Cortesão, FFLCH/USP, sob coordenação do prof. dr. José Jobson de Andrade Arruda.
  • 80
    Obs.: Estudo da cultura aqui entendido como: “[...] o estudo das formas simbólicas - isto é, ações, objetos e expressões significativas de vários tipos - em relação a contextos e processos historicamente específicos e socialmente estruturados dentro dos quais e por meio dos quais, essas formas simbólicas são produzidas, transmitidas e recebidas. Os fenômenos culturais, deste ponto de vista, devem ser entendidos como formas simbólicas em contextos estruturados; e a análise cultural como o estudo da constituição significativa e da contextualização social das formas simbólicas”. THOMPSON, John Brookshire. Ideologia e cultura moderna. Teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis: Vozes, 2009, p. 181.
  • 81
    BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. Introdução, organização e seleção de Sérgio Miceli. 8ª edição. São Paulo: Perspectiva, 2015, p. 183-202. Segundo Bourdieu “a autonomização progressiva do sistema de relações de produção, circulação e consumo de bens simbólicos” decorreu de transformações condicionantes, como: “a) a constituição de um público de consumidores virtuais cada vez mais extenso (...) b) a constituição de um corpo cada vez mais numeroso e diferenciado de produtores e empresários de bens simbólicos (...) c) a multiplicação e a diversificação das instâncias de consagração competindo pela legitimidade cultural, como por exemplo as academias, os salões (...), as instâncias de difusão [e consagração...]”.
  • 82
    ARANTES, Paulo Eduardo & ARANTES, Otília BeatrizARANTES, Paulo Eduardo; ARANTES, Otília Beatriz. Sentido da formação: três estudos sobre Antônio Cândido, Gilda de Mello e Souza e Lúcio Costa. São Paulo: Paz e Terra, 1997.. Sentido da formação: três estudos sobre Antônio Cândido, Gilda de Mello e Souza e Lúcio Costa. São Paulo: Paz e Terra, 1997.
  • 83
    SOUZA, Gilda de Mello e. Op. cit., 2009.
  • 84
    Ibidem, p. 274.
  • 85
    ARANTES, Paulo Eduardo, ARANTES, Otília Beatriz. Op. cit., 1997.
  • 86
    Idem.
  • 87
    GOMES, Paulo Emílio Salles. Cinema: trajetória no subdesenvolvimento. Rio de Janeiro: Paz e Terra, [1973] 1996, p. 90.
  • 88
    SOUZA, Gilda de Mello e__________. O tupi e o alaúde, uma interpretação de Macunaíma. São Paulo: Duas Cidades, 1979.. O tupi e o alaúde, uma interpretação de Macunaíma. São Paulo: Duas Cidades, 1979. Idem. A ideia e o figurado, cinco textos sobre Mário de Andrade e nove ensaios sobre arte moderna. São Paulo: Editora 34, 2005. _________. A palavra afiada. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2014.
  • 89
    ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um sargento de milícias. [Rio de Janeiro: Correio Mercantil, 1852, 1853]. São Paulo: Saraiva, 2009. Obs.: Originalmente publicado como folhetim pelo carioca Correio Mercantil, entre 1852 e 1853.
  • 90
    SOUZA, Gilda de Mello e. Antônio Cândido. Dialética da malandragem (caracterização das Memórias de um sargento de milícias). Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, nº 8, São Paulo, USP, 1970, p. 67-89.
  • 91
    SOUZA. Gilda de Mello e. Op. cit., 1979, p. 10.
  • 92
    SOUZA, Gilda de Mello e. Op. cit. 1978, p. 92, 93.
  • 93
    “De fato, o motivo central do livro [Macuinaíma] fora a busca da muiraquitã, condição da volta ao Uraricoera e da realização da identidade brasileira; ora, este móvel nobilitador era, no entanto, insincero e escondia como uma máscara a realidade primeira, inconfessável e recalcada; a aspiração ao progresso, e o desejo de embarcar para a Europa a bordo do Conte Verde”. SOUZA, Gilda de Mello e. Op. cit. 1978, p. 95.
  • 94
    Ibidem, p. 20.
  • 95
    ANDRADE, Mário de. O empalhador de passarinho. São Paulo: FFLCH-USP, 2013 [1939], p. 182-187. Disponível em: www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/.../2013_MarinaDamascenoDeSa_VOrig_V1.pdf. Acesso em: 23 mai. 2017.
  • 96
    BONADIO, Maria Claudia. Op. cit., out. 2015.
  • 97
    Ver: PRADO, Luís André; BRAGA. JoãoPRADO, Luís André & BRAGA, João. História da moda no Brasil, das influências às autorreferências. São Paulo: Disal, 2012.. História da moda no Brasil, das influências às autorreferências. São Paulo: Disal, 2011, capítulos 4 e 5, p. 185-403.
  • 98
    BONADIO, Maria Claudia. Op. cit., out. 2015, p. 5.
  • 99
    Idem.
  • 100
    LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Editora Unicamp, 1996, p. 535.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Mar 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    06 Set 2017
  • Aceito
    27 Mar 2018
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