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Uso da Espectroscopia de Impedância Eletroquímica (EIE) para monitoramento da corrosão em concreto armado

Resumo

Entre as técnicas mais utilizadas para a avaliação e estudo da corrosão em concreto armado estão as técnicas eletroquímicas, entre elas a espectroscopia de impedância eletroquímica (EIE). A EIE é uma técnica poderosa para a caracterização de uma grande variedade de sistemas eletroquímicos e para a determinação da contribuição de processos individuais de eletrodo ou eletrólito nestes sistemas. A análise dos resultados de EIE em amostras de concreto armado é de alta complexidade, devido à sobreposição de arcos provenientes de fenômenos simultâneos e a ruídos da medida, associados, evidentemente, à heterogeneidade das amostras e que dificultam de forma considerável esta análise. Assim, o presente trabalho propõe uma nova forma de análise, baseada na frequência angular de relaxação característica, w, de cada fenômeno e associando às capacitâncias e frequências típicas.

Palavras-chave:
corrosão; espectroscopia; concreto; durabilidade; monitoramento

Abstract

Electrochemical techniques are among the most commonly techniques used for the evaluation and study of corrosion in reinforced concrete, including electrochemical impedance spectroscopy (EIS). Electrochemical impedance spectroscopy (EIS) is a powerful technique for characterizing a wide variety of electrochemical systems and for determining the contribution of electrode or electrolytic processes in these systems. The analysis of EIS results on samples of concrete is highly complex due to overlapping arcs from simultaneous phenomena and noise measurement, of course, associated with the heterogeneity of the samples and that complicate the analysis considerably. Thus, this paper proposes a new form of analysis based on the characteristic relaxation angular frequency, w, of each phenomenon and associating the typical capacitances and frequencies.

Keywords :
corrosion; spectroscopy; concrete; durability; electrochemical techniques

1. Introdução

A expressão "corrosão do concreto armado" refere-se não só aos problemas da corrosão da armadura, mas também às condições de maior ou menor proteção da armadura pelo próprio concreto.

A proteção do aço pelo concreto é feita de duas formas: por barreira física, pela camada de recobrimento e por ação química que resulta dos valores de pH característicos do concreto que permitem o desenvolvimento de um filme de passivação sobre a armadura. Apesar dessa dupla proteção, vários são os fatores ou condições que conduzem ao desenvolvimento do processo corrosivo no concreto, como por exemplo, a reduzida espessura de recobrimento, baixa resistência do concreto de recobrimento à penetração de CO2, sais e água, má compactação ou vibração do concreto, presença de sais contaminantes ou gases como o SO2ou CO2, presença de bactérias redutoras de sulfato, reduzida quantidade de cimento ou elevada razão a/c.

O processo corrosivo no concreto armado é um fenômeno "camuflado", ou seja, os primeiros sintomas de corrosão só aparecem muito depois do processo se ter iniciado e propagado e, por isso, a sua identificação precoce é muito difícil.

Diversas técnicas podem ser empregadas para avaliação e estudo da corrosão em concreto armado, e entre as mais utilizadas encontram-se as técnicas eletroquímicas. Essas técnicas, além de analisarem a corrosão como um fenômeno eletroquímico e, por isso, apresentarem maior confiabilidade, possuem a vantagem de serem rápidas e não acarretarem sérios danos à estrutura no momento da sua aplicação; além de poderem ser utilizadas tanto em laboratório quanto em campo.

A espectroscopia de impedância eletroquímica (EIE) é uma técnica poderosa para a caracterização de uma grande variedade de sistemas eletroquímicos e para a determinação da contribuição de processos individuais de eletrodo ou eletrólito nestes sistemas. Pode ser usada para investigar a dinâmica de cargas ligadas ou móveis nas regiões de volume ou de interface de qualquer tipo de material líquido ou sólido. A técnica de impedância parte do pressuposto que um determinado circuito elétrico mais ou menos elaborado pode representar o comportamento do aço dentro do concreto.

Segundo MONTENOR [1[1] MONTEMOR, M. F.; SIMÕES, A.M.P.; FERREIRA, M.G.S. Chloride-induced corrosion on reinforcing steel: from the fundamentals to the monitoring techniques. Cement and Concrete Composites. v. 25, n. 4-5, p. 491-502, 2003.], a impedância de um circuito elétrico representa o nível de dificuldade pelo qual um sinal elétrico (potencial ou corrente) enviado a esse circuito encontra ao percorrê-lo. É uma combinação de elementos passivos de um circuito elétrico: resistência, capacitância e indutância. No entanto, em função da heterogeidade do concreto, a análise dos resultados de EIE se torna muito árdua pois há uma grande sobreposição de arcos provenientes de fenômenos simultâneos e a ruídos da medida. O presente trabalho busca apresentar uma alternativa de análise para este poderosa técnica.

2. A Espectroscopia de Impedância Eletroquímica (EIE)

Pode-se dizer que o princípio desta técnica consiste em aplicar um sinal alternado de pequena amplitude (5 a 20 mV) a um eletrodo (armadura) inserido num eletrólito (concreto), conforme observamos na Figura 1.

Figura 1
Realização do ensaio de Espectroscopia de Impedância Eletroquímica (EIE)

Compara-se, então, a perturbação inicial (aplicada) com a resposta do eletrodo, pela medida da mudança de fase dos componentes de corrente e voltagem e pela medida de suas amplitudes. Isso pode ser feito nos domínios de tempo ou nos domínios de frequência, utilizando-se um analisador de espectro ou um analisador de resposta de frequência, respectivamente. É importante salientar que a perturbação inicial é uma perturbação de potencial (ΔE), do tipo senoidal, que deve ser imposta no estado estacionário do sistema, e a resposta do eletrodo é uma corrente (ΔI), também senoidal, porém com uma diferença de fase Φ em relação ao sinal aplicado [2[2] LANGFORD, P. BROOMFIELD, J. Monitoring the Corrosion of Reinforcing Steel. v.1, nº2. Construction Repair, p. 32-36, 1987]. Portanto, a impedância, que se representa por Z, mede a relação entre ΔE e ΔI.

A espectroscopia de impedância eletroquímica (EIE) é uma técnica que trabalha no domínio de frequência. O conceito básico envolvido em EIE é que uma interface pode ser vista como uma combinação de elementos de circuito elétricos passivos, isto é, resistência, capacitância e indutância. Quando uma corrente alternada é aplicada a esses elementos, a corrente resultante é obtida usando a lei de Ohm.

Para o sistema de aço/concreto é possível obter informações sobre vários parâmetros, como a presença de filmes de superfície, características do concreto, corrosão interfacial e fenômenos de transferência de massa. Porém, a interpretação dos resultados pode ser uma tarefa difícil, e a necessidade de um circuito equivalente, que pode mudar conforme as condições do aço, torna a técnica mais satisfatória para estudos de laboratório [1[1] MONTEMOR, M. F.; SIMÕES, A.M.P.; FERREIRA, M.G.S. Chloride-induced corrosion on reinforcing steel: from the fundamentals to the monitoring techniques. Cement and Concrete Composites. v. 25, n. 4-5, p. 491-502, 2003.]. As principais vantagens desta técnica são:

  • Fornece informações sobre a cinética do processo, pela velocidade de corrosão;

  • Técnica precisa e reprodutiva, apropriada para ambientes de alta resistividade como é o caso do concreto;

  • Fornece dados a respeito do mecanismo de controle eletroquímico, indicando se o processo corrosivo se dá por ativação, concentração ou difusão;

  • Caracteriza o estado da armadura e a morfologia da corrosão;

  • Técnica não destrutiva e não perturbativa, uma vez que sinais aplicados são de pequena amplitude, de forma que o potencial de corrosão não é alterado;

  • Permite o acompanhamento da evolução do estado passivo ou ativo ao longo do tempo.

2.1 Interpretação dos resultados

A interpretação das medidas de EIE geralmente é feita pela correlação dos dados de impedância com um circuito elétrico equivalente que representa os processos físicos que estão ocorrendo no sistema em investigação ou por meio de gráficos.

O gráfico Z = Z' + jZ'', parte real e parte imaginária, respectivamente, medido a diferentes frequências é chamado de diagrama de "Nyquist", diagrama de impedância ou espectro de impedância. A outra representação é chamada de "Bode", que apresenta o logaritmo do módulo da impedância (log|Z|) e o deslocamento de fase como função do logaritmo da frequência.

O diagrama de Nyquist ( Figura 2), também conhecido como representação de Argand ou Colo-Cole, consiste em uma série de pontos, cada um representando a grandeza e a direção do vetor de impedância para uma frequência em particular [3[3] WOLYNEC, S. Técnicas eletroquímicas em corrosão. São Paulo: EDUSP, 2003. 166 p.]. O diagrama é um plano complexo (real imaginário) de coordenadas cartesianas, em que se tem na abscissa a parte real (termos resistivos) e na ordenada a parte imaginária (termos capacitivos ou indutivos). Os dados de impedância representados no plano cartesiano sob uma larga variação de frequência (100 KHz a 10 mHz; em geral 10 KHz a 10-4Hz) gera configurações típicas, de acordo com o mecanismo eletroquímico predominante. A Figura 2mostra um diagrama de Nyquist típico, acompanhado se seu circuito equivalente.

Figura 2
Diagrama de Nyquist, com seu circuito equivalente, mostrando o efeito da impedância difusional (SILVERMAN apud FREIRE [5])

Uma vez construído o diagrama de Nyquist, faz-se a extrapolação da parte direita do semicírculo até encontrar o eixo horizontal. O diâmetro do semicírculo é a resistência à transferência de carga Rt, equivalente à resistência de polarização (Rp) [2[2] LANGFORD, P. BROOMFIELD, J. Monitoring the Corrosion of Reinforcing Steel. v.1, nº2. Construction Repair, p. 32-36, 1987]. Assim, quanto maior o diâmetro deste semicírculo, maior a resistência Rpe, consequentemente, menor a taxa de corrosão [4[4] AGUILAR, A.; SAGÜÉS, A.; POWERS, R. Corrosion Rates of Steel in Concrete. ASTM-STP 1065, American Society for Testing and Materials, p. 66-85, 1990.].

Uma das dificuldades da impedância nitidamente evidenciada no diagrama de Nyquist diz respeito à caracterização de uma armadura essencialmente passiva. Nesse estado, a transferência de carga ao longo da armadura, que denota um processo de corrosão, é muito pequena. Sendo assim, os semicírculos ou arcos capacitivos de transferência de carga na dupla camada elétrica são pobremente desenvolvidos, prejudicando a interpretação de dados [2[2] LANGFORD, P. BROOMFIELD, J. Monitoring the Corrosion of Reinforcing Steel. v.1, nº2. Construction Repair, p. 32-36, 1987].

O diagrama de Bode consiste em um plano de eixos ortogonais, nos quais se têm, no eixo das ordenadas, duas grandezas: o logaritmo da impedância (log|Z|) em ohms (Ω) e o ângulo de fase (Φ) em graus; e no eixo das abscissas, tem-se o logaritmo da frequência angular (logω), com ω em radianos por segundo (rad/s). Pode-se também representar as abscissas pelo logaritmo da frequência (logf), com f em Hertz. Com a configuração logω versus |Z| pode-se determinar Rω e Rt, de acordo com a Figura 3; e por meio de ângulo da fase versus logω, é possível a determinação da capacitância da dupla camada elétrica Cdl, sabendo-se que:

Figura 3
Diagrama de Bode representando a impedância (módulo e ângulo de fase) de um sistema eletroquímico de corrosão em função da frequência angular [3]

onde: fmaxé o ângulo de fase máximo da impedância do sistema, wfmaxé a frequência angular correspondente aofmaxe |Z| é o módulo de impedância correspondente ao fmax.

No diagrama de Bode distingue-se claramente a região de alta frequência ( Figura 3a, região A), caracterizada pela presença de películas de passivação e outros tipos de revestimento sobre a armadura, a região de frequência média ( Figura 3A, região B), que reflete a mudança de condutividade elétrica do revestimento durante exposição em meio corrosivo e, finalmente, a região de baixa frequência ( Figura 3A, região C), onde a reação de corrosão na interface metal/revestimento pode ser estudada [2[2] LANGFORD, P. BROOMFIELD, J. Monitoring the Corrosion of Reinforcing Steel. v.1, nº2. Construction Repair, p. 32-36, 1987].

2.2 Circuitos equivalentes

Um dos maiores problemas em se utilizar circuitos equivalentes é decidir qual circuito equivalente específico, entre tantas possibilidades, deverá ser utilizado.

Um processo corrosivo envolve simultaneamente diversos processos físicos e, portanto, o seu circuito equivalente será composto por diferentes elementos de circuito. Contudo, de um processo para outro, os elementos de circuito podem variar também a forma com que os mesmos são interconectados. Na Tabela 1é mostrada a correlação entre processos físicos e elementos de circuito elétrico usados na EIE.

Tabela 1
Correlação entre os processos físicos e os elementos de circuito elétrico [3]

Um dos precursores do uso da EIE para monitorar corrosão em concreto armado foi JOHN et al. [6[6] JOHN, D.G.; SEARSON, P.C.; DAWSON, J.L. British Corrosion Journal. v. 16, p. 102, 1981.]. Esses autores propuseram o circuito descrito na Figura 4e aplicaram EIE em amostras de concreto imersas em água do mar. A resposta de impedância na baixa frequência foi relacionada com o processo de transferência de carga, considerando que a resposta em altas frequências foi atribuída à presença de um filme de superfície. Outra alternativa para a interpretação do sistema aço/concreto foi proposta por MACDONALD et al. apud FREIRE [5[5] FREIRE, K.R.R. Avaliação Do desempenho de inibidores de corrosão em armaduras de concreto. Curitiba, 2005. 192p. Dissertação (Mestrado), Universidade Federal do Paraná.]. Os autores descreveram a resposta de sistema baseados em um modelo de linhas de transmissão como mostrado na Figura 5, onde R é a resistência barra/segmento; Ri a resistência concreto/segmento e; Zj a impedância interfacial segmento barra/concreto.

Figura 4
Circuito equivalente para concreto proposto por JOHN et al. [6]. Rc: resistência do concreto; Rf e Cf: resistência e capacitância do filme; Zd: impedância difusional; Rct e Cdl: resistência de transferência de carga e capacitância de dupla camada

Figura 5
Modelo de linhas de transmissão descrito para concreto armado proposto por MACDONALD et al. apud FREIRE [5]

Esse modelo assume que as propriedades elétricas de aço e concreto são puramente resistivas, com a resistividade do concreto sendo dependente na posição devido à não homogeneidade de matriz. Por outro lado, o modelo assume que a interface é reativa devido à existência de capacitor, pseudocapacitor e componentes difusionais. Os modelos mostram que a parte real e a parte imaginária da resposta de impedância e o ângulo de fase a baixas frequências permitem detectar e localizar a corrosão.

DHOUIBI-HACHANI et al. [7[7] DHOUIBI-HACHANI, L.; et al. Comparing the steel-concrete interface state and its eletrochemical impedance. Cement and Concrete Research. v. 26, n. 2, p. 253-266, 1996.] propuseram outra aproximação mostrada na Figura 6, que inclui os itens seguintes: (i) produtos formados diretamente na superfície do aço, (ii) produtos que são o resultado de reação entre produtos de corrosão e a pasta de cimento e (iii) o tamanho da cobertura de concreto.

Figura 6
Circuito equivalente para o concreto proposto por DHOUIBI-HACHANI et al. [7]

O modelo mostra um bom acordo entre os dados experimentais e os diagramas de Nyquist calculados, onde Rc: resistência do concreto; R1: resistência dos produtos formados na armadura; C1e R4: capacitância e resistência de dispersão (dependente da frequência); R3: resistência da interface aço; C2e R2: capacitância e resistência de dispersão devido à homogeneidade dos produtos na superfície do metal.

Às vezes, apesar do desenvolvimento crescente na interpretação dos espectros de EIE, eles revelam a presença de características difíceis de explicar. Estas incluem: presença de ramos de baixa frequência, semicírculos deslocados e efeitos de altas frequências. O primeiro efeito conduziu à introdução de um elemento de Warburg (W) em série com a resistência de transferência de carga por causa das respostas dos processos faradaicos que acontecem na interface. Esses efeitos explicam por que o estado estacionário às vezes não pode ser alcançado com técnicas de corrente direta (DC) convencionais, até mesmo depois de muito tempo de espera. Eles também explicam as longas constantes de tempo observadas nos espectros de impedância a baixas frequências e a necessidade para extrapolar os valores da resistência de polarização [1[1] MONTEMOR, M. F.; SIMÕES, A.M.P.; FERREIRA, M.G.S. Chloride-induced corrosion on reinforcing steel: from the fundamentals to the monitoring techniques. Cement and Concrete Composites. v. 25, n. 4-5, p. 491-502, 2003.].

A presença de semicírculos deslocados sugere um comportamento não ideal do capacitor, conduzindo à introdução do elemento de fase constante (CPE) nos circuitos equivalentes. SAGUES et al. [8[8] SAGUES, A.A.; KRANC, S.C.; MORENO, E.I. The time-domain response of a corrodyng system with constant phase angle interfacial component: application to steel in concrete. Corrosion Science. v. 37, n. 7, p.1097-1113, 1995.] introduziram esse elemento em sistemas que exibem processos de polarização simples. Eles concluíram que alguma melhoria é obtida se o CPE é usado em vez de um capacitor ideal. Em outro trabalho, FELIU et al. [9[9] FELIU, V.; et al. Equivalent circuit for modelling the steel-concrete interface I: experimental evidence and theroretical predictions.. Corrosion Science v. 40, n. 6, p.975-993, 1998.] propuseram um sistema mais complexo e introduziram um CPE e parâmetros difusionais no circuito equivalente, como mostrado na Figura 7. Isso conduziu a um aumento na precisão da determinação da resistência de polarização quando isso era possível.

Figura 7
Circuito equivalente com introdução de CPE, proposto por FELIU et al. [9]. Re = resistência do eletrólito; Rp = resistência de transferência de carga; CPE = elemento constante de fases; ZD = difusão Warburg

O circuito equivalente proposto por Randles, na Figura 8, tem uma larga aplicação em muitos sistemas eletroquímicos. Nele, Re representa a resistência da solução e do filme do produto de corrosão, que também é conhecido, segundo SAGUES et al. [8[8] SAGUES, A.A.; KRANC, S.C.; MORENO, E.I. The time-domain response of a corrodyng system with constant phase angle interfacial component: application to steel in concrete. Corrosion Science. v. 37, n. 7, p.1097-1113, 1995.], como a resistência ôhmica do eletrólito entre o ponto sensitivo de voltagem do eletrodo de referência e a interface eletrodo/eletrólito. Rt e Cdl representam a interface de corrosão: Cdl é a capacitância da dupla camada elétrica resultante de íons e moléculas de água adsorvidos, devido à diferença de potencial entre eletrodo em corrosão e a solução (ou eletrólito) e Rt é a resistência à transferência de carga, que determina a taxa da reação de corrosão e é uma medida da transferência de cargas elétricas através da superfície do eletrodo. Em um sistema controlado por ativação, Rt é a parcela medida pela técnica de resistência de polarização, isto é, Rt equivale a Rp.

Figura 8
(A) Circuito equivalente simples do tipo Randles e; (B) Circuito Randles modificado com duas constantes de tempo [10] A B

Em estudo recente, MARTÍNEZ & ANDRADE [10[10] MARTÍNEZ, I.; ANDRADE C. Application of EIS to cathodically protected steel: tests in sodium chloride solution and in chloride contaminated concrete.. Corrosion Science v. 50, n. 10, p. 2948-2958, 2008.] adicionaram duas constantes de tempo RC, utilizadas quando necessário, como pode ser verificado na Figura 8B.

Para a interface aço/concreto, o circuito equivalente não é tão simples como o circuito de Randles. O modelo proposto por CRENTSIL apud MACHADO [17[17] MACHADO, M.A.G.T.C. Inibidores de Corrosão em Concreto Armado contra o ataque de agentes da chuva ácida. São Carlos, 2004. 161p. Tese (Doutorado), Universidade Federal de São Carlos.] relaciona um semicírculo em altas frequências às propriedades do concreto. O segundo semicírculo, em frequências intermediárias, é atribuído à formação de produtos de corrosão. Em baixas frequências, a presença de um semicírculo e uma reta com inclinação característica igual a 1 (um) envolve a sobreposição dos dois efeitos.

Ainda segundo MACHADO [17[17] MACHADO, M.A.G.T.C. Inibidores de Corrosão em Concreto Armado contra o ataque de agentes da chuva ácida. São Carlos, 2004. 161p. Tese (Doutorado), Universidade Federal de São Carlos.], o semicírculo reflete o efeito da cinética de corrosão e a reta relaciona a difusão de oxigênio através da camada de óxido, representada por um elemento de Warburg, W. A Figura 9mostra a representação esquemática dessa interface aço/concreto, o circuito elétrico equivalente e o correspondente diagrama de Nyquist.

Figura 9
Representação esquemática de (A) interface aço/concreto; (B) circuito elétrico equivalente (m = matriz e f = filme) e; (C) diagrama de Nyquist correspondente [4]

Assim, podem-se associar essas três regiões do diagrama às propriedades relativas à argamassa (matriz, m), ao filme interfacial (camada de Ca(OH)2) e a uma região de interface, com transferência de cargas e capacitância da dupla camada (interface solução intersticial/aço).

De forma simplificada, podem-se identificar três faixas de frequências, em que diferentes processos apresentam uma resposta de impedância

[4[4] AGUILAR, A.; SAGÜÉS, A.; POWERS, R. Corrosion Rates of Steel in Concrete. ASTM-STP 1065, American Society for Testing and Materials, p. 66-85, 1990.]:

  • Altas frequências (MHz-KHz): o eletrólito apresenta uma resposta. As capacitâncias são da ordem de pF/cm2. Mais de uma constante de tempo pode aparecer devido ao grau de umidade do concreto e aos diferentes constituintes das fases sólidas.

  • Médias frequências (KHz-Hz): os processos faradaicos apresentam uma resposta. As capacitâncias típicas são da ordem de mF/cm2. Pode-se encontrar mais de uma constante de tempo quando existe ataque localizado. O concreto carbonatado produz um achatamento do semicírculo nos diagramas de Nyquist.

  • Baixas frequências (Hz-mHz): as reações redox Fe2+↔ Fe3+podem ocorrer, dependendo do potencial. As capacitâncias medidas são da ordem de mF/cm2. Fenômenos de difusão podem aparecer através da camada passiva.

Com base nestas frequências citadas, CHRISTENSEN et al. [11[11] CHRISTENSEN, B.J.; et al. Impedance spectroscopy of hydrating cement-based materials: measurement, interpretation, and application. Journal of the American Ceramic Society, n. 77, v. 11, p. 2789-2804, 1994.,12[12] CHRISTENSEN, B.J.; MASON, T.O.; JENNINGS H.M.; Influence of silica fume on the early hydration of Portland cements using impedance spectroscopy., Journal of the American Ceramic Society n. 75, v. 4, p. 939-945, 1992.] propuseram uma correlação entre o fenômeno de corrosão e o circuito equivalente e que é bastante aceita em diversas pesquisas. O circuito equivalente proposto por estes autores é apresentado na Figura 10. O diagrama equivalente, apresentado na Figura 10, está associado a uma resistência "offset aparente" (R0) em série com a rede de concreto (R2Q2) e conectada, também em série, ao eletrodo (ReQe). Esses elementos são mais bem visualizados pelo diagrama de Nyquist apresentados na Figura 11.

Figura 10
Circuito equivalente típico proposto por CHRISTENSEN et al. [11]

Figura 11
(A) Diagrama de Nyquist proposto para o concreto armado e; (B) Ampliação da região de alta frequência do diagrama anterior

As variáveis mostradas na Figura 11podem ser interpretadas como:

  • Resistência do Eletrodo (Re): A resistência do eletrodo (no caso, a armadura) é representada pelo raio do semicírculo que se apresenta nas regiões de baixa frequência. A princípio, quanto menor esse raio, maior a corrosão.

  • Resistência da matriz de cimento (Rb): Este valor é facilmente detectado dos espectros de impedância, correspondendo à intersecção entre os arcos referentes ao eletrodo e ao corpo de cimento propriamente dito.

  • Resistência Offset (R0): É uma resistência "de partida", sem muito interesse para o processo e sem significado físico aparente. Em termos práticos, pode ser desprezado, considerando-se Rb= R0+ R2.

  • Ângulo de Depressão (θ): Muitas vezes expresso pelo fator de depressão do arco, n (n = 1 - (2θ/ p), está relacionado às imperfeições do corpo de prova, predominantemente, com a distribuição de tamanho de poros. Quanto mais próximo de zero (n próximo de 1), se comporta como um capacitor perfeito no sistema.

Como se pode observar, existe uma infinidade de circuitos equivalentes propostos e que se adéquam às diferentes formas de avaliar os diferentes materiais utilizados na produção do concreto e é uma árdua tarefa determinar um circuito equivalente que atenda completamente a todos os fenômenos observados no processo corrosivo.

3. Método proposto para a interpretação dos resultados de EIE

A análise dos resultados de EIE em amostras de concreto armado é de alta complexidade, devido à sobreposição de arcos provenientes de fenômenos simultâneos e a ruídos da medida, associados, evidentemente, à heterogeneidade das amostras e que dificultam de forma considerável sua análise.

Devido a essas dificuldades, propõe-se uma nova forma de análise. A teoria de base diz que os processos têm uma frequência angular de relaxação característica, w (a partir da qual deixam de responder) e que é dada por w = 1/RC e que também pode ser lida graficamente no topo do arco do espectro de impedâncias [13[13] VERMOYAL, J.J.; FRICHET, A.; DESSEMOND, L.; HAMMOU, A. AC impedance study of corrosion films formed on zirconium based alloys. Electrochimica Acta, v. 45, n. 7, p. 1039-1048, 1999.,14[14] MAIA, L.F.; RODRIGUES, A.C.M. Electrical conductivity and relaxation frequency of lithium borosilicate glasses. Solid State Ionics, v. 168, n. 1-2, p. 87-92, 2004.]. Assim, é possível associar os arcos a serem analisados com as capacitâncias e frequências típicas de cada um dos fenômenos.

Dessa forma, isolam-se os arcos identificados e relacionados a cada um dos fenômenos e faz-se uma análise local, melhorando, assim, a precisão. Estratégia semelhante havia sido adotada em seus estudos por VERMOYAL et al. [13[13] VERMOYAL, J.J.; FRICHET, A.; DESSEMOND, L.; HAMMOU, A. AC impedance study of corrosion films formed on zirconium based alloys. Electrochimica Acta, v. 45, n. 7, p. 1039-1048, 1999.]. Para tal, utilizou-se o circuito simplificado apresentado na Figura 12.

Figura 12
Circuitos elétricos equivalentes para a interface aço-concreto, segundo (A) análise geral e (B) análise por arcos individualizados (circuito simplificado), propostos por VERMOYAL et al. [13]

Quando os arcos são analisados isoladamente e fitados segundo o circuito elétrico simplificado ( Figura 12B), têm-se como resultados, além da resistência do arco em questão (R''), os valores do elemento de fase constante (CPE), Q, e do índice "n" que mede a perfeição desse elemento, variando entre 0 e 1 e sendo mais próximo do valor unitário à medida que o CPE se aproxima de um capacitor perfeito, C [4[4] AGUILAR, A.; SAGÜÉS, A.; POWERS, R. Corrosion Rates of Steel in Concrete. ASTM-STP 1065, American Society for Testing and Materials, p. 66-85, 1990.,11[11] CHRISTENSEN, B.J.; et al. Impedance spectroscopy of hydrating cement-based materials: measurement, interpretation, and application. Journal of the American Ceramic Society, n. 77, v. 11, p. 2789-2804, 1994.,15[15] COVERDALE, T.; et al. Interpretation of impedance spectroscopy of cement paste via computer modelling. Journal of Materials Science, v. 30 , n. 20, p. 712-719, 1995.]. Assim pode-se calcular a capacitância característica, C, de acordo com a Equação 3.

Já a frequência característica (f) associada a essa capacitância característica é calculada, em Hertz, de acordo com as Equações 4 e 5, onde w

= 1/RC [4[4] AGUILAR, A.; SAGÜÉS, A.; POWERS, R. Corrosion Rates of Steel in Concrete. ASTM-STP 1065, American Society for Testing and Materials, p. 66-85, 1990.,14[14] MAIA, L.F.; RODRIGUES, A.C.M. Electrical conductivity and relaxation frequency of lithium borosilicate glasses. Solid State Ionics, v. 168, n. 1-2, p. 87-92, 2004.].

Observando-se a correlação entre as capacitâncias e frequências características, calculadas para cada um dos fenômenos, é possível agrupá- las como :

  • Baixas frequências: Na faixa de 1mHz a 10Hz (10-3-10 Hz), correspondem à resistência do eletrodo (Re), logo, estão associadas ao fenômeno de corrosão. A capacitância característica desta faixa está compreendida entre 10-6e 10-3F/cm2.

  • Médias frequências: Na faixa de 100Hz a MHz (102-106Hz), correspondem à resistência do concreto (R2), estando associadas às características da matriz que envolve e protege a armadura. A capacitância característica desta faixa está compreendida entre 10-9e 10-6F/cm2.

  • Altas frequências: Superiores à faixa dos MHz (> 106Hz) estão associadas à resistência "offset" (R0), de pequena relevância e valores desprezíveis no presente estudo.

Esta correlação entre as capacitâncias e freqüências características calculadas para cada um dos fenômenos pode ser visualizada na figura 13, cujos resultados foram obtidos experimentalmente pelos autores. Observa-se claramente que as frequências características são muito bem definidas.

Figura 13
Correlação entre as capacitâncias e as frequências características para cada fenômeno do processo de degradação do concreto armado

A partir, daí, basta que o pesquisador associe cada arco, individualmente, à resistividade do concreto (R2) ou do eletrodo, no caso, a armadura (Re). Esta associação será baseada na freqüência na qual o fenômeno ocorre (f) ou na capacitância (C). Segundo alguns estudos realizados [4[4] AGUILAR, A.; SAGÜÉS, A.; POWERS, R. Corrosion Rates of Steel in Concrete. ASTM-STP 1065, American Society for Testing and Materials, p. 66-85, 1990.,16[16] SILVA, F.G. Estudo de concretos de alto desempenho frente à ação de cloretos. 2006. 218p. Tese (Doutorado em Ciência e Engenharia de Materiais) - Área de Interunidades em Ciência e Engenharia de Materiais, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2006.], a armadura está em processo de corrosão à medida que há o fechamento do semicírculo formado a baixas frequências, observado no diagrama de Nyquist. Assim, quanto menores os valores de Re, mais acentuado é o processo corrosivo e a resistência do eletrodo típica de um processo corrosivo considerável é da ordem de KW.

4. Conclusões

De acordo com os estudos realizados, é possível concluir que:

  • A EIE é uma precisa e poderosa técnica de anpalise do processo corrosivo que precisa ser melhor explorada pela construção civil;

  • A análise tradicional dos resultados de EIE, por meio da análise direta dos circuitos equivalentes, pode ser muito dificultada devido à sobreposição dos arcos, que ocorre em função da heterogeidade do concreto, implicando em erros;

  • Os processos têm uma frequência angular de relaxação característica, w (a partir da qual deixam de responder) e que é dada por w = 1/RC e que também pode ser lida graficamente no topo do arco do espectro de impedâncias;

  • É possível associar cada arco, individualmente, à resistividade do concreto (R2) ou daa armadura (Re), com base na freqüência na qual o fenômeno ocorre (f) ou na sua capacitância (C);

  • Fenômenos que ocorrem em baixas frequências (1mHz a 10Hz) correspondem à resistência do eletrodo (Re), logo, estão associadas ao fenômeno de corrosão. Os fenômenos que ocorrem em médias frequências (100Hz a MHz) correspondem à resistência do concreto (R2), estando associadas às características da matriz que envolve e protege a armadura e fenômenos que ocorrem em altas frequências (superiores à faixa dos MHz), estão associados à resistência "offset" (R0) , de pequena relevância e valores desprezíveis.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2015

Histórico

  • Recebido
    09 Set 2014
  • Aceito
    09 Jun 2015
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