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Estudo das sobrepressões da onda de choque de uma explosão utilizando a fluidodinâmica computacional

RESUMO

Ameaças de ataques com bomba por parte de organizações criminosas e acidentes envolvendo explosivos químicos representam um perigo real às estruturas e a seus usuários. A gravidade destes problemas e a necessidade de informações que auxiliem a elaboração de projetos mais seguros demandam pesquisas relacionadas às explosões. Este trabalho faz uma avaliação das sobrepressões de ondas de choque oriundas da detonação de explosivos à base de TNT, utilizando a fluidodinâmica computacional. Pela simulação de diferentes modelos foi possível verificar fenômenos como reflexões de ondas de choque e efeitos de canalização e realizar a comparação dos resultados de sobrepressão de onda com predições analíticas. Os resultados indicam que as técnicas de predição são pouco acuradas na análise de estruturas muito próximas do ponto de detonação e que ambientes mal projetados podem favorecer o fenômeno das múltiplas reflexões de onda, aumentando o potencial destrutivo da explosão.

Palavras-chave:
explosões; ondas de choque; fluidodinâmica computacional.

ABSTRACT

The threats of bomb attacks by criminal organizations and accidental events involving chemical explosives are a danger to the people and buildings. Due the severity of these issues and the need of data required for a safety design, more research is required about explosions and shock waves. This paper presents an assessment of blast wave overpressures using a computational fluid dynamics software. Analyses of phenomena as reflection of shock waves and channeling effects were done and a comparison between numerical results and analytical predictions has been executed, based on the simulation on several models. The results suggest that the common analytical predictions aren’t accurate enough for an overpressure analysis in small stand-off distances and that poorly designed buildings may increase the shock wave overpressures due multiple blast wave reflections, increasing the destructive potential of the explosions.

Keywords:
blasts; blasts waves, computacional fluid dynamics.

1 Introdução

As explosões em geral produzem ondas de choque que, apesar de sua utilidade para fins de mineração ou militares, podem representar um risco severo às estruturas civis e aos seus usuários. Eventos recentes como ameaças terroristas ou acidentes reforçam o fato que um estudo amplo sobre o tema explosão é necessário, possuindo grande impacto na sociedade atual.

Por serem fenômenos complexos e não-lineares, os estudos que envolvem as explosões, tal como a formação e propagação das ondas de choque, costumam ser realizados com desenvolvimentos analíticos, experimentais e numéricos. Estas pesquisam visam a determinação e identificação dos principais fatores controladores do processo, assim como as consequências destes em cada caso analisado.

Atualmente os estudos envolvendo as explosões recebem um auxílio importante dos recursos computacionais, principalmente pela dificuldade de realização de ensaios experimentais que envolvam modelos urbanos complexos ou cargas elevadas de explosivo. A utilização de ferramentas numéricas possibilita o projeto e desenvolvimento de estruturas mais resistentes e com leiautes mais adequados à proteção dos usuários.

Com relação à segurança, o principal objetivo de um projeto seguro é incrementar, para um nível adequado, a probabilidade de sobrevivência dos usuários e equipamentos de uma dada instalação para uma dada ameaça [1[1] KRAUTHAMMER, T. Modern Protective Structures, Taylor & Francis Group, Florida, 2007.]. Uma edificação segura deve ser também projetada de modo a prevenir o colapso progressivo, desde que seja atribuída a esta dutilidade e redundância estrutural suficientes [2[2] FU, F. Advanced Modelling Techniques in Structural Design, John Wiley & Sons, West Sussex, 2015.], sendo importante salientar que, para explosões externas, a resposta da fachada ao carregamento advindo da explosão afeta de maneira significante o comportamento da estrutura [3[3] PCI’s Architectural Precast Concrete Services Committee. Blast Considerations, PCI designer’s notebook, 2016.].

Uma organização adequada do leiaute interno pode facilitar a saída dos gases aquecidos e evitar que reflexões sucessivas da onda de choque ocasionem o efeito de canalização. Por outro lado, a consideração global da estrutura com edifícios adjacentes e a análise das geometrias e dos materiais podem fornecer informações importantes para a elaboração de estratégias de mitigação dos danos de uma explosão durante a concepção de um projeto.

Nesse âmbito, o presente trabalho apresenta um estudo das explosões, no qual foram realizadas simulações numéricas baseadas na fluidodinâmica computacional (CFD) por meio do “software” Autodyn do pacote Ansys ® Workbench versão 15 de 2014 [4[4] ANSYS® WORKBENCH. Version 15.0.7. Ansys, Inc, 2014.]. Os modelos simulados são constituídos por duas edificações adjacentes submetidas a uma explosão. Foram analisadas condições diversas como diferentes níveis de aberturas e leitautes internos, sendo também considerados obstáculos entre a explosão e as edificações. Além disso, foi estudado o efeito de canalização. As respostas quanto às pressões foram comparadas com predições empíricas apresentadas por diversos autores como, por exemplo, Kinney [5[5] KINNEY, G. F., GRAHAM, K. J. Explosive Shocks in Air, Springer Science + Business Media, 2nded, New York, 1985.]. Os resultados permitiram um estudo em relação à propagação da onda de choque e à interação desta com superfícies rígidas, atentando para a influência dos efeitos de reflexão na magnitude das pressões incidentes.

2 As explosões e seus parâmetros básicos

Uma explosão é caracterizada como uma liberação repentina e em larga escala de energia [6[6] NGO, T., MENDIS, P., GUPTA, A., RAMSAY, J. Blast Loading and Blast Effects on Structures, Electronic Journal of Structural Engineering, 76-91, 2007.] em que uma violenta expansão dos gases aquecidos a partir do epicentro resulta na formação de uma camada de ar comprimido, a onda de choque [7[7] SMITH, P. D., HETHERINGTON, J. G. Blast and Ballistic Loading of Structures, Butterworth-Heinemann, Oxford, 1994.]. Apesar da grande utilidade em aplicações militares, demolições e na mineração, as explosões podem representar um risco severo para as estruturas e para as pessoas quando provenientes de acidentes ou de ações criminosas. De uma maneira geral, as explosões podem ser classificadas como nucleares, físicas e químicas, sendo que estas últimas envolvem os chamados alto explosivos, como, por exemplo, TNT e RDX. Os alto explosivos são um grupo de materiais químicos sólidos cuja detonação tem a capacidade de produzir uma onda de choque quando a céu aberto, ou pulsos de pressão quando sob a água [8[8] MAYS, G. C., SMITH, P. D. Blast Effects on Buildings, Thomas Telford, London, 1995.]. As propriedades e os efeitos da explosão de um alto explosivo são mais conhecidos do que os efeitos da explosão de dispositivos nucleares, devido à relativa facilidade de sua produção e utilização.

A magnitude de uma explosão está relacionada com o tipo de explosivo empregado. Costuma se utilizar o fator de TNT (Tabela 1) para converter a quantidade, em termos de massa, de um determinado explosivo em uma quantidade equivalente de TNT.

Tabela 1
Equivalência em massa de TNT de alguns explosivos [9]

Para uma observação adequada dos parâmetros de uma onda de choque produzida por uma explosão é necessária à definição do gráfico do histórico de pressões (Figura 1).

Na Figura 1:

Figura 1
Diagrama da pressão em função do tempo de uma onda de choque

Ta ou tempo de chegada, é o tempo necessário para que a onda de choque produzida pela detonação se desloque do epicentro até o ponto de análise.

Td+ ou tempo de duração da fase positiva da onda de choque, começa a ser contado a partir do momento em que a onda de choque atinge o ponto de análise, ao término do tempo de chegada (Ta), e permanece ao longo da fase positiva até o início da fase negativa da onda.

Td- ou tempo de duração da fase negativa da onda de choque tem início ao fim da fase positiva da onda de choque. Permanece sendo contado até que as pressões decorrentes da onda de choque se estabilizem com a do ambiente.

Pmáx ou P ou pressão máxima da fase positiva é definida como o pico de pressão que ocorre quando a onda de choque atinge o ponto de análise.

P- ou pressão máxima da fase negativa é a pressão máxima atingida durante a fase negativa da onda de choque; possui valor em módulo muito inferior ao Pmáx.

Po ou pressão ambiente é a pressão de referência de onde ocorreu a explosão.

A diferença entre a pressão máxima da onda de choque (Pmáx) e a pressão ambiente (Po) resulta na sobrepressão (∆P), que é utilizada comumente para fins de quantificação de danos.

Em um determinado ponto de análise, os efeitos de uma determinada explosão podem ser estimados a partir da avaliação da distância em escala.

Sendo “R” a distância em metros do ponto de detonação de um explosivo ao ponto de análise e considerando “W” como a massa deste explosivo em quilogramas de TNT, pode-se definir o parâmetro Z, chamado de distância em escala (Equação 1).

(1)

O formato do dispositivo explosivo tem influência na configuração geométrica da onda de choque. Para fins de pesquisa é comumente adotada uma massa esférica de explosivo e, a partir da detonação desta, são produzidas as ondas de choque com uma dispersão radial a partir do ponto de detonação.

Para se avaliar o carregamento aplicado por uma explosão sobre uma determinada estrutura é necessário o conhecimento do comportamento da onda de choque. As principais propriedades a serem consideradas são o tempo de chegada da onda, a sobrepressão máxima incidente e o tempo de duração da fase positiva da onda.

Diversos pesquisadores propuseram formulações semiempíricas para predição das sobrepressões advindas da onda de choque de uma explosão em um determinado ponto de análise. Apesar das simplificações e de algumas limitações destas proposições, elas podem ser utilizadas para uma avaliação inicial de um problema.

As equações 2 e 3, introduzidas por Brode apud Mays e Smith [8[8] MAYS, G. C., SMITH, P. D. Blast Effects on Buildings, Thomas Telford, London, 1995.], apresentam os valores de pico da sobrepressão (∆P) em bar.

(2)

(3)

A Equação 2 é utilizada para avaliar as sobrepressões em distâncias em escala curtas, em que as pressões são elevadas (∆P > 10 bar). Já a Equação 3 é aplicada para médias a longas distâncias, em que as pressões são menores (0,1 < ∆P < 10 bar).

Henrych apud Smith e Hetherington [7], baseado em estudos experimentais e numéricos, desenvolveu um conjunto de equações para a determinação das sobrepressões da onda de choque de uma explosão (equações 4, 5 e 6).

(4)

(5)

(6)

A Equação 4 é utilizada para determinação das sobrepressões em pontos próximos da explosão (0,05 ≤ Z ≤ 0,3 m/kg1/3). As equações 5 e 6 são utilizadas para os casos de 0,3 ≤ Z ≤ 1 m/kg1/3 e 1≤ Z ≤ 10 m/kg1/3, respectivamente.

Com a Equação 7, desenvolvida por Newmark e Hansen apud Ngo et al. [6[6] NGO, T., MENDIS, P., GUPTA, A., RAMSAY, J. Blast Loading and Blast Effects on Structures, Electronic Journal of Structural Engineering, 76-91, 2007.], é possível a obtenção do valor da sobrepressão em bar. Diferente das proposições de predição de sobrepressão anteriores, a proposta de Newmark e Hansen é dependente da massa do explosivo (W) e da distância (R), não sendo apresentada diretamente em função da distância em escala (Z).

(7)

Kinney e Graham [5] apresentaram uma proposta para estimar a sobrepressão da onda de choque em bar. A consideração da pressão ambiente (Po) na fórmula é o diferencial desta proposta com relação às anteriores (Equação 8).

(8)

A Equação 9 foi desenvolvida por Mills apud Ngo et al. [6] para determinação da sobrepressão de pico de uma onda de choque em kPa.

(9)

Comparando as formulações apresentadas, os resultados tendem a divergir quando são analisados pontos muito próximos da explosão, ou seja, com distâncias em escala pequenas.

3 Análise numérica

3.1 Ferramenta numérica

As simulações numéricas desenvolvidas neste trabalho foram realizadas no hidrocódigo Autodyn pertencente ao pacote do Ansys ® Workbench versão 15 de 2014 [4[4] ANSYS® WORKBENCH. Version 15.0.7. Ansys, Inc, 2014.].

O Autodyn é um hidrocódigo moderno desenvolvido para ser uma ferrramenta computacional voltada para o estudo de carregamentos intensos ou aplicados muito rapidamente. Baseado na fluidodinâmica computacional, o programa, através de uma análise explícita, permite o estudo de problemas envolvendo impactos de aviões, fragmentação, explosões e outros problemas dinâmicos não lineares.

Com relação ao estudo das explosões, o Autodyn é de grande utilidade, pois é capaz de simular circunstâncias demasiadamente complexas para serem consideradas experimentalmente. Sua utilização permite a visualização e análise dos efeitos de canalização da onda de choque e da onda Mach, a obtenção das sobrepressões, a avaliação da fase negativa da onda de choque e as considerações sobre a termodinâmica das explosões. É importante salientar que algumas dessas características das explosões não foram consideradas no desenvolvimento das fórmulas semiempíricas de predição.

3.2 Considerações quanto aos modelos desenvolvidos

As simulações desenvolvidas neste trabalho visam permitir uma análise das sobrepressões de onda de choque de explosões em diferentes situações pela utilização da fluidodinâmica computacional. Ao todo, foram realizados três conjuntos de simulações.

No primeiro conjunto de simulações foram modeladas situações de explosão ao ar livre em modelos 1D para diferentes refinamentos de malha. Sensores virtuais foram colocados ao longo do modelo, de modo a captar as sobrepressões da onda de choque e comparar estes resultados com as predições analíticas.

No segundo conjunto de simulações foram elaborados modelos 2D para se analisar o efeito de canalização da onda de choque de uma explosão. Mediante a utilização de anteparos rígidos a diferentes distâncias do epicentro de uma explosão e sensores virtuais para captação das sobrepressões, foi possível avaliar o incremento no valor destas devido o confinamento da explosão.

No terceiro conjunto de simulações foram elaborados modelos 3D para se analisar a distribuição das sobrepressões de uma onda de choque em um ambiente urbano. Foram modeladas duas edificações vizinhas em diferentes circunstâncias como, por exemplo, sendo submetidas a uma explosão interna ou externa, com a presença de um anteparo rígido para proteção e para diferentes leiautes internos. Através de sensores virtuais convenientemente dispostos nos modelos, foi possível a captação e análise das sobrepressões da onda de choque.

Foram utilizados elementos planos no caso de análises em uma dimensão (1D) e duas dimensões (2D). Elementos de volume foram utilizados para os casos em três dimensões (3D).

As modelagens realizadas compartilham muitas similaridades. Por exemplo, os elementos utilizados seguiram uma discretização Lagrangeana para a definição dos sólidos e uma discretização Euleriana para a definição dos fluidos.

Na discretização Lagrangeana, a malha gerada se distorce junto com o material e é computacionalmente rápida de ser processada.

Na discretização Euleriana, a malha é estacionária e o material flui através dela. Esta malha é a ideal para simulação de fluidos apesar de ser mais custosa computacionalmente [10[10] BIRNBAUM, N. K., CLEGG, R. A., FAIRLIE, G. E. Analysis of Blast Loads on Buildings, Century Dynamics Incorporated, Oakland, California, 1996.]. Para se analisar os efeitos de interação fluido-estrutura foi necessário habilitar o acoplamento entre as malhas utilizadas, o acoplamento Euler-Lagrange.

De modo a se obter um ganho no tempo de processamento, foi utilizada a técnica de remapeamento da explosão. Esta técnica consiste no desenvolvimento dos estágios iniciais da explosão em um modelo simplificado, 1D por exemplo, sendo que depois estas informações são remapeadas em um modelo mais complexo, 3D.

As condições de contorno utilizadas permitem que o ar modelado em torno das edificações simule um volume ilimitado, ou seja, a onda de choque não será refletida quando esta atingir a fronteira do modelo. Nas simulações 3D, em que foi necessária a modelagem da superfície do solo, este foi inserido como rígido. As edificações nos modelos também foram consideradas rígidas; isso permite uma análise mais geral e um ganho no tempo de processamento, visto que serão desconsideradas deformações excessivas e fragmentação de elementos (o que demandaria uma análise específica).

Em todos os modelos foram considerados, basicamente, os mesmos materiais, cuja descrição pode ser encontrada na Tabela 2.

Tabela 2
Propriedades dos materiais utilizados nas simulações

3.3 1º Modelagem: Determinação das pressões de uma explosão ao ar livre - 1D

Os modelos mais simplificados para o estudo das explosões consistem na análise da detonação de uma determinada massa de TNT ao ar livre em condições ambientes. Esta primeira modelagem foi desenvolvida buscando comparar uma mesma situação de explosão sem a presença de obstáculos com as proposições de diferentes autores, considerando diferentes tamanhos de malha.

Para este estudo, foram desenvolvidos quatro modelos compostos por uma cunha de ar unidimensional modelada a partir de elementos quadrilaterais (Figura 2). As dimensões das malhas utilizadas foram de 5 mm, 10 mm, 20 mm e 50 mm.

Figura 2
I)Propagação da onda de choque na cunha de ar e posicionamento dos sensores; II) Detalhe da malha utilizada

Foi considerada uma explosão de 1kg de TNT, sendo que, para a captação das pressões, foram adequadamente posicionados treze sensores virtuais ao longo do sentido de propagação da onda de choque, a 2,0 m, 2,5 m , 2,9 m, 3,3 m, 3,7 m, 4,0 m, 4,7 m, 5,0 m, 5,3 m, 5,9 m, 6,2 m, 6,7 m e 7,0 m.

O ar foi considerado em condições ambientes de temperatura e pressão.

3.4 2º Modelagem: Análise do efeito de canalização - 2D

O efeito de canalização de uma onda de choque ocorre quando uma onda se propaga em um meio confinado como em um túnel, por exemplo. A geometria do confinamento pode dificultar a dispersão da energia da onda e direcioná-la em uma determinada orientação. O direcionamento desta energia resulta em um acréscimo da sobrepressão da onda no sentido da propagação. Este fenômeno é chamado de canalização de onda de choque.

Nesse âmbito foram desenvolvidas simulações no Autodyn, buscando quantificar o quão expressivo é o incremento nas sobrepressões da onda de choque devido a este efeito. Ao todo foram simulados quatro modelos (ver Figura 3).

Figura 3
I) Obstáculos a 2m da explosão; II) Obstáculos a 4m da explosão; III) Obstáculos a 6m da explosão; IV) Obstáculos a 8m da explosão

Os modelos são bidimensionais, considerando uma explosão confinada entre dois anteparos de concreto rígidos sob condições ambientes de temperatura e pressão. A explosão simulada é referente a uma massa de 50 kg de TNT (Figura 4). Os sensores virtuais 1, 2 e 3 utilizados para a captação dos valores das pressões distam 2 m, 4 m e 8 m da explosão, respectivamente.

Figura 4
Modelo discretizado em malha de 50 mm, posicionamento e numeração dos sensores

Na modelagem do ambiente da explosão foram utilizados elementos planos de Euler e para a modelagem dos anteparos, elementos planos de Lagrange.

Para o estudo de explosões em grandes modelos é recomendável a utilização de malhas de 500 mm, cujos resultados apresentam uma precisão adequada pelo tempo de processamento requerido [11[11] LUCCIONI, B. M., AMBROSINI, D. Blast Load Assessment Using Hydrocodes, Mecánica Computacional, Vol. XXIV, Buenos Aires, 2005.]. Entretanto, na simulação realizada, optou-se por uma malha de maior refinamento, com 50 mm.

3.5 3º Modelagem: Determinação das pressões de uma explosão em meio urbano - 3D

Devido à dificuldade de se executar experimentos envolvendo explosões em meios urbanos em uma escala real, as simulações computacionais surgem como uma solução para quem deseja avaliar os riscos e estimar os danos deste tipo de evento.

O objetivo das simulações realizadas foi analisar o comportamento da propagação da onda de choque e a interação desta com edificações rígidas, visto que se deseja determinar o perfil de pressão nos ambientes internos e externos destas.

Para o desenvolvimento destas simulações foram consideradas edificações compostas por elementos de concreto rígidos. Ao todo, foram elaborados seis modelos, sendo que um sétimo modelo foi desenvolvido para uma explosão realizada a céu aberto, em um ambiente livre de edificações ou de outros obstáculos, o que possibilitou um estudo comparativo entre os resultados.

Os modelos simulados podem ser observados na Figura 5.

Figura 5
Modelos simulados a), b), c), d) e f)

Em todos os modelos estudados foi adotada uma carga de 100 kg de TNT a 500 mm de altura, exceto no modelo c), em que se utilizou 10 kg de TNT.

Os modelos a) e b) possuem a mesma geometria e leiaute; a diferença entre eles consiste no local considerado para o ponto de detonação.

Os modelos a), c) e d) são praticamente idênticos. A diferença consiste em que, no modelo c), a carga de explosivo é de 10 kg de TNT e no modelo d) foi adotado um obstáculo entre a explosão e as edificações.

Os modelos e) e f) são semelhantes ao modelo desenvolvido no caso a). A diferença consiste basicamente nos níveis de abertura das edificações e no arranjo dos ambientes internos, respectivamente.

O esquema do posicionamento dos sensores utilizados nos modelos é apresentado na Figura 6; eles distam 500 mm do piso. Na mesma figura também é possível observar a malha utilizada na discretização das edificações e a condição de contorno referente à representação da superfície rígida do solo.

Figura 6
I)Posicionamento dos sensores; II) Discretização da malha utilizada e representação da superfície do solo

Os modelos foram elaborados usando elementos de volume com discretização Lagrangeana para os sólidos e elementos de volume de discretização Euleriana para fluidos, sendo consideradas condições ambientes de temperatura e pressão para o ar.

Em linhas gerais, as condições de contorno utilizadas nos modelos permitem que a superfície do solo e as edificações sejam rígidas, habilitando um estudo adequado das reflexões de onda e das distribuições das pressões sem a interferência de fragmentos ou deformações excessivas.

Apesar de malhas de 500 mm apresentarem bons resultados para a modelagem de explosões em meios urbanos [11], optou-se por utilizar uma malha de maior refinamento; neste caso, nas simulações desenvolvidas, foi utilizada uma malha de 50 mm.

4 Resultados

4.1 Resultados da 1ª modelagem (modelos 1D)

Ao fim das simulações dos modelos 1D, foram comparados os resultados obtidos numericamente em termos de pressão de onda de choque com os obtidos através das formulações de predição apresentadas (Figura 7).

Figura 7
Comparação entre os métodos de predição de sobrepressão de onda de choque com os resultados numéricos para diferentes tamanhos de malha

É observado que as malhas de 5 e de 10 mm apresentaram resultados bem próximos daqueles obtidos através das proposições de Henrych e de Brode. Para longas distâncias em escala, é possível afirmar que os valores de pressão previstos pelos diferentes métodos tendem a convergir de maneira assintótica, não sendo necessário, nesses casos, se adotar uma malha muito refinada.

Por outro lado, se observa que as maiores divergências dos resultados se dão na análise das sobrepressões em pontos muito próximos da explosão, Z < 2 m/kg1/3, o que já era esperado. Com relação às malhas adotadas, é importante salientar que a diferença máxima de resultados entre a malha de 10 mm e a de 5 mm foi inferior a 6% e que para uma distância em escala de aproximadamente 2,5 m/kg1/3 já é encontrada uma convergência.

4.2 Resultados da 2ª modelagem (modelos 2D)

Os resultados obtidos para cada sensor são apresentados na Figura 8.

Figura 8
Gráficos da pressão pelo tempo gerados por uma explosão de 50 kg de TNT

Através da análise dos gráficos é possível observar que os sucessivos picos de pressão ocorrem com maior frequência no caso dos anteparos muito próximos do epicentro da explosão. Isto implica em dizer que a posição dos anteparos com relação ao ponto da explosão pode amplificar o número de reflexões de onda em um dado período de tempo.

Os sensores 1 e 2 apresentam picos acentuados na pressão da onda de choque, ocasionados pelos efeitos de reflexão. A elevação da magnitude em termos de pressão de onda de choque ocasionada pelo efeito de reflexão supera os 300% nesses casos.

Analisando-se o caso I, em que a explosão ficou mais confinada em comparação com os demais casos, se observa que a energia acumulada pelo alto grau de canalização fez com que a onda de choque atingisse o sensor 3, o mais distante, mais rapidamente que nos outros casos.

Relacionando a área de confinamento da explosão, definida pela região entre os anteparos, com o pico máximo de sobrepressão atingido em cada caso é possível elaborar o gráfico apresentado na Figura 9.

Figura 9
Pressão máxima da onda em função da área de confinamento

Analisando-se este gráfico, se observa que o acúmulo de energia da onda proporcionado pelo dimensionamento inadequado de certos ambientes, ou seja, em ambientes com elevado grau de confinamento, pode ser incrementado de maneira drástica o potencial destrutivo de uma explosão.

4.3 Resultados da 3ª modelagem (modelos 3D)

Os resultados de sobrepressão e tempo de chegada obtidos para os sensores 1, 2, 3, 4 e 5 de cada simulação realizada são apresentados na Tabela 3.

Tabela 3
Resultados para sobrepressão e tempo de chegada da onda de choque

Analisando-se os dados desta tabela, é possível observar que a presença de um obstáculo entre a explosão e as edificações atenuou de modo acentuado as pressões incidentes sobre as mesmas. Devido à presença deste obstáculo, a onda de choque foi parcialmente dissipada antes que pudesse atingir as estruturas. Entretanto, no caso d), foi possível observar que uma parte da energia da onda de choque foi redirecionada para as laterais do modelo, incrementando severamente as sobrepressões de onda de choque no sensor 4.

Com relação à estimativa dos danos, se observa que no caso c), em que foi utilizada uma pequena quantidade de explosivo, a pressão da onda seria suficiente para causar danos severos a estruturas civis [12[12] APPLIED TECHNOLOGY COUNCIL (ATC), HINMAN, E., HINMAN CONSULTING ENGINEERS. Primer for Design of Commercial Buildings to Mitigate Terrorist Attacks, Federal Emergency Management Agency, United States, 2003.].

No caso b), em que foi analisada uma explosão interna, a distribuição das pressões se deu de maneira diferenciada dos demais casos. É possível observar que o grau de confinamento da explosão favoreceu o fenômeno das reflexões de onda, incrementando o valor de pico de pressão no ambiente interno da edificação.

Com relação ao número de aberturas, ocorreu o esperado, já que as edificações com uma menor taxa de aberturas apresentaram um menor pico de pressões de onda em seu interior.

Para a configuração de leiaute adotado em f) em comparação com o caso a), houve uma redução significativa nas pressões internas da edificação nos sensores analisados.

É possível comparar as pressões obtidas através destas simulações com as predições empíricas (Tabela 4). Observa-se que os métodos de predição não são suficientemente acurados nos casos analisados, pois não costumam considerar os efeitos de reflexão de onda ou surgimento da onda Mach.

Tabela 4
Comparação entre os métodos empíricos e a solução numérica

5 Conclusões

Os modelos desenvolvidos neste trabalho permitiram uma análise das sobrepressões de ondas de choque geradas pela detonação de um dispositivo de TNT. Sendo a onda de choque considerada como um dos principais mecanismos de dano de uma explosão, sua avaliação sempre será importante nas análises de segurança. Nesse âmbito, se confirma a importância da fluidodinâmica computacional como ferramenta no estudo das explosões.

Nas simulações das explosões, nos casos unidimensionais, foi possível observar a boa aproximação dos resultados da ferramenta numérica com as predições de alguns autores. É importante salientar que nesses casos não havia fenômenos de reflexão, o que foi decisivo para que os resultados encontrados numericamente e os dos autores tivessem certa convergência. Além disso, foi possível observar resultados semelhantes para malhas de 10 mm e de 5 mm, que convergiam para médias e longas distâncias em escala.

A disposição das edificações com relação ao posicionamento da explosão é um fator importante, que tem influência direta na distribuição das pressões da onda de choque tanto ao redor dos edifícios quanto em seus ambientes internos. Das simulações realizadas se pode concluir que um nível elevado de aberturas favorece a entrada da onda de choque de explosões externas na edificação, o que resulta em um incremento das pressões nos ambientes internos. Nesse âmbito, leiautes diferenciados podem contribuir para uma redução das pressões em determinados pontos.

É importante salientar que corredores estreitos podem favorecer o efeito de canalização da onda, representando um risco iminente às edificações, pelo acréscimo elevado das pressões incidentes.

O incremento em termos de pressões de onda ocasionado pelo efeito de canalização é de importância ìmpar no estudo das explosões em meios urbanos. A urbanística complexa de certas cidades, muitas vezes compostas por arranha-céus muito próximos e com poucas áreas abertas, representa um fator favorável à múltiplas reflexões das ondas de choque em uma explosão, maximizando dessa forma, o efeito destrutivo de explosivos convencionais.

Ao se analisar as explosões internas, verificou-se uma distribuição diferenciada das pressões. O que se pode afirmar a priori é que se deve evitar nos projetos a existência de corredores muito estreitos na edificação e, quando possível, distanciar esta das edificações vizinhas, o que facilitaria a dispersão da energia da onda de choque e dos gases aquecidos de uma explosão.

A fragmentação de elementos e os incêndios podem ser consequências de uma explosão. Entretanto, pela complexidade de cada um deles, a análise tem que ser realizada separadamente. É importante salientar que, mesmo para cargas pequenas de explosivo, a fragmentação de materiais e o impacto destes fragmentos em elementos estruturais podem ser mais danosos que a própria onda de choque em si. Por conta disso, em uma análise do projeto de segurança de um edifício, circunstâncias diversas tem que ser analisadas e os pontos fracos debatidos em busca de condições mais seguras para a estrutura e seus usuários.

6 Agradecimentos

Os autores agradecem ao CNPq pelo incentivo dado à pesquisa realizada.

7 References

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Jun 2017

Histórico

  • Recebido
    30 Maio 2016
  • Revisado
    08 Set 2016
  • Aceito
    12 Jun 2017
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