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Estruturas de concreto. Contribuição à análise da segurança em estruturas existentes

Resumos

A avaliação da segurança de uma estrutura de concreto existente difere daquela adotada no projeto de estruturas novas. Os coeficientes de ponderação das solicitações e das resistências, adotados na fase de projeto, levam em conta incertezas e imprecisões relacionadas com os processos de construção das estruturas, variabilidade da resistência dos materiais, além das aproximações numéricas dos processos de cálculo e dimensionamento. Entretanto, quando se analisa uma estrutura acabada, um grande número de fatores desconhecidos durante a etapa de projeto já se encontram definidos e podem ser mensurados, o que justifica uma redução nos coeficientes de majoração das ações ou de minoração das resistências. Diante disso, entende-se que analisar a segurança de uma estrutura acabada é muito mais complexo que introduzir a segurança no projeto de uma estrutura nova, pois requer inspeção preliminar, ensaios, análises e vistoria criteriosa. São necessários sólidos conhecimentos e conceitos de segurança em engenharia estrutural e também conhecimentos sobre os materiais de construção empregados, de forma a identificar, controlar e considerar corretamente a variabilidade das ações e das resistências na estrutura. Com a intenção de discutir este tema considerado complexo e difuso, apresenta-se neste artigo uma introdução à segurança das estruturas de concreto, uma síntese da revisão bibliográfica dos procedimentos recomendados por normas nacionais e normas internacionais associadas ao tema, bem como um exemplo prático de avaliação de uma estrutura existente para verificação da segurança.

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The safety evaluation of an existing concrete structure differs from the design of new structures. The partial safety factors for actions and resistances adopted in the design phase consider uncertainties and inaccuracies related to the building processes of structures, variability of materials strength and numerical approximations of the calculation and design processes. However, when analyzing a finished structure, a large number of unknown factors during the design stage are already defined and can be measured, which justifies a change in the increasing factors of the actions or reduction factors of resistances. Therefore, it is understood that safety assessment in existing structures is more complex than introducing security when designing a new structure, because it requires inspection, testing, analysis and careful diagnose. Strong knowledge and security concepts in structural engineering are needed, as well as knowledge about the materials of construction employed, in order to identify, control and properly consider the variability of actions and resistances in the structure. With the intention of discussing this topic considered complex and diffuse, this paper presents an introduction to the safety of concrete structures, a synthesis of the recommended procedures by Brazilian standards and another codes, associated with the topic, as well a realistic example of the safety assessment of an existing structure.

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1. Introdução

Devido aos recentes acontecimentos relacionados ao colapso de estruturas no Brasil1 e no mundo2, cresce cada vez mais a atenção do meio técnico para questões de segurança estrutural. Há vários casos de edificações que estão ruindo até mesmo antes da entrega ao cliente, ou seja, durante o período de construção. Além disso, cresce o interesse do mercado pelo retrofitde estruturas existentes, o que torna este assunto atual e de grande interesse prático, pois uma grande parte dos projetistas estruturais não dominam os conceitos, modelos e critérios de introdução da segurança na verificação de estruturas existentes.

Ainda que estejam sujeitas à depreciação ao longo do tempo, por estarem expostas ao ambiente e também pelo uso, e mesmo que tenham ou não manutenção adequada, conforme os requisitos da ABNT NBR 5674:2012 [1ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 5674: Manutenção de edificações. Requisitos para o sistema de gestão de manutenção. Rio de Janeiro: ABNT, 2012.], é inviável e inaceitável, econômica e ambientalmente, que as edificações sejam simplesmente substituídas ao atingirem o fim de sua vida útil de projeto (VUP), prevista de acordo com a norma ABNT NBR 15575:2013[2ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15575: Edificações habitacionais - Desempenho. Rio de Janeiro: ABNT, 2012.].

Também é inaceitável que estruturas existentes sejam analisadas segundo procedimentos adequados apenas a estruturas novas, muitas vezes resultando em intervenções e reforços desnecessários que inviabilizam o negócio por prazo e/ou por custo excessivo, criados por um projeto equivocado.

Portanto, diante da complexidade do estudo e análise de estruturas existentes, da constatação da frequência de colapsos parciais ou globais de estruturas em uso ou mesmo em construção3, e considerando que o país já tem uma imensa quantidade de estruturas com idade avançada, com patrimônio incalculável do ambiente já construído em concreto, a discussão da segurança dessas obras fica ainda mais necessária e urgente.

Diversas são as razões que podem levar à necessidade de se avaliar a segurança de uma estrutura existente, conduzindo a escopos de trabalho distintos, expostos no Tabela 1.

Tabela 1.
Algumas razões, escopos e ações que justificam a análise da segurança de uma estrutura existente (Helene [3HELENE, P. Contribuição à análise da resistência do concreto em estruturas existentes para fins de avaliação da segurança. ABECE Informa, São Paulo, n. 90, p.16-23, Mar/Abr 2012.])

A avaliação da segurança de uma estrutura de concreto existente difere daquela adotada no projeto de estruturas novas [4Comité Euro-International du Béton. Bulletin d'information n°. 192: Design and Assessment of Concrete Structures. Lausanne: CEB, 1989.]. Segundo as normas ABNT NBR 8681:2003 [5ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 8681 (Versão Corrigida: 2004): Ações e segurança nas estruturas. Procedimento. Rio de Janeiro: ABNT, 2003.] e ABNT NBR 6118:2014 [6ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118: Projeto de estruturas de concreto. Procedimento. Rio de Janeiro: ABNT, 2014.], os coeficientes de ponderação das solicitações e das resistências, adotados na fase de projeto, levam em conta incertezas e imprecisões relacionadas com os processos de construção das estruturas, variabilidade da resistência dos materiais, além das aproximações numéricas dos processos de cálculo e dimensionamento.

Entretanto, quando se analisa uma estrutura acabada, um grande número desses fatores desconhecidos durante a etapa de projeto já se encontram definidos e podem ser mensurados, o que justifica uma modificação nos coeficientes de majoração das ações ou de minoração das resistências [7SILVA FILHO, L. C. P. & HELENE, P.. Análise de Estruturas de Concreto com Problemas de Resistência e Fissuração. Capítulo 32 . In: Geraldo C. Isaia. (Org.): Concreto: Ciência e Tecnologia. 1 ed. São Paulo: IBRACON, 2011, v. 2, p. 1129-1174.].

Este tema já era abordado em 1983 pelo Comité Euro-International du Béton (CEB). Com relação às solicitações, o CEB [8Comité Euro-International du Béton. Bulletin d'information n°. 162: Assessment of Concrete Structures and Design Procedures for Upgrading (Redesign). Lausanne: CEB, 1983.] já indicava que, ao menos para as solicitações permanentes, os fatores de majoração adotados na análise de estruturas existentes deveriam ser inferiores aos usuais, com base em medidas geométricas, massas específicas reais e estimativas de cargas mais precisas.

No que concerne aos materiais, o CEB também advertia sobre o valor das resistências "características" do concreto a serem consideradas na análise de estruturas existentes. Por definição, um valor característico é vinculado a um conceito de segurança e qualidade das estruturas antes da construção, o que torna incoerente esta aplicação no caso de estruturas existentes, quando já se conhece melhor as geometrias e as propriedades dos materiais em uso.

Além disso, também se falava sobre a necessidade de se considerar um segundo problema: a idade à qual este valor característico deveria se referir, visto que grande parte das normas de projeto se baseava em valores nominais de resistência aos 28 dias (como acontece até hoje). Como naquela época, hoje o estudo da conversão da idade da estrutura para 28 dias ainda é pouco empregado, controverso e incerto.

Diante disso, entende-se que analisar a segurança de uma estrutura acabada é muito mais complexo que introduzir a segurança no projeto de uma estrutura nova, pois requer inspeção preliminar, ensaios e vistoria criteriosa. São necessários sólidos conhecimentos e conceitos de segurança em engenharia estrutural e também conhecimentos sobre os materiais de construção empregados, de forma a identificar, controlar e considerar corretamente a variabilidade das ações e das resistências na estrutura.

Com a intenção de discutir este tema considerado complexo e difuso, apresenta-se neste artigo uma introdução à segurança das estruturas de concreto, uma síntese da revisão bibliográfica dos procedimentos recomendados por normas nacionais e normas internacionais consagradas e respeitadas no Brasil associadas ao tema, bem como um exemplo hipotético da aplicação da avaliação de uma estrutura existente para verificação da segurança.

2. A segurança no projeto de estruturas de concreto

O conceito de segurança das estruturas, em geral, está associado a ferramentas estatísticas e é caracterizado pela análise probabilística de uma estrutura manter sua capacidade portante, evitando sua ruína [9ZAGOTTIS, D. L. de. Introdução da Segurança no Projeto Estrutural. São Paulo, EPUSP-PEF, 1974. 116 p.]. Desta forma são definidos os Estados Limites (últimos ou de serviço) para a estrutura e, independente do método de cálculo utilizado, o projeto deve ser realizado de forma a sempre sustentar a relação R d ≥ S d 4. A Fig.1 apresenta uma visão simplificada da consideração probabilística da segurança.

Figura 1.
Representação simplificada da análise de segurança pelo Método Probabilista

Através do tratamento semi-probabilístico das grandezas que influenciam a segurança das estruturas, ou seja, por um lado majorar as ações e por outro minorar as resistências, é possível realizar o dimensionamento de estruturas novas e a verificação da segurança de estruturas existentes, desta vez com valores efetivamente medidos ou estimados em campo.

Com esta finalidade, o fib Model Code 2010 [1010 FÉDERATION INTERNATIONALE DU BÉTON. fib (CEB-FIP) Model Code for Concrete Structures 2010. Lausanne: Ernst & Sohn, 2013.] recomenda quatro modelos de verificação da segurança, dos quais cita-se dois: Método Probabilístico de Segurança e Método dos Coeficientes Parciais de Segurança (ou Método Semiprobabilístico).

  • Método Probabilístico: devido à sua complexidade e ainda ausência de conhecimento das variáveis principais, não é o mais utilizado e, portanto, não será objeto de discussão neste artigo;

  • Método dos Coeficientes Parciais de Segurança: também conhecido como método semiprobabilístico, faz uso de coeficientes pré-determinados para conversão de valores característicos em valores de cálculo.

A norma ABNT NBR 8681:2003 [5ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 8681 (Versão Corrigida: 2004): Ações e segurança nas estruturas. Procedimento. Rio de Janeiro: ABNT, 2003.] oferece ferramentas de cálculo de esforços baseadas neste método, conforme os seguintes conceitos:

Para ações:

γf1 : considera variabilidade das ações;

γf2 : coeficiente de combinação (ψ0 - simultaneidade);

γf3 : considera possíveis erros de avaliação dos efeitos das ações devido ao método construtivo ou método de cálculo empregado.

Para resistência dos materiais:

γm : pode se referir ao concreto (neste caso, chama-se γc) e ao aço (γs).

γc1: leva em conta a variabilidade da resistência efetiva do concreto na estrutura, que é sempre maior que a variabilidade da resistência "potencial" do concreto na sua produção de origem, avaliada através de corpos de prova moldados;

γc2: considera as diferenças entre a resistência efetiva do concreto na estrutura e a resistência potencial medida convencionalmente em corpos de prova padronizados;

γc3: considera as incertezas existentes na determinação das solicitações resistentes, seja em decorrência dos métodos construtivos, seja em virtude do método (modelo) de cálculo empregado.

Cremonini [1111 CREMONINI, R. A. Análise de Estruturas Acabadas: Contribuição para a Determinação da Relação entre as Resistências Potencial e Efetiva do Concreto. São Paulo, EPUSP, 1994 (tese de doutoramento)] explica que os coeficientes γc1 e γc2 podem ser determinados por medidas experimentais e análises estatísticas, enquanto γc3 é encontrado por meio de critérios empíricos. No caso do concreto, pode-se considerar que γc se decompõe, aproximadamente, nas seguintes parcelas:

O resultado do produto das parcelas varia entre 1,30 e 1,60. A Tabela 2 expõe comparativamente os valores adotados pela normalização brasileira em comparação às prescrições do fib Model Code 2010 [1010 FÉDERATION INTERNATIONALE DU BÉTON. fib (CEB-FIP) Model Code for Concrete Structures 2010. Lausanne: Ernst & Sohn, 2013.].

Tabela 2.
Coeficientes de minoração da resistência do concreto utilizados no cálculo de novas estruturas

Alguns pesquisadores consideram, equivocadamente, que aspectos relacionados à dosagem e variabilidade dos materiais constituintes do concreto estão cobertos pelo γc, mas cabe esclarecer que, conceitualmente, este coeficiente cobre exclusivamente as diferenças entre os procedimentos de controle da resistência do concreto, muito bem estabelecidos na ABNT NBR 5738:2003 [1313 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 5738: Concreto. Procedimento para moldagem e cura de corpos-de-prova. Rio de Janeiro: ABNT, 2003.] e na ABNT NBR 5739:2007 [1414 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 5739: Concreto. Ensaios de compressão de corpos-de-prova cilíndricos. Rio de Janeiro: ABNT, 2007.], e os procedimentos adotados em obra [1515 GRAZIANO, F. P. Segurança estrutural e controle da resistência das estruturas de concreto. ABECE Informa, São Paulo, n. 91, p.16-23, Mai/Jun. 2012.].

Portanto, os coeficientes γc1 e γc2 (produto da ordem de 1,3 a 1,45), como bem diz a ABNT NBR 8681:2003 [5ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 8681 (Versão Corrigida: 2004): Ações e segurança nas estruturas. Procedimento. Rio de Janeiro: ABNT, 2003.], cobrem as diferenças desconhecidas entre a geometria do corpo de prova padronizado e a geometria do componente estrutural assim como suas características efetivas de adensamento, lançamento, cura, descimbramento e carregamento precoce, que em geral são diferentes dos procedimentos padronizadas na ABNT NBR 5738:2003[1313 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 5738: Concreto. Procedimento para moldagem e cura de corpos-de-prova. Rio de Janeiro: ABNT, 2003.].

Fica evidente que os procedimentos de obra dificilmente serão tão precisos quanto os de controle prescritos pela ABNT NBR 12655:2006 [1616 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 12655: Concreto de cimento Portland. Preparo, controle e recebimento. Procedimento. Rio de Janeiro: ABNT, 2006.], de forma tal que a resistência à compressão efetiva do concreto na estrutura será sempre menor (da ordem de 1,3 ou menos) que a resistência característica do concreto à compressão, avaliada pela ABNT NBR 12655:2006 [1616 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 12655: Concreto de cimento Portland. Preparo, controle e recebimento. Procedimento. Rio de Janeiro: ABNT, 2006.].

Uma aproximação experimental ao coeficiente γc pode ser obtida através de estudos reais de comparação entre a resistência de controle da ABNT NBR 12655:2006 [1616 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 12655: Concreto de cimento Portland. Preparo, controle e recebimento. Procedimento. Rio de Janeiro: ABNT, 2006.], que resulta numa resistência média potencial de produção (f cm), com a resistência média efetiva, aferida através de testemunhos extraídos (f c,ef,m). Segundo Cremonini [11], essa diferença média anda ao redor de 24% (ou seja, 1,24).

3. Efeito das cargas de longa duração

As cargas de longa duração afetam a resistência do concreto à compressão. A variação da resistência do concreto sob carga mantida, também conhecido no país por efeito Rüsch, está considerada no atual método semiprobabilista de introdução da segurança no projeto estrutural. Tal consideração é feita utilizando-se um coeficiente de minoração adicional, incluso no diagrama tensão-deformação idealizado da ABNT NBR 6118:2014 (item 8.2.10.1) [6ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118: Projeto de estruturas de concreto. Procedimento. Rio de Janeiro: ABNT, 2014.], cujo valor, para f ck ≤ 50MPa e carregamento aos 28 dias, é de 0,85.

Segundo o trabalho de Rüsch [17], o concreto, quando submetido a carregamentos de longa duração (t > 20minutos), sofre perda de resistência à compressão, num fenômeno análogo ao da relaxação (Fig.2).

Figura 2.
Influência da intensidade e duração do carregamento na resistência do concreto (Rüsch [1717 RÜSCH, H. Researches Toward a General Flexural Theory for Structural Concrete. ACI Journal, July 1960. p. 1-28.])

Por outro lado, sabe-se que o concreto de cimento Portland, ao longo de sua vida, devido à hidratação do cimento, ganha resistência conforme aparece à direita da Fig. 3.

Figura 3.
Efeito do tempo de carga na resistência do concreto (Rüsch [1717 RÜSCH, H. Researches Toward a General Flexural Theory for Structural Concrete. ACI Journal, July 1960. p. 1-28.])

Dessa forma, a resistência do concreto sob carga pode ser prevista facilmente como resultado do produto de dois coeficientes: βcc que depende da taxa de crescimento da resistência à compressão do concreto a partir da data de aplicação da carga, e βc,sus, que depende do efeito da permanência da carga, também chamado no Brasil de efeito Rüsch.

A taxa de crescimento da resistência à compressão do concreto, pode ser expressa através do modelo sugerido pelo fib Model Code 2010, a saber:

onde:

fc,j : resistência do concreto à compressão, aferida numa idade j dias;

fc,28 : resistência do concreto à compressão, aferida aos 28 dias;

s : coeficiente que depende do cimento, da relação a/c e das condições de sazonamento do concreto.

Para o valor de βc,sus, o mesmo fib Model Code 2010 sugere o seguinte modelo:

onde:

fc,sus,t : resistência à compressão do concreto sob carga mantida, na idade t, contada a partir da data t 0 de aplicação da carga, em MPa;

fc,t0 : resistência potencial à compressão do concreto, na data t 0, pouco antes de aplicação da carga de longa duração, em MPa

No caso da ABNT NBR 6118:2014, o valor de βcc·βc,sus = 0,85 é referido a 28dias de idade, ou seja, admite-se que o crescimento da resistência à compressão do concreto, a partir de 28dias até 50anos, será de apenas βcc=1,17 (17%), que corresponde ao índice s = 0,16, e o decréscimo da resistência à compressão do concreto devido à carga aplicada aos 28dias e mantida até 50anos, o chamado efeito Rüsch, será de βc,sus = 0,73, cujo produto resulta βcc·βc,sus = 1,17 · 0,73 = 0,85.

Observa-se que se trata de valores muito conservadores, pois, na realidade o crescimento da resistência do concreto de 28dias a 50anos, sempre supera 17% e o decréscimo por este efeito, segundo o próprio Rüsch seria de, no máximo, 0,75.

Na Fig.4 pode-se verificar a resultante (βcc·βc,sus·f cm ) do efeito de crescimento e de decréscimo, por efeito da carga de longa duração, na resistência do concreto, segundo Rüsch [1717 RÜSCH, H. Researches Toward a General Flexural Theory for Structural Concrete. ACI Journal, July 1960. p. 1-28.].

Figura 4.
Resistência do concreto (resultante b ·b ·f ) em função da idade de aplicação cc c,sus cm da carga de longa duração (Rüsch [1717 RÜSCH, H. Researches Toward a General Flexural Theory for Structural Concrete. ACI Journal, July 1960. p. 1-28.])

Nesse quesito cabe salientar que, ao se tratar de uma estrutura carregada, quando se analisa a resistência à partir de testemunhos extraídos, deve-se ter em mente que a resistência obtida pode, também, estar sob influência do efeito Rüsch. Tal fato dependerá da história de carregamento da estrutura e também de sua idade, e não existe ainda consenso claro de como considerar esse fenômeno na segurança estrutural no caso de estruturas existentes.

4. Avaliação de estruturas existentes

Apresentam-se algumas prescrições de normas nacionais e internacionais reconhecidas e respeitadas no Brasil. O foco principal é analisar questões de tecnologia do concreto e da avaliação e verificação da segurança nas estruturas existentes, respondendo as seguintes perguntas básicas:

  • Como obter a resistência característica do concreto equivalente à do corpo de prova moldado, a partir de testemunhos extraídos?

  • Quais são os parâmetros principais de segurança a serem considerados na análise de estruturas existentes?

  • Quais são as diferenças com relação aos parâmetros usuais de projeto utilizados para obras novas?

4.1 Caso geral e normalização brasileira

Para avaliação da resistência à compressão do concreto em estruturas existentes com o fim de verificar a segurança da estrutura, deve-se empregar os conceitos e prescrições das normas ABNT NBR 8681:2003 [5ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 8681 (Versão Corrigida: 2004): Ações e segurança nas estruturas. Procedimento. Rio de Janeiro: ABNT, 2003.], ABNT NBR 6118:2014 [6ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118: Projeto de estruturas de concreto. Procedimento. Rio de Janeiro: ABNT, 2014.] e ABNT NBR 7680:2015 [1818 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 7680: Concreto - Extração, preparo, ensaio e análise de testemunhos de estruturas de concreto. Parte 1: Resistência à compressão axial. Rio de Janeiro: ABNT, 2015.], que é a norma brasileira mais adequada e mais recente sobre avaliação do concreto in situvia testemunhos extraídos.

Portanto, considerando que a resistência do aço não se altera com o tempo (desde que conservado dentro de um bom concreto), a incógnita maior é sempre a resistência característica do concreto à compressão, aos 28dias de idade, convencionada como f ck e aferida pelas normas ABNT NBR 12655:2006 [1616 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 12655: Concreto de cimento Portland. Preparo, controle e recebimento. Procedimento. Rio de Janeiro: ABNT, 2006.], ABNT NBR 5738:2003[1313 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 5738: Concreto. Procedimento para moldagem e cura de corpos-de-prova. Rio de Janeiro: ABNT, 2003.] e ABNT NBR 5739:2007 [1414 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 5739: Concreto. Ensaios de compressão de corpos-de-prova cilíndricos. Rio de Janeiro: ABNT, 2007.].

No caso de estruturas existentes essa resistência deverá ser aferida a partir da resistência de testemunhos extraídos a uma idade diferente de 28dias, que pode ser denominada resistência extraída f c,ext. Para obter f ck a partir de f c,ext, a ABNT NBR 7680 prescreve uma série de procedimentos padronizados que levam em conta as diferenças entre a resistência medida no concreto retirado da boca da betoneira e submetido a condições ideais de norma (f ck) com a resistência efetiva do concreto na obra (f c,ext), sempre inferior à "potencial".

4.1.1 Primeiro passo

Portanto o primeiro passo será esse, ou seja, o de vistoriar e analisar a estrutura obtendo um f ck,equivalente a partir de um f c,ext, comparando-o com a resistência de projeto, f ck. Uma vez que f ck,equivalentef ck de projeto, a análise ou verificação da segurança pode ser considerada atendida e aprovada.

Caso f ck,equivalente < f ck de projeto , a verificação da segurança deve prosseguir com o segundo passo, que é verificar a segurança com esse novo f ck

4.1.2 Segundo passo

Para a reavaliação e verificação da segurança estrutural e da estabilidade global, considerando o Estado Limite Último (ELU), a ABNT NBR 6118:2014, no seu item 12.4.1, admite que, no caso de f ck obtido a partir de testemunhos extraídos da estrutura, seja adotado:

Portanto, nos casos usuais, γc = 1,4/1,1 = 1,27, o que equivale matematicamente, a multiplicar o resultado obtido de resistência do testemunho por 1,1, ou seja, aumentá-lo em 10%, uma vez que o testemunho representa melhor a resistência efetiva do concreto na obra, no entorno daquela região de extração. Para fins de verificação dos ELS, deve ser adotado γc =1,0.

Caso a segurança verificada com esse novo γc de 1,27 ou 1,0 seja atendida, o processo pode encerrar-se neste momento.

4.1.3 Terceiro passo

Caso a conformidade ainda não seja atendida, a verificação da segurança pode prosseguir com o terceiro passo, que é a observação cuidadosa da estrutura acabada conferindo medidas geométricas, posição de armadura, taxa de armadura, tolerâncias de excentricidade, de nível e de prumo, espessura de lajes, ou seja, conferir o rigor de execução da estrutura.

Nesta última etapa também é conveniente revisar por amostragem as massas específicas dos materiais, calcular a variabilidade da resistência do concreto, revisar cuidadosamente as cargas médias e sua variabilidade e também verificar a simultaneidade de cargas.

Caso o rigor da execução esteja dentro dos limites de tolerância conforme descritos na ABNT NBR 14931:2004 [1919 ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 14931: Execução de estruturas de concreto - Procedimento. Rio de Janeiro: ABNT, 2004.] (equivalente aos Capítulos 5 e 6do ACI 318-11 e ao Capítulo 8 do fib Model Code 2010), a verificação da segurança poderá adotar coeficientes de minoração da resistência do concreto γc menores que 1,27 e do aço, γs de 1,05 para ELU, além de realizar a verificação com os valores efetivos das cargas (massa específica efetiva), simultaneidade efetiva, etc.

4.1.4 Quarto passo

Permanecendo a não conformidade da segurança estrutural para aquelas condições de uso, escolher entre as seguintes alternativas:

  • determinar as restrições de uso da estrutura;

  • providenciar o projeto de reforço;

  • decidir pela demolição parcial ou total.

4.2 Normalização Internacional

Normas internacionais apresentam uma metodologia de análise de estruturas existentes similares e aderentes a esses conceitos, principalmente com os dois primeiros passos, sendo aplicáveis também os dois últimos passos.

4.2.1 ACI 318-11 Building code requirements for structural concrete and commentary [2020 AMERICAN CONCRETE INSTITUTE. ACI 318-11: Building Code Requirements for Structural Concrete and Commentary. Farmington Hills: ACI, 2011.] e ACI 214.4R-10 Guide for obtaining cores and interpreting compressive strength results [2121 AMERICAN CONCRETE INSTITUTE. ACI 214.4R-10: Guide for Obtaining Cores and Interpreting Compressive Strength Results. Farmington Hills: ACI, 2010.]

4.2.1.1 Estruturas em construção, primeiro passo

Durante o controle do concreto numa obra em construção e frente a resultados baixos de resistências à compressão do concreto, o ACI 318-11(Capítulo 5, item 5.6.5) solicita a extração de três testemunhos da região afetada.

Caso a média dos três testemunhos seja superior a 85% da resistência do projeto (f' c) e nenhum testemunho apresente resistência inferior a 75% de f' c, a estrutura deve ser considerada adequada e o processo encerra-se aqui, e pode-se associar essa etapa a um primeiro passo.

Observa-se que esta prescrição equivale a multiplicar, respectivamente, a média e o menor valor do testemunho extraído por 1,18 e 1,33, ou seja, f ck,equivalente=1,18·f cm,ext ou f ck,equivalente=1,33·f c,mínimo, ext.

4.2.1.2 Estruturas existentes, primeiro passo

Quando o primeiro passo não alcança a conformidade ou sempre que se trate de estruturas existentes, o ACI 318-11 (Capítulo 20) prescreve a estimativa de uma resistência equivalente f' c de uma forma mais apurada, através do ACI 214.4R-10, onde devem ser considerados alguns coeficientes de correção, relativos a fatores de ensaio, geometria e sazonamento do testemunho, sendo:

onde:

fc = resistência do testemunho corrigida;

fcore = resistência do testemunho, obtida diretamente no ensaio de compressão;

Fl/d = fator de correção devido à relação altura/diâmetro do testemunho;

Fdia = fator de correção devido ao diâmetro do testemunho;

Fmc = fator de correção devido à umidade/sazonamento;

Fd = fator de correção devido ao efeito deletério do broqueamento.

Após a correção da resistência de cada testemunho, relativa às variáveis de ensaio e questões intrínsecas do concreto, o ACI 214.4R-10 recomenda dois métodos para se obter a resistência equivalente final do concreto. São eles:

Tolerance factor method

Onde:

f'c,eq = resistência equivalente da amostra;

c = média das resistências equivalentes dos testemunhos ensaiados;

K = fator que leva em conta o limite de tolerância unilateral para um quantil de 10% (ACI 214.4R-10, Tabela 9.2) que depende do nível de confiança desejado no cálculo;

sc = desvio padrão da amostra;

Z = fator que leva em conta as incertezas do uso de fatores de correção da resistência (ACI 214.4R-10, Tabela 9.3) e também depende do nível de confiança desejado;

sa = desvio padrão dos fatores de correção da resistência(ACI 214.4R-10, Tabela 9.1).

Alternative method

Onde:

f'c,eq = resistência equivalente da amostra;

c = média das resistências equivalentes dos testemunhos ensaiados;

T = fator obtido via distribuição t de Student com n-1 graus de liberdade, depende do nível de confiança desejado (ACI 214.4R-10, Tabela 9.4);

sc = desvio padrão da amostra;

Z = fator que leva em conta as incertezas do uso de fatores de correção da resistência (ACI 214.4R-10, Tabela 9.3) e também depende do nível de confiança desejado;

sa = desvio padrão dos fatores de correção da resistência (ACI 214.4R-10, Tabela 9.1);

n = número de testemunhos ensaiados;

C = coeficiente atrelado à variabilidade intrínseca das resistências na estrutura (ACI 214.4R-10, Tabela 9.5).

4.2.1.3 Segundo passo, estruturas novas em construção ou existentes

Caso a resistência equivalente, obtida pelo ACI 214.4R-10 não atenda à resistência de projeto, deve ser verificada a segurança adotando-se novos coeficientes de minoração das resistências do concreto, denominados de fatores de redução das resistências (φ), constantes no ACI 318-11, Capítulo 20, conforme se apresenta na Tabela 3.

Tabela 3.
Fatores de redução das resistências (f) segundo o ACI 318-11

Apesar de estarem contidos nos mesmos conceitos do caso geral adotado pela normalização brasileira, o ACI 318-11 não prescreve um único coeficiente de minoração da resistência do concreto, γc, e na verificação da segurança em estruturas existentes varia a redução desse coeficiente de 6,7% a 23,1%, segundo a natureza do esforço principal, enquanto no Brasil essa redução é fixa, conservadora e igual a apenas 10% (apesar que a antiga ABNT NBR 6118, de 1978 a 2003, permitia reduzir de 15% em certos casos).

Entretanto, observa-se no ACI 318-11 que a forma de introdução da segurança no projeto estrutural difere da adotada pela ABNT NBR 6118. Na norma norte americana, o coeficiente redutor (φ) é aplicado uma única vez sobre a soma das parcelas resistentes do aço e do concreto. Diferentemente do procedimento adotado pela norma brasileira, onde se aplica separadamente os coeficientes redutores de resistência do concreto (γc) e do aço (γs).

A título de exemplo, a capacidade resistente à força normal centrada, de um pilar curto se calculado pela ABNT NBR 6118:2014, é dada pelo exposto na eq.13, enquanto que no ACI-318-11, a mesma capacidade é dada pela eq. 14.

Onde:

Nd = Esforço normal máximo, valor de cálculo;

fck = resistência característica do concreto;

γc = coeficiente de minoração da resistência do concreto;

Ac = área bruta da seção de concreto;

fyk = resistência característica de escoamento do aço;

γs = coeficiente de minoração da resistência do aço;

As = área de aço.

Onde:

φ.P n,max = Esforço axial resistente máximo, valor de cálculo;

φ = Coeficiente de redução da resistência;

f 'c = resistência característica do concreto;

Ag = área bruta da seção de concreto;

Ast = área de aço;

fy = resistência característica do aço.

Assim, se compararmos um pilar curto com dimensões 50x50cm, com f ck de 35MPa e uma área de hipotética de armadura de aço CA-50 de 37,70cm², pela norma ABNT NBR 6118:2014, seu esforço normal máximo de cálculo seria 6951,8kN, ao passo que o mesmo elemento avaliado pelo método do ACI-318-11, com coeficiente (φ) igual a 0,65, resulta em um esforço normal resistente de 4789,48kN.

Tal constatação demonstra que, a norma norte americana é mais conservadora frente a brasileira, quando se trata da introdução da segurança na fase de projeto.

Entretanto, ao se avaliar a segurança dentro do Capítulo 20 do ACI-318-11, o fator de redução de resistência, ou coeficiente redutor (φ), pode ser majorado, o que significa assumir um aumento da capacidade resistente da peça, devido ao maior conhecimento do estado da estrutura e redução da variabilidade admitida.

No caso do exemplo hipotético, o item 20.2.5 do ACI-318-11 limita o aumento do coeficiente (φ) a no máximo 0,80, ou seja, um acréscimo de 23% na capacidade resistente da peça.

Já pelo modelo da ABNT NBR 6118, é permitido reduzir o coeficiente γc de 1,4 para 1,27, quando se trata da análise de testemunhos extraídos. Nessa situação, alterando apenas o coeficiente relativo ao concreto, haveria um acréscimo de 7,8% na capacidade resistente do mesmo pilar, e o coeficiente γs também fosse alterado, de 1,15 para 1,0, em conjunto com o 1,27 do concreto, o acréscimo então seria de 11,3%, ambos os casos muito abaixo do valor assumido pelo ACI.

O terceiro e o quarto passos, citados anteriormente no caso geral, não são explícitos no ACI 318-11, mas, obviamente, são aplicáveis

4.2.2 ACI 562-13 Code Requirements for Evaluation, Repair, and Rehabilitation of Concrete Building and Commentary [2222 AMERICAN CONCRETE INSTITUTE. ACI 562-13: Code Requirements for Evaluation, Repair, and Rehabilitation of Concrete Building and Commentary. Farmington Hills: ACI, 2013.]

Este novo documento propõe uma avaliação preliminar, que inclui a revisão de plantas, dados da construção, relatórios e outros documentos disponíveis (obtenção de informações sobre os materiais) e a comparação das informações obtidas com as prescrições da norma utilizada na época do projeto.

Caso não seja possível obter informações suficientes por meio de projetos, especificações e outros documentos, considerar valor de resistência à compressão do concreto estrutural conforme Tabela 6.3.1a, ou partir para ensaios in loco de extração de testemunhos e em laboratório, no intuito de conhecer as características do concreto.

Quando se decidir por ensaiar testemunhos extraídos, recomenda-se estimar a resistência equivalente (fc,eq) através da equação:

Onde:

fceq = resistência à compressão equivalente do concreto;

fc = média das resistências dos testemunhos, já modificadas para considerar os diâmetros e as condições de sazonamento dos testemunhos;

V = coeficiente de variação das resistências efetivas dos testemunhos;

n = número de testemunhos ensaiados;

kc = fator de modificação do coeficiente de variação (depende de conforme ACI 562 Tabela 6.4.3).

Após a determinação da resistência equivalente, deve-se então avaliar a estrutura e verificar a segurança conforme capítulo 20 do ACI 318-11. Portanto este documento do ACI não acrescenta muito ao ACI 318-11 e ao ACI 214.4R-10, e apenas modifica um pouco a forma de obter a resistência equivalente (primeiro passo) do concreto em estruturas existentes, mantendo o segundo passo, e ainda sendo aplicáveis os terceiro e quarto passos do caso geral.

4.2.3 fib Model code for concrete structures 2010

Na avaliação de estruturas existentes, o fib Model Code 2010[1010 FÉDERATION INTERNATIONALE DU BÉTON. fib (CEB-FIP) Model Code for Concrete Structures 2010. Lausanne: Ernst & Sohn, 2013.] recomenda que valores reduzidos de γ>m sejam adotados quando o intuito for avaliar uma estrutura existente, de modo a levar em conta as ações reais atuantes, as dimensões efetivas e as propriedades reais dos materiais empregados na estrutura. Para o fator γ>Rd, que representa o produto γ>Rd1 γRd2, equivalente ao produto do γc2 · γc3, a norma recomenda adotar o valor de 1,0.

O fator γ>Rd expressa as incertezas no modelo de cálculo e geometria. Percebe-se claramente que, na análise de uma estrutura existente, estas incertezas são menores, permitindo reduzir este fator de 1,10 para 1,00.

Para uma análise probabilística pura, o fib Model Code 2010[1010 FÉDERATION INTERNATIONALE DU BÉTON. fib (CEB-FIP) Model Code for Concrete Structures 2010. Lausanne: Ernst & Sohn, 2013.] orienta que se realize a análise baseada em índices de confiabilidade, a partir de onde se obterão novos coeficientes de segurança. A Tabela 4apresenta as diferenças entre os índices de confiabilidade (β) a se considerar no projeto de novas estruturas e na análise de estruturas existentes.

Tabela 4.
Índices de confiabilidade (b) segundo o fib Model Code 2010 (p. 31 e 32) [1010 FÉDERATION INTERNATIONALE DU BÉTON. fib (CEB-FIP) Model Code for Concrete Structures 2010. Lausanne: Ernst & Sohn, 2013.]

4.2.4 EUROCODE 2. EN 1992. Dec. 2004. Design of concrete structures. General rules and rules for buildings [2323 COMITE EUROPÉEN DE NORMALISATION. EUROCODE 2: Design of concrete structures. Part 1-1: General rules and rules for buildings. Brussels: CEN, 2004.] e EN 13791. Jan. 2007. Assessment of in-situ compressive strength in structures and precast concrete components [2424 COMITE EUROPÉEN DE NORMALISATION. EN 13791: Assessment of in-situ compressive strength in structures and precast concrete componentes. Brussels: CEN, 2007.]

De modo similar, também o EUROCODE 2 recomenda que valores reduzidos de γ>c e γ>s sejam adotados, desde que sejam mitigadas as incertezas no cálculo da resistência.

No que tange à determinação da resistência equivalente (primeiro passo), aplica-se a EN 13791, que traz os modelos de cálculo expostos a seguir nas eqs. 16 e 17 abaixo (adota-se, sempre, o menor dos dois valores).

15 testemunhos ou mais

Onde:

fck,is = resistência equivalente da amostra;

fm(n),is = média das resistências equivalentes dos testemunhos ensaiados;

s = desvio padrão da amostra;

fis,lowest = menor valor de resistência à compressão obtido no ensaio dos testemunhos.

3 a 14 testemunhos

Onde:

fck,is = resistência equivalente da amostra;

fm(n),is = média das resistências corrigidas dos testemunhos ensaiados;

k = fator que depende do número de testemunhos ensaiados (EN 13791 Tabela 2);

fis,lowest = menor valor de resistência à compressão obtido no ensaio dos testemunhos.

A EN 13791 também recomenda corrigir as resistências dos testemunhos extraídos precedentemente ao cálculo da resistência equivalente, de maneira análoga ao ACI 214.4R-10, levando em conta relação h/d, diâmetro, sazonamento, broqueamento, entre outros.

Caso a execução da estrutura tenha sido submetida a um rigoroso controle da qualidade, garantindo que desvios desfavoráveis nas dimensões das seções transversais se encontrem dentro dos limites da EN 1992 Tabela A.1, e desde que o coeficiente de variação da resistência do concreto não seja superior a 10%, γc pode ser reduzido de 1,5 para 1,4 (segundo passo).

Ainda, se o cálculo da resistência de projeto se baseia em dados geométricos críticos (reduzidos por desvios e medidos na estrutura acabada), a recomendação é reduzir γc para 1,45. Neste mesmo caso, desde que o coeficiente de variação da resistência do concreto não seja superior a 10%, pode-se adotar γc = 1,35.

Quando a avaliação da estrutura existente for baseada em ensaios e testes in loco na estrutura acabada (como, por exemplo, extração de testemunhos), γc deve ainda ser reduzido pelo fator de conversão ƞ = 0,855.

A Tabela 5 indica os percentuais de redução sugeridos pelo EUROCODE 2 para o coeficiente de segurança γc.

Tabela 5.
Fatores gc utilizados na análise de estruturas existentes (EUROCODE 2)

Percebe-se que, no caso do EUROCODE, o novo coeficiente de minoração da resistência do concreto para verificação da segurança em estruturas existentes, desde que baseada na extração de testemunhos, é equivalente ao da norma brasileira e igual a 1,27.

Finalizado esse segundo passo, caso a segurança não venha a ser atendida, ainda restam os terceiro e quarto passos do caso geral

5; Exemplo de aplicação

De modo a se realizar uma análise comparativa com os diferentes códigos, apresenta-se abaixo um exemplo de uma estrutura que é conhecido que foi projetada com um f ck de 25MPa, onde se tomou um conjunto de dados provenientes de extração de testemunhos de concreto (Tabela 6) e, em seguida, aplicou-se os conceitos de análise apresentados para as diferentes normas.

Tabela 6.
Conjunto de dados de testemunhos extraídos

Da região em análise foram retirados 8 testemunhos, quantidade que atende aos mínimos recomendados das normas citadas. Para essa análise foram utilizados testemunhos padrão com 10cm de diâmetro e relação h/d = 2. Todos os valores de f c são expressos em MegaPascal (MPa).

5.1 Primeiro passo: resistência equivalente

Caso se tratasse de uma estrutura em construção, para a análise segundo o ACI 318-11 (Capítulo 5), deve-se utilizar apenas 3 resultados da região com problemas. Por razões de conservadorismo, dos oito disponíveis utilizou-se apenas os 3 de menores valores.

A partir dos resultados 15,4; 15,4 e 16,6MPa, obtém-se f c,equivalente = 18,6 MPa (multiplicando a média dos resultados por 1,18). Esta condição não atende os critérios da norma, portanto, há necessidade de se encontrar um novo f c,equivalente para continuar a análise.

Na Tabela 7 apresenta-se a correção de f ci,ext proposta pelo ACI 214.4R-10, Capítulo 9.1. Para este exemplo prático, adotou-se um nível de confiança de 95%

Tabela 7.
Correção segundo o ACI 214.4R-10 (resultados em MPa)

A partir dos valores corrigidos de f c, há necessidade de encontrar o valor de f c,equivalente. Este parâmetro também pode ser obtido através do ACI 214.4R-10, ACI 562-13 e EN 13791:2007, como se expõe na Tabela 8.

Tabela 8.
Valores de fc,equivalente propostos pelo ACI 214.4R-10, pelo ACI 562-13 e pela EN 13791

5.2 Segundo passo: análise da segurança

Em seguida às correções e obtenção do f c,equivalente, deve-se proceder com a análise ou verificação da segurança, conforme o Capítulo 20 do ACI 318-11 (ou Cap. 5.4 do ACI 562-13 6 ) ou o EUROCODE 2.

Segundo o ACI 318-11, admitindo que se trata de pilares sem armadura em espiral, caberia a modificação do fator de segurança ϕ de 0,65 para 0,80, ou seja, equivalente a majorar a resistência equivalente (f ceq) obtida na Tabela 8 em 1,23 (e continuar utilizando ϕ = 0,65 na verificação de projeto).

Dessa forma, os valores de resistência a serem adotados segundo esse conceito seriam os expressos na Tabela 9.

Tabela 9.
Valores da resistência equivalente do concreto para verificação da segurança, segundo o ACI 318-11

Do ponto de vista do EUROCODE 2, obtido o valor de f ck,is através da EN 13791 (mesmo f ceq do ACI), deve-se então aplicar os critérios de análise de segurança, conforme já descrito. De forma análoga ao executado nas análises anteriores, na Tabela 10 são expostas as correções de cada um dos itens contemplados em seu Anexo A.

Tabela 10.
Valores de fck para verificação da segurança, segundo a EN 13791:2007 (partindo de gc = 1,5)

Verifica-se, numa análise global e tomando como referência este exemplo, que a resistência final de cálculo variou de 16MPa a 21MPa, segundo o critério que se adote, como se apresenta na Tabela 11.

Tabela 11.
Valores da resistência do concreto a serem adotados na verificação da segurança (MPa)

Essa variabilidade demonstra, uma vez mais, a necessidade de sempre utilizar o bom senso na tomada de decisões e de buscar considerar o problema com uma visão holística que vise abarcar todas as variáveis sem se prender exageradamente a um número obtido matematicamente que, sabe-se e foi demonstrado, pode ter significado relativo e não absoluto.

Na análise de segurança, verifica-se que todas as normas consultadas, sem exceções, permitem grandes reduções em seus coeficientes parciais, uma vez que as variáveis após uma estrutura estar pronta são passíveis de serem medidas e consideradas no cálculo como valores efetivos. Dessa forma, como não há mais tantos desconhecimentos e incertezas, pode-se trabalhar com uma margem de segurança menor e mais racional.

6. Considerações finais

No universo da normalização existente foi possível verificar diferentes critérios de análise, entretanto todas as normas analisadas têm em comum o fato de que a redução de algumas parcelas dos coeficientes parciais é plenamente viável, sem prejuízo da segurança estrutural.

Entretanto, para lançar mão de novos coeficientes, faz-se necessário ter um conhecimento maior da estrutura, e nesse aspecto entra a importante atividade de inspeção, na qual o rigor da execução, e os parâmetros geométricos e de qualidade dos materiais devem ser adequadamente verificados.

O fib Model Code 2010, na composição do coeficiente de minoração da resistência do material, considera, de forma explícita, além da parcela relativa ao desconhecimento da resistência do material, a parcela que leva em conta as incertezas geométricas que podem eventualmente ocorrer durante a execução. Nesse aspecto, ao se constatar que a estrutura foi executada com geometria dentro de padrões considerados aceitáveis e tendo conhecimento da resistência do concreto na estrutura (através de testemunhos), poder-se-ia efetuar a redução do γm.

Na norma norte-americana, no tocante a resistência do concreto, fica evidente a separação da análise do material e análise de segurança, sendo o primeiro item especificado pelo ACI 214.4R-10 ou pelo ACI 562-13, que tratam de corrigir variáveis inerentes a ensaio e a propriedades intrínsecas do concreto, enquanto a segurança é tratada de acordo com o Capítulo 20 do ACI 318-11.

O EUROCODE 2 atua de forma análoga ao fib Model Code 2010, permitindo a redução dos coeficientes γc desde que se a geometria da estrutura tenha sido executada de forma rigorosa e tais medidas sejam consideradas no cálculo (característica medida por um controle efetivo da qualidade na construção).

O novo texto da ABNT NBR 7680:2015, demonstra-se alinhado com as principais normas, e a correção dos valores de resistência de testemunhos extraídos resulta próximo aos calculados pelas diferentes metodologias. Entretanto, para a análise e redução do coeficiente de segurança (γc), deve-se ainda proceder com o prescrito na ABNT NBR 6118:2014.

Sobre as considerações referentes à influência da idade e das cargas de longas duração na avaliação da resistência do concreto, estes pesquisadores não encontraram na bibliografia disponível, nenhuma menção à necessidade de retroagir a resistência do concreto a 28 dias. Nenhum texto foi encontrado considerando o crescimento ou o decréscimo da resistência do concreto após 28 dias, quando analisado em estruturas existentes e com idades muito ou pouco superiores a 28 dias.

Uma recomendação de ordem prática dos autores, seria considerar, na verificação do projeto, a resistência obtida na idade de ensaio, sem qualquer regressão, e proceder com os cálculos conforme a teoria normalizada.

De forma geral e com visão holística, constatou-se nesse artigo que a verificação da segurança de uma estrutura existente é uma análise complexa e diferenciada, que depende do conhecimento profundo da estrutura e da tecnologia do concreto, assim como dos conceitos de segurança.

Em suma, é necessário que o profissional de engenharia responsável pela análise da estrutura existente conheça as variáveis envolvidas no processo e saiba desprezar aquelas que já atuaram, garantindo uma avaliação confiável e que resulte em decisões seguras e econômicas.

Além disso, para garantir o desempenho estrutural, deve ser frequentemente realizado o monitoramento das edificações, bem como as inspeções e manutenções necessárias e periódicas.

Para obras novas, a racionalização da construção, o Controle de Qualidade de Projeto (CQP) e o Controle Tecnológico (CT) das obras devem ser incentivados e realizados, de modo a obter obras seguras, dentro das condições projetadas e das regras de bem construir.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    17 Out 2014
  • Aceito
    20 Mar 2015
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