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Confiabilidade da ligação laje-pilar interno sob punção de acordo com a NBR 6118:2014

Resumo

Este artigo apresenta um estudo sobre a confiabilidade da ligação laje-pilar interno de lajes lisas, sem armadura de cisalhamento, sob punção, dimensionadas de acordo com a norma brasileira NBR 6118:2014. A avaliação da confiabilidade foi feita através da comparação do índice de confiabilidade β com o índice de confiabilidade alvo recomendado pelo Código Modelo 2010 da fib. Os índices de confiabilidade foram calculados a partir da análise estatística dos dados obtidos com simulações numéricas utilizando o Método de Monte Carlo, com amostragem por Latin Hypercube, através do software ANSYS. Os resultados encontrados mostram que, para a maior parte das lajes analisadas nesse trabalho, os índices de confiabilidade β apresentam resultados satisfatórios. Entretanto, algumas das lajes analisadas apresentam resultados abaixo dos limites estabelecidos. Assim, o estudo indica que a NBR 6118:2014 está adequada para a maioria das lajes lisas sem armadura de cisalhamento.

Palavras-chave:
confiabilidade estrutural; lajes lisas; punção; concreto armado

Abstract

This article presents a study on the reliability of internal column-slab connection under punching, designed according to the Brazilian Standard NBR 6118:2014. The evaluation of reliability was made by comparing the reliability index β with the target reliability index recommended by the fib Model Code 2010. The reliability indexes were calculated through statistical analysis of the data obtained with numerical simulations using the Monte Carlo method, with Latin Hypercube sample, through ANSYS software. The results showed that, for most slabs, the indexes of reliability β presented satisfactory results. However, some of the tested slabs presented results below the assumed limits. Therefore, this article suggests that the Brazilian Standard NBR 6118:2014 is appropriate for most flat slabs without shear reinforcement.

Keywords:
structural reliability; flat slabs; punching; reinforced concrete

1. Introdução

As lajes lisas e as lajes cogumelo são lajes que se apoiam diretamente sobre pilares. As lajes lisas são mais utilizadas que as lajes cogumelo devido à maior facilidade na execução das formas. Esse tipo de laje apresenta diversas vantagens em relação às lajes que se apoiam em vigas, sendo as principais vantagens a redução do pé direito, economia de formas, facilidades nos projetos complementares, menores prazos de execução e maior liberdade arquitetônica. Porém, existem algumas desvantagens no uso de lajes lisas, sendo uma delas a possibilidade de ocorrência de ruptura por punção.

A punção pode ser definida como o estado limite último por cisalhamento no entorno de forças concentradas. Basicamente, essas forças concentradas geram elevadas tensões cisalhantes na região próxima ao ponto de aplicação, podendo causar a ruptura de forma abrupta e sem aviso prévio do elemento.

Esse tipo de ruptura representa uma situação indesejada na construção civil, pois não permite que o profissional ou o próprio usuário perceba o colapso iminente. Além disso, essa ruptura pode promover o colapso progressivo da estrutura, causando grandes perdas econômicas e de vidas humanas. Dessa forma, a avaliação da segurança alcançada em projetos envolvendo lajes lisas é de fundamental importância para o uso eficiente e confiável da mesma.

O nível de segurança, que uma determinada estrutura oferece, pode ser determinado através da Teoria da Confiabilidade. Utilizando os conceitos dessa teoria e com o auxílio da simulação de Monte Carlo através do programa ANSYS [1[1] ANSYS, Inc. Theory reference (Version 15.0), 2013.], avalia-se, neste artigo, a confiabilidade alcançada nos projetos de lajes lisas pelo modelo de cálculo proposto pela norma NBR 6118:2014 [2[2] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6118: Projeto de Estruturas de Concreto. Rio de Janeiro, 2014.].

1.1 Análise da confiabilidade

O dimensionamento de sistemas estruturais é baseado, fundamentalmente, pela comparação da resistência do sistema com a solicitação a ele imposta. Como a resistência é uma resposta obtida a partir de variáveis aleatórias, assim como a solicitação, o comportamento da estrutura também é um fenômeno aleatório (Ang e Tang [3[3] ANG, A. H-S.; TANG, W. H . Probability concepts in engineering planning and design. Volume II: Decision, risk, and reliability. New York, John Wiley & Sons, 1984b.]). Desse modo, uma análise probabilística do comportamento das estruturas é essencial para se entender e projetar estruturas com níveis de segurança adequados.

O comportamento de uma estrutura é afetado pelo comportamento das variáveis aleatórias básicas R=(r1, r2,..., rn) e S=(s1, s2, ..., sn) , sendo elas relacionadas à resistência e à solicitação, respectivamente. Supondo o conhecimento das distribuições de probabilidade da resistência (R) e da solicitação (S) a probabilidade de falha da estrutura é dada pela expressão (1).

P f = P ( R < S ) = S P ( R < S | S = s ) . P ( S = s ) (1)

Considerando a resistência e a solicitação como função de variáveis aleatórias estatisticamente independentes, a expressão (1) pode ser escrita conforme a expressão (2):

P f = P ( R < S ) = S P ( R < S ) . P ( S = s ) (2)

Para variáveis aleatórias contínuas:

P ( R < S ) = F R ( s ) (3)

P ( s S s + d s ) = f S ( s ) d s (4)

Onde:

Fr: função distribuição acumulada da resistência;

fs: função de densidade de probabilidade da solicitação.

Dessa forma, a probabilidade de falha para variáveis aleatórias contínuas e estatisticamente independentes pode ser calculada pela chamada integral de convolução, dada pela expressão (5):

P f = + F R ( s ) f S ( s ) d s (5)

Quando se trabalha com funções de variáveis aleatórias complexas ou quando não se tem conhecimento das distribuições de probabilidade dessas funções, a avaliação da integral (5) é frequentemente impossível de obter. Nestes casos, uma das alternativas para a determinação da probabilidade de falha é através da simulação de Monte Carlo.

1.2 Simulação de Monte Carlo

Os métodos de simulação são utilizados na análise da confiabilidade sem exigir um conhecimento avançado do usuário em probabilidade e estatística. As vantagens desses métodos são notórias quando se trabalha com funções de variáveis aleatórias complexas ou quando não se tem conhecimento do comportamento das funções da resistência ou solicitação.

O Método de Monte Carlo depende de um processo repetitivo, simulando a resposta de funções de variáveis aleatórias, utilizando valores determinísticos das variáveis em cada ciclo de simulação. Os valores determinísticos são estipulados baseados nas distribuições de probabilidade das variáveis aleatórias. A repetição do processo gera uma amostra de soluções, cada uma correspondendo a um conjunto diferente de valores das variáveis aleatórias (Real [4[4] REAL, M. V.; CAMPOS FILHO, A.; MAESTRINI, S. R. Response variability in reinforced concrete structures with uncertain geometrical and material properties. Nuclear Engineering and Design (Print), New York, v. 226, n.3, p. 205-220, 2003.]). Uma amostra obtida via simulação de Monte Carlo é similar a uma amostra de observações experimentais.

Este método apresenta boa precisão, porém a convergência do método exige que seja gerado um grande número de simulações, e dessa forma o método requer um grande esforço computacional para a realização de análises complexas.

Neste trabalho a simulação de Monte Carlo foi utilizada para se obter um conjunto de dados suficientes para se avaliar estatisticamente as funções de variáveis aleatórias R e S. Com os dados obtidos pela simulação de Monte Carlo foram realizados testes estatísticos, como de Kolmogorov-Smirnov [3[3] ANG, A. H-S.; TANG, W. H . Probability concepts in engineering planning and design. Volume II: Decision, risk, and reliability. New York, John Wiley & Sons, 1984b.], para definição das distribuições de probabilidade das funções de variável aleatória R e S. Assim, foi determinada a probabilidade de falha através do cálculo numérico da expressão (5).

1.3 Índice de confiabilidade β

O nível de segurança associado às estruturas pode ser representado por um índice de confiabilidade β. Quanto maior o valor desse índice, menor é a probabilidade de falha do sistema.

O índice de confiabilidade β pode ser definido pela expressão (6) [5[5] JCSS - JOINT COMMITTEE ON STRUCTURAL SAFETY. Probabilistic Model Code, 2001.]:

β = Φ 1 ( P f ) (6)

Onde:

φ= função acumulada da distribuição normal padrão

Pf= probabilidade de falha do sistema

Esse índice de confiabilidade β é utilizado por normas e códigos para determinar o nível de segurança que uma estrutura deve atingir. A escolha desse índice deve refletir as consequências de falha da estrutura. Os índices de confiabilidade que uma estrutura deve atender são chamados de índices de confiabilidade alvo. Neste estudo adotou-se o índice de confiabilidade alvo apresentado no Código Modelo fib 2010 [6[6] COMITÉ EURO-INTERNATIONAL DU BÉTON. CEB-FIP Model code 2010. Bulletin N° 65, 2012.]. Esse índice de confiabilidade a ser atingido por uma determinada estrutura em um período de 50 anos leva em consideração a consequência da falha da estrutura e o custo relativo da medida de segurança, conforme mostra a Tabela 1.

Tabela 1
Índice de confiabilidade alvo [6[6] COMITÉ EURO-INTERNATIONAL DU BÉTON. CEB-FIP Model code 2010. Bulletin N° 65, 2012.]

2. Metodologia

Um conjunto de 54 lajes lisas sem armadura de cisalhamento foi dimensionado de acordo com a norma NBR 6118:2014 com a finalidade de verificar a confiabilidade da ligação laje-pilar interno. O estudo da confiabilidade dessas lajes sob punção foi feito comparando a capacidade de carga da ligação laje-pilar (em kN), R, com a carga total solicitante da laje (em kN), S. Os parâmetros avaliados nesse estudo foram a resistência característica à compressão do concreto, a altura da laje e o carregamento variável.

Foram escolhidas três resistências características à compressão, 30, 60 e 90 MPa, três valores para a altura, 16, 20 e 24 cm, e três valores de cargas acidentais, 2, 4 e 6,0 kN/m², formando uma combinação de 27 lajes. Além disso, as lajes tiveram seus esforços calculados, para o dimensionamento da armadura de flexão, pelo Processo Elástico Aproximado (PEA) e pelo Método dos Elementos Finitos (MEF), compondo assim um total de 54 lajes.

As lajes estudadas foram denominadas pela letra L e mais 5 números. O primeiro e o segundo algarismo representam a resistência característica à compressão do concreto, em MPa. O terceiro representa o carregamento acidental, em kN/m², e o quarto e o quinto a altura da laje, em cm.

Para verificar a confiabilidade da ligação laje-pilar interno, foi analisada uma laje de 11 x 11 m, apoiada sobre pilares de 40 x 40 cm, espaçados em 4,5 m, reproduzindo a situação de um pavimento com pilares distribuídos ortogonalmente e uniformemente espaçados, esquematizado na Figura 1. As funções de variáveis aleatórias da resistência e da solicitação dessas lajes foram adotadas como sendo a carga de ruptura da ligação e a carga total solicitante da laje, dada pela reação do pilar interno, respectivamente.

Figura 1
Perspectiva e planta baixa da laje lisa sem armadura de cisalhamento estudada

As lajes foram dimensionadas seguindo as prescrições da NBR 6118:2014. O carregamento permanente foi composto pelo peso próprio da estrutura e uma carga de 1 kN/m², devido ao revestimento. Para a carga variável, consideraram-se três tipos de carregamento: 2, 4 e 6,0 kN/m². O cobrimento do concreto adotado foi de 2 cm.

A Tabela 2 mostra as armaduras das lajes na região de interesse. Por se tratar de uma análise númerica utilizaram-se diâmetros não comerciais para as barras das armadura, de modo que todas as lajes tivessem a mesma relação entre área de aço calculado e existente.

Tabela 2
Armadura das lajes na região analisada

2.1 Modelo numérico adotado para obtenção da carga de ruptura da laje

Para obtenção da carga de ruptura, um modelo numérico de elementos finitos foi desenvolvido no ANSYS. O sistema UPF (User programmable Features), disponibilizados pelo ANSYS, permitiu a implementação de um modelo constitutivo para o concreto dentro da subrotina USERMAT. Para descrever o comportamento do concreto dois modelos foram utilizados, um para o concreto em compressão e outro para o concreto em tração. Para o comportamento do concreto em compressão foi adotado um modelo elastoplástico com endurecimento linear, composto pelo critério de ruptura de Ottosen [7[7] OTTOSEN, N. S. A failure criterion for concrete. Journal of Engineerign Mechanics Division, ASCE, v. 103, n.4, p.527-535, 1977.], critério de plastificação de Von Mises e uma regra de endurecimento dada pelo Código Modelo fib 2010 [6[6] COMITÉ EURO-INTERNATIONAL DU BÉTON. CEB-FIP Model code 2010. Bulletin N° 65, 2012.]. Para o comportamento em tração um modelo elástico linear foi considerado até a fissuração do concreto, após a fissuração, um modelo de fissuras distribuídas com um enrijecimento à tração (tension stiffening) foi utilizado. Esse modelo é baseado na formulação apresentada por Hinton [8[8] HINTON, E. Numerical methods and software for dynamic analysis of plates and shells. Swansea: Pineridge Press Limited, 550p. 1988.] e nas considerações de Martineli [9[9] MARTINELLI, M.; CAMPOS FILHO, A. Estudo da Punção em Lajes de Concreto Armado através do Método dos Elementos Finitos. In: XXXI Jornadas Sudamericanas de Ingeniería Estructural, 2004, Mendoza, Argentina. CD-ROM. Mendoza, Argentina: Facultad de Ingeniería, Universidad Nacional de Cuyo, 2004. v. 1. p. 1-19.]. Para o comportamento do aço da armadura foi adotado um modelo elastoplástico representados pelo modelo interno do ANSYS, denominado BISO (Bilinear Isotropic Hardening).

O elemento utilizado para modelagem do concreto da laje foi o SOLID186, sendo este um elemento quadrático, tridimensional, com três graus de liberdade por nó (translação segundo os eixos X, Y e Z), composto por 20 nós. Para a armadura utilizou-se o elemento REINF264. Esse elemento é utilizado de forma incorporada e apresenta apenas rigidez uniaxial. As coordenadas nodais, graus de liberdade e conectividade do elemento são a mesmas que a do elemento base. A descrição mais detalhada do modelo adotado para obtenção da carga de ruptura nas lajes lisas pode ser encontrada no trabalho de Silva [10[10] SILVA, G. R.; CAMPOS FILHO. A.; REAL, M. V. Análise não linear de lajes lisas de concreto armado utilizando o ANSYS APDL 15.0. In: 7º Conferência Sul em Modelagem Computacional. p.172-181, 2016. ].

A validação do modelo implementado foi feita através da comparação dos resultados obtidos com resultados experimentais encontrados na literatura técnica. A Figura 2 apresenta a comparação desses resultados. A partir das análises desses resultados, verificou-se um bom comportamento do modelo numérico implementado.

Figura 2
Razão entre as cargas de ruptura experimental e numérica das lajes lisas adotadas para a validação do modelo numérico

Para reduzir o tempo computacional e limitar a ruptura apenas na região de interesse, estudou-se a região da ligação laje-pilar interno cujo momento fletor na laje, em uma análise linear, é praticamente nulo, conforme Figura 3, e simulou-se um quarto da laje devido à simetria.

Figura 3
Região da laje modelada para obtenção da carga de ruptura

Foi considerada como condição de contorno que esta região encontra-se apoiada nas bordas da laje, não levando em conta o efeito de membrana. Além disso, nas regiões de simetria foi considerado que os deslocamentos normais a superfície são iguais a zero. Essas condições de contorno são mostradas na Figura 4.

Figura 4
Condições de contorno da região da laje estudada

As variáveis aleatórias adotadas para esse modelo foram a resistência média à compressão e a tração do concreto, o módulo de elasticidade do concreto, a resistência média ao escoamento do aço, a altura da laje e a distância do centro da armadura superior até a borda superior da seção transversal. A distribuição de probabilidade, o valor esperado e o coeficiente de variação dessas variáveis são mostrados na Tabela 3.

Tabela 3
Parâmetros estatísticos das variáveis aleatórias da função da resistência

2.2 Modelo numérico adotado para obtenção da reação do pilar interno

A reação do pilar interno foi encontrada através de um modelo numérico de elementos finitos usando o software ANSYS. Para discretização das lajes foi utilizado o elemento SHELL181, sendo um elemento linear, de quarto nós, com seis graus de liberdade por nó (translação e rotação segundo os eixos X, Y e Z). O elemento BEAM188 foi utilizado para discretização dos pilares da estrutura, sendo um elemento de dois nós, com seis graus de liberdade por nó (translação e rotação segundo os eixos X, Y e Z), podendo ser utilizado com funções de interpolação linear, quadrática ou cúbica. Para representação do comportamento do material foi utilizado um modelo elástico linear. Assim, para obtenção da reação do pilar interno foi modelada toda estrutura apresentada na Figura 1. As variáveis aleatórias adotadas para esse modelo são mostradas na Tabela 4.

Tabela 4
Parâmetros estatísticos das variáveis aleatórias da função da solicitação

2.3 Simulação de Monte Carlo e índice de confiabilidade β

O Método de Monte Carlo está diponível na ferramenta PDS (Probabilistic Design System) do ANSYS. Com a utilização dessa ferramenta, foi determinado o efeito das variáveis aleatórias nos resultados da análise.

As simulações foram realizadas até que fosse atendido o critério de convergência estatística estipulado. Essa convergência consistiu na verificação da média e do desvio padrão a cada 50 simulações, sendo necessário, para o fim das simulações, um erro menor que 0,5% na média e 1% no desvio padrão.

Devido ao grande número de simulações necessário para se obter a convergência dos parâmetros de resposta, foi adotado uma técnica de redução de variância para reduzir a quantidade de simulações. A técnica adotada e disponível no ANSYS foi a amostragem por Latin Hypercube. Nessa técnica, o intervalo de possíveis valores de cada variável é divido em faixas, e um valor representativo é extraído de cada faixa. Esses valores são combinados de forma que cada valor representativo seja considerado apenas uma vez no processo de simulação.

Com o conjunto de dados obtidos foi realizado o teste estatístico de Kolmogorov-Smirnov para a determinação da distribuição de probabilidade das funções de variáveis aleatórias de R e S. Com essas distribuições foi calculada, pela expressão (5), a probabilidade de falha e, posteriormente, utilizando a expressão (6) o índice de confiabilidade de cada uma das lajes estudadas.

O índice de confiabilidade alvo adotado, com base na Tabela 1, foi de 3,8. Esse índice leva em consideração uma consequência de falha elevada e custo relativo da medida de segurança normal, e representa uma probabilidade de falha igual a 7,23. 10-5. Além disso, índices entre 3,1 e 3,8, foram tomados como satisfatórios na avaliação da confiabilidade, embora não sejam ideais para esse tipo de estrutura.

3. Resultados e discussões

O índice de confiabilidade β para as lajes lisas sem armadura de cisalhamento oscilou entre um mínimo de 2, para a laje L030616, e um máximo de 5,56 para a laje L090224, correspondendo à probabilidade de falha, da ordem de 2,28 𝑥 10−2 a 1,35 𝑥 10−8. O índice obtido para cada laje é mostrado na Figura 5.

Figura 5
Índices de confiabilidade alcançados pelas lajes lisas estudadas

A partir da análise dessa figura pode-se observar que o índice de confiabilidade β é menor para as lajes cuja solicitação, para o dimensionamento à flexão da laje, foi obtida pelo PEA. Isso ocorre porque essas lajes possuem taxas de armadura de flexão menores em comparação as lajes que foram dimensionadas com os esforços solicitantes obtidos pelo MEF. O acréscimo da taxa de armadura de flexão aumenta a contribuição do aço na carga de ruptura, e como a variabilidade da resistência do aço é pequena, as lajes ganham resistência sem aumentar sua variabilidade, assim aumentando o índice de confiabilidade dessas lajes.

Observou-se que o aumento da altura da laje contribui para o acréscimo do índice de confiabilidade, conforme exemplificado pelas Figuras 6 e 7. Isso ocorre porque o aumento da altura contribui para um ganho na resistência ao cisalhamento e a flexão, fazendo com que o índice de confiabilidade também aumente. Esse fato pode ser explicado pelo significativo acréscimo da média da resistência para lajes mais espessas. Embora o coeficiente de variação da resistência aumente para essas lajes, esse aumento é compensado pelo significativo acréscimo da média.

Figure 6
Análise do índice de confiabilidade para as lajes com fck = 90 MPa

Figura 7
Análise do índice de confiabilidade para as lajes com carregamento acidental de 6 kN/m²

Ficou evidente, conforme mostram as Figuras 8 e 9, que o carregamento variável possui forte influência no índice de confiabilidade, visto que, com o aumento do carregamento há uma diminuição do índice de confiabilidade de todas as lajes analisadas. Esse evento pode ser explicado pelo aumento do coeficiente de variação do carregamento total das lajes sujeitas a maiores carregamentos variáveis.

Figura 8
Análise do índice de confiabilidade para as lajes com fck = 30 MPa

Figura 9
Análise do índice de confiabilidade para as lajes com altura=24 cm

A resistência à compressão do concreto também mostrou ter influência nos índices de confiabilidade das lajes estudas, conforme mostram as Figuras 10 e 11. O aumento da resistência à compressão do concreto fez com que as probabilidades de falha de todas as lajes diminuíssem, aumentando assim o índice de confiabilidade por elas alcançado.

Figura 10
Análise do índice de confiabilidade para as lajes com altura=16 cm

Figura 11
Análise do índice de confiabilidade para as lajes com carregamento acidental de 4 kN/m²

4. Conclusões

Neste trabalho, a confiabilidade da ligação laje-pilar interno de lajes lisas sem armadura de cisalhamento foi avaliada. A utilização do método de elementos finitos para a análise das lajes possibilitou o uso de modelos de materiais que representassem mais fielmente a realidade física do problema, e permitiu a utilização de um método de simulações para avaliar a confiabilidade das estruturas. O Método de Monte Carlo utilizado para análise de confiabilidade mostrou-se um método prático e eficaz.

Os índices de confiabilidade obtidos neste trabalho foram calculados com base nos dados das simulações de Monte Carlo. Primeiramente foi realizado um estudo estatístico nos dados obtidos a fim de se determinar as distribuições de probabilidade que melhor se ajustavam aos dados das simulações, e em seguida foi realizado o cálculo do índice de confiabilidade conforme expressão (5).

Observou-se com as análises que, de maneira geral, os índices de confiabilidade aumentaram com o acréscimo da taxa de armadura de flexão, diminuíram com o aumento da carga variável e cresceram com o aumento da altura das lajes e da resistência à compressão do concreto.

Das 27 lajes lisas que tiveram seus esforços solicitantes, para o dimensionamento da armadura de flexão, calculados pelo MEF, apenas três lajes apresentaram índices de confiabilidade inferiores ao índice de confiabilidade considerado satisfatório. Porém, das 27 lajes analisadas pelo PEA, sete tiveram índices de confiabilidade inferiores a 3,1. Além disso, dessas dez lajes que obtiveram resultados insatisfatórios, apenas a laje L30216 apresenta um carregamento variável comum na construção civil.

Assim, os estudos das lajes indicaram que a NBR 6118:2014 está adequada para a maioria das lajes lisas sem armadura de cisalhamento, sendo necessário um cuidado maior ao se utilizar o Processo Elástico Aproximado para o cálculo dos esforços nas lajes, e ao se utilizar carregamentos variáveis elevados.

Ademais, é importante ressaltar que neste trabalho não foi considerada a relação entre o vão e a altura útil da laje, que mostrou em outras pesquisas ter influência na resistência à punção, conforme Muttoni [19[19] MUTTONI, A. Punching Shear Strength of Reinforced Concrete Slabs without Transverse Reinforcement, ACI Structural Journal, V. 105, No. 4, July-Aug. 2008, pp. 440-450.]. Assim, fica evidente a necessidade de maiores estudos para se analisar a confiabilidade do método de dimensionamento à punção da NBR 6118:2014.

Deste modo, para trabalhos futuros sugere-se um estudo mais aprofundado em lajes lisas sem armadura de cisalhamento, considerando parâmetros como: a relação entre o vão e altura útil da laje, a geometria do pilar e a posição do pilar em relação às bordas das lajes.

Por fim, deve-se salientar que os resultados e conclusões aqui estabelecidos são válidos apenas para as lajes lisas com características físicas, geométricas e de carregamento iguais às lajes aqui consideradas. Sendo que, para conclusões mais abrangentes, seriam demandados estudos probabilísticos mais exaustivos, envolvendo um número maior de parâmetros e variáveis aleatórias.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Out 2018

Histórico

  • Recebido
    27 Jun 2017
  • Aceito
    30 Out 2017
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