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Influência do agregado graúdo na resistência ao cisalhamento de vigas de concreto autoadensável

Resumo

O concreto autoadensável pode ser caracterizado pela sua fluidez, obtida a partir da utilização de aditivos superplastificantes e da redução da granulometria e volume de agregado graúdo em relação ao concreto convencional, o que possibilita a transposição das armaduras e o preenchimento das formas sem a necessidade de vibração mecânica. Esta redução do volume e da granulometria do agregado graúdo pode acarretar em uma menor resistência ao cisalhamento de vigas devido à uma possível redução do efeito de engrenamento entre os agregados. Sendo assim, um programa experimental foi realizado com a intenção de investigar a influência da redução do volume e do diâmetro máximo do agregado graúdo na resistência ao cisalhamento. Foram utilizadas seis dosagens, quatro de concreto autoadensável e duas de concreto convencionalmente vibrado para um total de 18 vigas com armadura de flexão e sem armadura transversal. Estas vigas foram ensaiadas à flexão a quatro pontos sendo avaliados os modos de ruptura, padrões de fissuração e a força cortante última. As resistências obtidas experimentalmente foram comparadas com as estimativas das normas ACI-318 e EC-2. Os resultados demonstram menor resistência ao cisalhamento em vigas de concreto autoadensável em relação ao concreto convencional, principalmente quando reduzido o diâmetro máximo do agregado.

Palavras-chave:
concreto autoadensável; resistência ao cisalhamento; engrenamento de agregados; vigas

Abstract

Self-consolidating concrete is characterized by its high flowability, which can be achieved with the addition of superplasticizer and the reduction of the amount and size of coarse aggregates in the concrete mix. This high flowability allows the concrete to properly fill the formwork without any mechanical vibration. The reduction in volume and particle size of the coarse aggregates may result in lower shear strength of beams due to a reduced aggregate interlock. Therefore, an experimental investigation was conducted to evaluate the influence of the reduction in the volume fraction and the nominal size of coarse aggregate on concrete shear strength of self-consolidating beams. Six concrete mixes were produced, four self-consolidating and two conventionally vibrated. A total of 18 beams, with flexural reinforcement but without shear reinforcement were cast. These beams were tested under a four-point loading condition. Their failure modes, cracking patterns and shear resistances were evaluated. The obtained shear resistances were compared to the theoretical values given by the ACI-318 and EC-2 codes. The results demonstrated a lower shear resistance of self-consolidating concrete beams, caused mainly due to the reduced aggregate size.

Keywords:
self-consolidating concrete; shear resistance; aggregate interlock; beams

1 Introdução

Pesquisas recentes tem possibilitado o desenvolvimento de novos materiais e melhorias nas propriedades dos materiais empregados usualmente, de forma a aperfeiçoar o processo construtivo. No final da década de 80, a escassez de mão de obra qualificada e a necessidade de aumentar a durabilidade das estruturas de concreto armado levaram os pesquisadores da Universidade de Tóquio a desenvolver um concreto de alto desempenho, caracterizado pela capacidade de fluir pelas formas e entre as armaduras sem a necessidade de adensamento mecânico, denominado concreto autoadensável [1][1] OKAMURA, H., OUCHI, M., Self-consolidating Concrete. Journal of Advanced Concrete Technology, Vol. 1, No. 1, 5-15, 2003..

A maior trabalhabilidade do concreto autoadensável, em relação ao concreto convencional, é obtida através da limitação do volume e dimensão dos agregados graúdos, da utilização de aditivos superplastificantes e, em alguns casos, aditivos promotores de viscosidade, que podem melhorar o comportamento do concreto quanto à segregação. Além disso, para aumentar a retenção de água e a viscosidade da mistura empregam-se materiais finos, tais como fíler calcário, cinza volante, sílica ativa e metacaulim, sendo a proporção dos componentes variável de acordo com as características dos materiais disponíveis e das formas de mistura e aplicação do concreto [2][2] REPETTE, W. L. Concreto autoadensável. In: Geraldo Cechella Isaia. (Org). Concreto: Ciência e Tecnologia. 1ed. São Paulo: IBRACON, 2011, V.2, P. 1769-1806..

Segundo EFNARC [3][3] EFNARC. Specification and Guidelines for Self-consolidating Concrete. European Federation of Specialist Construction Chemicals and Concrete Systems, 2005. os concretos autoadensáveis possuem as mesmas propriedades mecânicas do concreto convencional, podendo apresentar um aumento da resistência à compressão devido ao melhor adensamento. Parra et al.[4][4] PARRA, C., VALCUENDE, M., GÓMEZ, F.. Splitting tensile strength and modulus of elasticity of self-consolidating concrete. Construction and Building Materials, v. 25, p. 193-198, 2011. ressaltam que além do adensamento mais eficiente, o uso de aditivos superplastificantes e a redução da relação água/cimento promovem o aumento da resistência à compressão do concreto.

Estudos com concretos convencionais demonstram que o diâmetro máximo do agregado graúdo influencia diretamente no engrenamento dos agregados entre as faces das fissuras, sendo a resistência ao cisalhamento maior nos concretos produzidos com agregados de maior diâmetro [5][5] SHERWOOD, E. G., BENTZ, E. C., COLINS, M. P.. Evaluation of shear design methods for large, lightly-reinforced concrete beams. Advances in Engineering Structures, Mechanics & Construction, p. 153-164, Springer: Netherlands, 2006. [6][6] YANG, K. H., SIM, J. I., CHOI, B. J., LEE, E. T.. Effect of Aggregate Size on Shear Behavior of Lightweight Concrete Continuous Slender Beams. ACI Materials Journal, V. 108, N° 5, Sep.-Oct. 2011, p. 501-509.. Desta forma, devido ao concreto autoadensável requerer em sua dosagem menor quantidade de agregado graúdo e menor diâmetro destes agregados, uma redução na resistência ao cisalhamento em relação ao concreto convencional poderia ocorrer [7][7] HASSAN, A. A. A., HOSSAIN, K. M. A., LACHEMI, M.. Behavior of full-scale self-consolidating concrete beams in shear. Cement & Concrete Composites, 30 (2008) 588-596. .

Porém, esta redução da resistência ao cisalhamento no concreto autoadensável não é de consenso entre os pesquisadores. Para Desnerck et al.[8][8] DESNERCK, P., DE SCHUTTER, G., TAERWE, L.. Shear friction of reinforced self-consolidating concrete members. ACI Special publication 261-9. American Concrete Institute, Farmington Hills, Michigan. p. 133-141, 2009. , as melhorias na matriz do concreto providas pela utilização de uma quantidade maior de materiais finos podem acarretar em um maior atrito entre as faces das fissuras, suprindo a redução da parcela de engrenamento dos agregados e até mesmo aumentando a resistência ao cisalhamento.

Constata-se assim que, apesar do concreto autoadensável existir a quase três décadas, existem divergências entre os pesquisadores quanto ao comportamento e ao dimensionamento de estruturas de concreto armado empregando este material. Portanto, há necessidade de se avaliar a influência das particularidades da dosagem do concreto autoadensável, tais como a utilização de agregados graúdos de menores diâmetros e em volume reduzido, na resistência ao cisalhamento de vigas e verificar se os atuais modelos de dimensionamento ao cisalhamento são seguros e adequados para sua utilização.

Este trabalho apresenta os resultados de uma investigação experimental com 18 vigas de concreto com armadura de flexão e sem armadura de cisalhamento, produzidas com seis diferentes dosagens de concreto, tendo como variáveis o tipo de concreto, convencionalmente vibrado ou autoadensável, o diâmetro máximo do agregado graúdo, 9,5 mm e 19 mm, e o volume deste agregado na dosagem, padrão ou reduzido em 30%. As vigas foram submetidas a ensaio de flexão a quatro pontos sendo avaliados os modos de ruptura, padrões de fissuração e as forças cortantes de ruptura. As resistências últimas foram comparadas aos valores fornecidos pelas normas ACI 318 [9][9] ACI Committee 318, Building code requirements for structural concrete and commentary. American Concrete Institute, Farmington Hills, Michigan , 2011. e EC-2 [10][10] Eurocode 2. Design of concrete structures - Part 1-1: General rules and rules for buildings. 2004. avaliando-se a capacidade de estimativa destas normas.

2 Materiais e programa experimental

O programa experimental foi idealizado para comparar a resistência ao cisalhamento de vigas de concreto convencional vibrado e autoadensável através de ensaios de flexão a quatro pontos. Foram utilizadas seis dosagens de concretos, dois convencionais e quatro autoadensáveis, variando o diâmetro máximo característico do agregado graúdo e o volume deste agregado, sendo confeccionadas três vigas com cada dosagem de concreto, totalizando 18 vigas.

2. 1 Características das vigas ensaiadas

As vigas foram dimensionadas com armadura longitudinal e sem armadura transversal de forma que a ruptura ocorresse por tração diagonal. Todas as vigas apresentavam seção transversal retangular de 10 x 25 cm² e comprimento total de 150 cm, sendo a distância entre os apoios igual a 130 cm. Os ensaios de flexão nas vigas biapoiadas foram realizados com carregamento aplicado através de duas cargas concentradas distando 50 cm dos apoios, com relação entre o vão cisalhante e a altura efetiva da seção transversal (a/d) próximo a 2,25, conforme esquema de ensaio apresentado na Figura 1.

Figura 1:
Esquema do ensaio de flexão a quatro pontos (medidas em cm)

Todas as vigas apresentavam armadura longitudinal composta por duas barras de aço CA-50, com 16 mm de diâmetro, posicionadas na parte inferior da seção transversal, correspondente a uma taxa de armadura longitudinal de 1,61%, além de duas barras longitudinais, posicionadas na parte superior da seção transversal, e quatro estribos, posicionados nas extremidades e na região central da viga, produzidos com aço CA-60 com 5 mm de diâmetro, que serviram como armadura auxiliar de montagem, conforme apresentado na Figura 2.

Figura 2
Detalhamento da armadura das vigas

2. 2 Dosagem dos concretos

Visando avaliar três fatores que, de acordo com a literatura, diferenciam o concreto autoadensável do convencional: trabalhabilidade, diâmetro máximo do agregado graúdo e proporção deste agregado na mistura, a partir de um traço piloto de concreto convencional foram definidos outros cinco traços de concreto tendo como variáveis dois diâmetros máximos de agregados graúdos e dois volumes de agregado graúdo na composição, visando uma resistência à compressão axial próximo a 40 MPa.

As dosagens são identificadas por siglas constituídas pelo tipo de concreto, convencional (CC) ou autoadensável (CA), pelo diâmetro máximo do agregado, 9,5 mm (0) ou 19,0 mm (1), e volume de agregado graúdo, normal (N) ou reduzido em 30% (R). Nos concretos com redução do volume de agregado graúdo a dosagem foi complementada com agregado miúdo, além disso, os concretos autoadensáveis receberam adição de fíler calcário, para promover maior viscosidade, e aditivo superplastificante à base de policarboxilatos, para obtenção da trabalhabilidade.

A produção dos concretos utilizou o Cimento de Alta Resistência Inicial Resistente a Sulfatos, CP V-ARI-RS, pela possibilidade de desforma das vigas após 24 horas da moldagem, além de ser empregado com maior frequencia nas obras de concreto autoadensável. Como agregado miúdo foi utilizada uma composição de 50% de areia quartzoza, de granulometria fina, e 50% de areia de britagem de rocha granítica. Os agregados graúdos utilizados foram rochas de origem granítica britadas com diâmetro máximo característico de 9,5 mm e 19,0 mm.

Os concretos convencionais foram produzidos sem a utilização de aditivos. Na Tabela 1 são apresentadas as proporções de materiais em massa para produção de 1 m³ de concreto.

Tabela 1
Proporções de materiais das dosagens para produção de 1 m³

Todos os concretos foram produzidos com relação água cimento igual a 0,52, sendo a dosagem do aditivo superplastificante fixada inicialmente em 0,3% da massa de cimento, porém durante a produção dos concretos este valor foi corrigido de acordo com a necessidade de cada traço, ficando entre 0,2% e 0,3% da massa de cimento.

Nos concretos autoadensáveis com volume normal de agregado graúdo houve a substituição de 25% da massa de agregado miúdo seco por fíler calcário, sendo utilizada a mesma quantidade de fíler nos concretos com volume de agregado graúdo reduzido, mantendo assim a proporção de materiais finos em torno de 600 kg/m³ de concreto em todos os concretos autoadensáveis. Os concretos CA0N, CA1N, CC0 e CC1 apresentam 56% de teor de argamassa enquanto que nos concretos CA1R e CA0R este teor passou para 69% devido à redução do volume de agregado graúdo em 30% e complementação com agregados miúdos.

O concreto convencional foi avaliado no estado fresco quanto à sua trabalhabilidade através do ensaio de abatimento do tronco de cone, conforme especificado pela NBR NM 67 [11]. As propriedades avaliadas do concreto autoadensável no estado fresco foram o espalhamento, a habilidade passante e a viscosidade plástica aparente, conforme ensaios definidos pela norma NBR 15823 [12]. As resistências à compressão axial dos concretos foram obtidas através de corpos de prova cilíndricos conforme ensaio definido pela norma NBR 5739 [13] e os resultados são apresentados na Tabela 2.

Tabela 2:
Propriedades dos concretos no estado fresco e resistência média a compressão no estado endurecido

2.3 Moldagem das vigas e instrumentação dos ensaios

Os concretos para confecção das vigas foram produzidos utilizando uma betoneira com capacidade de mistura de 150 litros, de forma que com cada betonada eram moldadas três vigas e três corpos de prova cilíndricos. As formas foram confeccionadas em MDF plastificado sendo o lançamento do concreto realizado de forma manual em toda a extensão das vigas, utilizando um vibrador de imersão com agulha de 25 mm de diâmetro para adensamento das vigas de concreto convencional.

Após 24 horas da concretagem as vigas e os corpos de prova foram retirados das formas e armazenados sob uma lona plástica, umedecidos diariamente durante os sete primeiros dias e permanecendo nas condições do laboratório, com temperatura média de 22,5 °C e umidade relativa do ar em torno de 75,4%, até a idade de 28 dias, quando foram realizados os ensaios de flexão.

A instrumentação utilizada nas vigas é apresentada na Figura 3. Para medir o deslocamento vertical no centro da viga foram instalados dois transdutores de deslocamento (LVDTs) com capacidade de medição de 10 mm, um em cada lado da viga, fixados em barras de alumínio apoiadas em roldanas parafusadas nas extremidades das vigas. Como base de medição do deslocamento para os LVDTs foram utilizadas cantoneiras de aço parafusadas no centro do vão da viga, na altura da linha neutra.

Figura 3
Instrumentação das vigas

As aberturas das fissuras inclinadas de cisalhamento foram medidas através de LVDTs instalados distantes 15 cm dos pontos de aplicação da carga, fixados com parafusos na parte superior da face lateral da viga e em uma cantoneira parafusada na face inferior da viga, sendo utilizados dois medidores devido à incerteza sobre o lado de ruptura da viga.

A aplicação da carga foi realizada utilizando um macaco hidráulico acoplado a uma célula de carga com capacidade de 200 kN, através de incremento de carga de 500 N/s até se alcançar a ruptura. Durante o carregamento foram realizadas duas paradas, em 20 kN e 40kN, para anotação da quantidade e extensão das fissuras.

Os transdutores de deslocamento e a célula de carga foram conectados a um sistema de aquisição de dados, permitindo assim a análise do comportamento das vigas em relação às flechas e abertura de fissura de cisalhamento durante o carregamento.

3 Resultados e discussões

3.1 Modo de fissuração e ruptura

Nas figuras 4 a 6 são apresentados os padrões de fissuração das vigas de concreto convencional e autoadensável após a ruptura, sendo indicada a carga aplicada correspondente à parada para demarcação das fissuras em kN ou com a letra “R” as fissuras que ocorreram entre a última parada e a ruptura. As linhas pontilhadas verticais correspondem à posição do LVDT de medição da abertura da fissura inclinada, enquanto a linha pontilhada inclinada corresponde à inclinação da fissura de cisalhamento, sendo o ângulo indicado na parte superior.

Figura 4
Padrão de fissuração das vigas de concreto convencional sem armadura transversal

Figura 5
Padrão de fissuração das vigas de concreto autoadensável com volume normal de agregado

Durante a realização dos ensaios observou-se inicialmente a formação de fissuras de flexão, na região central do vão da viga, as quais se propagavam verticalmente com o aumento do carregamento, e algumas fissuras com pequena inclinação nas regiões de cisalhamento, devido a uma interação entre as tensões normais e cisalhantes.

Nos estágios finais de carregamento ocorreu a formação repentina da fissura inclinada, em um dos vãos cisalhantes ou em ambos, propagando-se rapidamente em direção ao ponto de aplicação da carga e ao apoio, além da formação de fissuras paralelas às barras da armadura longitudinal, devido à transferência dos esforços para estas barras que superavam a tensão de aderência entre as barras de aço e o concreto, sendo seguida de uma ruptura brusca da viga.

A formação da fissura de cisalhamento nas vigas pôde ser visualizada durante o carregamento, sendo confirmada através de um aumento repentino nas leituras dos LVDTs que monitoravam a deflexão da viga e a abertura da fissura inclinada, entretanto, devido à ausência de armadura transversal, logo após a formação desta fissura ocorreu a ruptura.

A inclinação da fissura de cisalhamento foi determinada considerando uma reta tangente a esta fissura na região central da altura da viga, interceptando-a nos pontos onde houve a mudança brusca de inclinação. Verifica-se que a inclinação variou entre 27,2° e 42,6°, sendo em média maior a inclinação nos concretos convencionais em relação aos concretos autoadensáveis.

3.2 Resistência ao cisalhamento

De acordo com algumas normas de dimensionamento a resistência ao cisalhamento em vigas pode ser relacionada com a resistência à compressão axial do concreto. A norma americana ACI 318 [9] considera a força cortante última das vigas proporcional à raiz quadrada desta resistência enquanto a norma europeia EC-2 [10] considera proporcional à raiz cúbica.

Devido à variação da resistência à compressão axial dos concretos em estudo, a análise das resistências ao cisalhamento das vigas foi realizada considerando a força cortante última normalizada, Vn, calculada utilizando a Equação 1, empregando a correlação de resistências adotada pela norma americana:

V n = V u f c Equação (1)

Onde Vu é a força cortante última aplicada (kN) e fc é a resistência à compressão axial do concreto (MPa).

Na Tabela 3 são apresentados os valores de força cortante última das vigas, força cortante última normalizada, a média dos valores de força cortante última para os exemplares de cada dosagem de concreto, e o ângulo de inclinação da fissura de cisalhamento.

Tabela 3:
Força cortante última medida, normalizada e média e ângulo de inclinação da fissura de cisalhamento

Comparando os valores médios de força cortante normalizada última e inclinação da fissura de cisalhamento verifica-se que as vigas com fissura mais inclinada apresentaram maior resistência ao cisalhamento, indicando a ocorrência de uma maior parcela vertical de transferência de força através da fissura. Este efeito apresentou maior variação entre os concretos convencionais e autoadensáveis, ocorrendo uma variação não significativa da inclinação da fissura de cisalhamento quando reduzido o volume ou do diâmetro do agregado graúdo.

Na Figura 7 são apresentados os valores médios e os respectivos desvios padrão da força cortante última normalizada dos concretos estudados onde se verifica que os concretos convencionais apresentaram força cortante última média superior aos concretos autoadensáveis. Resultados semelhantes foram apresentados por Helincks et al. [14], podendo a redução na resistência dos concretos autoadensáveis ser atribuída à menor granulometria e redução do volume de agregados graúdos empregados em sua dosagem, acarretando na redução do engrenamento entre os agregados.

Figura 6
Padrão de fissuração das vigas de concreto autoadensável com volume reduzido de agregado

Figura 7
Valores médios e respectivos desvios padrão da força cortante última normalizada das dosagens de concreto

Além disso, observa-se que a quantidade de materiais finos presentes na dosagem apresenta influência no engrenamento dos agregados, reduzindo a resistência ao cisalhamento, uma vez que as maiores resistências foram obtidas no concreto CC1, o qual apresentava menor teor de materiais finos.

Para avaliar a influência de alguns parâmetros das dosagens, tais como a trabalhabilidade do concreto no estado fresco, o diâmetro máximo característico e o volume de agregado graúdo na resistência ao cisalhamento das vigas, os resultados foram analisados agrupados de acordo com estes parâmetros.

a)Influência da trabalhabilidade do concreto no estado fresco

Para obtenção da fluidez no concreto autoadensável no estado fresco, além da utilização de aditivo superplastificante, parte do agregado miúdo foi substituída por fíler calcário, podendo os efeitos destas alterações na resistência ao cisalhamento serem avaliados quando comparados os concretos convencionais e autoadensáveis produzidos com mesmo diâmetro e volume de agregado graúdo, CC1xCA1N e CC0xCA0N.

De acordo com os dados da Tabela 3, verifica-se que a média da força cortante última normalizada nos concretos convencionais foi 24,3% superior à obtida nos concretos autoadensáveis quando utilizados agregados de maior granulometria (6,71 kN MPa-0,5 para CC1 e 5,40 kN MPa-0,5 para CA1N). Para os concretos com agregados de menos granulometria esta diferença foi de 13,8% (5,95 kN MPa-0,5 para CC1 e 5,23 kN MPa-0,5 para CA1N).

Considerando que a mesma armadura longitudinal foi utilizada nas vigas, garantindo o mesmo efeito de pino, constata-se que apesar do melhor adensamento do material, a utilização de uma maior quantidade de materiais finos no concreto autoadensável ocasionou a redução do engrenamento dos agregados, e consequente redução da resistência ao cisalhamento, como também podem ser observados nos resultados apresentados por Choulli et al. [15].

b)Influência do volume de agregado graúdo

Comparando os concretos autoadensáveis produzidos com agregado de mesma granulometria, porém, com volume do agregado graúdo reduzido em 30%, CA1NxCA1R e CA0NxCA0R, não se verificaram variações significativas nas resistências últimas das vigas, sendo inferiores a 3%.

Entre os concretos convencionais e autoadensável constata-se que a redução do volume de agregado aliada a substituição de agregado miúdo por materiais finos resultou em uma maior redução da resistência ao cisalhamento nos concretos com agregado de maior granulometria. Entre os concretos CC0xCA0R não ocorreu variação significativa na resistência, enquanto entre os concretos CC1xCA1R observou-se uma redução de 20,4% na resistência última normalizada média. Resultados semelhantes são apresentados em Hassan et al. [14] e Helincks et al. [16], sendo a redução da resistência ao cisalhamento atribuída ao menor engrenamento entre os agregados devido à redução do volume de agregado graúdo.

c)Influência do diâmetro do agregado graúdo

Considerando que entre a dosagem dos concretos CC1xCC0, CA1NxCA0N e CA1RxCA0R ocorre somente a variação no diâmetro do agregado graúdo podemos avaliar a influência deste parâmetro na resistência ao cisalhamento das vigas de concreto armado convencionalmente vibrado e autoadensável.

A redução do diâmetro máximo do agregado graúdo apresentou maior influência no concreto convencional, sendo a força cortante última do CC1 12,8% superior ao CC0.

Para os concretos autoadensáveis não pode ser observada redução significativa na resistência ao cisalhamento com a redução do diâmetro do agregado graúdo, sendo a variação na resistência última no CA1N 3,3% superior ao CA0N e enquanto no CA1R a resistência foi praticamente igual ao CA0R.

3.3 Comparação com as normas

A resistência última ao cisalhamento das vigas de concreto convencional e autoadensável ensaiadas experimentalmente foram comparadas às estimativas das normas ACI-318 [9][9] ACI Committee 318, Building code requirements for structural concrete and commentary. American Concrete Institute, Farmington Hills, Michigan , 2011. e EC-2 [10][10] Eurocode 2. Design of concrete structures - Part 1-1: General rules and rules for buildings. 2004. para força cortante resistente (VR) de vigas sem armadura transversal, obtidas através das equações (2) e (3), respectivamente, considerando os fatores de segurança iguais a 1,0.

V R = f c + 120 . ρ l . V u . d M u . b w . d 7 0,3 . f c . b w . d Equação (2)

V R = 0,18 . 1 + 200 d . 100 . ρ l . f c 1 3 . b w . d Equação (3)

Onde fc é a resistência característica à compressão axial do concreto (MPa), ρl é a taxa de armadura longitudinal, Vu é a força cortante última na seção (kN), Mu é o momento fletor último na seção (kN.m), bw é largura da seção transversal (m) e d é a altura efetiva da seção transversal (m).

Na Tabela 4 são apresentados os valores de força cortante última obtidos experimentalmente e calculados pelas equações (2) e (3). Nas duas normas analisadas os valores de estimativa de resistência do concreto autoadensável foram menos conservativos que do concreto convencionalmente vibrado.

Tabela 4:
Força cortante última obtida experimentalmente, estimativa das normas e relação entre estes valores

A equação do ACI 318 subestima a resistência última de vigas de concreto sem armadura transversal sendo a relação entre os valores da norma e obtidos experimentalmente entre 0,55 e 0,70 com média igual a 0,65, sendo a estimativa menos conservativa para concretos autoadensáveis.

O EC-2 apresentou relação entre os valores teóricos e obtidos experimentalmente entre 0,78 e 0,99 sendo, como o ACI, menos conservativo para os concretos autoadensáveis. Nos concretos autoadensáveis verificaram-se valores estimados próximos aos experimentais, principalmente para vigas de concreto CA0N, indicando uma redução na segurança para o dimensionamento de vigas deste material em comparação ao concreto convencionalmente vibrado.

Verifica-se que apesar da equação do ACI 318 considerar uma maior contribuição da resistência à compressão axial do concreto na força cortante resistente das vigas em relação ao EC-2, os valores estimados pela norma americana se apresentam mais conservativos, independente do tipo de concreto.

Dividindo as médias da relação entre a força cortante última estimada pelas normas e obtida experimentalmente para o concreto convencional e autoadensável (Tabela 5) obtém-se índices semelhantes entre as duas normas, iguais a 0,85 e 0,86 para o ACI 318 e EC-2, respectivamente.

Tabela 5
Relação entre a força cortante última estimada pelas normas e obtida experimentalmente para concretos convencional e autoadensável

4 Conclusões

Apesar do pequeno número de vigas ensaiadas, necessitando uma maior quantidade de amostras para uma avaliação completa da influência dos parâmetros que diferenciam os concretos convencionalmente vibrados dos autoadensáveis, foi possível avaliar a influência do volume e diâmetro máximo característico do agregado graúdo na resistência ao cisalhamento de vigas produzidas com estes materiais.

Independente do tipo de concreto, as vigas apresentaram comportamento semelhante durante a realização dos ensaios ocorrendo inicialmente a formação de fissuras de flexão, na região central do vão da viga, e algumas fissuras com pequena inclinação nas regiões de cisalhamento. Nos estágios finais de carregamento ocorreu a formação repentina da fissura inclinada de cisalhamento seguida da ruptura.

A inclinação da fissura de cisalhamento apresentou valores entre 27,2° e 42,6°, sendo em média maior a inclinação nos concretos convencionais em relação aos concretos autoadensáveis, resultando em maior resistência ao cisalhamento, devido à maior transferência de força através da fissura.

As vigas produzidas com concretos convencionais apresentaram maior resistência ao cisalhamento em relação aos concretos autoadensáveis para dosagens com iguais diâmetro e volume de agregado graúdo. A redução da resistência nos concretos autoadensáveis pode ser atribuída ao maior teor de materiais finos em sua dosagem, reduzindo o efeito de engrenamento entre os agregados.

Entre os concretos autoadensáveis observou-se que a redução do volume de agregado graúdo não acarretou em variações significativas nas resistências últimas devido à semelhante quantidade de materiais finos em suas dosagens. Observou-se maior efeito da redução do volume de agregado graúdo entre os concretos CC1 e CA1R, devido também à substituição de parte do agregado miúdo por fíler.

A redução do diâmetro máximo do agregado graúdo acarretou em redução da força cortante última normalizada nos concretos convencionais, porém este efeito não foi observado nos concretos autoadensáveis.

As estimativas das normas ACI 318 e EC-2 apresentaram valores menos conservativos para o concreto autoadensável do que para o concreto convencionalmente vibrado. A expressão da norma americana ACI 318 subestimou a resistência última de vigas de concreto sem armadura transversal, sendo a relação entre os valores da norma e obtidos experimentalmente entre 0,55 e 0,70. O EC-2 apresentou estimativas menos conservativas que o ACI 318, com relação entre os valores da norma e obtidos experimentalmente entre 0,78 e 0,85 para os concretos convencionais e entre 0,92 e 0,99 para os concretos autoadensáveis, indicando uma redução na segurança das estruturas quando utilizado este material.

5 Agradecimentos

Os autores gostariam de agradecer à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Capes e ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil da Universidade Federal de Santa Catarina pelo auxílio no desenvolvimento deste projeto, bem como ao professor Wellington Longuini Repette e ao doutorando Ronaldo Pilar pelas grandes colaborações no desenvolvimento dos traços dos concretos

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Fev 2017

Histórico

  • Recebido
    14 Maio 2015
  • Aceito
    20 Jun 2016
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