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Experiências de famílias na imunização de crianças brasileiras menores de dois anos

Resumos

O objetivo foi descrever as experiências de famílias sobre imunização de crianças menores de dois anos. É estudo de natureza descritiva, com análise qualitativa dos dados, entrevistas não estruturadas com 22 sujeitos. Os resultados foram agrupados em: conhecimentos práticos sobre imunização, responsabilidade e obrigatoriedade na imunização e ampliação da prática de imunização. Foram destacados elementos que fortalecem a imunização: experiência e realização pessoal no papel de ser mãe, temor de adoecimento, reconhecimento como um bom cuidado, acesso, flexibilidade do horário, divulgação, cartão de vacinas, campanhas de vacinação e disponibilidade de vacinas, e elementos da não imunização: inexperiência dos pais, recusa de aplicações simultâneas de vacinas, assistência fragmentada, ausência de diálogo, discriminação, falsas contraindicações e obrigatoriedade. A imunização centrada no cumprimento do calendário vacinal, ou em situações autoritárias, está descolada do cuidado familiar. O vínculo com as famílias precisa ser fortalecido para ampliação da adesão às medidas de proteção e promoção da saúde da criança.

Saúde da Criança; Imunização; Atenção Primária à Saúde


This study aimed to describe the experience of families in the immunization of children under two years. Descriptive study with qualitative data analysis. Twenty-two subjects participated in unstructured interviews. Results were grouped into three categories: Practical knowledge on children’s immunization; Responsibility and compulsory immunization of children; Increasing the scope of children’s immunization practices. The findings highlight factors that increase vaccination rates: experience and personal fulfillment in maternity, fear of getting ill, recognizing it as good care, access, schedule flexibility, dissemination, immunization record card, immunization campaigns and availability of vaccines, and factors that increase non-vaccination rates: parent’s inexperience, refusal to apply simultaneous immunization, fragmented care, absence of dialog, discrimination, false counter-indications and compulsoriness. Immunization centered on compliance with the calendar or in authoritarian situations is not tied to family care. The bond between health care professionals and families needs to be strengthened to increase the participation in child health protection and promotion measures.

Child Health (Public Health); Immunization; Primary Health Care


El objetivo fue describir las experiencias de familias sobre inmunización de niños menores de dos años. Estudio de naturaleza descriptiva, con análisis cualitativa de los datos, entrevistas no estructuradas con 22 sujetos. Resultados agrupados en: Conocimientos prácticos sobre inmunización, Responsabilidad y obligatoriedad en la inmunización, Ampliación de la práctica de inmunización. Fueron destacados elementos que fortalecen la inmunización: experiencia y realización personal en el papel de ser madre, temor a enfermarse, reconocimiento como un buen cuidado, acceso, flexibilidad del horario, divulgación, cartón de vacunas, campañas de vacunación y disponibilidad de vacunas, y elementos de la no-inmunización: inexperiencia de los padres, recusa de aplicaciones simultáneas de vacunas, asistencia fragmentada, ausencia de diálogo, discriminación, falsas contra-indicaciones y obligatoriedad. La inmunización centrada en el cumplimiento del calendario vacunal o en situaciones autoritarias está desvinculada del cuidado familiar. El vínculo con las familias precisa ser fortalecido para ampliación de la adhesión a las medidas de protección y promoción de la salud del niño.

Salud del Niño; Inmunización; Atención Primaria de Salud


ARTIGO ORIGINAL

Experiências de famílias na imunização de crianças brasileiras menores de dois anos

Glória Lúcia Alves FigueiredoI; Juliana Coelho PinaII; Vera Lúcia Pamplona ToneteIII; Regina Aparecida Garcia de LimaIV; Débora Falleiros de MelloV

IEnfermeira, Doutora em Enfermagem, Professor Doutor, Universidade de Franca, SP, Brasil. E-mail: enfermagem@unifran.br

IIEnfermeira, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. E-mail: jcoelho@eerp.usp.br

IIIEnfermeira, Doutora em Enfermagem, Professor Assistente Doutor, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual "Paulista Júlio de Mesquita Filho", Botucatu, SP, Brasil. E-mail: vtonete@uol.com.br

IVEnfermeira, Doutora em Enfermagem, Professor Titular, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. E-mail: limare@eerp.usp.br

VEnfermeira, Doutora em Enfermagem, Professor Associado, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Centro Colaborador da OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, SP, Brasil. E-mail: defmello@eerp.usp.br

Endereço para correspondência

RESUMO

O objetivo foi descrever as experiências de famílias sobre imunização de crianças menores de dois anos. É estudo de natureza descritiva, com análise qualitativa dos dados, entrevistas não estruturadas com 22 sujeitos. Os resultados foram agrupados em: conhecimentos práticos sobre imunização, responsabilidade e obrigatoriedade na imunização e ampliação da prática de imunização. Foram destacados elementos que fortalecem a imunização: experiência e realização pessoal no papel de ser mãe, temor de adoecimento, reconhecimento como um bom cuidado, acesso, flexibilidade do horário, divulgação, cartão de vacinas, campanhas de vacinação e disponibilidade de vacinas, e elementos da não imunização: inexperiência dos pais, recusa de aplicações simultâneas de vacinas, assistência fragmentada, ausência de diálogo, discriminação, falsas contraindicações e obrigatoriedade. A imunização centrada no cumprimento do calendário vacinal, ou em situações autoritárias, está descolada do cuidado familiar. O vínculo com as famílias precisa ser fortalecido para ampliação da adesão às medidas de proteção e promoção da saúde da criança.

Descritores: Saúde da Criança; Imunização; Atenção Primária à Saúde.

Introdução

A imunização em crianças tem, historicamente, alcançado êxito em diversos países, por meio de altas coberturas vacinais e consideráveis avanços no controle e erradicação de doenças.

O Programa Ampliado de Imunização (PAI) foi desenhado nos anos 1970, pela Organização Mundial da Saúde, com o objetivo de reduzir a morbidade e mortalidade de seis doenças preveníveis por imunização: sarampo, coqueluche, poliomielite, tuberculose, tétano e difteria, mediante aplicação das vacinas correspondentes(1). No Brasil, o Programa Nacional de Imunização (PNI) foi institucionalizado em 1975, buscando coordenar as ações de imunização desenvolvidas na rede de serviços brasileiros(1-2).

A vacinação é ação rotineira nos serviços de atenção primária à saúde, com grande influência nas condições gerais de saúde da criança. Representa expressivo avanço tecnológico em saúde nas últimas décadas, e é considerada procedimento de boa relação custo/eficácia no setor saúde(3). Para ampliar as metas de qualquer programa de imunização é necessário administrar as vacinas adequadamente, em tempo oportuno e com prática que requer esforços efetivos dos profissionais de saúde, em relação às mudanças nas atitudes e crenças sobre a imunização(4). Quanto mais a vacinação estiver integrada ao cuidado da criança, no processo de crescimento e desenvolvimento, mais sucesso a imunização terá como indicador de cobertura vacinal, contribuindo também para ampliar o entendimento das famílias sobre essa ação de saúde.

Estudos internacionais mostram a relevância da prática de enfermagem para o sucesso da imunização infantil(4-7). As práticas de imunização são variadas e incluem atos técnicos, bem como relacionais, organizacionais e atividades de educação continuada(5). As decisões sobre a imunização na infância não são fáceis para os pais, e é fundamental que os profissionais de saúde forneçam aos pais informações atualizadas e incentivem os mesmos(6). Apesar do entendimento da importância da imunização, os pais, frequentemente, têm múltiplas responsabilidades que os impedem de lembrar o calendário de vacinação da criança(4). A imunização de bebês e crianças depende da iniciativa de seus adultos cuidadores, muitos dos quais podem estar altamente ansiosos a respeito da segurança das vacinas, ou preocupados em submeter suas crianças a procedimentos dolorosos(7). Os enfermeiros precisam construir bons relacionamentos e parcerias práticas com os pais/cuidadores.

Levantamento bibliográfico, realizado em um periódico latino-americano, verificou pequena produção científica sobre as experiências de famílias no cuidado cotidiano com relação à imunização de crianças, sendo tema que merece mais investigação.

O entendimento das práticas de saúde, tanto nos serviços quanto nas famílias, necessita ser reconsiderado, visando ampliar o vínculo com a população e compreender a adesão às medidas de proteção e promoção à saúde, a atuação efetiva dos profissionais de saúde com os sujeitos e a construção de planos de responsabilização e de projetos de saúde(8). As experiências de saúde e doença são importantes para o cuidado em saúde e o modo como as pessoas lidam com os problemas e/ou recomendações de saúde facilitam o encontro e a reprodução de soluções e proposições, de acordo com os conhecimentos experienciados na prática. Nesse sentido, é importante saber o que as famílias pensam sobre a imunização da criança, já que isso pode ajudar na expansão do cuidado de enfermagem em saúde da criança com as famílias. Assim, este estudo tem como objetivo descrever as experiências das famílias na imunização de crianças menores de dois anos, a partir de relatos de famílias brasileiras.

Método

Este é um estudo descritivo, com análise qualitativa dos dados.

A investigação foi desenvolvida em duas unidades básicas de saúde (UBS) com grande número de crianças assistidas em consultas médicas e alta demanda por vacinação. Os critérios de inclusão das famílias foram: ter criança com menos de dois anos de idade, residir na área de abrangência das unidades de saúde selecionadas, realizar o seguimento da saúde da criança nas unidades de saúde selecionadas, mãe ou cuidador permanecer em casa com a criança a maior parte do tempo. Com base nesses critérios, 84 famílias foram selecionadas. Dessas, 34 mudaram de endereço, 19 tinham endereços incorretos e 12 não foram encontradas em suas casas, após três tentativas de visita domiciliar. Assim, dezenove famílias participaram desta pesquisa, nove da UBS A e dez da UBS B. Vinte e dois sujeitos participaram das entrevistas, ou seja, 17 mães, 4 pais e 1 avó materna, identificados por codinomes.

Entrevistas não estruturadas foram gravadas com os participantes, partindo da seguinte pergunta norteadora: como tem sido os cuidados com as crianças e a imunização? Durante a entrevista, os pesquisadores buscavam conversar com os participantes sobre a imunização dos filhos, como eles tinham aprendido sobre a imunização e o que sabiam sobre isso, o que pensam sobre famílias que não vão com frequência aos serviços de saúde, para vacinar as crianças, e se eles tinham sugestões para aproximar famílias e serviços públicos de saúde. Tentativas foram feitas para apreender as narrativas das famílias, para conhecer as suas experiências, preocupações, responsabilidades, necessidades e tomadas de decisão para o cuidado à saúde das crianças, especialmente em relação à imunização.

O material empírico produzido, a partir das entrevistas, foi transcrito e organizado em arquivos individuais. Na análise dos dados, foram seguidas as etapas recomendadas pela técnica de análise temática de conteúdo, ou seja, pré-análise (leitura do material empírico, buscando mapear os ssignificados atribuídos pelos sujeitos às perguntas feitas), análise dos sentidos expressos e latentes (identificação dos núcleos de sentidos), elaboração das temáticas (síntese dos dados empíricos) e análise final (discussão das temáticas). Após a transcrição das entrevistas, foram realizadas leituras, ordenação e leitura flutuante(9) durante a análise dos dados. Neste estudo, o material empírico não foi analisado estatisticamente, conforme preconizado originalmente pela técnica, mas tratado de maneira compreensiva, buscando descobrir o que estava por trás dos conteúdos manifestos(10).

Os dados foram organizados e estruturados em partes para identificar os aspectos que se repetiam e se destacavam e para a apreensão de ideias relevantes, ou seja, ideias chave e significados das experiências das famílias sobre a imunização de crianças, levando ao agrupamento de dados em três temas: conhecimentos práticos sobre imunização de crianças, responsabilidade e obrigatoriedade da imunização de crianças e ampliação das práticas de imunização de crianças.

As entrevistas foram conduzidas nos domicílios. A investigação obteve aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa, seguindo as normas e recomendações para a pesquisa envolvendo seres humanos.

Resultados

Conhecimentos práticos sobre imunização de crianças

Neste tema, são apresentados os aspectos sobre a importância do cartão de vacinação, a vacinação associada à prevenção de doenças, a importância do acompanhamento e das campanhas de vacinação, sentimentos da mãe e dos cuidadores e os efeitos da pós-vacinação.

As famílias destacam o cartão de vacinação como fonte de conhecimento sobre as vacinas que a criança necessita.

Desde que a criança nasce, já sai do hospital, já sai com aquela papelada, com o registro, com os dias pra levar na UBS pra fazer o teste do pezinho. E ali, na UBS, o pessoal, mesmo, já vai orientando a gente. Já dão o cartãozinho, já está tudo marcado o dia que você tem que levar de novo pra vacinar. Não tem como, é só ir (pai - Família T).

Quando eu ganhei ele, eles me deram um cartãozinho e eu falei: Ah! vou vacinar o meu filho, porque é melhor pro meu filho... O cartão fala pra vacinar (mãe - Família P).

Ter e utilizar o cartão de vacinas parece auxiliar as famílias na tomada de decisão para a imunização de suas crianças. O cartão de imunização é um instrumento não só para lembrá-las dos retornos vacinais para o acompanhamento das crianças, mas garantia do direito à imunização disponibilizada nos serviços de saúde.

De acordo com os depoimentos, no momento da imunização, orientações foram sintetizadas no cartão de vacinas, com o agendamento. Não houve relatos sobre orientações quanto à importância da imunização, tampouco em relação a qual vacina as crianças receberam ou receberiam no próximo retorno.

Nos relatos a seguir, aparecem aspectos sobre a imunização associada à prevenção de doenças, que expressam o entendimento das famílias em relação a essa ação.

A gente tem que prevenir a doença, tem que vacinar. Eles falam que não tinha antigamente vacina, e as pessoas ficaram com paralisia infantil, problema na perna, no braço. Então, eu conheço gente que, às vezes, foi por causa que não vacinou. Agora, hoje, as vacina veio pra evitar essas coisas. Tem a febre amarela, de gripe. E o remorso depois? (mãe - Família P).

A vacina é muito preocupante. Eu tive um dia que eu fui pra fazenda passear e esqueci da vacina da campanha. Já tava de tarde quando eu lembrei: será que se amanhã eu for lá na UBS eles fazem a vacina? E naquele, será? Será? Eu fiquei a noite inteirinha acordada, pensando, pro outro dia eu vir embora. Aí, quando foi no outro dia, eu morrendo de medo, aquele medo da paralisia infantil, né? Porque já pensou uma criança minha der uma paralisia infantil? Culpa minha, né? (mãe - Família A).

As famílias atribuíram à imunização um bom cuidado, com capacidade para proteger as crianças de doenças, mas com a condição de tomar todas as doses recomendadas e no prazo estabelecido, no calendário de imunização vigente.

Nas falas a seguir, são relatados aspectos sobre os retornos do calendário de vacinação de rotina, as campanhas de vacinação e o atraso.

Eu levo pra vacinar lá na UBS e também quando é de campanha, eles dão aqui no centro comunitário do bairro. Aí eu levo, porque é mais pertinho. O local é facinho, é aqui na rua de baixo (mãe - Família X).

Atrasou porque eu tenho dó do menino, e depois ele fica muito enjoado e eu não tenho ninguém pra deixar ele, se eu precisar de sair. Não adianta elas me mandar aquelas cartinhas, não dá pra levar. Eu levo nas campanhas (mãe - Família F).

A estratégia das campanhas de vacinação foi considerada prática de saúde estruturada em torno de uma base comum: o local (fácil acesso), boa divulgação e um dia pra vacinar (ampliação das horas de trabalho). Entre as famílias entrevistadas, algumas estavam em atraso vacinal, mas não se perceberam como faltosas.

Sentimentos de mães e cuidadores também foram relatados, como nos exemplos a seguir.

Elas chamam a gente, mas não sabe como que é. Quem vai cuidar dele pra mim? Mas, depois eu vou lá, mas não é pra dar tudo de uma vez só, não. Judia muito da criança. Eu não aguento ver aquele tanto de agulhada. Judia demais da criança. E depois é ainda pior, quando chega pra gente cuidar (mãe - Família F).

No primeiro ano tem que tomar muitas vacinas. Começa com aquela do BCG. Eu acho assim, uma coisa que dá muita dó na gente é a coisa de aplicar agulha na criança, né? Mas se tem que passar por isso e isso é bom pra eles (avó - Família I).

Entre as famílias entrevistadas, a dor relativa à imunização trouxe interpretações antagônicas. Em um caso apareceu como algo que deve ser enfrentado e, em outro, foi considerado como condição que causa transtornos.

A ocorrência e o manejo de eventos esperados ou adversos pós-imunização nas crianças também foram relatados.

Agora tem que levar de novo pra vacinar. Dá febre, mas tem que vacinar. Aí, eu dou com um chazinho, igual à doutora me ensinou, e a mãe também fala, né: tem que dar chazinho de hortelã ou de erva-cidreira com umas gotinha de dipirona. Aí eu pego, ponho no meio e dou pra ele, e melhora a febrinha. Ah! eu também dou um banhozinho nele, ponho pouca roupa. A vacina não faz mal! A gente que é mãe é que sente que tem que fazer o bem pra criança (mãe - Família P).

Eles não têm nada, dá a vacina neles, dá injeção neles. Minha filha! Ataca o corpo inteiro deles. Fica tudo dolorido. Ainda, dá a febre, também. Tem que prevenir, né? Porque, às vezes, tem as doenças e prevenir é através das vacinas, Eu já dou vacina nele depois do almoço, porque de manhã a gente pasta (risos). Porque, aí, dá febre, dá dor no corpo, dependendo do jeito e do lugar que a gente vai pegar nele, vai doer. Aí quando é no braço tem que evitar de pegar lá. Quando é na bundinha, a gente tem que ficar com ele com a bundinha pra cima, pra não pegar onde tomou a vacina (mãe - Família S).

A imunização traz a necessidade de enfrentamento dos problemas associados a ela. As famílias, em geral, demonstraram conhecimento da necessidade de cuidados especiais com as crianças após a vacinação.

Quanto a relatar os modos como eles participaram dos cuidados com as crianças, os familiares tornaram-se sujeitos valorizados enquanto pais e cuidadores, entretanto, apontaram a necessidade de suporte técnico para esses cuidados. Assim, a enfermagem pode contribuir com educação em saúde, prevenção e intervenção.

Responsabilidade e obrigatoriedade da imunização de crianças

Neste tema, são apresentados os relatos que demonstram as características da imunização obrigatória e oportunidades perdidas, em algumas situações.

Antigamente não tinha essas vacinas. Hoje tem e a gente não reconhece. É culpa da mãe não levar, né? Porque enfermeira e vacina, tudo tem. É só falta da mãe, mesmo, que não tem tempo, responsabilidade (mãe - Família L).

A mãe é obrigada a vacinar o filho. Faz bem pra ele. Quer dizer ninguém me obrigou, eu acho que é obrigação das mães, entendeu? Já nasce o filho, eles já dão o cartãozinho pra gente (mãe - Família P).

Olha, eu acho que é um erro. Não sei nem o quê pensar. Porque, como se diz, cada caso é um caso. Tem mãe que, às vezes, ela não traz por falta de recurso, às vezes, por falta de informação. Ou porque, sei lá, não quer mesmo. Eu acho muito importante cuidar (mãe - Família N).

As famílias que fizeram uso dos serviços de saúde relataram comparações com um período em que havia menos vacinas e poucos profissionais de saúde, indicando que veem diferenças no transcorrer do tempo, em função da ampliação das informações, maior número de profissionais de saúde e vacinas disponibilizadas. Todavia, a participação dos serviços de saúde é restrita às "cartas" que comunicam o atraso vacinal e convocam as famílias a comparecer aos serviços de saúde para a atualização das vacinas. Os relatos sugerem que os serviços de saúde estão pouco organizados para compartilhar dúvidas, inquietações e dificuldades desse cuidado.

A obrigatoriedade foi demarcada em diferentes aspectos. Em um deles, foi percebida por meio dos impressos dos serviços de saúde. Em outro, foi edificada no cotidiano, na observação das sequelas instaladas nas crianças que não foram vacinadas. A prevenção apareceu como ato responsável nos cuidados familiares com as crianças, especialmente na relação mãe/filho.

Oportunidades perdidas de imunização foram relatadas pelas famílias entrevistadas, como nos exemplos a seguir.

Nunca deixei, assim, às vezes, atrasava um pouco, eu não ia no posto, mas nunca eu deixei atrasar mais de 20, 30 dias. Às vezes, ele está com febre, está gripado. Eu não dou! Porque, além do resfriado, daqueles cuidados com a febre, com a dor e com a infecção de garganta, que ele já está sentindo, a vacina, às vezes, já tem as reação dela mesmo. Aí, eles choram 24 horas. Aí, eu não dou! Eles já estão com um problema, ainda vai dar injeção, aí vai ficar com mais problema. Você vai é piorar. Aí, eu não deixo! (mãe - Família S).

Ele fica muito doente, o C. tem bronquite, ele sempre tem que tomar remédio. Não adianta elas me mandar aquelas cartinhas, não dá pra levar. Eu levo nas campanhas. O médico disse que era pra não dar porque ele estava com febre. Era pra esperar terminar o remédio, mas ele não para de tomar remédio, então, eu fiquei com medo. Elas chamam a gente, mas não sabe como que é. Quem vai cuidar dele pra mim? (mãe – Família F.)

O atraso vacinal trouxe diferentes significados para as famílias, de maneira geral, atribuídos à mãe: a irresponsabilidade, a falta de tempo, a situação de dependência das crianças, falta de consciência e orientação. A partir dos relatos, a responsabilidade com a vacinação, embora atribuída à mãe, é permeada pelo contexto familiar.

O não comparecimento para a imunização parece estabelecer disposição para atribuir culpa. Ainda, se, porventura, as crianças adoecessem ou fossem acometidas por efeitos provocados pela não vacinação, haveria um culpado.

Ampliação das práticas de imunização de crianças

Nesse tema são apresentadas sugestões para alcance das famílias que não comparecem à vacinação, como nas falas a seguir.

Campanha todo mundo faz. Aviso tem na televisão. Acho que tinha que ter algum programa, o pessoal ir nas casas, ver, acompanhar, pra saber o porquê que a mãe não traz. Porque não são todas que não trazem porque não querem, às vezes tem algum problema que não pode trazer (mãe - Família J).

Eu acho que é um trabalho de conscientização, mesmo. Mas, também, até usar esse trabalho de conscientização através de uma assistente social, na igreja. Eu gostaria, de repente, que marcasse lá um dia, um sábado e fosse lá alguém da área da saúde e desse uma palestra pro pessoal. Eu vejo que muitas pessoas estão mal informadas, porque tem outras que não querem ser informadas (pai - Família T).

Eu acho que só a cartinha, as pessoas veem, lê e não dá bola, né? Aí, vindo alguém, acho que seria importante ter um acompanhamento (mãe - Família X).

As famílias destacam os meios de comunicação, o seguimento da saúde da criança, a participação de outros profissionais e de outros setores sociais, para o incremento da imunização na infância.

Acompanhar a saúde da criança e da família e, principalmente, conhecer as condições de saúde, estilos de vida e as razões pelas quais as famílias não frequentam os serviços de saúde são essenciais para expandir as atividades de saúde e promover a saúde para as famílias e a comunidade.

Discussão

A vacinação, como importante cuidado protetor para a saúde da criança, implica na articulação entre família, serviço de saúde e comunidade. O envolvimento e responsabilização de todos dificultariam perder oportunidades de imunização.

Em um estudo sobre os determinantes de vacinação, relativos ao sistema de saúde, verificou-se que é importante observar as características das crianças e das famílias, o tamanho da família, o local de residência, a idade da criança, escolaridade do chefe da família, disponibilidade e o acesso à sala de vacinação, as informações sobre os programas e horários dos serviços de saúde, verificando as barreiras que devem ser avaliadas e resolvidas e a falta de informação para a população(11).

Estudo que abordou questões sobre o atraso na vacinação, a partir de entrevistas com as famílias, indica que número expressivo delas não recebeu orientações sobre a vacina administrada, as reações e a data da próxima vacina, concluindo que o motivo do atraso na vacinação e da não vacinação estão mais relacionados aos serviços de saúde do que às características das populações(12). Outro estudo sobre as dificuldades dos pais na decisão de vacinar ou não as crianças revela o medo e a preocupação com os riscos das vacinas; e, no grupo de pais em que a vacinação das crianças é incompleta, é menor a confiança nas informações fornecidas pelos profissionais de saúde(6).

A receptividade de um serviço realizado, basicamente pela enfermagem, poderia ser momento favorável para o estabelecimento de boa comunicação entre a enfermagem e a clientela. A assistência de enfermagem à criança, em unidade básica de saúde, implica na reconstrução de prática de saúde com relações de proximidade, acolhimento, interação facilitadora e ações educativas efetivas(13). A imunização na infância requer cooperação com os pais, habilidades de comunicação e relacionamento, fundamentais para o trabalho da enfermagem(7).

Associação entre maior cobertura vacinal e residência mais próxima aos locais de imunização foi encontrada em estudo sobre cobertura vacinal, que aponta como causas a dificuldade ou falta de acesso ao serviço de saúde e ao transporte(14).

Uma das razões para a vacinação incompleta é a contraindicação da imunização, por parte dos profissionais de saúde(6). Um estudo(15) evidenciou que a decisão dos pais em vacinar seus filhos está ligada a uma ação consciente. Os autores recomendam pronto acesso a informações, baseadas em evidências sobre a imunização, articulado às perguntas, dúvidas e crenças dos pais, afirmando a importância de construir e manter a confiança das famílias, bem como fornecer informações precisas.

Estudos demonstraram que a crescente oferta de vacinas é vista como fardo de dor, angústia e eventos adversos, que interferem na aceitação familiar e agravam sentimentos anti-imunização(6,16).

Em termos éticos, é direito de o paciente ter acesso a qualquer informação sobre seu corpo, doenças, tratamentos, entre outras, e, também, porque o conhecimento amplia a eficácia da cura. Assim, tanto na atenção individual, ou de grupo, quanto nos programas de saúde é fundamental considerar como tarefa indispensável dos profissionais de saúde o diálogo e os conhecimentos que podem ampliar a autonomia dos pacientes e reforçar sua condição de sujeitos sociais, capazes de se autocuidar e de cobrar das instituições o atendimento às suas necessidades(17), incluindo a vacinação das crianças.

A imunização protege a pessoa vacinada e a comunidade, e a forma de implementar essa proteção varia de país para país, mas todos têm, na rotina, um calendário de vacinação(18). Um estudo apontou que cada dose de vacina faltante esteve associada a risco aumentado de doença, sendo que o atraso, na terceira dose, conferiu maior risco(6). Assim, é importante que toda criança receba o esquema completo de determinada vacina, a tempo. O risco associado à vacinação incompleta existe não apenas para as crianças, individualmente, mas para as epidemias(4).

O desenvolvimento do Programa de Imunização no Brasil visa a ampla extensão da cobertura vacinal para alcançar adequado grau de imunização. Entretanto, observa-se a ocorrência de contraindicações desnecessárias, baseadas em teorias ou em conceitos desatualizados, com perda da oportunidade de imunização e consequente comprometimento da cobertura vacinal(19).

As atitudes e condutas dos profissionais de saúde em relação às famílias das crianças, com esquemas vacinais incompletos, precisam ser revistas, porque uma condição impregnada de preconceitos confere imagem negativa à família e dificulta o seu reconhecimento. As famílias não estão tendo oportunidades de compartilhar as dificuldades que enfrentam no cuidado da criança. Esse equívoco, capaz de distanciar famílias e serviços de saúde, parece atravessar as práticas, dificultando e comprometendo a prevenção.

O uso de agentes imunobiológicos suscita questões éticas e a abordagem para lidar com essas questões não deve ser por imposição, mas por meio da educação em saúde, para permitir que as pessoas escolham conscientemente, analisando a importância da vacinação para a promoção da saúde(20). A educação em saúde e a articulação com as organizações na comunidade, governamentais ou não, têm sido apontadas como os primeiros passos para ação mais abrangente, em termos de solução dos problemas de saúde(2).

É importante entender que as relações entre as famílias e os serviços de saúde estão inseridas em um conjunto de determinantes sociais, políticos e econômicos, e que o estilo de vida pode influenciar a prevenção das mais variadas doenças e a promoção da saúde. No entanto, essa integração vai depender do entusiasmo e dedicação dos pais no cotidiano do processo de crescimento e desenvolvimento das crianças e dos profissionais de saúde em reconhecer e intervir nas angústias, necessidades, habilidades e dificuldades, respeitando e estimulando-os(21).

A imunização é ação preventiva, oferecida à população pelos serviços de saúde, sendo fundamental a ampliação da atuação da enfermagem à criança e à família, implicando estar junto no processo saúde/doença e cuidado, porque a criança e a família necessitam de vários cuidados à saúde, qualquer que seja a fragilidade ou o dano(22).

O vínculo entre profissionais de saúde e as famílias precisa ser reforçado, para aumentar a adesão às medidas de proteção e promoção da saúde infantil.

Conclusão

As famílias respondem à prática da vacinação infantil sob diversos aspectos: com o cartão de vacinas, como meio de prevenção, nas campanhas de vacinação, nos cuidados pré e pós-vacinação e na ausência ao serviço de saúde para atualizar as vacinas.

Foram identificados os elementos potencializadores da imunização: experiência e realização pessoal na maternidade, medo de doenças, reconhecer como bom cuidado, conhecimentos, acesso, flexibilidade do horário, divulgação, gratuidade, cartão de vacinas, campanhas de vacinação, disponibilidade de vacinas e de profissionais de saúde. Os elementos potencializadores da não imunização foram: inexperiência dos pais, excesso de tarefas, recusa de aplicações simultâneas de imunização, assistência fragmentada, ausência de diálogos, discriminação, falsas contraindicações e obrigatoriedade.

A imunização, nos programas de saúde e diretrizes governamentais, é valorizada para a proteção individual e coletiva, sendo considerada importante prática de saúde pública. É evidente que, numa situação emergencial, o importante é criar a imunidade coletiva, incrementando a cobertura e a eficácia. Mas, em termos de sustentabilidade, ao longo do tempo, emergem outros aspectos. Por exemplo, se a vacinação for cumprida somente em função do calendário, ou em situações muito autoritárias, ela ficará descolada da prática de cuidados das famílias e sua sustentabilidade tende a se tornar frágil.

Os profissionais de saúde precisam conhecer e explorar as preocupações e temores das famílias, a respeito da imunização, e fornecer respostas específicas e adequadas a elas.

A prática de vacinação pode se tornar fortemente sustentável e longitudinal, sob a forma de cuidado mais integrador, capaz de articular intervenção técnica a outros aspectos não tecnológicos, expandir as atitudes profissionais apoiadas em conhecimentos das famílias, no respeito às fragilidades, buscando a compreensão das diferentes situações e aproximando as famílias dos serviços de saúde, gerando novas relações e desdobrando novas possibilidades na prática de enfermagem em saúde pública, com vistas à redução das oportunidades perdidas em imunização.

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  • Corresponding Author:
    Débora Falleiros de Mello
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Aceito
      17 Mar 2011
    • Recebido
      04 Mar 2010
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