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Prevalência de doenças sexualmente transmissíveis em mulheres profissionais do sexo, em um município do interior paulista, Brasil

Resumos

Mudanças no perfil das doenças sexualmente transmissíveis têm ampliado a necessidade de seu rastreamento, especialmente onde existe concentração de pessoas ou grupos com comportamentos de risco, para que o diagnóstico e tratamento imediato se traduzam na redução dos problemas causados. Objetivou-se identificar a prevalência de doença sexualmente transmissível entre mulheres profissionais do sexo, de município de médio porte do interior paulista. Este estudo de prevalência populacional foi realizado no ano 2008 com 102 profissionais do sexo. A prevalência geral de doença sexualmente transmissível foi 71,6%. Considerados isoladamente e em associação, os maiores valores encontrados foram: HPV (67,7%) e infecção clamidiana (20,5%). A tipagem do HPV evidenciou genótipos oncogênicos. A prevalência de sífilis foi de 4,0% e de tricomoníase 3,0%. Nenhum caso de hepatite B ou gonorreia foi identificado. Conclui-se que a prevalência de doença sexualmente transmissível foi elevada, pois, aproximadamente dois terços das mulheres, apresentavam alguma doença assim classificada.

Infecção; Saúde da Mulher; Prevalência; Enfermagem


Changes in the profile of sexually transmitted diseases have increased the need for their detection, particularly where there is a concentration of individuals with risk behavior, so that diagnosis and immediate treatment can be translated in the reduction of resulting problems. The objective was to identify the prevalence of sexually transmitted diseases in female sex workers in a medium-sized city in São Paulo state. This population prevalence study was conducted in 2008 on 102 females. The prevalence was 71.6%. When considered separately and in association, the highest values found were: HPV (67.7%) and Chlamydia (20.5%). HPV typing showed oncogenic genotypes. The prevalence of syphilis was 4.0% and of trichomoniasis 3.0%. No cases of hepatitis B or gonorrhea were identified. It was concluded that the prevalence of sexually transmitted diseases in the studied group was high, since approximately two thirds of the women showed some type of disease under this classification.

Infection; Women’s Health; Prevalence; Nursing


Cambios en el perfil de las enfermedades sexualmente transmisibles han ampliando la necesidad de su seguimiento, especialmente donde existe concentración de personas o grupos con comportamientos de riesgo, para que el diagnóstico y tratamiento inmediato se traduzcan en reducción de los problemas causados. El objetivo fue identificar la prevalencia de enfermedad sexualmente transmisible entre mujeres profesionales del sexo de un municipio de porte medio del interior del estado de Sao Paulo. Este estudio de prevalencia poblacional fue realizado en el año de 2008 con 102 profesionales del sexo. La prevalencia general de enfermedad sexualmente transmisible fue 71,6%. Considerados aisladamente y en asociación, los mayores valores encontrados fueron: VPH (67,7%) e infección clamidiana (20,5%). El tipaje del VPH evidenció genotipos oncogénicos. La prevalencia de sífilis fue de 4,0% y de tricomoníasis 3,0%. Ningún caso de hepatitis B o gonorrea fue identificado. Se concluye que la prevalencia de enfermedad sexualmente transmisible fue elevada, ya que aproximadamente dos tercios de las mujeres presentaban alguna enfermedad de ese tipo.

Infección; Salud de la Mujer; Prevalencia; Enfermería


ARTIGO ORIGINAL

Prevalência de doenças sexualmente transmissíveis em mulheres profissionais do sexo, em um município do interior paulista, Brasil1

Maíra Rodrigues Baldin-Dal PogettoI; Márcia Guimarães SilvaII; Cristina Maria Garcia de Lima ParadaIII

IEnfermeira, Secretaria Municipal de Saúde de Botucatu, SP, Brasil. Mestranda, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", SP, Brasil. E-mail: mairabaldin@yahoo.com.br

IIBióloga, Doutora em Patologia, Professor Assistente, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", SP, Brasil. E-mail: mgsilva@fmb.unesp.br

IIIEnfermeira, Livre Docente. Professor Adjunto, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", SP, Brasil. Email: cparada@fmb.unesp.br

Endereço para correspondência

RESUMO

Mudanças no perfil das doenças sexualmente transmissíveis têm ampliado a necessidade de seu rastreamento, especialmente onde existe concentração de pessoas ou grupos com comportamentos de risco, para que o diagnóstico e tratamento imediato se traduzam na redução dos problemas causados. Objetivou-se identificar a prevalência de doença sexualmente transmissível entre mulheres profissionais do sexo, de município de médio porte do interior paulista. Este estudo de prevalência populacional foi realizado no ano 2008 com 102 profissionais do sexo. A prevalência geral de doença sexualmente transmissível foi 71,6%. Considerados isoladamente e em associação, os maiores valores encontrados foram: HPV (67,7%) e infecção clamidiana (20,5%). A tipagem do HPV evidenciou genótipos oncogênicos. A prevalência de sífilis foi de 4,0% e de tricomoníase 3,0%. Nenhum caso de hepatite B ou gonorreia foi identificado. Conclui-se que a prevalência de doença sexualmente transmissível foi elevada, pois, aproximadamente dois terços das mulheres, apresentavam alguma doença assim classificada.

Descritores: Infecção; Saúde da Mulher; Prevalência; Enfermagem.

Introdução

As doenças sexualmente transmissíveis (DST) devem ser priorizadas enquanto agravos de saúde pública, sendo a interrupção da cadeia de transmissão e a prevenção de novas ocorrências consideradas ações básicas a serem implementadas(1). A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que ocorram, anualmente, no Brasil, cerca de 12 milhões de casos de DST(2), sendo a subnotificação ainda elevada e próxima a 200 mil casos por ano, especialmente em decorrência da busca de formas alternativas de cura, visto que 70% dos acometidos não recorrem diretamente aos serviços de saúde(3).

O sistema de saúde, historicamente, não tem incorporado a atenção às populações mais vulneráveis, como as profissionais do sexo (PS), caracterizadas como de difícil acesso e com necessidades muito particulares. Porém, com o aumento das ações de prevenção em DST/AIDS, a atenção a esses grupos tem se ampliado, havendo forte estímulo para que procurem os serviços de saúde(4). Diversas intervenções voltadas às PS, associando o diagnóstico e tratamento das DST com a promoção do uso de preservativo, estão sendo conduzidas nos países em desenvolvimento e têm provado sua eficácia na diminuição da incidência do vírus da imunodeficiência humana (HIV)/AIDS e/ou outras DST(5). Porém, para redução das situações de riscos e vulnerabilidade, as mulheres devem ser consideradas sujeitos ativos, cabendo aos serviços de saúde buscar estratégias que promovam a adoção de comportamentos protetores. É importante salientar que a percepção de risco não deve ser vista apenas no plano individual, mas, também, num contexto social e cultural, influenciando claramente as ações preventivas(6).

O sucesso internacional da resposta brasileira de enfrentamento ao HIV/AIDS e demais DST tem sido reconhecido, em decorrência da política de acesso universal à prevenção, ao diagnóstico e tratamento e da qualidade das informações disponíveis, sobretudo de estudos e pesquisas de várias áreas do conhecimento, evidenciando o subsídio para diversas estratégias governamentais nesse campo, o que se mostra extremamente relevante. Parcela significativa desses novos conhecimentos é gerada por profissionais de saúde, dedicados à investigação em serviço, resultando em produtos e processos inovadores de interesse do Sistema Único de Saúde (SUS)(7).

O Programa Nacional de DST/AIDS, no contexto da epidemia, inclui as PS como um dos coletivos com necessidades específicas a serem atendidas. Vale destacar que as ações junto a essa população, somadas às pesquisas realizadas, têm contribuído para a ampliação do conhecimento sobre a realidade da prostituição feminina no país(8). Nesse sentido, propôs-se a realização deste estudo, cujo objetivo foi identificar a prevalência de DST entre profissionais do sexo de município de médio porte. do interior paulista.

Métodologia

Desenho do estudo e local de realização

Trata-se de estudo epidemiológico, populacional, voltado à identificação da prevalência de DST na população feminina de profissionais do sexo de Botucatu, SP, município localizado na região central do Estado de São Paulo, onde a implantação do programa municipal de DST/AIDS ocorreu em 2002. A equipe de trabalho desse programa é composta por uma coordenadora e quatro agentes estratégicos de prevenção. Conforme proposto pelo nível estadual, o município busca realizar ações voltadas à diminuição da vulnerabilidade da população em relação às DST/HIV/AIDS, à melhoria da qualidade de vida das pessoas afetadas e à redução do preconceito, da discriminação e dos demais impactos sociais negativos das DST/HIV/AIDS, através de políticas públicas, pautadas pela ética e compromisso com a promoção da saúde e da cidadania, em consonância com os princípios do SUS.

População de estudo

Considerando-se que a população a ser estudada é flutuante, já que as mudanças são frequentes, para identificação do grupo de estudo dois critérios foram adotados: definição do período de coleta de dados, entre agosto de 2008 e março de 2009 e realização de pelo menos três visitas em cada um dos seis locais de permanência e trabalho das mulheres. Foram identificadas 107 PS, sendo que 102 (95,3%) participaram efetivamente do estudo, já que cinco delas (4,7%) mudaram antes da coleta de dados.

Caracterização da população de estudo

Para caracterização das PS utilizou-se instrumento próprio, construído especificamente para o estudo. As informações obtidas foram: idade (anos), anos de aprovação escolar, situação conjugal (casada, solteira, união consensual, outro) e idade da coitarca (anos).

Coleta de conteúdo vaginal, secreção cervical e sangue

As coletas de conteúdo vaginal, secreção cervical e sangue foram realizadas nos locais onde as PS exerciam a sua profissão, isto é, em uma das seis casas onde elas recebiam seus clientes. Inicialmente, solicitava-se espaço físico para montagem da sala de coleta com mesa ginecológica e todos os materiais necessários para os procedimentos.

Em seguida, as PS eram convidadas a participar do estudo, não tendo havido recusas. Realizava-se, então, o aconselhamento pré-teste em DST/AIDS e quatro agentes estratégicas do Programa DST/AIDS, previamente capacitadas, entrevistavam as PS para coleta de dados, voltados à caracterização das mulheres, garantindo-se privacidade e anonimato das participantes do estudo. Considerou-se que as informações obtidas pelas agentes estratégicas seriam mais fidedignas, devido ao vínculo que possuíam com as PS.

Após a entrevista, a mulher era direcionada para a coleta de sangue periférico (10 ml), através de punção venosa, sendo o material acondicionado em tubos de ensaio estéreis Vacutainer (Beckton Dickinson, Rutherford, NJ, USA). Posteriormente, as amostras de sangue coletadas para diagnóstico de sífilis e hepatite B eram encaminhadas ao laboratório clínico e para diagnóstico do HIV ao Hemocentro do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu.

Após a coleta de sangue, a PS era encaminhada para exame ginecológico, realizado por uma das autoras, enfermeira e responsável pelo Programa Municipal de DST/AIDS. Utilizou-se o espéculo bivalvo de Collins, descartável, esterilizado e isento de qualquer lubrificante. Coletou-se, então, com espátula de Ayre, conteúdo do fundo de saco vaginal, semeado em meio líquido de Diamonds, para pesquisa de Trichomonas vaginalis (TV), sendo o material coletado mantido em temperatura entre 36 e 37oC, até a chegada no Laboratório de Imunologia da Reprodução Humana do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina de Botucatu da Universidade Estadual Paulista, onde foi acondicionado em estufa a 37oC.

A secreção cervical para pesquisa de Chlamydia trachomatis (CT), Neisseria gonorroheae (NG) e papilomavírus humano (HPV) foi colhida com cytobrush. O raspado cervical para pesquisa de CT e HPV foi acondicionado em tubo Falcon, de 15 mL, com 1000mL da solução de Tris-HCl 50mM pH 8,5/EDTA 1mM pH 8,0 (TE) e armazenado a -20ºC, até o momento do processamento no mesmo Laboratório de Imunologia da Reprodução Humana. A presença de CT na secreção cervical foi avaliada pela técnica de reação em cadeia da polimerase (PCR). Para o HPV, foram empregadas as técnicas de PCR e tipagem por PCR multiplex. Para pesquisa de NG, a secreção cervical foi semeada em meio de Thayer Martin, sendo as placas acondicionadas em jarra de anaerobiose e encaminhadas para o processamento no Laboratório de Bacteriologia do Departamento de Microbiologia e Imunologia do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista, também em Botucatu.

O transporte de todo o material coletado foi realizado pela pesquisadora que realizou os exames ginecológicos, no máximo três horas após a coleta, ao término do período de trabalho.

Critérios diagnósticos dos exames realizados

Os critérios diagnósticos dos exames realizados foram doenças sexualmente transmissíveis (DST): hepatite B (reagente, não reagente), sífilis (reagente, não reagente), anti-HIV (reagente, não reagente), CT (positiva, negativa), TV (positivo, negativo), NG (positiva, negativa), HPV (positivo, negativo), genótipos em caso de HPV positivo (6/11, 16, 18, 33 e 45).

Análise dos dados

Para análise dos dados, criou-se banco de dados no sistema Excel, posteriormente analisado com o software estatístico Epi Info.

Procedimentos éticos

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade de Medicina de Botucatu e respeitou todas as orientações para pesquisas envolvendo seres humanos. As mulheres que concordaram em participar do mesmo assinaram termo de consentimento livre e esclarecido para participação em estudo científico (Of.nº453/08 - CEP).

Os resultados dos exames realizados foram informados às mulheres pela autora responsável pela coleta dos exames e todas as PS que tiveram DST diagnosticadas, neste estudo, foram imediatamente tratadas, nos casos contemplados pelo Protocolo de Saúde da Mulher da Secretaria Municipal de Saúde de Botucatu, ou foram encaminhadas para tratamento médico na unidade de atenção básica de referência.

Resultados

A caracterização das 102 PS estudadas evidencia tratar-se de mulheres adultas jovens, sendo a média de idade 26,1 anos, a maioria tinha nove ou mais anos de aprovação escolar (53,0%), era solteira (71,6%) e referiu a primeira relação sexual antes dos 15 anos de idade (59,8%).

A prevalência de DST nas PS analisadas foi de 71,6% (73 casos).

Isoladamente, o HPV foi o agente mais frequente (45,1%) e, considerando-se as infecções mistas, CT e HPV (15,6%). Não foi diagnosticado nenhum caso de infecção por Neisseria gonorrhoeae e nem de hepatite B. Também não ocorreu caso isolado de TV, sendo a prevalência em associação de 3,0%. O HIV foi detectado em 1,0% das PS (Tabela 1).

Do total de mulheres estudadas, 69 (67,6%) apresentaram HPV.

O principal genótipo identificado foi o 16: isoladamente 24,6% e, considerando-se as associações, 8,6% (Tabela 2).

Discussão

Apresentam-se dados locais sobre a prevalência de DST na população de mulheres profissionais do sexo de município de médio porte, do interior paulista, podendo se constituir como referência para outras cidades e contribuir para a política de prevenção das DST no Estado de São Paulo. Apesar da temática não ser inédita, foi o primeiro estudo realizado em Botucatu e no Departamento Regional de Saúde-VI, região que conta com 68 municípios próximos a Botucatu. Uma de suas limitações, porém, foi a genotipagem dos HPV, pois a técnica empregada, PCR primer específico, necessita de controles positivos para sua reação e apenas os controles 6/11, 16, 18, 33 e 45 estavam disponíveis no laboratório em que essa foi realizada. Outra técnica complementar, como sequenciamento gênico, seria necessária para elucidar os genótipos dos 31,4% HPV, detectados nas amostras de raspado cervical e não identificados por PCR.

A prevalência geral de DST obtida entre as PS estudadas foi elevada: 71,6%, devendo ser destacada a ocorrência isolada ou em associação do HPV (45,1 e 22,6%, respectivamente) e de CT (2,9 e 17,6%, respectivamente). Também merece destaque a prevalência geral, incluindo associações, de sífilis (4,0%) e tricomoníase (3,0%), a ocorrência de um caso de HIV (1,0%) e a inexistência de gonorreia e hepatite B na população estudada.

A comparação desses dados com aqueles obtidos em outros estudos nacionais não é simples, devido à diversidade de exames diagnósticos existentes e ao fato de que muitos desses estudos não contemplam as mesmas DST incluídas na presente investigação, que se utilizou apenas de exames considerados padrão-ouro de diagnóstico. Para viabilizar a discussão, os dados obtidos foram comparados, considerando-se a população feminina em geral e de PS, ou outros grupos vulneráveis. Porém, foram citados apenas estudos que também tenham se utilizado de exames padrão-ouro.

A prevalência de HPV (67,7%) foi muito superior à encontrada em ambulatórios de ginecologia em São Paulo, 16%(9). Considerando-se a genotipagem, 50,7% das pacientes, positivas para o HPV, apresentavam pelo menos um genótipo de alto risco oncogênico. A prevalência de HPV de elevado grau oncogênico, obtida no presente estudo, foi similar à encontrada em grupo de PS da Bélgica, onde 77,4% foram positivas para um ou mais tipos de HPV, sendo 55,9% para HPV de alto risco oncogênico(10).

O câncer cervical é o mais frequentemente diagnosticado entre mulheres no Sul do Vietnã, onde sua incidência é uma das maiores observadas em todo o mundo. Entre 282 PS residentes nessa área, detectaram-se DNA do HPV em 85% delas, não variando a prevalência com a idade. Trinta e cinco genótipos de HPV foram detectados, sendo o 52 o tipo mais comum. Metade das mulheres HPV-positivas foram infectadas com tipos oncogênicos e 37% estavam infectados com genótipos múltiplos(11).

A CT teve prevalência de 20,5%, valor próximo ao de estudo brasileiro realizado em clínica de DST de Manaus(12): 20,7%. Entre as mulheres PS indianas, a prevalência foi, porém, menor, sendo encontrados 7,8% entre as trabalhadoras em bordéis(13). Na Guatemala, após intervenção, a prevalência diminuiu de 10,7 para 6,2%(5), destacando-se que essa infecção tem sido associada à idade precoce na primeira relação sexual(14).

Com relação ao TV, o valor obtido (3,0%) foi inferior ao encontrado em ambulatório de ginecologia de Brasília, no qual a prevalência foi de 4,8%(15) e entre PS indianas, cuja prevalência foi de 5,9%(16).

A prevalência de sífilis deste estudo, 4,0%, foi superior à obtida em Umuarama, PR, em estudo de 2008: 2,7%(17) e inferior à encontrada em estudos internacionais. Na China(18), Índia(19) e Guatemala(5), através de estudos realizados com PS, encontrou-se prevalência de 11,0, 6,6 e 8,6% após intervenção, respectivamente.

Obteve-se 1,0% de prevalência de HIV, valor inferior ao obtido em estudo desenvolvido em Umuarama, PR(17), e na China(18): 2,7 e 2,3%, respectivamente. Porém, em Mandagascar, África(14), nenhuma PS estudada apresentou HIV.

Assim como no citado país africano(14), nenhum caso de gonorreia foi identificado nesta investigação quando se utilizou a cultura em meio de Tayer Martin para diagnóstico, sendo que a prevalência dessa cervicite é bastante variada na literatura científica: 6,4% após intervenção com PS da Guatemala(5) e 16,9% entre PS de Surat City, Índia(20).

Também não foi identificado nenhum caso de hepatite B, sendo que, em PS do Paraná, a prevalência foi de 2,7%(17). Estudo realizado com PS imigrantes em Madri, Espanha, encontrou prevalência de 3,5% para essa patologia(21) e em recente estudo indiano com PS, o índice obtido foi de 3,3%(19).

Sintetizando o quadro de prevalência discutido, pode-se afirmar que, de maneira geral, a elevada taxa de DST entre as PS de Botucatu decorreu da ocorrência de HPV, mas foram poucos os estudos brasileiros comparáveis. As demais DST estavam, de forma geral, nesse município, em situação melhor ou pelo menos igual à encontrada em diversas investigações, não apenas entre PS, mas, também, em outros grupos populacionais, mais ou menos vulneráveis, como frequentadoras de clínica de DST e de ambulatório de ginecologia.

Esse quadro não pode ser considerado favorável, já que dois terços das mulheres tinham alguma DST. É especialmente preocupante a situação do HPV e da CT.

O fato de a infecção pelo HPV ser conhecida como uma das DST de maior prevalência e incidência no mundo(22) não minimiza o problema, especialmente porque a prevalência de genótipos de alto risco foi elevada, havendo também 31,4% de genótipos não caracterizados neste estudo, em que não se pode descartar o risco elevado. A ausência de sintomatologia e de rastreamento rotineiro torna este um problema de saúde pública, pela elevada disseminação do vírus.

Com relação à CT, o grande impacto nas mulheres está relacionado ao fato de facilitar a infecção pelo HIV, à possibilidade de desencadear infecção ascendente do trato genital feminino, podendo levar à endometrite, salpingite, abscessos tubo ováricos e peritonites, em diferentes graus, algumas vezes ocasionando a morte(23). Ainda merece destaque que, uma vez adquirida, essa infecção pode persistir por vários meses, propiciando longo período de disseminação, agravado pela ausência de rastreamento rotineiro e curso assintomático, podendo passar despercebida mesmo ao exame clínico(24), o que também contribui para que se configure como problema de saúde pública.

Devido à elevada prevalência das DST, algumas ações podem ser sugeridas com vistas à promoção da saúde individual dessa população: estímulo à adoção de práticas saudáveis, como o uso de preservativo em todas as relações sexuais. Também deve ser considerada a necessidade de garantir o acesso dessa população aos serviços públicos de saúde e à adequada capacitação dos profissionais para contato com esse grupo de mulheres, buscando conhecer sua realidade, sem preconceitos, de forma a melhor atendê-las.

Estudo realizado em Benim, África, mostrou que, ao longo de 6 anos (1993-1999) de intervenções, a prevalência de várias DST diminuíram: HIV 53,3 para 40,6%, sífilis 8,9 para 1,5% e gonorreia 43,2 para 20,5%, concluindo que intervenções podem impactar positivamente, resultando na diminuição das prevalências dessas doenças(25). Assim, sugere-se a realização de intervenções voltadas às PS no município estudado.

Considerações finais

A prevalência de DST nas PS analisadas foi elevada, sendo isoladamente o HPV o agente mais encontrado. Considerando-se as infecções mistas, a principal associação identificada foi entre CT e HPV e a análise dos genótipos de HPV evidenciou ser o 16 o mais frequente. Não ocorreram casos isolados de TV e sua prevalência em associação foi 3,0%. O HIV foi detectado em 1,0% das mulheres estudadas e nenhum caso de Neisseria gonorrhoeae ou hepatite B foi identificado.

Este estudo poderá subsidiar o planejamento de ações de saúde voltadas ao grupo de PS. Pode, também, subsidiar a elaboração de diagnóstico do perfil das DST em grupos de maior vulnerabilidade no Estado de São Paulo e no Brasil, onde investigações sobre essa temática são ainda pouco frequentes, contribuindo, ainda, para a quebra da cadeia de transmissão dessas doenças.

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  • Corresponding Author:
    Cristina Maria Garcia de Lima Parada
    UNESP. Faculdade de Medicina de Botucatu. Departamento de Enfermagem
    Campus Universitário Rubião Júnior, s/n.
    CEP: 18618-970, Botucatu, SP, Brasil.
    E-mail:
  • 1
    Paper extracted from Master's Dissertation "Prevalência de Doenças Sexualmente Transmissíveis em Mulheres Profissionais do Sexo do Município de Botucatu, São Paulo" presented to Nursing Undergraduate Program, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho". Supported by Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), process # 2008/58177-5, and Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Aceito
      10 Mar 2011
    • Recebido
      22 Fev 2010
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