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Depoimentos de enfermeiras hospitalares da década de 80: subsídios para a compreensão da enfermagem atual

Declaraciones de enfermeras hospitalarias de la década del ochenta: ayuda para la comprensión de la enfermería actual

Declarations of registered nurses from the 1980s: elements to comprehend nursing today

Resumos

Este estudo é parte de um projeto mais amplo que visa resgatar aspectos significativos relacionados à evolução da assistência de enfermagem nas décadas de 50 a 90. Este resgate é feito através da técnica de depoimentos orais de enfermeiros em exercício e aposentados, no contexto de um Hospital Escola do interior paulista. O presente estudo particulariza os resultados obtidos, referentes à década de 80. Como resultado evidencia-se o esforço empreendido pelos enfermeiros na luta pelo reconhecimento e prestígio da profissão, as transformações intensas e profundas aos novos papéis da enfermeira enquanto líder e membro da equipe médica.

enfermagem; evolução da assistência de enfermagem; hospital escola


El estudio es parte de um projecto más ámplio con el intento de rescatar aspectos significativos relacionados a la evolución de la asistencia de enfermería en las décadas de 50 a 90. La capitación se há realizado a traves de la técnica de depoimentos orales de los enfermeros en ejercício de la profesión, en le contexto de un Hospital Escuela del interior del Estado de São Paulo. El presente estudio particulariza los resultados obtenidos, referentes a la década de 80. Como resultados se evidencian el esfuerzo imprimido por las enfermeras en la lucha por el reconocimiento y prestigio de la profésion. Las transformaciones intensas y profundas relacionadas a los nuevos roles de la enfermera como líder de los trabajadores de enfermería y miembro del grupo de la Salud.

enfermería; evolución de la asistencia de enfermería; hospital-escuela


This study is part of a more extensive project that aims to rescue significant aspects related to the evolution of nursing care from 1950s until 1990s.This study was developed using the technique of oral declaration by active and retired registered nurses, in the context of a school-hospital from the interior of the São Paulo State. The present study particularizes the outcomes regarding to 1980s. As result becomes evident the undertaken effort by nurses in the struggle for profession's recognition and prestige; intense and deep transformations related to nurse's new roles as leadership of the nursinf staff and members of the medical team.

nursing; evolution of nursing care; university-hospital


Artigo Original

DEPOIMENTOS DE ENFERMEIRAS HOSPITALARES DA DÉCADA DE 80: SUBSÍDIOS PARA A COMPREENSÃO DA ENFERMAGEM ATUAL

Edna Paciência Vietta1 1 Professor Titular do Departamento de Psiquiatria Ciências Humanas EERP-USP (ORIENTADORA); 2 Bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica-PIBIC; 3 Bolsista de Iniciação Científica do CNPq

Marlene Uehara2 1 Professor Titular do Departamento de Psiquiatria Ciências Humanas EERP-USP (ORIENTADORA); 2 Bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica-PIBIC; 3 Bolsista de Iniciação Científica do CNPq

Kelly Ap. da Silva Netto3 1 Professor Titular do Departamento de Psiquiatria Ciências Humanas EERP-USP (ORIENTADORA); 2 Bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica-PIBIC; 3 Bolsista de Iniciação Científica do CNPq

Este estudo é parte de um projeto mais amplo que visa resgatar aspectos significativos relacionados à evolução da assistência de enfermagem nas décadas de 50 a 90. Este resgate é feito através da técnica de depoimentos orais de enfermeiros em exercício e aposentados, no contexto de um Hospital Escola do interior paulista. O presente estudo particulariza os resultados obtidos, referentes à década de 80. Como resultado evidencia-se o esforço empreendido pelos enfermeiros na luta pelo reconhecimento e prestígio da profissão, as transformações intensas e profundas aos novos papéis da enfermeira enquanto líder e membro da equipe médica.

UNITERMOS: enfermagem, evolução da assistência de enfermagem, hospital escola

DECLARATIONS OF REGISTERED NURSES FROM THE 1980s: ELEMENTS TO COMPREHEND NURSING TODAY

This study is part of a more extensive project that aims to rescue significant aspects related to the evolution of nursing care from 1950s until 1990s.This study was developed using the technique of oral declaration by active and retired registered nurses, in the context of a school-hospital from the interior of the São Paulo State. The present study particularizes the outcomes regarding to 1980s. As result becomes evident the undertaken effort by nurses in the struggle for profession's recognition and prestige; intense and deep transformations related to nurse's new roles as leadership of the nursinf staff and members of the medical team.

KEY WORDS: nursing, evolution of nursing care, university-hospital

DECLARACIONES DE ENFERMERAS HOSPITALARIAS DE LA DÉCADA DEL OCHENTA: AYUDA PARA LA COMPRENSIÓN DE LA ENFERMERÍA ACTUAL

El estudio es parte de um projecto más ámplio con el intento de rescatar aspectos significativos relacionados a la evolución de la asistencia de enfermería en las décadas de 50 a 90. La capitación se há realizado a traves de la técnica de depoimentos orales de los enfermeros en ejercício de la profesión, en le contexto de un Hospital Escuela del interior del Estado de São Paulo. El presente estudio particulariza los resultados obtenidos, referentes a la década de 80. Como resultados se evidencian el esfuerzo imprimido por las enfermeras en la lucha por el reconocimiento y prestigio de la profésion. Las transformaciones intensas y profundas relacionadas a los nuevos roles de la enfermera como líder de los trabajadores de enfermería y miembro del grupo de la Salud.

TÉRMINOS CLAVES: enfermería, evolución de la asistencia de enfermería, hospital-escuela

INTRODUÇÃO

Este trabalho é parte de um estudo mais amplo que abrange a evolução da assistência hospitalar desde a década de 50 até os dias atuais. Trata-se de um projeto que vem sendo desenvolvido pelo grupo de pesquisadores do Núcleo de Ética em Enfermagem e Saúde Mental (NUPÉTICA-ENSAME) com o apoio do CNPq. O estudo pretende resgatar a evolução da assistência de enfermagem como subsídio para a compreensão da situação em que se encontra a enfermagem na atualidade, com estudos sobre às décadas de 50, 60 e 70, já concluídos e publicados. Na presente etapa o grupo focaliza os resultados obtidos, em estudo realizado especificamente sobre a década de 80.

Para melhor compreensão da temática, apresentaremos aqui um levantamento dos momentos e fatos mais importantes e significativos ocorridos na referida década, obtidos através de levantamentos bibliográficos na literatura especializada entre elas a Revista Brasileira de Enfermagem e os Anais de Congressos, circulados e transcorridos respectivamente, durante este período. É o que passaremos a realizar na sequência do trabalho.

Acontecimentos importantes e significativos ocorridos na Enfermagem no período de 1979-1989.

No início da década de 80, o processo de redemocratização do país, coloca as políticas sociais no centro do debate político, destacando a responsabilidade do Estado diante do agravamento da questão social. Acirram-se neste período, as críticas e oposições às diversas incoerências que marcam não só o conjunto de intervenções governamentais no setor social como, também, o próprio sistema institucional do exercício político no país: a apropriação privada da coisa pública, o processo autoritário revestindo o conjunto das relações sociais, relações estas profundamente desarmônicas e extremamente hierarquizadas; incluindo-se aí a crítica às práticas clientelistas e às disposições corporativistas (BODSTEIN, 1993).

O Sistema de Saúde buscava se adequar ao Documento Oficial da XXXII Assembléia Mundial de Saúde, realizada em Genebra-1979, do qual constam as estratégias para implementar a Declaração de Alma-Ata sobre a Atenção Primária de Saúde, elaborada pela Conferência Internacional da Organização Mundial de Saúde -Fundo das Nações Unidas para a Infância (OMS/UNICEF); transcorrida na Rússia em 1978. Os resultados principais da reunião foram apresentados sob forma de uma declaração contendo 10 artigos e de 22 recomendações. Em seu artigo V a Declaração propugnava pelo "alcance por todos os povos do mundo no ano 2000 de um nível de Saúde que lhes permita levar uma vida social e economicamente produtiva". Tal assertiva resumia-se no lema "Saúde para todos no ano 2000".

Essa nova visão, requeria uma ação conjunta dos setores políticos, sociais e econômicos. Assim, surge uma nova maneira de entender a enfermagem como uma profissão que mantém relações sociais com outros tipos de trabalho mas, com uma autonomia relativa, desenvolvendo-se na prática inserida no contexto social .

Vivenciava-se a consolidação de um Modelo empresarial privado e hospitalar de saúde. Assim, segundo OLIVEIRA (1984), procurava-se uma nova redefinição dos papéis das unidades sanitárias estaduais, municipais e ambulatoriais do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), da hierarquização das ações de saúde, da regionalização dos serviços, e da implantação do sistema de referência e contra-referência de pacientes para a rede hospitalar. Levantam-se, também, questões relacionadas à participação mais efetiva, dos vários profissionais da área na Atenção Integrada à Saúde que em 1983 entra em vigor, recebendo repasses financeiros do governo e da união através do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) com ênfase na atenção primária. Na enfermagem a repercussão da nova proposta levou os enfermeiros a mobilizarem esforços no sentido de viabilizar a atuação da categoria junto às ações integradas através da regulamentação e aprovação da lei 7498 e o Decreto- 94.406 de 1987, do exercício profissional regulamentando a consulta de enfermagem como atividade própria do enfermeiro (BRASIL, 1986; BRASIL, 1987). Nas Ações Integradas de Saúde (AIS), com a devida remuneração, houve manifestações intensas e conscientes dos enfermeiros junto às Comissões Integradas de Saúde visando garantir os seus papéis e evitar obstáculos que pudessem prejudicar as ações de enfermagem.

Em 1986, a VIII Conferência Nacional de Saúde consagrou uma concepção ampla da saúde, entendida como resultante das condições de alimentação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, etc. Isto refletiu no Brasil culminando com a implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), regionalizado, hierarquizado, igualitário e de acesso universal à toda a população, com estatização progressiva.

A década de 80 continua sendo palco de grandes mudanças no ensino, detectando-se nitidamente uma contradição do discurso ético filosófico dominante na formação teórico-prático. Em outras palavras o ensino realizava-se desvinculado daquilo que o profissional formado iria exercer na prática.

Pode-se considerar a década de 80 como um período de intensa produção científica através de dados obtidos do Catálogo do Centro de Estudos de Pesquisa em Enfermagem (CEPEn). Segundo esta fonte, de 1979 à 1988 foram publicados 349 pesquisas, confrontando com a década de 60 quando apenas 3 trabalhos foram produzidos enquanto na década de 70, a produção aumenta para 154 publicações.

Os enfermeiros buscavam direcionar as suas pesquisas científicas de modo a esclarecer suas modalidades de trabalho e suas articulações com a realidade social e seu desenvolvimento histórico.

Na luta pela autonomia da profissão as conquistas foram, portanto, a legislação do exercício profissional em 1986 e 1987, atendendo as reivindicações dos direitos da categoria, seus interesses e o controle da vida profissional e suas circunstâncias através dos Conselhos Federal e Regional de Enfermagem (COFEn e COREn) (LIMA, 1993).

Fato importante foi, a aprovação da lei n.7498, de 25 de junho de 1986, que dispunha expressamente a atribuição do enfermeiro, como integrante da equipe de saúde, a prevenção e controle sistemático de danos que viessem a ser causados à clientela durante a assistência de enfermagem. Mesmo que a assistência ao cliente/paciente fosse prestada coletivamente, através de uma equipe, o fator principal de referência, em torno do qual se organizaria a responsabilidade do profissional, ainda continuaria sendo a assistência individualizada.

A "nova" lei do exercício profissional, lei n.7498, regulamentada em julho de 1987, através do decreto n.94.406, teve como destaques: a participação da enfermagem no planejamento, execução e avaliação de Programas de Saúde e nos Planos Assistênciais de Saúde, incluída aí a consulta e auditoria de enfermagem, a exigência de órgão de enfermagem na estrutura básica de todas as instituições de saúde sob a direção de enfermeiros; obrigatoriedade de habilitação legal e registro no Conselho Regional de Enfermagem (COREn) e Conselho Federal de Enfermagem (COFEn) para o exercício profissional. Destacava, também reconhecimento do técnico de enfermagem, o reconhecimento da autonomia técnica do enfermeiro, a obrigatoriedade de registro das instituições privadas de prestação de serviços de saúde e ensino nos Conselhos de Enfermagem (COREn), ainda regulamentava a definição do prazo de 10 anos para a profissionalização de todo o pessoal de enfermagem (atendentes de enfermagem). Na realidade foi um período de muitas conquistas em termos da legislação da profissão.

A década de 80 foi apontada por pesquisadores de enfermagem, como uma década de grandes transformações na profissão. Segundo PIRES (1989), as pesquisas na área desafiavam a hegemonia do positivismo dominante no setor saúde, muitas entidades de enfermagem se democratizavam, a enfermagem organizava foruns de decisões políticas de saúde e empreendia lutas pela valorização do seu trabalho. No entanto, afirmava a autora que a enfermagem estava patinando mais nos conflitos e na desmobilização do que em decisões efetivas: não conseguido ampliar, a consciência da importância de sua prática e militância associativa, nem expressar socialmente o valor do seu enorme peso no resultado da assistência de saúde além, de não rompermos com o autoritarismo da prática assistencial. Embora pareça contraditória, esta década foi, como as demais, um período de muitas incoerências na prática da enfermagem, mas também um período de busca e definição de seu objeto de trabalho.

O documento final do XLI Congresso Brasileiro de Enfermagem considerando a situação da Enfermagem da década de 80, afirmava que "nos últimos anos ocorreram alguns avanços na profissão incluindo a possibilidade de uma melhor qualificação... entretanto, para que o enfermeiro tenha o poder decisório nas ações de saúde, faz-se necessário que se organize para lutar por condições plenas para o trabalho de enfermagem". Afirmava, ainda, entre outras coisas, "que a ênfase do ensino de enfermagem tem sido em torno da assistência individual e curativa, o que revela uma concordância com a política de desconsideração para com a saúde coletiva, política esta, que não estabelece relação entre o processo saúde-doença e condições de vida da população".

A partir do entendimento de que o passado nos ensina a compreender a situação presente, em outras palavras, entendendo que o sentido que damos aos acontecimentos hoje está de alguma forma ligados intrinsecamente à compreensão que temos do passado é que nos propomos a resgatar a história da evolução da assistência de enfermagem hospitalar da década de 80, estabelecendo para isto os seguintes OBJETIVOS: Resgatar a evolução da assistência de enfermagem hospitalar na década de 80; analisar depoimentos de enfermeiros representantes da década de 80 obtidos através da Técnica de Entrevista Oral; identificar a percepção da enfermagem atual pelos enfermeiros da década de 80.

METODOLOGIA

Embora hajam especificidades em termos de vivência a nível de região e tipo de hospital onde essas ocorreram (particular, estatal e de ensino), optou-se no presente estudo pela investigação em um Hospital Escola do interior paulista, limitando-se a população a 18 enfermeiros formados na década de 80, em exercício neste hospital, presentes no período previamente estipulado, para tomada de depoimentos.

Para tanto, utilizou-se da técnica da história oral, cujo termo amplo recobre uma quantidade de relatos a respeito de fatos não registrados por outro tipo de documentação, ou cuja documentação se queira complementar (SIMSON, 1988).

Colhido por meio de entrevistas, esta técnica registra a experiência de um só indivíduo (enquanto representante de uma coletividade) ou de vários indivíduos da mesma coletividade, de modo que considera-se que, em tal técnica, a quantidade não significa necessariamente qualidade. Com tal idéia corrobora DURKHEIM (1960) para o qual "... não é a quantidade de fatos registrados que conduz a conhecimentos novos e sim, a análise cuidadosa de fatos decisivos e cruciais".

CONDUÇÃO DA PESQUISA

Inicialmente foi dado aos sujeitos a liberdade para exporem suas vivências, através de relato livre, a partir de duas questões norteadoras: "Como era a enfermagem na década de 80? "Como é ou está a enfermagem hoje? Após o relato livre foi oferecido a cada sujeito um roteiro a ser consultado para complementação de seu depoimento, cujo objetivo foi tentar uma maior abrangência da temática e homogeneização do conteúdo dos 18 (dezoito) depoimentos. Segundo a preferência dos sujeitos, o relato oral foi obtido através da técnica do gravador, em local e tempo determinado. Após as entrevistas o material foi imediatamente transcrito e posteriormente categorizado segundo as etapas do Modelo de GIORGI (1985) adaptado por VIETTA (1995).

- Leitura atenta e cuidadosa do conteúdo total dos depoimentos com vistas à apreensão do seu significado em sua estrutura global.

- Releitura de cada um dos depoimentos e procedimentos de cortes nos relatos, tendo por base, em primeiro lugar, temas mais amplos e, em seguida, temas específicos, relevantes para a compreensão e análise da temática em questão.

- Agrupamento destes recortes em categorias visando a identificação de pontos comuns entre todos os depoimentos na ordem dos questionamentos de maior inquietação.

- Finalmente, a análise temática destes agrupamentos tendo em vista o objetivo maior: o resgate da evolução da assistência de enfermagem e sua atuação na década de 80.

ANÁLISE E COMENTÁRIOS DOS DEPOIMENTOS

Os depoimentos dos sujeitos representantes da década de 80 revelaram ter sido este um período de muitas conquistas porém, também, de muitas perdas. Conquistas em termos de legislação e direitos, reflexos do momento político de fim de regime autoritário e promulgação da nova constituição geral de 1985 e perdas em relação às condições de sua prática concreta, de espaço e postura do profissional na equipe de saúde. Uma década de muito discurso e reflexão sobre a prática, entendida esta como um processo de trabalho e como tal um processo de transformação, um processo de relações sociais. A reflexão sobre a prática profissional surge como uma imposição numa época em que se tornaram necessárias não apenas as mudanças na direção da enfermagem, mas também estudos críticos dos seus princípios básicos, do seu valor, do seu alcance e de suas relações com a sociedade (FERNANDES, 1981). A busca de adequações de programas e currículos que se estruturavam tendo como princípio a reforma sanitária, preconizando na Enfermagem a formação do enfermeiro generalista, configurado no ideal da competência técnico científica e política, numa visão crítica teórica acerca do homem, da sociedade e do processo saúde-doença.

A profissão ganhou em termos de expansão a nível nacional e internacional porém, perdeu em espaço e campo de atuação, sobretudo em relação às terapêuticas alternativas e ações específicas de suas atribuições fundamentais, delegando muitas delas aos ocupacionais e a outros profissionais da área, como o psicólogo, o fisioterapêuta, o pedagogo, para citar apenas alguns. A esse respeito os sujeitos comentam:

"Nós, profissionais de enfermagem perdemos muito campo para os psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas sem contar com as perdas de funções importantes delegadas aos ocupacionais de enfermagem".

"Sinto tristeza só de lembrar que muitas das funções exercidas por psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas eram feitas, e muito bem executadas por nós".

"Sinto que aos poucos fomos perdendo campo de ação delegando funções importantes para os ocupacionais de enfermagem".

Neste período, uma das conquistas importantes foi, também, a aceitação da prescrição de enfermagem pela equipe multiprofissional, a existência de uma maior interação entre enfermeiro, médico, paciente. A evolução tecnológica contribuiu para uma melhor assistência ao cliente facilitando o desenvolvimento das atividades de enfermagem. Os sujeitos pesquisados confirmam estes aspectos através das falas:

"Elementos da equipe médica tentaram bloquear a prescrição de enfermagem, uma das conquistas do enfermeiro".

"A tecnologia veio ajudar muito a enfermagem ajudando a alertar sobre as condições dos pacientes principalmente quando as enfermarias estão lotadas".

"A enfermagem caminha de acordo com a evolução tecnológico da área de saúde e essa evolução tem ajudado muito na conquista de seu espaço".

Segundo os sujeitos este foi um período de grandes conquistas a nível do ensino da pós-graduação e de queda gradativa da qualidade de ensino da graduação, com sérios prejuízos para a formação do profissional. Uma evolução ilusória da elevação do status da enfermagem, na medida em que, não garantiu a qualidade e a competência do enfermeiro, haja vista, a situação concreta da enfermagem atual, tanto a nível hospitalar como comunitário. É certo que esta situação não é prerrogativa da enfermagem e tem grande influência da própria situação do sistema de saúde vigente e reais condições econômicas do país. No entanto, não há justificativas para exaltações otimistas de que a enfermagem tenha conquistado um elevado grau de maturidade, quando na realidade estamos ainda tentando nos convencer de que a enfermagem tem um espaço muito bem definido no contexto da Saúde e de que é um profissional reconhecido pela competência e qualidade da assistência que presta. Na verdade, a enfermeira é um profissional confuso em termos de seu papel e funções, mas elemento imprescindível para a equipe de saúde. Confirmando estas afirmações os sujeitos assim se expressaram:

"Sinto a enfermeira meio que perdida em termos de seu papel, insegura e incomodada em termos da necessidade de uma maior definição de seu papel".

"Quanto ao desempenho profissional acho que da época em que me formei para cá a enfermeira foi perdendo papéis e funções. Ela perdeu muito espaço, mas ainda é o fiel da balança para o equilíbrio da equipe. É quem segura a barra. Hoje ela ficou com o serviço braçal, não tem mais tempo disponível para ela".

"Hoje a enfermeira está confusa em termos de seu papel. Não sabe muito bem suas reais atribuições, só sabe que é um elemento imprescindível na equipe de saúde".

Os depoimentos obtidos dos sujeitos pesquisados indicaram inúmeros fatores determinantes desta persistente indefinição de papéis e funções, expondo suas opiniões e sentimentos enquanto exercentes da profissão e, portanto, com a vivência de sua prática concreta.

Em relação a imagem da profissão, segundo a opinião dos sujeitos, a enfermagem carrega consigo o estigma de ser exercida por elementos na sua maioria do sexo feminino, necessitando para exercê-la de muita vocação, despreendimento e idealismo.

Segundo OLIVEIRA (1979), sendo a enfermagem exercida, em todos os níveis predominantemente por mulheres numa sociedade dominada por homens, esta condição reflete no seu relacionamento com outros profissionais, exigindo muitas vezes um esforço consciente para que o seu trabalho não seja minimizado ou até mesmo ofuscado, afetando o próprio exercício profissional.

Na verdade o profissional de enfermagem do sexo feminino pela sua condição de mulher que trabalha fora do lar é duplamente discriminada. Assim as falas obtidas revelam essa vivência.

"Deve-se levar em consideração, que a maior parte dos profissionais de enfermagem ainda é do sexo feminino e são responsáveis pelas atividades domésticas e pelo cuidado dos filhos".

"Eu acho que o trabalho da enfermeira não é muito respeitado na equipe, a enfermeira perdeu muito seu campo de trabalho em relação ao que as mais antigas falam. Quem manda são os médicos, eu imaginava que a enfermeira tinha um papel mais presente, aí eu vi que o papel da enfermeira não é muito respeitado, ela não pode ficar dando muita opinião, colocando seu ponto de vista".

"Somos ainda um profissional sem muita firmeza de seu mérito talvez por sentirmos descriminadas enquanto profissionais do sexo feminino".

Destaca-se aqui a presença da insatisfação do profissional em relação à sua falta de autonomia e reconhecimento. Mostra ainda a influência desta situação no sentimento de desvalorização do profissional, fazendo com que o enfermeiro procure se firmar pela vocação.

"Se fosse pela satisfação e prestígio eu já teria deixado a profissão, não sinto que a enfermagem seja uma profissão valorizada".

"Me mantenho na enfermagem porque sempre quis ter esta profissão, era aquela idéia de ajudar as pessoas. Foi por amor. Eu acho que para ser enfermeira não basta gostar, isto é pouco, tem que amar, estar realmente envolvida, ter vocação".

Segundo os depoimentos houve na década de 80, maior mobilização política e participação da classe com reivindicações e greves. Uma valorização maior para a formação crítica dos alunos em relação às instituições, com posições políticas importantes, porém, não suficientes para a melhoria da qualidade da assistência. Na realidade, nesta década deu-se o auge da postura marxista na Enfermagem e da utilização do Materialismo Histórico como linha de pesquisa. Este enfoque definiu a enfermagem como uma Prática Social, historicamente determinada.

A partir daí a prática da profissão não pode ser explicada apenas pelos fatores internos que nela atuam. As ocorrências fora desta prática e que independem dela, passam a ter grande importância, talvez até mais, do que os fatores internos isolados.

Na opinião dos sujeitos, tanto o aluno da década de 80 quanto os atuais, chegam na prática inseguros, não demonstrando habilidades técnicas suficientes e com uma visão limitada da realidade da profissão.

Os sujeitos reconhecem serem estes problemas comuns de todas as profissões, entendendo que a prática e a segurança vem com o decorrer do exercício profissional, porém fazem críticas ao tipo de formação recebida.

"Quando comecei a trabalhar eu não me sentia capacitada o suficiente e tinha muito receio de não ser aprovada no período de experiência. Hoje percebo esta mesma dificuldades nas recém-formadas".

"Existe uma parte da profissão que só se aprende vivenciando na prática e com treinamento e tempo. Agora, eu acho que a parte de bagagem técnica e postura profissional deveria ter sido melhor enfocada dentro de uma melhor visão da realidade".

"Quando me formei a escola me deu o básico, só no trabalho eu fui adquirindo experiência e segurança".

"A escola me deu uma visão crítica muito importante para o exercício da profissão, porém saí da escola sem nenhuma experiência prática tanto administrativa quanto prática".

"Minha faculdade não me preparou muito bem para a parte prática e isso eu fui aprendendo no dia-a-dia".

"Eu saí da faculdade com uma visão muito fragmentada da profissão e um preparo teórico-prático fraco. As matérias básicas são dadas de forma muito superficial e desarticulada e quando a gente começa a trabalhar este conhecimento faz muita falta".

Históricamente temos que no final da década de 70, mais precisamente em 1978 teve fim o instrumento de exceção produzido na história do país: o AI-5, que deixaria de vigorar em 1º de janeiro de 1979, conforme preconizava o Projeto de Reformas Políticas, aprovado em setembro do ano anterior. Ingressava-se assim no chamado período de "abertura". A partir de março de 1979, ocorre uma onda de greves pelo país. Ficava claro que os trabalhadores que haviam sido oprimidos nos últimos quinze anos, estavam dispostos a lutar pelos seus direitos. Segundo os sujeitos, no contexto da enfermagem estas lutas trouxeram avanços acadêmicos e políticos, em detrimento da evolução de sua praxis.

"Durante o meu curso houve muitas greves e meu aprendizado teórico-prático ficou bastante prejudicado. A parte prática foi extremamente falha e eu só me dei conta disso quando me formei. A realidade dos estágios é completamente diferente da realidade do serviço, não há com quem se dividir as responsabilidades".

"Eu vim com uma visão crítica da realidade muito boa, porém sem uma formação teórico-prático consistente, sentia-me conscientizada mas incompetente. Com o tempo e esforço consegui superar."

Outro aspecto bastante mencionado nos depoimentos, como fator característico da década de 80, é a falta de equivalências entre o que era dado no curso e o que era exigido na prática profissional. Segundo os sujeitos o ensino neste período procurou preparar o profissional para a área administrativa, reinvindicação esta, presente também na década de 70, na qual exigia-se do profissional uma atuação mais administrativa. Na prática no entanto, estabelece-se um conflito uma vez que as chefias de enfermagem cobram dos recém-formados habilidades no cuidado direto ao paciente.

"O início de minhas atividades profissionais não foi uma experiência positiva, pois senti muitas dificuldades no entrosamento com as próprias enfermeiras. Não senti apoio e ajuda de ninguém. Decepcionei-me muito. Nunca havia trabalhado antes e sentia insegurança e muita ansiedade. Por outro lado sentia também muita cobrança".

"Nessas últimas décadas (70 e 80), parece que as escolas têm formado mais enfermeiras para chefia que enfermeiras de cabeceira, enquanto os outros membros da equipe cobram a participação direta da enfermeira no cuidado direto ao paciente".

"Eu saí da faculdade sem aprender quase nada da prática. Não me foi oferecido condições de treinamento para o desenvolvimento de minhas habilidades técnicas."

Encontra-se em alguns depoimentos sujeitos que dizem exatamente o oposto, evidenciando uma certa contradição. Esta talvez possa ser indicativa de que alguns sujeitos tendem a buscar mais reforço numa ou noutra área. Revela ainda, que o nível de aproveitamento é pessoal e determinado por vários fatores.

"Acho que o meu curso de enfermagem foi bom, os estágios e o acompanhamento, mas a parte teórica deixou muito a desejar".

"Embora não haja uma certa conformidade entre a teoria e a prática na enfermagem esta última a gente consegue superar com o tempo, mas sem a teoria, o profissional não se impõe, por isso a teoria deveria ser mais reforçada".

Os sujeitos evidenciam em seus depoimentos uma satisfação em atender o paciente em suas necessidades; mas mostram uma certa insatisfação em relação às condições de trabalho a nível de recursos humanos, materiais e administrativos.

"A assistência de enfermagem nesta década consistia de um relacionamento superficial do profissional com o paciente, na execução de algumas técnicas e procedimentos administrativos".

"A nossa satisfação é atender o paciente em suas necessidades, apesar das más condições de trabalho e falta de recursos humanos e materiais".

Segundo LORENZETTI (1986), o quadro de crise da profissão nesta década onde o desemprego e subemprego era em torno de 30%, a manutenção do atendente de enfermagem como força de trabalho majoritária, a redução da participação dos enfermeiros, o perfil hospitalar e empresarial do modelo de saúde no Brasil, teve seus reflexos na enfermagem. Nos hospitais públicos, mesmo em condições muito longe das ideais, havia mais que o dobro de trabalhadores de enfermagem que os hospitais privados e mais de 70% dos trabalhadores de enfermagem exerciam a profissão nos hospitais. Os sujeitos fizeram referencias sobre os baixos salários, a sobrecarga de trabalho com extensas jornadas e o elevado grau de desorganização da categoria.

"Existia a satisfação de atender o paciente, porém, muitas dificuldades e falta de recursos".

"Em decorrência dos baixos salários e condições inadequadas de trabalho na década de 80, ocorreu uma assistência deficitária em recursos humanos, porém a estas condições acrescia-se ainda, ou sobretudo, a má administração da saúde".

O distanciamento do profissional da assistência direta ao paciente, gerou insatisfação ao recém-formado, que tinha uma visão de atuação diferente da função do enfermeiro exigida pelo mercado de trabalho.

"Eu ansiava por me formar e cuidar do paciente, esse era o meu sonho, porém não foi isso que aconteceu isto me frustou muito".

"Após trabalhar alguns anos, fiquei decepcionada com a enfermagem. Não era o que eu pensava, embora devesse me sentir orgulhosa em estar no cargo de chefia".

"O contato da enfermeira com o paciente era muito superficial. Tudo isso causou-me má impressão, pois eu achava que a enfermeira deveria interagir de maneira mais profunda no relacionamento com seu paciente".

Fica claro nos depoimentos, ter havido uma certa preocupação do profissional em melhorar o relacionamento dentro da equipe, sugerindo que a atuação mais presente na assistência direta ao paciente facilita esta interação. Assim os depoimentos mostram que, da década de 80 para a década de 90, houveram significativas mudanças.

"Hoje eu acho que está melhor, antes havia muita distância, hoje como eu trabalho junto com o auxiliar, junto com o médico, diretamente com o paciente, o relacionamento melhorou. Como há assistência direta e contínua o trabalho de um dá continuidade ao trabalho do outro. Quando a enfermeira só cuida da parte burocrática o distanciamento dela com a equipe é muito maior".

"Dificuldades maiores encontradas no início da profissão: com auxiliares e atendentes, principalmente em relação a postura, de interação no serviço e aceitação, no momento que passei a fazer enfermagem de cabeceira o entrosamento melhorou. Trabalhar junto com uma equipe. Só supervisionar e mandar, distancia a enfermeira da equipe".

Fica claro ainda, que muitas vezes depende da própria postura do recém-formado seu entrosamento no serviço, ou ainda, do privilégio de iniciar suas atividades em setores mais organizados e tranquilos, em termos de relacionamento, ou ainda quem sabe, da personalidade ou tipo de liderança atuantes nos diferentes setores de enfermagem.

"Eu tive sorte de vir trabalhar num setor onde eu fui bem recebida e as chefias já foram passando seus conhecimentos, as rotinas, sem perguntar se eu sabia ou não. Elas mesmas disseram que já haviam começado a trabalhar e sabiam como o início era difícil e procuraram facilitar meu aprendizado e a minha adaptação".

"Quando eu entrei tive a felicidade de ter uma diretora que foi ótima, fantástica. Ela coordenava muito bem a equipe. Transmitia segurança, orientava posicionamento profissional, mandava explicando o porque das coisas, tratava profissionalmente com respeito, procurava resolver os problemas na hora que eles apareciam".

No que diz respeito ao relacionamento da enfermeira com a equipe médica, os sujeitos consideram ter sido um período em que predominou o domínio da equipe médica, não havendo muito espaço para as opiniões do enfermeiro.

"Eu acho que o trabalho da enfermeira não era muito respeitado na equipe, a enfermeira perdeu muito seu campo de trabalho em relação ao que as mais antigas falavam. Quem mandava eram os médicos. Eu imaginava que a enfermeira tinha um papel mais presente, aí eu vi que o papel da enfermeira não era muito respeitado, ela não podia dar sua opinião, colocando seu ponto de vista".

"Outro aspecto negativo, era a submissão de todo pessoal de enfermagem à equipe médica".

A respeito da valorização da profissão os sujeitos expressam que enquanto profissão a enfermagem continua desvalorizada, gerando insatisfação pessoal e profissional, sem grandes perspectivas de ascensão, agravado pelas péssimas condições de trabalho e baixa remuneração. A enfermagem continua buscando sua real identidade, ainda muito vinculada ao sistema de saúde do país. Entre o discurso da academia e o exercício da prática há um espaço a ser preenchido. Há de se compreender a necessidade de encararmos as dificuldades detectadas de forma realista. A teoria desvinculada da prática nos deu uma visão destorcida desta realidade. Não há porque alimentarmos a idéia de que a enfermagem é uma profissão coroada de êxitos ou em plena conquista de sua maturidade. Na verdade há que se explicitar melhor a qual enfermagem estamos nos referindo, se a Prática? ou a " Acadêmica" ou teórica.

Os sujeitos afirmam a necessidade de auto-valorização da profissão e maiores conquistas, mas sobretudo, a união e esforços para melhorar de fato a qualidade da assistência de enfermagem.

"Precisamos nos unir, docentes e enfermeiros para integrarmos esforços no sentido de melhorar a qualidade da assistência de enfermagem".

"De nada adianta esta separação entre os lideres teóricos da enfermagem e nós humildes enfermeiras de campo. Sem prática, de nada adiante tanta teoria".

"A insatisfação veio do conhecimento de que a enfermagem não conseguiu estabelecer-se com uma profissão respeitada, com papéis e responsabilidades definidas, com participação efetiva nas tomadas de decisões, dentro da instituição a que pertence e de que, o médico continua sendo o proprietário da administração do cuidado ao paciente".

"Acho que a enfermagem, em primeiro lugar, tem que se auto valorizar, acreditar no seu trabalho, gostar do que faz e realizar sua tarefa com amor. É preciso adquirir postura firme, decidida, demonstrando conhecimento na sua área de atuação".

"Quando ouço o pessoal acadêmico falar nas conquistas da enfermagem brasileira eu sempre me pergunto de que enfermagem estão falando".

Em resumo, as dificuldades encontradas no exercício da profissão, segundo os depoimentos, incluem-se a falta de união da classe; a falta de estímulo profissional; para o recém-formado dificuldades técnicas, administrativas e ética, a burocracia das instituições que pregam "a máquina de tocar serviços" e políticas sem incentivo para aperfeiçoamento, podando a disponibilidade e competência do profissional; o excesso de pacientes por profissional que resulta em dar uma "olhada" no paciente; escala de trabalho intensa, sem horário de lazer e dedicação à família; o não acompanhamento da evolução tecnológica por problemas econômicos e falta de disponibilidade e de tempo.

A baixa remuneração salarial provocou um desânimo total do profissional da década de 80, desestimulando o desenvolvimento de pesquisa e o aperfeiçoamento na área, o trabalhador se submetia a cargas horárias exaustivas para garantir um maior orçamento mensal. Isto refletiu na assistência prestada com a falta de envolvimento nas atividades. A classe passou a reinvindicar maior atuação do Conselho Regional de Enfermagem (COREn).

"Houve uma grande evasão de enfermeiras e demais profissionais da enfermagem principalmente nos últimos 18 meses, em decorrência dos baixos salários e condições inadequadas de trabalho".

"Acho que um dos obstáculos maiores na profissão é o salário que está cada vez mais defasado, isso gera insatisfação e abandono da profissão".

" Pelo que se estuda, pelo tanto que se trabalha o salário é muito pequeno".

" Como realização pessoal eu estou bem, mas a falta de salário adequado leva a demissões e atrapalha o serviço".

" Para melhorar é necessário que o COREn trabalhe para que a categoria tenha um salário digno".

Apesar da insatisfação salarial e das queixas sobre as péssimas condições de trabalho os sujeitos afirmam que este descontentamento advém não só dos baixos salários mas das consequências advindas de ser a enfermagem uma profissão desvalorizada, da impotência em não sentir a força do grupo enquanto classe. Fica uma sensação de um grupo isolado, discriminado e, frágil em termos emocionais. Um grupo disperso, sem coesão e sem rumo, um grupo desamparado. É possível considerar-se esta situação característica do grupo pesquisado, havendo certamente instituições cujos conflitos aqui mencionados sejam adequadamente trabalhados ou amenizados. Porém, é reconhecido não ser esta, a realidade da maioria das instituições hospitalares, tanto estatais quanto particulares. Outro aspecto a ser considerado é o fato da técnica do depoimento pessoal permitir e até favorecer a oportunidade dos sujeitos extravasarem suas emoções, até mesmo numa conotação de desabafo.

"Hoje a enfermagem está passando por uma séria crise salarial, mas acho que não é só isso, o profissional, hoje está mal humorado, não está comprometido com o trabalho. Penso que só aumentar o salário não vai resolver o problema, as pessoas também têm que melhorar, a parte emocional de cada um tem que ser trabalhada. O profissional tem que estar bem consigo mesmo para poder devolver um bom trabalho".

"Outra coisa que tem influído é o problema de salário e isso dificulta o acesso à profissão e mesmo o próprio avanço científico, uma vez que, pela falta de pessoal a enfermeira não consegue realizar as pesquisas que têm programado".

CONCLUSÕES

A década de 80, foi conforme se apreendeu dos depoimentos, um período de muitas conquistas em termos de legislação e direitos porém uma década de muitas perdas. As conquistas parecem ter sido realizadas mais a nível do discurso e portanto, no contexto idealizado e teórico. A teoria parece ter se desenvolvido desvinculada da prática, trazendo como consequência contradições, ambivalências e conflitos de papéis e funções do profissional enfermeiro. A nível teórico o processo de reflexão sobre a prática que se intensifica como uma imposição da época, desencadeando mudanças não só na visão da enfermagem com prática social mas, também, estimulando estudos críticos dos seus princípios básicos, do seu valor, do seu alcance e de suas relações com a sociedade. Os currículos das Escolas de Enfermagem se estruturam na década de 80 tendo como princípio a reforma Sanitária, priorizando a formação do enfermeiro generalista.

Esta década caracterizou-se por uma conquista do nível acadêmico com o desenvolvimento do ensino da pós-graduação porém, com uma queda gradativa da qualidade de ensino da graduação, com sérios prejuízos para a formação do profissional e pouca melhoria na qualidade de assistência de enfermagem. Em relação à imagem do enfermeiro, os sujeitos opinam que a profissão carrega ainda consigo o estigma de ser exercida predominantemente por elementos do sexo feminino, embora se saiba haver tido nos últimos anos um aumento na presença do elemento profissional do sexo masculino.

A profissão ganhou expansão a nível nacional e internacional, porém, perdeu em espaço e campo de atuação, tanto em relação a outros profissionais (o fisioterapêuta, o psicólogo e outros), quanto para os ocupacionais de enfermagem para os quais delegou várias de suas funções.

Por outro lado, conquistou a autorização legal para estabelecer a prescrição de enfermagem e uma maior interação enfermeiro-paciente-médico, embora não tenha conseguido desenvolvê-la de modo pleno, sobretudo pelas inadequadas condições de trabalho.

Na opinião dos sujeitos representantes da década de 80, ao se formarem sentiam-se inseguros e com pouca habilidades técnicas além de apresentar uma visão limitada da realidade da profissão. É reconhecido não ser este sentimento de exclusividade da enfermagem, sendo também uma queixa comum de inúmeras outras profissões, somente agravada neste, pela responsabilidade da natureza humana de seu objeto e pelo envolvimento de demanda imediata de ações.

Foi uma década de muita mobilização política e participação da classe em reivindicações e em greves. Tal posicionamento foi reflexo dos acontecimentos do final da década de 70, mais precisamente no final de 1978 e início de 79, após a revogação do AI-5 e o posterior período de "abertura" política.

Ainda há o distanciamento e a pouca atuação dos órgãos fiscalizadores da profissão, sobretudo do COFEn e COREn.

No final de uma proposta de pesquisa de resgate da evolução da assistência de enfermagem hospitalar com início na década de 50, somos surpreendidos com um panorama sombrio e pessimista da profissão, não condizente com nossas expectativas preliminares e em nada condizente com a ufânia acadêmica da enfermagem atual. Constata-se que entre o discurso da acadêmica e o exercício da prática há um caminho de incoerência a ser investigado.

Considerando a possibilidade, de poder ser esta, uma situação peculiar do grupo estudado, embora tenha revelado de forma criteriosa o pensamento representativo de um grupo social, sugerimos a reaplicação do estudo, na vivência de sujeitos em outros contextos.

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Na fase de levantamento de dados a pesquisa contou com a participação de bolsistas do CNPq; Augela Ap. Castaldeli; Eliana Ap. Placco Simões Braga (AT) e Renata Rossi Tavares (IC)

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  • 1
    Professor Titular do Departamento de Psiquiatria Ciências Humanas EERP-USP (ORIENTADORA);
    2
    Bolsista do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação Científica-PIBIC;
    3
    Bolsista de Iniciação Científica do CNPq
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      31 Ago 2005
    • Data do Fascículo
      Jul 1998
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