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Adicional de insalubridade para profissionais de enfermagem: análise reflexiva sob o princípio da dignidade da pessoa humana

Resumos

Objetivo:

discutir a classificação do adicional de insalubridade por exposição aos agentes biológicos atribuída aos profissionais de enfermagem, a partir de parâmetros jurídicos e ocupacionais apoiados no princípio da dignidade humana.

Método:

estudo original de reflexão com análise teórica na legislação, jurisprudência e Saúde Ocupacional com enfoque nos riscos biológicos, insalubridade e direitos dos trabalhadores brasileiros. As discussões foram embasadas na legislação vigente e em evidências científicas.

Resultados:

a classificação do adicional de insalubridade por exposição aos agentes biológicos, atribuída aos profissionais de enfermagem não está em consonância com a situação fática vivenciada por eles.

Conclusão:

faz-se necessário ampliar a discussão sobre o assunto e rever a efetiva e justa indenização dos profissionais de enfermagem por exposição aos agentes biológicos potencialmente contaminados em seus ambientes laborais, haja vista que o adicional de insalubridade é um direito do trabalhador e tem como fundamento a dignidade da pessoa humana.

Descritores:
Saúde do Trabalhador; Riscos Ocupacionais; Contenção de Riscos Biológicos; Legislação Trabalhista; Enfermagem; Fatores de Risco


Objective:

to discuss the classification of the health hazard allowance due to exposure to biological agents attributed to Nursing professionals, based on legal and occupational parameters supported on the principle of human dignity.

Method:

an original reflection study with theoretical analysis on legislation, jurisprudence and Occupational Health focused on the biological risks, health hazard and rights of Brazilian workers. The discussions were based on the current legislation and on scientific evidence.

Results:

the classification of the health hazard allowance due to exposure to biological agents attributed to Nursing professionals is not in line with the factual situation experienced by them.

Conclusion:

it becomes necessary to broaden the discussion on the subject matter and to review the effective and fair compensation of Nursing professionals due to exposure to potentially contaminated biological agents in their work environments, given that the health hazard allowance is a worker’s right and is based on human dignity.

Descriptors:
Occupational Health Nursing; Occupational Risks; Containment of Biohazards; Labor Legislation; Nursing; Risk Factors


Objetivo:

discutir la clasificación del adicional por insalubridad por exposición a agentes biológicos asignada a los profesionales de enfermería, con base en parámetros legales y ocupacionales fundados en el principio de la dignidad humana.

Método:

estudio original de reflexión con análisis teórico sobre legislación, jurisprudencia y Salud Ocupacional centrado en los riesgos biológicos, las condiciones insalubres y los derechos de los trabajadores brasileños. Las discusiones se basaron en la legislación actual y la evidencia científica.

Resultados:

la clasificación del adicional por insalubridad por exposición a agentes biológicos asignada a los profesionales de enfermería no se corresponde con la situación fáctica que experimentan.

Conclusión:

es necesario ampliar la discusión sobre el tema y revisar la indemnización efectiva y justa para los profesionales de enfermería por exposición a agentes biológicos potencialmente contaminados en sus ambientes de trabajo, dado que el adicional por insalubridad es un derecho del trabajador y se basa en la dignidad humana.

Descriptores:
Salud Laboral; Riesgos Laborales; Contención de Riesgos Biológicos; Legislación Laboral; Enfermería; Fatores de Riesgo


Introdução

A assistência à saúde é fundamental e indispensável à proteção da dignidade da pessoa humana. O profissional de enfermagem possui grande importância nesse contexto, em razão do papel decisivo e proativo com relação à identificação dos cuidados de saúde, bem como à promoção e à proteção da saúde nas diferentes dimensões e fases da vida do homem. Devido a essa variedade de tarefas, ele precisa ter condições dignas para exercer, com segurança, suas práticas profissionais(11 Silva RN, Ferreira MA. Nursing and society: Evolution of Nursing and of capitalism in the 200 years of Florence Nightingale. Rev. Latino-Am. Enfermagem. [Internet]. 2021 [cited 2021 Jun 29];29:e3425. Available from: https://www.revistas.usp.br/rlae/article/view/186110
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).

O exercício da profissão, todavia, é realizado em ambientes envoltos aos riscos ocupacionais biológicos, químicos, físicos, psicossociais, a situações antiergonômicas e, em muitas instituições, observam-se inadequadas e inseguras condições de trabalho(22 Porto JS, Marziale MHP. Construction and validation of an educational video for improving adherence of nursing professionals to standard precautions. Texto Contexto Enferm. [Internet]. 2020 [cited 2021 Mar 07];29:e20180413. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-07072020000100357&lng=en&nrm=iso
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). Destaca-se, nesse âmbito, que a provisão de ambientes de trabalho decentes, seguros e protegidos é prerrogativa que integra as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 das Nações Unidas(33 Organização das Nações Unidas. Agenda 2030 para o desenvolvimento sustentável. [Internet]. Brasília: ONU; 2015 [cited 2020 Mar 7]. Available from: https://brasil.un.org/pt-br/91863-agenda-2030-para-o-desenvolvimento-sustentavel
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).

Diante deste complexo cenário que envolve os profissionais de saúde no Brasil, faz-se mister discutir a classificação da atividade por exposição aos agentes biológicos para aferir se aí reside uma injusta fixação, partindo da premissa de que a norma legal não estaria em consonância com a situação fática vivenciada. Sem desprestigiar qualquer atividade profissional e fugir da finalidade científica e acadêmica que aqui se persegue, surge uma questão demasiada importante: se todas as demais profissões sujeitas à insalubridade têm direito a uma avaliação técnica da classificação biológica e às demais características para indicar a existência da insalubridade e o nível de enquadramento, por que somente profissionais de enfermagem ficariam adstritos à classificação legal? Essa previsão não seria restritiva e injusta? Não seria uma proteção legal deficiente e que encontra óbices principiológicos, ou seria uma discriminação equivocada?

O ambiente de trabalho e o tempo de exposição aos agentes biológicos desses profissionais não estão definidos adequadamente, tendo em vista a desatualização do Anexo 14 da Norma Regulamentadora (NR) nº 15, da Portaria 3214/78 do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE)(44 Ministério da Economia (BR). Norma Regulamentadora n.º 15. [Internet]. Diário Oficial da União, 6 jul 1978. Brasília: Ministério da Economia; 1978 [cited 2020 Nov 18]. Available from: https://www.gov.br/trabalho/pt-br/inspecao/seguranca-e-saude-no-trabalho/ctpp-nrs/norma-regulamentadora-no-15-nr-15
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). Assim, as condições ambientais e os riscos biológicos demonstram que a indenização decorrente do adicional de insalubridade não é efetiva no sentido de proteção à vida e não atende, portanto, aos princípios axiológicos e teleológicos da norma, além de ofender o princípio da dignidade da pessoa humana, que visa proteger a integridade do trabalhador, o que se trata de um direito constitucional.

O mote aqui não é primar pela lógica da monetização como solução ao problema da insalubridade, ou forma de proteção à vida. Pelo contrário, defende-se a salubridade no ambiente de trabalho, assim como se defende a priorização dos mecanismos de proteção à vida, por meio das normas eficazes de segurança e de salubridade do ambiente de trabalho. Quando essas soluções são ineficazes, não por incúria do tomador dos serviços, mas pelas próprias condições de trabalho, em última hipótese protetiva são abonadas, como se isso pagasse pelo valor da vida, o que é uma inverdade. Considera-se que essa ótica míope não compactua com os princípios da defesa da dignidade da pessoa humana, tampouco com os direitos humanos e fundamentais consagrados na Constituição Federal (CF) vigente. Acresce-se à assertiva o fato de que a solução pecuniária paga é injusta, o que se agrava ainda mais quando, por razões escusas, o pagamento desses valores não ocorre de forma correta.

Cumpre frisar que a dignidade da pessoa humana constitui valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais. Trata-se de um compromisso de absoluto e irrestrito respeito à identidade e à integridade de todo ser humano, como sujeito de direito. Nesse viés, a integridade física do trabalhador deve ser protegida. E se o trabalhador está exposto a um ambiente insalubre, que não pode ser amenizado ou excluído pelo uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), deve ter garantido o direito à compensação justa* * Justa, no sentido de igualdade de tratamento. Tratar os iguais de forma igual e os diferentes de forma diferente, na proporção das suas desigualdades, mas não criar uma desigualdade por mero critério eletivo. pelos danos que sua saúde pode sofrer por exposição aos agentes biológicos, como última racio do corolário de proteção à dignidade da pessoa humana.

Assim, o objetivo do estudo torna evidente a necessidade de discutir a classificação do adicional de insalubridade por exposição aos agentes biológicos atribuída aos profissionais de enfermagem, a partir de parâmetros jurídicos e ocupacionais apoiados no princípio da dignidade humana.

Método

O presente estudo teve como escopo a reflexão com análise teórica na legislação, na jurisprudência e na Saúde Ocupacional, apoiados no princípio da dignidade humana, com enfoque nos riscos biológicos, na insalubridade e nos direitos dos trabalhadores. As discussões foram embasadas na legislação vigente e em evidências científicas divulgadas na literatura nacional e internacional. Os elementos apresentados para reflexão foram o panorama histórico do risco biológico no contexto da enfermagem, o adicional de insalubridade dos profissionais da enfermagem e o princípio da dignidade da pessoa humana, como fundamento constitucional do adicional de insalubridade.

O estudo foi realizado entre os meses de junho de 2020 a abril de 2021 por meio de análise da legislação vigente sobre o tema e a respectiva base histórica, bem como o princípio jurídico norteador do adicional de insalubridade previsto no anexo 14 da NR 15(44 Ministério da Economia (BR). Norma Regulamentadora n.º 15. [Internet]. Diário Oficial da União, 6 jul 1978. Brasília: Ministério da Economia; 1978 [cited 2020 Nov 18]. Available from: https://www.gov.br/trabalho/pt-br/inspecao/seguranca-e-saude-no-trabalho/ctpp-nrs/norma-regulamentadora-no-15-nr-15
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), que define as atividades profissionais insalubres as quais podem prejudicar a saúde e a qualidade de vida do trabalhador ao longo do tempo, com destaque ao risco biológico a que estão expostos os profissionais de enfermagem e cuja insalubridade por risco biológico é classificada, qualitativamente, como sendo de grau máximo (atividades que incluam operações de contato permanente com pacientes em isolamento por doenças infectocontagiosas e seus objetos de uso não esterilizados) e grau médio (operações em contato permanente com pacientes, animais ou materiais infectocontagiosos em locais de cuidado à saúde das pessoas, hospitais, laboratórios, unidades de saúde entre outros).

E, ainda, foi realizada a análise de textos da área da enfermagem com enfoque histórico e atual relativos à exposição por agentes biológicos contaminantes. Os autores procederam a leitura, na integra, de artigos científicos, teses e dissertações, livros e documentos jurídicos - laudos de insalubridade no trabalho de enfermagem divulgados sobre a classificação do adicional de insalubridade por exposição aos agentes biológicos atribuída aos profissionais de enfermagem disponíveis em bases de dados e em sites institucionais publicados, sem limite de datas estabelecidos.

Resultados e discussão

O panorama histórico do risco biológico no contexto da enfermagem

A NR atinente ao enquadramento do adicional de insalubridade por agentes biológicos, em seu anexo 14 da NR15(44 Ministério da Economia (BR). Norma Regulamentadora n.º 15. [Internet]. Diário Oficial da União, 6 jul 1978. Brasília: Ministério da Economia; 1978 [cited 2020 Nov 18]. Available from: https://www.gov.br/trabalho/pt-br/inspecao/seguranca-e-saude-no-trabalho/ctpp-nrs/norma-regulamentadora-no-15-nr-15
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), foi estabelecida em 1978, em um contexto técnico, no qual os pacientes com doenças infectocontagiosas eram assistidos em hospitais destinados tipicamente ao isolamento, para evitar a transmissão de tais doenças.

Originalmente, os hospitais funcionavam como abrigo para peregrinos, pobres, inválidos e doentes. Os ofícios eram exercidos por leigos, principalmente religiosos, não sendo o local exclusivo para a prática médica. O cuidado, propriamente dito, dos doentes ocorria pelos familiares em seus domicílios. A finalidade do hospital como assistência aos doentes deu-se, tão somente, com o desenvolvimento do capitalismo. Os primeiros foram construídos em Londres e, posteriormente, expandiram-se para outras localidades, para reduzir a mortalidade causada por grandes epidemias, por meio do acesso aos serviços de saúde e redefinir sua função, a fim de recuperar a força laboral(55 Nichiata LYI, Gir E, Takahashi RF, Ciosak SI. Evolution of the isolation of contagious diseases: knowledge in contemporary practice. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2004 [cited 2021 Mar 18];38(1):61-70. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342004000100008&lng=en
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). Naquela época, as condições de higiene hospitalar eram precárias e a prática de enfermagem, rudimentar.

A utilização das novas intervenções e tecnologias decorrentes do avanço científico, como assepsia, antissepsia, desinfecção, esterilização, antibioticoterapia e diferentes formas de isolamentos, bem como relatos de contaminação de profissionais, conduziram à adoção, novamente, dos isolamentos e precauções, para evitar a transmissão de microrganismos patogênicos, tanto para os pacientes quanto para os profissionais(55 Nichiata LYI, Gir E, Takahashi RF, Ciosak SI. Evolution of the isolation of contagious diseases: knowledge in contemporary practice. Rev Esc Enferm USP [Internet]. 2004 [cited 2021 Mar 18];38(1):61-70. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342004000100008&lng=en
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).

Na teoria do contágio predominava a concepção de que a doença infecciosa multiplicava-se por meio do toque ou contato de seus corpos, o que é atualmente conhecido como “contato direto”. Tal teoria estimulou práticas de controle e cerceamento de indivíduos, culminando na institucionalização da quarentena(66 Ministério da Economia (BR). Estudo Técnico - Anexo 14 da Norma Regulamentadora n.º 15 - Agentes Biológicos. [Internet]. São Paulo: FUNDACENTRO; 2019 [cited 2020 Jul 28]. Available from: http://cnsaude.org.br/wp-content/uploads/2019/11/Analise-Anexo-14-NR-15-20191113185850.pdf
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). Para corroborar essa ideia, relembra-se as instituições de manutenção de leprosários que proliferaram em razão da epidemia de hanseníase, a partir de 1920 em vários estados brasileiros. O programa de combate da doença incluía o isolamento compulsório em diversos locais, contudo, esse programa fragilizava as relações sociais e familiares do doente.

A partir de 1958, ocorreu o processo de extinção do isolamento devido à eficácia de medicamentos. Em 1962, houve a abolição da internação compulsória, embora essa continuasse até meados de 1980. Noções equivocadas de contágio trouxeram prejuízos na área da saúde por décadas(66 Ministério da Economia (BR). Estudo Técnico - Anexo 14 da Norma Regulamentadora n.º 15 - Agentes Biológicos. [Internet]. São Paulo: FUNDACENTRO; 2019 [cited 2020 Jul 28]. Available from: http://cnsaude.org.br/wp-content/uploads/2019/11/Analise-Anexo-14-NR-15-20191113185850.pdf
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).

Nessa esteira, cabe trazer aqui a origem da palavra “miasma”, que deriva do grego e, originalmente, significava “nódoa” ou “poluição” por um pecado de ofensa aos deuses. Posteriormente, o termo designou ares e atmosferas putrefatas, associando-as como causadoras de doenças(77 Curtis VA. Dirt, disgust and disease: a natural history of hygiene. J Epidemiol Community Health. [Internet]. 2007 [cited 2021 Mar 07]; 61(8):660-4. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2652987/
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). No século XIX, entendia-se que as doenças eram causadas por impurezas atmosféricas decorrentes da decomposição de animais e plantas, da umidade, do lixo e de habitações próximas umas às outras e lotadas(77 Curtis VA. Dirt, disgust and disease: a natural history of hygiene. J Epidemiol Community Health. [Internet]. 2007 [cited 2021 Mar 07]; 61(8):660-4. Available from: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2652987/
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-88 Czeresnia D. Do contágio à transmissão: ciência e cultura na gênese do conhecimento epidemiológico. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 1997.). Logo, as noções de contágio, miasmas e práticas associadas antecedem as teorias científicas sobre a propagação de epidemias e doenças infecciosas(88 Czeresnia D. Do contágio à transmissão: ciência e cultura na gênese do conhecimento epidemiológico. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ; 1997.). A teoria dos germes superou essas noções, desenvolvendo um conceito moderno da transmissão de doenças infecciosas, demonstrando que essas doenças ocorrem por meio da transmissão infecciosa de microrganismos ou agentes biológicos, por meio de vias específicas.

A definição dos meios como esses agentes patogênicos são transmitidos de um indivíduo para outro orienta a formulação de discursos preventivos e de racionalidade que rompem com a difusão do medo e com os comportamentos irracionais associados às velhas noções de contágio e de miasmas(66 Ministério da Economia (BR). Estudo Técnico - Anexo 14 da Norma Regulamentadora n.º 15 - Agentes Biológicos. [Internet]. São Paulo: FUNDACENTRO; 2019 [cited 2020 Jul 28]. Available from: http://cnsaude.org.br/wp-content/uploads/2019/11/Analise-Anexo-14-NR-15-20191113185850.pdf
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). De acordo com a FUNDACENTRO(66 Ministério da Economia (BR). Estudo Técnico - Anexo 14 da Norma Regulamentadora n.º 15 - Agentes Biológicos. [Internet]. São Paulo: FUNDACENTRO; 2019 [cited 2020 Jul 28]. Available from: http://cnsaude.org.br/wp-content/uploads/2019/11/Analise-Anexo-14-NR-15-20191113185850.pdf
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), o Anexo 14 da NR 15 está desatualizado e em desacordo com os avanços científicos, o que torna obsoleta a previsão nela contida.

As evidências científicas mostram que o enfoque não está nas doenças infecciosas ou nos agentes biológicos associados e sim em um conjunto de fatores que comtemplam aspectos relacionados aos ambientes e às atividades de trabalho nos trabalhadores, usuários/pacientes, animais e materiais potencialmente contagiosos. Considera-se que o atual enfoque estimula, de forma involuntária e subliminar, o medo e as atitudes irracionais associadas aos conceitos de contágio, situando os riscos em pacientes e trabalhadores e em locais de trabalho, o que pode fomentar a discriminação e o preconceito dos serviços de saúde.

A exposição dos profissionais de enfermagem aos agentes biológicos não é a mesma da época da aprovação do Anexo 14 da NR 15(44 Ministério da Economia (BR). Norma Regulamentadora n.º 15. [Internet]. Diário Oficial da União, 6 jul 1978. Brasília: Ministério da Economia; 1978 [cited 2020 Nov 18]. Available from: https://www.gov.br/trabalho/pt-br/inspecao/seguranca-e-saude-no-trabalho/ctpp-nrs/norma-regulamentadora-no-15-nr-15
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), visto não haver mais hospitais tipicamente de isolamento como naquela ocasião, a exemplo dos sanatórios para tratamento de pacientes com tuberculose; atualmente esses profissionais estão expostos aos riscos biológicos nas diferentes áreas das instituições de atenção à saúde, logo em contato permanente com materiais potencialmente contaminados e pessoas com doenças infectocontagiosas.

Sob essa perspectiva, cabe aqui salientar que o processo de transição epidemiológica engloba três mudanças básicas, a “(...) substituição das doenças transmissíveis por doenças não-transmissíveis e causas externas; o deslocamento da carga de morbimortalidade dos grupos mais jovens aos grupos mais idosos e a transformação de uma situação em que predomina a mortalidade para outra, na qual a morbidade é dominante”(99 Schramm JMA, Oliveira AF, Leite IC, Valente JG, Gadelha AMJ, Portela MC, et al. Epidemiological transition and the study of burden of disease in Brazil. Ciênc Saúde Coletiva. [Internet]. 2004 [cited 2020 Oct 28];9(4):897-908. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232004000400011&lng=en
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). Não há como mensurar o tempo de exposição do trabalhador ao risco biológico, porque isso depende do entendimento do processo de trabalho da enfermagem.

Em estudo de revisão da literatura, pesquisadores analisaram as evidências científicas disponíveis sobre os microrganismos que colonizam os trabalhadores de saúde e sua associação com a resistência aos antimicrobianos; no recorte temporal de dez anos, de 2007 a 2017, as evidências revelaram que Staphylococcus aureus é a principal bactéria colonizadora dos trabalhadores de saúde, dentre os quais se constatou a potencial resistência aos antibióticos beta-lactâmicos, de uso comum em hospitais(1010 Fracarolli IFL, Oliveira SA, Marziale MHP. Bacterial colonization and antimicrobial resistance in healthcare workers: an integrative review. Acta Paul Enferm. [Internet]. 2017 [cited 2020 Nov 18];30(6):651-7. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-21002017000600651&lng=en
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).

Embora a referida bactéria faça parte da microbiota normal de qualquer humano, os profissionais de saúde apresentam uma alteração de sua microbiota individual, ensejando resistência aos antibióticos. Logo, eles são, constantemente, expostos aos microrganismos multirresistentes que causam danos a sua saúde, em razão das atividades e dos ambientes laborais(1010 Fracarolli IFL, Oliveira SA, Marziale MHP. Bacterial colonization and antimicrobial resistance in healthcare workers: an integrative review. Acta Paul Enferm. [Internet]. 2017 [cited 2020 Nov 18];30(6):651-7. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-21002017000600651&lng=en
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).

Por essas razões, é forçoso convir que a Norma pontue as atividades laborais desses profissionais e os respectivos ambientes, que compreendem hospitais, serviço de atendimento pré-hospitalar (SAMU), Unidades de Básicas de Saúde, Unidades de Pronto Atendimento, serviços de urgência e emergência e outros estabelecimentos destinados à saúde. A fixação normativa do percentual de insalubridade, sem levar em consideração essas variantes, caracteriza-se em evidente discriminação aos que exercem suas atividades na área da saúde, em flagrante desrespeito à sua dignidade. Há que se destacar, ainda, o aspecto discriminatório pois nenhuma outra atividade profissional tem tamanha restrição.

Dessa forma, evidencia-se que os parâmetros utilizados pela Norma estão em desacordo com a situação fática dos profissionais de enfermagem e ofendem o princípio da dignidade da pessoa humana, por não representarem efetiva e adequada indenização, enquanto última racio e não fomento à monetização.

Adicional de insalubridade do profissional de enfermagem

As Normas de Segurança e Medicina do trabalho objetivam diminuir ou anular os riscos laborais protegendo, assim, a saúde humana, mesmo com todos os riscos. Impende salientar que cabe ao empregador cumpri-las e fazer com que sejam cumpridas.

A ideia da eliminação dos riscos deve imperar no meio ambiente do trabalho, atendendo aos princípios da precaução e da prevenção, simultaneamente. Todavia, se esse risco não é eliminado, o responsável deve responder legalmente.

Assim, o escopo desta investigação cinge-se ao adicional de remuneração pelo exercício da atividade insalubre, ou seja, para aquelas atividades em que os riscos laborais persistem.

A insalubridade está associada às causas prejudiciais à saúde, bem como às atividades e ambientes que, em condições específicas, exponham os trabalhadores aos agentes nocivos, mesmo que os prejuízos que ocorram sejam de forma leve e imperceptível, conforme definição e classificação legal estabelecida no Anexo 14 da NR 15, em vigor(44 Ministério da Economia (BR). Norma Regulamentadora n.º 15. [Internet]. Diário Oficial da União, 6 jul 1978. Brasília: Ministério da Economia; 1978 [cited 2020 Nov 18]. Available from: https://www.gov.br/trabalho/pt-br/inspecao/seguranca-e-saude-no-trabalho/ctpp-nrs/norma-regulamentadora-no-15-nr-15
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).

De acordo com o art. 190 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) vigente(1111 Presidência da República (BR), Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto-lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. [Internet]. Diário Oficial da União, 9 ago 1943. Brasília, DF: Casa Civil; 1943 [cited 2020 Jun 20]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm
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), cabe à Secretaria do Trabalho aprovar o quadro de atividades e operações insalubres, os requisitos e os limites de tolerância para a caracterização da insalubridade de cada um dos agentes nocivos à saúde. Embora sejam portarias decorrentes de Atos Regulamentares do Poder Executivo, possuem força normativa pelas legislações vigentes dispostas no art. 200 da CLT(1111 Presidência da República (BR), Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos. Decreto-lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. [Internet]. Diário Oficial da União, 9 ago 1943. Brasília, DF: Casa Civil; 1943 [cited 2020 Jun 20]. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm
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) e no inciso XXII do art. 7º da Constituição Federal(1212 Belmonte AA, Martinez L, Maranhão N, coordenadores. O Direito do Trabalho na crise da COVID-19. Salvador: Editora JusPodivm; 2020. 816 p.-1313 Brasil. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil [Internet]. Brasília, DF: Senado Federal; 2016 [cited 2019 Mar 19]. 496 p. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
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).

Todavia, isso não autoriza que se legisle contra legis ou seja omisso frente aos riscos biológicos experimentados pelos profissionais de enfermagem, diante do cenário epidemiológico diverso do momento em que a norma foi elaborada e de condições restritivas e obtusas, que ofendem o princípio da dignidade pessoa humana.

Segundo dados da FUNDACENTRO(1414 Ministério da Economia (BR). Subsecretaria de Inspeção do Trabalho. [Internet]. Brasília, DF: Ministério da Economia; 2020 [cited 2020 Nov 20]. Available from: https://sit.trabalho.gov.br/portal/index.php/ctpp-nrs/nr-15?view=default
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), os diversos aspectos técnicos da Norma foram discutidos e elaborados pelos então técnicos de higiene ocupacional, sem formação de comissão tripartite. No que tange aos riscos biológicos, o Anexo 14 da NR 15 vigente(44 Ministério da Economia (BR). Norma Regulamentadora n.º 15. [Internet]. Diário Oficial da União, 6 jul 1978. Brasília: Ministério da Economia; 1978 [cited 2020 Nov 18]. Available from: https://www.gov.br/trabalho/pt-br/inspecao/seguranca-e-saude-no-trabalho/ctpp-nrs/norma-regulamentadora-no-15-nr-15
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) relaciona as atividades que envolvem contato permanente com agentes biológicos, cuja insalubridade é caracterizada qualitativamente, não havendo avaliação da intensidade e do tempo de exposição aos agentes biológicos, nem da concentração desses agentes no ambiente.

Após análise do Anexo 14(44 Ministério da Economia (BR). Norma Regulamentadora n.º 15. [Internet]. Diário Oficial da União, 6 jul 1978. Brasília: Ministério da Economia; 1978 [cited 2020 Nov 18]. Available from: https://www.gov.br/trabalho/pt-br/inspecao/seguranca-e-saude-no-trabalho/ctpp-nrs/norma-regulamentadora-no-15-nr-15
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), verificam-se incongruências: a avaliação é qualitativa e o contato deve ser permanente, pois não haveria como definir o tempo de exposição para a caracterização do risco biológico. Além disso, o foco está concentrado na atividade profissional e não nos agentes biológicos. Anteriormente, as Normas de Segurança estavam dispostas em diversos atos administrativos esparsos, sendo as atividades insalubres dispostas no Quadro VII da Portaria MTPS (Ministério do Trabalho e Previdência Social) n.º 491/1965(66 Ministério da Economia (BR). Estudo Técnico - Anexo 14 da Norma Regulamentadora n.º 15 - Agentes Biológicos. [Internet]. São Paulo: FUNDACENTRO; 2019 [cited 2020 Jul 28]. Available from: http://cnsaude.org.br/wp-content/uploads/2019/11/Analise-Anexo-14-NR-15-20191113185850.pdf
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).

Posteriormente, o tema foi tratado no Anexo 14 da NR 15, instituído pela Portaria MTb (Ministério do Trabalho) n.º 3214/1978(44 Ministério da Economia (BR). Norma Regulamentadora n.º 15. [Internet]. Diário Oficial da União, 6 jul 1978. Brasília: Ministério da Economia; 1978 [cited 2020 Nov 18]. Available from: https://www.gov.br/trabalho/pt-br/inspecao/seguranca-e-saude-no-trabalho/ctpp-nrs/norma-regulamentadora-no-15-nr-15
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), que sofreu alteração no conteúdo pela Portaria SSMT (Secretaria de Segurança e Medicina do Trabalho) n.º 12/79(1515 Ministério do Trabalho e Emprego (BR). NR 15 - Atividades e operações insalubres -Anexo 14. Portaria SSST n.º 12, de 12 de novembro de 1979. [Internet]. Diário Oficial da União, 23 nov 1979 [cited 2020 Jun 22]. Available from: https://sit.trabalho.gov.br/portal/images/SST/SST_normas_regulamentadoras/NR-15-Anexo-14.pdf
https://sit.trabalho.gov.br/portal/image...
). O quadro VII da Portaria 491/65(66 Ministério da Economia (BR). Estudo Técnico - Anexo 14 da Norma Regulamentadora n.º 15 - Agentes Biológicos. [Internet]. São Paulo: FUNDACENTRO; 2019 [cited 2020 Jul 28]. Available from: http://cnsaude.org.br/wp-content/uploads/2019/11/Analise-Anexo-14-NR-15-20191113185850.pdf
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) enquadrava, no grau máximo de insalubridade, somente o trabalho em contato com pacientes e material infectocontagioso em estabelecimentos de saúde dedicados, exclusivamente, aos isolados por doenças infecciosas, como os sanatórios para tuberculosos e leprosários. Para os cuidados de pacientes não isolados e respectivos materiais infectocontagiosos, ou seja, as demais atividades em saúde, a insalubridade foi considerada como média(66 Ministério da Economia (BR). Estudo Técnico - Anexo 14 da Norma Regulamentadora n.º 15 - Agentes Biológicos. [Internet]. São Paulo: FUNDACENTRO; 2019 [cited 2020 Jul 28]. Available from: http://cnsaude.org.br/wp-content/uploads/2019/11/Analise-Anexo-14-NR-15-20191113185850.pdf
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).

Todavia, a versão original do anexo 14 da NR 15(44 Ministério da Economia (BR). Norma Regulamentadora n.º 15. [Internet]. Diário Oficial da União, 6 jul 1978. Brasília: Ministério da Economia; 1978 [cited 2020 Nov 18]. Available from: https://www.gov.br/trabalho/pt-br/inspecao/seguranca-e-saude-no-trabalho/ctpp-nrs/norma-regulamentadora-no-15-nr-15
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,66 Ministério da Economia (BR). Estudo Técnico - Anexo 14 da Norma Regulamentadora n.º 15 - Agentes Biológicos. [Internet]. São Paulo: FUNDACENTRO; 2019 [cited 2020 Jul 28]. Available from: http://cnsaude.org.br/wp-content/uploads/2019/11/Analise-Anexo-14-NR-15-20191113185850.pdf
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) excluiu a expressão “isolamento”, haja vista a mudança do perfil dos locais de tratamento para doenças infectocontagiosas a partir de 1960, os quais deixaram de exigir o isolamento dos pacientes para evitar a exclusão social, em razão do avanço científico e da existência de medicamentos.

Além disso, o texto classificou a atividade dos profissionais de enfermagem como grau máximo, não fazendo distinção entre aqueles que tinham contato com pacientes em isolamento e o respectivo material infectocontagioso e os demais(66 Ministério da Economia (BR). Estudo Técnico - Anexo 14 da Norma Regulamentadora n.º 15 - Agentes Biológicos. [Internet]. São Paulo: FUNDACENTRO; 2019 [cited 2020 Jul 28]. Available from: http://cnsaude.org.br/wp-content/uploads/2019/11/Analise-Anexo-14-NR-15-20191113185850.pdf
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).

Em 1979, a Portaria 12/79(1515 Ministério do Trabalho e Emprego (BR). NR 15 - Atividades e operações insalubres -Anexo 14. Portaria SSST n.º 12, de 12 de novembro de 1979. [Internet]. Diário Oficial da União, 23 nov 1979 [cited 2020 Jun 22]. Available from: https://sit.trabalho.gov.br/portal/images/SST/SST_normas_regulamentadoras/NR-15-Anexo-14.pdf
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), que se encontra vigente, traz novamente a expressão “isolamento”, porém, sem referenciar estabelecimentos exclusivos para este fim. Sob essa égide, o grau máximo passa a ser para profissionais em contato com pacientes em isolamento e respectivo material infectocontagioso, em qualquer estabelecimento hospitalar e o grau médio, quando ocorrer contato com pacientes não isolados ou materiais infectocontagiosos, em qualquer outro local de tratamento(66 Ministério da Economia (BR). Estudo Técnico - Anexo 14 da Norma Regulamentadora n.º 15 - Agentes Biológicos. [Internet]. São Paulo: FUNDACENTRO; 2019 [cited 2020 Jul 28]. Available from: http://cnsaude.org.br/wp-content/uploads/2019/11/Analise-Anexo-14-NR-15-20191113185850.pdf
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).

Desde 1979 a situação legal é a mesma: só fazem jus ao adicional de 40% os profissionais de enfermagem que atuam com pacientes em isolamento e os respectivos materiais infectocontagiosos, como exceção à regra. Como regra geral, os demais profissionais da saúde fazem jus ao adicional de 20%, independentemente da função.

É evidente que, por uma singela observação, não é justo que os profissionais de enfermagem, como regra geral, fiquem sujeitos ao percentual de 20% do adicional de insalubridade em razão dos aspectos legais impostos pelo Anexo 14 da NR 15(44 Ministério da Economia (BR). Norma Regulamentadora n.º 15. [Internet]. Diário Oficial da União, 6 jul 1978. Brasília: Ministério da Economia; 1978 [cited 2020 Nov 18]. Available from: https://www.gov.br/trabalho/pt-br/inspecao/seguranca-e-saude-no-trabalho/ctpp-nrs/norma-regulamentadora-no-15-nr-15
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), pois a Norma encontra-se ultrapassada não só perante o atual cenário epidemiológico, causado pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), mas também pela existência de microrganismos multirresistentes, observados nas mais diversas situações, que podem gerar adoecimentos aos profissionais de enfermagem, inexistentes na ocasião dessa elaboração normativa.

A situação perdura desde 1979, dentre outras razões, por omissão sindical, pois a incúria em defesa da categoria profissional e a falta de sensibilidade para tal mister não recebeu o crivo do Poder Judiciário. Tal realidade, porém, não é mesma em outras categorias, pois muitas questionaram situações similares e exigiram posicionamento do Tribunal Superior do Trabalho, por meio da Súmula 448(1616 Poder Judiciário (BR), Justiça do Trabalho, Tribunal Superior do Trabalho. Resolução n.º 194, de 19 de maio de 2014. Converte a Orientação Jurisprudencial n.º 4 da SBDI-I com nova redação do item II. [Internet]. Brasília, DF: Justiça do Trabalho; 2014 [cited 2021 Feb 20]. Available from: https://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_401_450.html#SUM-448
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), a saber:

“ATIVIDADE INSALUBRE. CARACTERIZAÇÃO. PREVISÃO NA NORMA REGULAMENTADORA Nº 15 DA PORTARIA DO MINISTÉRIO DO TRABALHO Nº 3.214/78. INSTALAÇÕES SANITÁRIAS (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 4 da SBDI-1 - Subseção I Especializada em Dissídios Individuais - com nova redação do item II) - Res. 194/2014, DEJT - Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho - divulgado em 21, 22 e 23.05.2014. I - Não basta a constatação da insalubridade por meio de laudo pericial para que o empregado tenha direito ao respectivo adicional, sendo necessária a classificação da atividade insalubre na relação oficial elaborada pelo Ministério do Trabalho. II - A higienização de instalações sanitárias de uso público ou coletivo de grande circulação e a respectiva coleta de lixo, por não se equiparar à limpeza em residências e escritórios, enseja o pagamento de adicional de insalubridade em grau máximo, incidindo o disposto no Anexo 14 da NR-15 da Portaria do MTE nº 3.214/78 quanto à coleta e industrialização de lixo urbano”(1616 Poder Judiciário (BR), Justiça do Trabalho, Tribunal Superior do Trabalho. Resolução n.º 194, de 19 de maio de 2014. Converte a Orientação Jurisprudencial n.º 4 da SBDI-I com nova redação do item II. [Internet]. Brasília, DF: Justiça do Trabalho; 2014 [cited 2021 Feb 20]. Available from: https://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_401_450.html#SUM-448
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).

Assim, fica clara a posição da Suprema Corte Trabalhista sobre o assunto pois, se a atividade de higienização de instalações sanitárias de uso público confere ao trabalhador uma insalubridade em grau máximo, os profissionais de enfermagem que atuam com pacientes acamados, que necessitam de cuidados pessoais com banhos, uso de “comadres”, “papagaios”, atuando diretamente com o excremento humano, além de outras situações, também possuem o direito de insalubridade em grau máximo. Assim, a Suprema Corte Trabalhista reitera que a referência comparativa tem, por escopo único, situar o problema em análise.

Cabe trazer à tona, para corroborar o que aqui se explana, a decisão do TST (Tribunal Superior de Justiça)(1717 Poder Judiciário (BR), Justiça do Trabalho, Tribunal Superior do Trabalho. Processo: RR-10957-19.2017.5.03.0014. [Internet]. Brasília, DF: Justiça do Trabalho; 2020 [cited 2021 Feb 20]. Available from: https://tst.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1117831728/recurso-de-revista-rr-109571920175030014/inteiro-teor-1117832109
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):

“(...) TRANSCENDÊNCIA SOCIAL RECONHECIDA. ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. LIMPEZA DE BANHEIRO DE USO COLETIVO EM ESCOLA. Trata se de pedido de condenação ao pagamento do adicional de insalubridade, em grau máximo, no qual a autora alega que a higienização de sanitários e recolhimento do lixo eram tarefas inerentes às suas funções, o que a expunha ao contato com agentes biológicos, fazendo jus, assim, ao pagamento do referido adicional. O Tribunal Regional consigna que, nos moldes da Súmula 448, II, do TST, as situações ensejadoras da insalubridade ‘são apenas aquelas em que os banheiros higienizados são abertos ao público em geral’. Nessa esteira, ao entender que a autora era responsável apenas pela higienização de 1 banheiro de uso coletivo, utilizado por cerca de 240 alunas, concluiu que a reclamante não faz jus ao adicional de insalubridade. No entanto, o posicionamento que vem sendo adotado por essa Corte Superior Trabalhista é no sentido de que a limpeza de banheiros de uso coletivo, como no caso dos autos, torna devido o pagamento de adicional de insalubridade em grau máximo, conforme dispõe o Anexo 14 da NR 15 do então MTE e jurisprudência sedimentada na Súmula 448, II, do TST. Recurso de revista conhecido e provido” pelo TST, 2ª Turma, Relatora Ministra Delaide Miranda Arantes, DEJT 06/11/2020(1717 Poder Judiciário (BR), Justiça do Trabalho, Tribunal Superior do Trabalho. Processo: RR-10957-19.2017.5.03.0014. [Internet]. Brasília, DF: Justiça do Trabalho; 2020 [cited 2021 Feb 20]. Available from: https://tst.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/1117831728/recurso-de-revista-rr-109571920175030014/inteiro-teor-1117832109
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).

Até mesmo a limpeza de banheiros em escolas dá direito ao adicional de insalubridade em grau máximo, o que não é atribuído aos profissionais de enfermagem. Torna-se evidente que esse grave erro precisa ser revisto.

Assim, a NR 15(44 Ministério da Economia (BR). Norma Regulamentadora n.º 15. [Internet]. Diário Oficial da União, 6 jul 1978. Brasília: Ministério da Economia; 1978 [cited 2020 Nov 18]. Available from: https://www.gov.br/trabalho/pt-br/inspecao/seguranca-e-saude-no-trabalho/ctpp-nrs/norma-regulamentadora-no-15-nr-15
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) está sendo omissa e contrária à Constituição Federal vigente, visto que desconsidera o real cenário epidemiológico dos profissionais de enfermagem e não encara que os danos experimentados por eles são impossíveis de serem afastados, pela própria natureza do risco biológico e dos processos de trabalho de assistência em saúde.

Portanto, a referida Norma não está compatível e é aplicada em prejuízo à saúde de inúmeros profissionais, que sofrem alterações em sua microbiota natural e na resistência aos medicamentos, em razão da exposição aos agentes biológicos, bem como do risco de vida diante do vírus SARS-CoV-2 e suas mutações. Trata-se, portanto, de verdadeira ofensa à dignidade da pessoa humana.

O princípio da dignidade da pessoa humana: fundamento constitucional do adicional de insalubridade

A República Federativa do Brasil encontra-se assentada no pressuposto da dignidade da pessoa humana, conforme dispõe o inciso III do art. 1º da CF(1313 Brasil. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil [Internet]. Brasília, DF: Senado Federal; 2016 [cited 2019 Mar 19]. 496 p. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
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) vigente, permeando, portanto, todas as relações existentes no país. Nesse sentido, o constituinte, ao consagrar a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, reconheceu que o Estado existe em função da pessoa humana e esta constitui a finalidade precípua e não o meio da atividade estatal(1818 Mendes GF. A dignidade da pessoa humana na Constituição Federal de 1988 e sua aplicação pelo Supremo Tribunal Federal. Observatório da Jurisdição Constitucional. [Internet]. 2013 [cited 2020 Dec 29];6(2):83-97. Available from: https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/observatorio/article/download/915/614
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).

Não há definição consensual e universal sobre a temática da dignidade, pois ela é qualidade intrínseca do ser humano. Isso o faz merecedor de respeito e consideração, tanto pelo Estado quanto pela comunidade, implicando um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem condições existenciais mínimas para uma vida saudável, proteção contra qualquer ato desumano ou degradante e participação ativa e corresponsável na própria existência, bem como nas relações com os outros seres humanos(1919 Sarlet IW. A eficácia dos direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado; 2004. 453 p.).

O constituinte, ao dispor que a dignidade da pessoa humana fundamenta o Estado Democrático de Direito, proclamou que, em casos concretos e do cotidiano, quando houver um distanciamento entre as circunstâncias que rodeiam a vida humana, os impasses deverão ser resolvidos com a efetividade das Normas Constitucionais, a aplicação da lei e a obrigação do Estado às prestações positivas(2020 Lora APJ. Patrimônio genético humano e sua proteção na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Editora Método; 2004. 335 p.).

Além disso, a República Federativa do Brasil indica em seu preâmbulo constitucional compromissos e ideais. Assim, objetiva instituir um Estado Democrático assentado nos direitos sociais e individuais, na liberdade, na segurança, no bem-estar, no desenvolvimento, na igualdade e na justiça. Tais valores são supremos de uma sociedade fraterna, pluralista, solidária e sem preconceitos(2121 Araujo LAD, Nunes VS Júnior. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva; 2003. 487 p.).

A dignidade da pessoa humana constitui, portanto, valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais. Trata-se de conceito que obriga a uma densificação valorativa, de forma a não só reduzir o seu sentido quanto à defesa dos direitos pessoais tradicionais mas, também, de invocar os direitos sociais, garantindo a base da existência humana(2020 Lora APJ. Patrimônio genético humano e sua proteção na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Editora Método; 2004. 335 p.).

Após análise das constituições estaduais brasileiras, verifica-se que há uma multiplicidade de associações do princípio da dignidade da pessoa humana aos direitos fundamentais, realçando que esse princípio é o ponto de partida de outros direitos(1818 Mendes GF. A dignidade da pessoa humana na Constituição Federal de 1988 e sua aplicação pelo Supremo Tribunal Federal. Observatório da Jurisdição Constitucional. [Internet]. 2013 [cited 2020 Dec 29];6(2):83-97. Available from: https://www.portaldeperiodicos.idp.edu.br/observatorio/article/download/915/614
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).

Dessa forma, como rezam os artigos 170 e 205 da Constituição Federal(1313 Brasil. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil [Internet]. Brasília, DF: Senado Federal; 2016 [cited 2019 Mar 19]. 496 p. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
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), a ordem econômica tem por fim assegurar a existência digna da educação, do desenvolvimento pessoal e do preparo para o exercício da cidadania, bem como a compensação por desempenho de atividade laboral em ambiente insalubre, entre outros, não como meros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade humana.

O princípio da dignidade humana ora aparece indicado como princípio da personalidade, ora como da individualidade, o que concerne a um compromisso de absoluto e irrestrito respeito à identidade e à integridade de todo ser humano, como sujeito de direito(2020 Lora APJ. Patrimônio genético humano e sua proteção na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Editora Método; 2004. 335 p.). Consequentemente, a integridade física do trabalhador deve ser protegida. Se ele está exposto a um ambiente insalubre, que não pode ser amenizado ou excluído pelo uso de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), deve ter garantido o direito à compensação justa pelos danos que sua saúde sofrer por exposição aos agentes biológicos, como última racio do corolário de proteção à dignidade da pessoa humana.

É certo que essas previsões são para a proteção da vida e da saúde do trabalhador. Assim, deve-se primar, inicialmente, por um ambiente do trabalho seguro e saudável, com a eliminação dos agentes insalubres e de todos os riscos de acidentes. Todavia, diante da impossibilidade de se prever todas as situações, em uma sociedade complexa e em um complexo laboral, é louvável que estes riscos, quando não eliminados, sejam minimizados por meio de EPI. Entretanto, as estatísticas de acidentes e doenças do trabalho são evidentes e constantes, com observância ou não das regras de proteção à saúde e segurança no ambiente do trabalho, o que indica que não se deve confiar integralmente na proteção oferecida pelos equipamentos individuais.

Ainda que não se adentre na discussão da monetização da saúde e da vida, que se combate fortemente, é imperioso o entendimento de que a insalubridade é devida, mas que seja de forma justa, se é que é possível dizer que essa indenização compense o risco à saúde e à vida. Esse princípio possui valor supremo, atraindo o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, por consolidar a força dos demais direitos e, por isso mesmo, o princípio da dignidade da pessoa humana também é o fundamento do direito ao adicional de insalubridade, o qual se firma em consonância com o princípio da vedação da proteção insuficiente.

A indenização deve ser equivalente aos danos suportados pela saúde dos trabalhadores, por laborarem em ambientes com risco. Possui, ainda, duas dimensões, uma negativa referente ao fato da pessoa não poder ser objeto de ofensas ou humilhações e outra positiva, no sentido de proteção ao pleno desenvolvimento da personalidade, que é infringido em razão da inobservância das normas de segurança e saúde do trabalhador.

No caso dos profissionais de enfermagem, tem-se a Norma Regulamentadora obsoleta e inadequada aos riscos biológicos suportados pela enfermagem, haja vista que tal norma foi elaborada em um contexto epidemiológico diverso do experimentado na atualidade por esses trabalhadores(66 Ministério da Economia (BR). Estudo Técnico - Anexo 14 da Norma Regulamentadora n.º 15 - Agentes Biológicos. [Internet]. São Paulo: FUNDACENTRO; 2019 [cited 2020 Jul 28]. Available from: http://cnsaude.org.br/wp-content/uploads/2019/11/Analise-Anexo-14-NR-15-20191113185850.pdf
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).

A Constituição Federal de 1988(1212 Belmonte AA, Martinez L, Maranhão N, coordenadores. O Direito do Trabalho na crise da COVID-19. Salvador: Editora JusPodivm; 2020. 816 p.) atrelou a normatividade infraconstitucional a um arcabouço principiológico, resultando no fato de que qualquer criação de emendas ao seu texto ou legislação infraconstitucional deverá estar envolvida por esses princípios. Assim, o Anexo 14 da NR 15(44 Ministério da Economia (BR). Norma Regulamentadora n.º 15. [Internet]. Diário Oficial da União, 6 jul 1978. Brasília: Ministério da Economia; 1978 [cited 2020 Nov 18]. Available from: https://www.gov.br/trabalho/pt-br/inspecao/seguranca-e-saude-no-trabalho/ctpp-nrs/norma-regulamentadora-no-15-nr-15
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), que possui força normativa, também deve estar envolvido por esses princípios. Logo, a Norma deverá indenizar o trabalhador por exposição ao agente biológico de forma efetiva e condizente com as condições laborais enfrentadas e não fixar percentual ilegal e injusto.

Paralelo a isso, é forçoso indagar se essa previsão de fixação normativa do percentual de insalubridade teria sido recepcionada pela CF/88(1313 Brasil. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil [Internet]. Brasília, DF: Senado Federal; 2016 [cited 2019 Mar 19]. 496 p. Available from: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
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). Entende-se que não, embora tal fato não tenha sido ainda objeto de questionamento judicial. O constituinte, ao estabelecer a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito, autorizou a interferência desse princípio por todo o corpo constitucional, oferecendo, assim, uma diretriz hermenêutica de extensão em todo o terreno da ordem jurídica.

Assim, é cabível a proteção da integridade física do ser humano, na dimensão individual, bem como da integridade espiritual no que concerne a sua subjetividade. A dignidade humana, como fundamento-valor, não representa somente um princípio de hermenêutica, mas a razão de ser da existência da Constituição(2020 Lora APJ. Patrimônio genético humano e sua proteção na Constituição Federal de 1988. São Paulo: Editora Método; 2004. 335 p.). Por essa razão, o seu conceito é dinâmico e não pode ficar adstrito a uma previsão normativa obsoleta, que não contempla tal mister.

A dignidade humana possui valor absoluto, atraindo todos os direitos fundamentais. Nesse contexto, entende-se que é perfeitamente aplicável aos trabalhadores esse princípio enquanto valor unificador do direito à vida, o qual se desmembra no direito à integridade física. Isso posto, uma vez que a exposição aos agentes biológicos desses profissionais não pode ser excluída ou atenuada com o uso de EPI, há o direito à indenização por meio do adicional de insalubridade, em grau condizente com o risco de sua exposição.

Portanto, não se pode classificar o adicional de insalubridade dos profissionais de enfermagem por exposição aos agentes biológicos como um mero enquadramento normativo. Deve haver observância efetiva dos agentes biológicos a que esses trabalhadores estão expostos, a exemplo do SARS-CoV-2.

Infere-se, portanto, que a impossibilidade de mensuração do tempo da exposição aos agentes causadores da insalubridade ofende o princípio da dignidade da pessoa humana, assim como a legislação atinente ao assunto, em uma perspectiva de interpretação geral do instituto, o que torna a previsão legal totalmente inconstitucional.

Diante disso, torna-se necessária uma adequação das normas atinentes à segurança e saúde do trabalhador, por meio da participação efetiva das esferas interessadas, quais sejam, trabalhadores, empregadores e governo. Tais normas devem ter como viés norteador a dignidade humana como corolário da última racio, na linha de proteção à vida e à saúde do profissional de enfermagem.

Conclusão

Em função do que foi aqui elucidado, conclui-se que é necessário ampliar a discussão sobre o tema e rever o percentual do adicional de insalubridade dos profissionais de enfermagem por exposição aos agentes biológicos potencialmente contaminantes em seus ambientes laborais. Tal propósito possui o fito de conceder uma indenização justa aos profissionais da área da enfermagem, seja para deferir o adicional em seu grau máximo a partir de parâmetros jurídicos e ocupacionais, seja para deferir o legítimo direito ao profissional de enfermagem à prova técnica de insalubridade de seu ambiente laboral, visto que o adicional de insalubridade é um direito do trabalhador e tem como fundamento a dignidade da pessoa humana. Assim, é imperioso e urgente mobilizar juristas, gestores de políticas públicas, o Conselho Federal de Enfermagem, as Universidade e os profissionais de enfermagem brasileiros para prover a justa indenização dos profissionais de enfermagem por exposição aos agentes biológicos potencialmente contaminados em seus ambientes laborais.

  • *
    Justa, no sentido de igualdade de tratamento. Tratar os iguais de forma igual e os diferentes de forma diferente, na proporção das suas desigualdades, mas não criar uma desigualdade por mero critério eletivo.

References

  • 1
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Editado por

Editora Associada: Maria Lúcia do Carmo Cruz Robazzi

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    20 Abr 2021
  • Aceito
    26 Jul 2021
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